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Literatura de Cordel
   Teatro Popular
Texto teatral em linguagem de Cordel


Apresentado pela primeira vez pelo Grupo Teatral da
Associação Amigos da Cultura de Jardim do Seridó-RN
Fotos:
http://amigosdaculturadejardimdoserido.blogspot.com.br/



                         2010




            Autor: Marcos Jardim

                       2009
CENA I




[Banca na feira, com ervas, garrarfadas e
lambedores à mostra.
Um bule com xícaras.
Roselena é a vendedora.
O NARRADOR entra em cena fazendo seus
comentários como se tivesse em outro plano
dimensional.
Em alguns momentos a cena é congelada para o
narrador comentar.]
[NARRADOR]:
  Boa noite a quem não vi
  Deixe eu me aprochegar
  Sou um contador de “causos”
  Tô aqui pra apresentar
  Um magote de matuto
  Querendo se amostrar

             Essa aqui é Roselena
             Mulher boa (e perigosa!!!)
             Resolve toda ingresia
             De forma misteriosa
             Mistura o mundo profano
             Com crença religiosa.

[O Narrador fala o texto abaixo mexendo nos produtos da banca]

                         Aqui nessa sua banca
                         De tudo tem um bocado
                         Lambedor e garrafada
                         Ervas e fumo torrado
                         E aqui nessa chaleira
                         Um resto de chá coado!
               (tira a tampa e cheira, repugnando)]
(Roselena)
Tenho ervas pra vender
Quero ver quem vai comprar
Aqui se encontra os segredos
Da ciência milenar.
Trato de toda doença
Quem tem fé e quem tem crença
Venha pr’aqui se curar.
        Menino com dor de bucho
        “Mão-fechada” é de primeira
        Assento de pau de ameixa
        Para mulher parideira
        Aqui não passo trambique
        Chá de boldo é arrelique
        Pra quem tá com caganeira.

                 Tem também o capim-santo
                 Que serve pra relaxar.
                 Quem sofre de pressão alta
                 Melhora só em cheirar.
                 Mas cuidado, meu rapaz
                 Você tomando demais
                 É arriscado “brochar”.
[Mona entra em cena demonstrando falsidade e com traquejos
          exagerados. Entra em cena se coçando]



  [NARRADOR]
  Repare quem ta chegando!!!
  Né a filha de “coisinha”!?!
  Pense numa arrochada??!!
  Ela se acha a rainha
  Ela pensa que é a tal ...
  Num passa de uma “galinha”.]

             (Mona)
             Ei! Meu bem, Minha querida!
             Minha santa curandeira
             Vigie se aí num tem
             Alguma erva que cheira!
             Já tô ficando encarnada
             Já tô toda entabuada
             Com o diabo dessa coceira.
Roselena, depois de olhar de perto, afasta-se bruscamente. Diz
 isso jogando o ungüento tomando certa distância, com certo
                           temor]

                      (Roselena)
                      Mas mulher! Num leve a mal
                      O que eu vou dizer agora!
                      Isso aí que você tem
                      É a tal da catapora
                      Isso pega até no vento!
                      Vou lhe passar esse unguento
                      E é bom você ir embora.


   (Mona) [ainda de forma exagerada, “se achando”]
     Mulher, vire essa boca
     Num me diga isso, nannh!
     Eu já tô com tudo pronto
     Doida que chegue amanhã...
     Mesmo estando aleijada
     Eu num perco a vaquejada
     Já fretei até a van!
[NARRADOR]
  Roselena deve estar pensando:
  Essa agora é muito boa!!!
  Lá vem essa peniqueira
  Pensando que é patroa.
  Essa aí num tem no cu
  O que o priquito roa”*1]



            (Roselena)
            Afff Maria, minha fia!
            Não seja exagerada!
            Apois essa catapora
            Vai lhe tirar da estrada.
            E adepois, eu num sabia
            Você é dessas novia
            Que corre nas vaquejada?




*1 variação de um ditado popular.: “não tem no cu o que um
priquito merende” (pessoa paupérrima) Leonardo Mota –
“Adagiário Brasileiro” – (2ª ed. 1991);
(Mona)
Nannh.. mulher me poupe.
Você não sabe é de nada.
Eu corro atrás dos vaqueiros
Eu vou é para a balada.
Me tire esse catimbó
Pois pobre no caritó
É mesmo o fim da picada.

        (Roselena)
        Bem! Senhora ... senhorita...
        Espere aí mais um pouco.
        Para curar catapora
        E acabar seu sufoco
        Eu tenho aqui já prontinho
        Bem coado e bem quentinho
        O chá de fulô de toco.

Essa bebida é famosa
Eu vendo é muito pra fora
Tem doutor que recomenda
Até pras ricas senhoras!!
Eles chamam de PODELA
Só sei que quem bebe dela
Acaba com a catapora.
[Roselena oferece uma xícara do tal chá que Mona o bebe fazendo
                     careta e engulhando]
                       (Mona)
                        Mas esse chá tem um gosto
                        Que amarga bem na goela
                        Só tando muito doente
                        Pra tomar essa mazela!
                        Só fede a bosta de gato
                        Só cheira a merda de rato ...
           (Roselena): Mas né não, isso é PÓ-DELA.
   (Mona)
   Pelo visto esse seu chá
   Já está fazendo efeito
   Tô sentindo uns arrepios
   Estou ficando sem jeito.
   Ta subindo uma quentura
   Que vai aqui da cintura
   Até os bicos dos peitos.
                     [Roselena torna a encher a xícara]
                      Lhe faço mais um pedido
                      Se você não se importar
                      Peço pelo amor de Deus
                      Que me ensine a rezar
                      Um credo bem enxerido
                      Prêu arrumar um marido
                      E finalmente casar!!!
(Roselena)
   Oração não se aprende
   No currículo da escola.
   Eu pratico minhas rezas
   Tiradas dessa cachola
   Vou lhe fazer um favor
   Ensinando um louvor
   Pra lhe tirar dessa “sola”:
   .
[Roselena faz menção para que Mona se ajoelhe, e faz a
 oração seguinte tocando-lhe com um ramo na cabeça]


               [NARRADOR]
               Roselena adora isso!
               É a reza de Santa Rita...
               Ladainha poderosa
               Para quem nela acredita
               Faz a moça velha e feia
               Pensar que é nova e bonita.
(Roselena inicia)              (Mona complementa)
São Bartolomeu,                casar-me quer eu.
São Ludovico,                  com um moço rico.
São Nicolau,                   que ele não seja mau.
São Vicente,                   que não seja impertinente
São Sebastião,                 que nunca me falte o pão.
Santa Felicidade,              que me faça as vontades.
São Benjamim,                  que tenha paixão por mim
Santo André,                   que não tome rapé.
Santo Aniceto,                 que ande bem quieto
São Miguel,                    que pendure a lua-de-mel.
São Bento,                     que não seja ciumento
Santa Margarida,               que me traga bem vestida.
São Feliciano,                 que não passe desse ano

                               *2

                       FIM DA CENA


*2 superstição popular. Câmara Cascudo – “Superstição no
Brasil” – (5ª ed. 2002); ladainha das moças, oração oferecida a
Santa Rita, recitada e acompanhada de três Padre-Nossos e
Ave-Marias, com Glória Patri, pedindo que lhe favoreça o
casamento almejado.
[Ainda diante da banca de Roselena, entram Prazeres e Zé. Zé é
 empurrado por Prazeres que diz sua fala em tom de desaforo]

  [NARRADOR]
  Nesse segundo momento
  Chega um casal de artista
  É Maria dos Prazeres
  E Zé de Mané Calixta.
  O Zé quando tá melado
  Pensa que é repentista!
  .

              Ele inventa umas loas
              Mistura com as inventadas
              Vive só da boemia
              Não trabalha, não faz nada
              Suas mãos nunca empunharam
              O cabo de uma enxada.


    Vive às custas de Prazeres
    Mulher “zanha” e “vivedeira “
    Cabocla de olhar “pidão”
    Tigresa assaz verdadeira
    Capaz de pular a cerca
    Pra quem lhe “abrir a porteira!”
(Prazeres)
   Vou te ensinar a ser homem
   Pedaço de cabra ruim.
   Você comigo é na peia,
   Vou lhe quebrar o fucim
   Você vai pro cabaré,
   Gastar com aquelas mulé
   Num sobra nada pra mim.

 [Zé diz sua fala com deboche, sempre querendo cair “pra cima de
                            Roselena”]


         (Zé)
         “Duvido haver como este
         Um ditado mais profundo:
         Dinheiro e mulher bonita
         É quem governa este mundo” *3.

                O pior foi que eu casei
                Quando estava embriagado
                Arranjei esse DESENHO
                Agora estou aprumado.

*3 adágio popular. Leonardo Mota – “Adagiário Brasileiro” – (2ª
ed. 1991);
[Roselena dirige-se a Zé, de forma carinhosa]

(Roselena)
Meu senhor, por caridade
Você tá muito doente.
Eu tenho aqui um recurso
Pra lhe sarar num repente
Um gole desse chá-preto
Faz você ficar do jeito
De um garanhão valente.
      (Prazeres)
      Sai pra lá, filha da égua
      Sua velha trambiqueira
      Afaste do meu marido
      Cachorra catimbozeira
      Essas suas garrafadas
      Nunca serviram pra nada
      Sua falsa curandeira!

                Eu já sei como curar
                A cana desse caboco
                Já estou acostumada
                Dele se fazer de louco.
                É só descer o chicote
                Bem no centro do cangote
                Até cair o reboco.
[Roselena tenta chegar mais perto de Zé, com jeito dengoso]

    (Roselena)
    Minha senhora, me escute
    Que eu sou do lado da paz
    Curandeira eu não sou não
    E rezar nunca é demais.
    Pra curar essa cachaça
    Dou-lhe a receita de graça:
    Lave os pés dele com gás!
            (Prazeres) [dando rabiçaca]
            Vamos embora, infeliz
            Cachorro de fim de feira
            Não sei o que foi que fiz
            Pra cair nessa besteira
            Pra ter casado contigo
            Só mesmo sendo um castigo
            Ou praga de feiticeira.

                       (Zé) [“variando”]
                       “O homem que bebe e joga
                       Mulher que erra uma vez
                       Cachorro que pega bode,
                       Num tem jeito pra esses três!”*4

*4 adágio popular. Leonardo Mota – “Adagiário Brasileiro” – (2ª
ed. 1991);
(Zé) [saindo de cena]

      “Vida longa não alcanço
      Na orgia ou no prazer.
      Mas, enquanto eu não morrer
      Bebo, fumo, jogo e danço!
      Brinco, farreio, não canso,
      Me censure quem quiser.
      Enquanto vida eu tiver
      Cumprindo essa sina venho
      E, além dos vícios que tenho,
      Sou perdido por mulher!”*5 .




                 FIM DA CENA




*5: do poeta norteriograndense Moisés Sésiom.
CENA II




[Na casa de Roselena, após chegar da feira. O
NARRADOR fica o tempo da fala de Roselena lhe
“apiruando” prestando atenção aos detalhes da
fala e fazendo gestos de quem está admirado]
(Roselena)
Até que enfim cheguei!
Que bom é voltar pro lar.
Louvado seja meu Deus
Agora vou descansar.
Tô me sentindo enfadada
Tô assim meio enjoada
Parece que vou gripar!!

      Cruz-credo, cruz-credo
      Valei-me Nossa Senhora
      Será que eu vou pegar
      Essa tal gripe “da hora”?
      Pra essa gripe suína
      Não sei nem se tem vacina!
      O que é que faço agora?


               Tomar chá de fedegoso
               Talvez não dê resultado!
               Mel de abelha com limão
               Não me atrevo, é arriscado.
               E se um ofício eu rezar
               E a doença avançar
               Prum caso mais complicado???
[NARRADOR]
    Mas ta!!!
    É de se admirar
    A rezadeira famosa
    Não consegue se curar!
    Faz pros outros chá de bosta
    Mas duvido ela tomar!!

                  Espie quem ta chegando!?!
                  Não é o seu Gozalino?
                  É o homem mais amarrado
                  Desse solo nordestino.
                  Esse aí tem mão-de-vaca.
                  Ô molestado “mofino”!

[Gozalino chega batendo palma, trazendo consigo a foto de uma
     vaca recordada de uma embalagem de ração animal]


 (Gozalino) Ô de casa, ô de casa
            Pergunto se nela está.
 (Roselena) Se for de paz se aprochegue
            Se não for pode acuar.
 (Gozalino) Bendito seja Jesus!
 (Roselena) Louvada a Santa Cruz!
            Faça o favor, pode entrar.
(Gozalino)
Me acuda Roselena
Tô precisando de ocê.
A minha vaca leiteira
Achou de adoecer.
Já que não posso com ela
Trago esse retrato dela
Pro mode você benzer.



     (Roselena) [disfarçando uns espirros]
     Viche, que coisa medonha
     Botaram foi um olhado
     Olho gordo é um perigo
     E esse foi bem botado.
     Isso é coisa de invejoso
     E foi de um preguiçoso
     Que mora bem ao seu lado.
[Roselena pega um ramo e começa a “rezar” sobre a foto]




(Roselena) [limpando o nariz com a gola do vestido e rezando]
“Deus vai, Deus vem
Diga vaca o quê que dói
Dói vazi, dói perna e pá
Dói boca, pestana e zói
O ubre, o leite,o mugido
A venta e os uvido
O capim que o bucho mói”.


       “Ô vaca preta, mimosa,
       Ô vaca branca malhada,
       Ô vaca môcha doente
       Ô vaca môcha amojada
       Três cruz, três cruz, três
       Três cruz e mais uma vez
       Ô vaca murcha curada!”
(Gozalino)
   Muito obrigado, Senhora
   Deus lhe pague essa oração
   Se eu não lhe trouxer um queijo
   Trago o leite pro pirão
   E se eu não lhe trouxer nada
   Lá na próxima invernada
   Lhe chamo pra apartação.

[Gozalino diz os últimos versos espirrando, e sai de cena tossindo,
e assoando o nariz]



         (Roselena)
         Atchimm


                             FIM
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lucas_vinicius2012
 

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Quem tem a fé tem a cura

  • 1. Literatura de Cordel Teatro Popular
  • 2. Texto teatral em linguagem de Cordel Apresentado pela primeira vez pelo Grupo Teatral da Associação Amigos da Cultura de Jardim do Seridó-RN Fotos: http://amigosdaculturadejardimdoserido.blogspot.com.br/ 2010 Autor: Marcos Jardim 2009
  • 3. CENA I [Banca na feira, com ervas, garrarfadas e lambedores à mostra. Um bule com xícaras. Roselena é a vendedora. O NARRADOR entra em cena fazendo seus comentários como se tivesse em outro plano dimensional. Em alguns momentos a cena é congelada para o narrador comentar.]
  • 4. [NARRADOR]: Boa noite a quem não vi Deixe eu me aprochegar Sou um contador de “causos” Tô aqui pra apresentar Um magote de matuto Querendo se amostrar Essa aqui é Roselena Mulher boa (e perigosa!!!) Resolve toda ingresia De forma misteriosa Mistura o mundo profano Com crença religiosa. [O Narrador fala o texto abaixo mexendo nos produtos da banca] Aqui nessa sua banca De tudo tem um bocado Lambedor e garrafada Ervas e fumo torrado E aqui nessa chaleira Um resto de chá coado! (tira a tampa e cheira, repugnando)]
  • 5. (Roselena) Tenho ervas pra vender Quero ver quem vai comprar Aqui se encontra os segredos Da ciência milenar. Trato de toda doença Quem tem fé e quem tem crença Venha pr’aqui se curar. Menino com dor de bucho “Mão-fechada” é de primeira Assento de pau de ameixa Para mulher parideira Aqui não passo trambique Chá de boldo é arrelique Pra quem tá com caganeira. Tem também o capim-santo Que serve pra relaxar. Quem sofre de pressão alta Melhora só em cheirar. Mas cuidado, meu rapaz Você tomando demais É arriscado “brochar”.
  • 6. [Mona entra em cena demonstrando falsidade e com traquejos exagerados. Entra em cena se coçando] [NARRADOR] Repare quem ta chegando!!! Né a filha de “coisinha”!?! Pense numa arrochada??!! Ela se acha a rainha Ela pensa que é a tal ... Num passa de uma “galinha”.] (Mona) Ei! Meu bem, Minha querida! Minha santa curandeira Vigie se aí num tem Alguma erva que cheira! Já tô ficando encarnada Já tô toda entabuada Com o diabo dessa coceira.
  • 7. Roselena, depois de olhar de perto, afasta-se bruscamente. Diz isso jogando o ungüento tomando certa distância, com certo temor] (Roselena) Mas mulher! Num leve a mal O que eu vou dizer agora! Isso aí que você tem É a tal da catapora Isso pega até no vento! Vou lhe passar esse unguento E é bom você ir embora. (Mona) [ainda de forma exagerada, “se achando”] Mulher, vire essa boca Num me diga isso, nannh! Eu já tô com tudo pronto Doida que chegue amanhã... Mesmo estando aleijada Eu num perco a vaquejada Já fretei até a van!
  • 8. [NARRADOR] Roselena deve estar pensando: Essa agora é muito boa!!! Lá vem essa peniqueira Pensando que é patroa. Essa aí num tem no cu O que o priquito roa”*1] (Roselena) Afff Maria, minha fia! Não seja exagerada! Apois essa catapora Vai lhe tirar da estrada. E adepois, eu num sabia Você é dessas novia Que corre nas vaquejada? *1 variação de um ditado popular.: “não tem no cu o que um priquito merende” (pessoa paupérrima) Leonardo Mota – “Adagiário Brasileiro” – (2ª ed. 1991);
  • 9. (Mona) Nannh.. mulher me poupe. Você não sabe é de nada. Eu corro atrás dos vaqueiros Eu vou é para a balada. Me tire esse catimbó Pois pobre no caritó É mesmo o fim da picada. (Roselena) Bem! Senhora ... senhorita... Espere aí mais um pouco. Para curar catapora E acabar seu sufoco Eu tenho aqui já prontinho Bem coado e bem quentinho O chá de fulô de toco. Essa bebida é famosa Eu vendo é muito pra fora Tem doutor que recomenda Até pras ricas senhoras!! Eles chamam de PODELA Só sei que quem bebe dela Acaba com a catapora.
  • 10. [Roselena oferece uma xícara do tal chá que Mona o bebe fazendo careta e engulhando] (Mona) Mas esse chá tem um gosto Que amarga bem na goela Só tando muito doente Pra tomar essa mazela! Só fede a bosta de gato Só cheira a merda de rato ... (Roselena): Mas né não, isso é PÓ-DELA. (Mona) Pelo visto esse seu chá Já está fazendo efeito Tô sentindo uns arrepios Estou ficando sem jeito. Ta subindo uma quentura Que vai aqui da cintura Até os bicos dos peitos. [Roselena torna a encher a xícara] Lhe faço mais um pedido Se você não se importar Peço pelo amor de Deus Que me ensine a rezar Um credo bem enxerido Prêu arrumar um marido E finalmente casar!!!
  • 11. (Roselena) Oração não se aprende No currículo da escola. Eu pratico minhas rezas Tiradas dessa cachola Vou lhe fazer um favor Ensinando um louvor Pra lhe tirar dessa “sola”: . [Roselena faz menção para que Mona se ajoelhe, e faz a oração seguinte tocando-lhe com um ramo na cabeça] [NARRADOR] Roselena adora isso! É a reza de Santa Rita... Ladainha poderosa Para quem nela acredita Faz a moça velha e feia Pensar que é nova e bonita.
  • 12. (Roselena inicia) (Mona complementa) São Bartolomeu, casar-me quer eu. São Ludovico, com um moço rico. São Nicolau, que ele não seja mau. São Vicente, que não seja impertinente São Sebastião, que nunca me falte o pão. Santa Felicidade, que me faça as vontades. São Benjamim, que tenha paixão por mim Santo André, que não tome rapé. Santo Aniceto, que ande bem quieto São Miguel, que pendure a lua-de-mel. São Bento, que não seja ciumento Santa Margarida, que me traga bem vestida. São Feliciano, que não passe desse ano *2 FIM DA CENA *2 superstição popular. Câmara Cascudo – “Superstição no Brasil” – (5ª ed. 2002); ladainha das moças, oração oferecida a Santa Rita, recitada e acompanhada de três Padre-Nossos e Ave-Marias, com Glória Patri, pedindo que lhe favoreça o casamento almejado.
  • 13. [Ainda diante da banca de Roselena, entram Prazeres e Zé. Zé é empurrado por Prazeres que diz sua fala em tom de desaforo] [NARRADOR] Nesse segundo momento Chega um casal de artista É Maria dos Prazeres E Zé de Mané Calixta. O Zé quando tá melado Pensa que é repentista! . Ele inventa umas loas Mistura com as inventadas Vive só da boemia Não trabalha, não faz nada Suas mãos nunca empunharam O cabo de uma enxada. Vive às custas de Prazeres Mulher “zanha” e “vivedeira “ Cabocla de olhar “pidão” Tigresa assaz verdadeira Capaz de pular a cerca Pra quem lhe “abrir a porteira!”
  • 14. (Prazeres) Vou te ensinar a ser homem Pedaço de cabra ruim. Você comigo é na peia, Vou lhe quebrar o fucim Você vai pro cabaré, Gastar com aquelas mulé Num sobra nada pra mim. [Zé diz sua fala com deboche, sempre querendo cair “pra cima de Roselena”] (Zé) “Duvido haver como este Um ditado mais profundo: Dinheiro e mulher bonita É quem governa este mundo” *3. O pior foi que eu casei Quando estava embriagado Arranjei esse DESENHO Agora estou aprumado. *3 adágio popular. Leonardo Mota – “Adagiário Brasileiro” – (2ª ed. 1991);
  • 15. [Roselena dirige-se a Zé, de forma carinhosa] (Roselena) Meu senhor, por caridade Você tá muito doente. Eu tenho aqui um recurso Pra lhe sarar num repente Um gole desse chá-preto Faz você ficar do jeito De um garanhão valente. (Prazeres) Sai pra lá, filha da égua Sua velha trambiqueira Afaste do meu marido Cachorra catimbozeira Essas suas garrafadas Nunca serviram pra nada Sua falsa curandeira! Eu já sei como curar A cana desse caboco Já estou acostumada Dele se fazer de louco. É só descer o chicote Bem no centro do cangote Até cair o reboco.
  • 16. [Roselena tenta chegar mais perto de Zé, com jeito dengoso] (Roselena) Minha senhora, me escute Que eu sou do lado da paz Curandeira eu não sou não E rezar nunca é demais. Pra curar essa cachaça Dou-lhe a receita de graça: Lave os pés dele com gás! (Prazeres) [dando rabiçaca] Vamos embora, infeliz Cachorro de fim de feira Não sei o que foi que fiz Pra cair nessa besteira Pra ter casado contigo Só mesmo sendo um castigo Ou praga de feiticeira. (Zé) [“variando”] “O homem que bebe e joga Mulher que erra uma vez Cachorro que pega bode, Num tem jeito pra esses três!”*4 *4 adágio popular. Leonardo Mota – “Adagiário Brasileiro” – (2ª ed. 1991);
  • 17. (Zé) [saindo de cena] “Vida longa não alcanço Na orgia ou no prazer. Mas, enquanto eu não morrer Bebo, fumo, jogo e danço! Brinco, farreio, não canso, Me censure quem quiser. Enquanto vida eu tiver Cumprindo essa sina venho E, além dos vícios que tenho, Sou perdido por mulher!”*5 . FIM DA CENA *5: do poeta norteriograndense Moisés Sésiom.
  • 18. CENA II [Na casa de Roselena, após chegar da feira. O NARRADOR fica o tempo da fala de Roselena lhe “apiruando” prestando atenção aos detalhes da fala e fazendo gestos de quem está admirado]
  • 19. (Roselena) Até que enfim cheguei! Que bom é voltar pro lar. Louvado seja meu Deus Agora vou descansar. Tô me sentindo enfadada Tô assim meio enjoada Parece que vou gripar!! Cruz-credo, cruz-credo Valei-me Nossa Senhora Será que eu vou pegar Essa tal gripe “da hora”? Pra essa gripe suína Não sei nem se tem vacina! O que é que faço agora? Tomar chá de fedegoso Talvez não dê resultado! Mel de abelha com limão Não me atrevo, é arriscado. E se um ofício eu rezar E a doença avançar Prum caso mais complicado???
  • 20. [NARRADOR] Mas ta!!! É de se admirar A rezadeira famosa Não consegue se curar! Faz pros outros chá de bosta Mas duvido ela tomar!! Espie quem ta chegando!?! Não é o seu Gozalino? É o homem mais amarrado Desse solo nordestino. Esse aí tem mão-de-vaca. Ô molestado “mofino”! [Gozalino chega batendo palma, trazendo consigo a foto de uma vaca recordada de uma embalagem de ração animal] (Gozalino) Ô de casa, ô de casa Pergunto se nela está. (Roselena) Se for de paz se aprochegue Se não for pode acuar. (Gozalino) Bendito seja Jesus! (Roselena) Louvada a Santa Cruz! Faça o favor, pode entrar.
  • 21. (Gozalino) Me acuda Roselena Tô precisando de ocê. A minha vaca leiteira Achou de adoecer. Já que não posso com ela Trago esse retrato dela Pro mode você benzer. (Roselena) [disfarçando uns espirros] Viche, que coisa medonha Botaram foi um olhado Olho gordo é um perigo E esse foi bem botado. Isso é coisa de invejoso E foi de um preguiçoso Que mora bem ao seu lado.
  • 22. [Roselena pega um ramo e começa a “rezar” sobre a foto] (Roselena) [limpando o nariz com a gola do vestido e rezando] “Deus vai, Deus vem Diga vaca o quê que dói Dói vazi, dói perna e pá Dói boca, pestana e zói O ubre, o leite,o mugido A venta e os uvido O capim que o bucho mói”. “Ô vaca preta, mimosa, Ô vaca branca malhada, Ô vaca môcha doente Ô vaca môcha amojada Três cruz, três cruz, três Três cruz e mais uma vez Ô vaca murcha curada!”
  • 23. (Gozalino) Muito obrigado, Senhora Deus lhe pague essa oração Se eu não lhe trouxer um queijo Trago o leite pro pirão E se eu não lhe trouxer nada Lá na próxima invernada Lhe chamo pra apartação. [Gozalino diz os últimos versos espirrando, e sai de cena tossindo, e assoando o nariz] (Roselena) Atchimm FIM