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org.: Cássia Regina Xavier de Andrade




Mariana        um facho de luz
O objetivo deste trabalho é
apresentar, ainda mais, a Mariana a
todas as pessoas que acreditam na
eterna possibilidade que a vida nos
presenteia cotidianamente de superar
limites.
   É uma oportunidade de
conhecer mos os sentimentos
envolvidos, quando descobrimos que
somos a exceção, somos minoria.
   O que acontece com uma pessoa
com Síndrome de Down, as suas
dificuldades e mais ainda suas
possibilidades frente à vida, dito por
seus pais, terapeutas, professores,
amigos, irmãos, avós, ou seja, pessoas
que têm a oportunidade de conviver
com ela.
Cássia Regina Xavier de Andrade




Mariana                          um facho de luz




                Forteleza
        Banco do Nordeste do Brasil
                  2010

                                                   1
Presidente:
                        Roberto Smith
                          Diretores:
                     João Emílio Gazzana
                José Sydrião de Alencar Júnior
                 Luiz Carlos Everton de Farias
          Luiz Henrique Mascarenhas Corrêa Silva
                 Oswaldo Serrano de Oliveira
                Paulo Sérgio Rebouças Ferraro
             Ambiente de Comunicação Social
                José Maurício de Lima da Silva
              Ambiente de Gestão da Cultura
                  Henilton Parente Menezes
     Ambiente de Responsabilidade Socioambiental
                José Danilo Lopes de Oliveira
            Área de Desenvolvimento Humano
                Eliane Libânio Brasil de Matos
      Coordenação do Programa Cultura da Gente
               Rosana Virgínia Gondim Pereira
    Editor: Jornalista Ademir Costa – CE00673JP – Fenaj
          Capa: Marcus Vinicius Coelho Sampaio
      Diagramação: Marcus Vinicius Coelho Sampaio




2
Sumário
Apresentação                              5
Prefácio                                  9
Introdução                               13
Relato de seus pais                      19
	     Ruth Cavalcante                    21
	     João de Paula                      35
Mariana por Cezar Wagner                 55
Mariana construindo
sua identidade                           61
Dos 15 anos até...                       67
Entrevista com a artista                 73
A Biodança e a Mariana                   83
A Religião                               87
A Natação                                89
A presença dos amigos e familiares
no processo de crescimento da Mariana    93
Mariana, cidadã brasileira              155



                                          3
4
Apresentação

  Mariana, uma história de amor, humor, medo, força, determi-
nação, família, amigos, apoio, crescimento, desafio e realização.
Neste livro, encontraremos muitas dessas palavras.
  O objetivo deste trabalho é apresentar, ainda mais, a Mariana a
todas as pessoas que acreditam na eterna possibilidade que a vida
nos presenteia, cotidianamente, de superar limites.
  É uma oportunidade de conhecermos os sentimentos envolvi-
dos, quando descobrimos que somos a exceção, somos minoria.
  O que acontece com uma pessoa com Síndrome de Down, as
suas dificuldades e mais ainda suas possibilidades frente à vida,
dito por seus pais, terapeutas, professores, amigos, irmãos, avós,
ou seja, pessoas que têm a oportunidade de conviver com ela.
  A ideia inicial deste trabalho foi da Cris, durante a apresentação
de nossas monografias (Cássia, Cris, Cleusa e Fátima Mesquita);
estávamos num clima de alegria, a Cris sugeriu, mas falou que não
poderia participar, daí eu e a Cleusa topamos.
  Aproveitamos o tempo que a Cleusa estaria em Fortaleza e
montamos uma estrutura, fizemos entrevistas, começamos a
pedir contribuição das pessoas envolvidas, fizemos reuniões com
Mariana, João e Ruth, era de fato uma experiência sui generes.
  Cleusa teve que voltar a Porto Alegre... E agora, Mariana? E
agora, Cássia? Vamos ver o que poderemos fazer. Começamos a

                                                                  5
outra etapa (recebia telefonema da Mariana toda noite, mais ide-
ias, mais textos, fotos, colagens e muitas sugestões). Mariana, vai
sair e vai ser lindo. (Eu dizia)
  - Ai, meu Deus, Ave Maria!
  Era uma alegria só.
  Chegou o cansaço do trabalho individual, pedi ajuda ao Rober-
to (meu companheiro), a Herbene (minha cunhada e amiga) e ao
Valber (artista que deu origem à capa do livro), foram muitas tar-
des: scanner, fotos, cafezinho, pão e manteiga (saborosíssimos).
  Depois, veio uma amiga linda, Mara, in memoriam, que topou
ajudar-me. Passamos tardes, noites, nos deleitávamos com os tex-
tos, vinho, frutas e muito som espalhado em seu escritório. Puxa,
como foi boa esta experiência! Obrigada, Mariana.
  O livro está dividido em 3 etapas. Na primeira, Ruth e João,
seus pais, contam como perceberam a evolução da Mariana, sua
história, suas recordações. Cézar, como diz a Mariana, seu segun-
do pai, também conta como é sua relação com ela.
  Em seguida, Mariana nos fala, de diversos modos, o que pensa
sobre a vida, sua evolução em habilidades e pensamento.
  Adiante, familiares, amigos, professores e terapeutas nos con-
tam como é conviver com a Mariana.
  É importante relatar que esta é a segunda edição, a primeira foi
totalmente esgotada, e Mariana fez bom uso dos livros, doando,
vendendo, divulgando sua história de sucesso e amor, em
palestras, conferências, aulas práticas nos cursos de pós-gradua-
ção em educação especial. Nesse momento, sinto-me convidada a
continuar contando suas conquistas, ela agora está no mundo do
trabalho, podendo colaborar com o Banco do Nordeste, assesso-
rando a prefeitura de Fortaleza no comitê de inclusão.
  Desfrutem dessa viagem de alegria, esperança e coragem em
viver criando a realidade e escolhendo como quer viver.

6
Um beijo
Cássia Regina




                7
8
Prefácio


                                 Fortaleza, 10 de julho de 2007



 Mariana querida,



  As leituras e estudos, as experiências e a aproximação com
as múltiplas e variadas histórias de vidas têm revelado que são
muitos os modos de se lidar com as diferenças entre as pessoas,
especialmente quando se trata das diferenças mais facilmente
percebidas e que ganham um significado de desvantagem ou de
descrédito social. Essa significação social, dadas a diferenças,
não está necessariamente determinada por suas características
aparentes. São certamente expressas por reações fundadas em
concepções historicamente construídas. Entretanto, a Psicolo-
gia e as Ciências Sociais têm contribuído de forma decisiva para
uma outra compreensão das relações sociais que se estabelecem
entre os indivíduos diferenciados, evidenciando a importância
das reações frente às diferenças para a formação dessas pessoas.
Estudiosos deste tema afirmam que aqueles que apresentam
diferenças mais visíveis passam a adquirir uma posição social
em função das respostas dos outros frente a elas.
                                                               9
A história de sua vida, Mariana, por você mesma contada e
tão carinhosamente revelada por seus familiares e amigos, ilus-
tra de modo positivo as ideias acima consideradas. Há alguns
anos, ao recebê-la para uma rica e agradável convivência, entre
os que fazem a Associação de Pais e Amigos dos Excepcio-
nais de Fortaleza, deparei-me com uma bonita jovem em franco
desenvolvimento, de olhos brilhantes, com ar de felicidade, de
comportamento tranquilo e expressão de confiança em si. Cer-
tamente, essas são características que dizem respeito a pessoas
bem amadas, plenamente aceitas, respeitadas em suas diferen-
ças e especialmente consideradas como cidadãs merecedoras de
direitos e cumpridoras de deveres.
   Hoje, tenho uma vez mais o privilégio de tecer considerações
importantes a pretexto de reescrever o prefácio de um livro que
conta a história de vida de uma linda moça que se faz feliz, é
consciente de seus limites e de suas possibilidades, aprende e
apreende com perspicácia a realidade que a cerca a partir das
preciosas interações que estabelece com os outros, é otimista
frente ao mundo, trabalhadora, desejosa de fazer a síntese de sua
trajetória e, portanto, ocupa um merecido lugar na vida social.
   Ao pensar em você, Mariana, ao conviver com seus pais, Ruth
e João de Paula, ao rememorar os momentos intensamente vivi-
dos junto aos outros alunos e às mães e pais que frequentavam
aquela escola, me vem o desejo de expressar que o que nos liga,
a mim e a você, é a certeza de que estabelecer vínculos afetivos
com os ditos diferentes nos engrandece e humaniza. É a afirma-
tiva de que as “deficiências” são construtos sociais e, por isto
mesmo, devem ser sempre relativizados e historicizados. Afinal,
Mariana, quantos entre nós podem ver e não enxergam horizon-
tes à sua frente; tantos de nós ouvem e não conseguem escutar
os clamores e chamamentos que a vida tem a nos oferecer; tan-
tos outros falam, porém silenciam suas experiências, impedidos
que estão de compartilhar suas aprendizagens, frutos de suas
10
vivências; quantos podem se locomover e não conseguem dar
um só passo à frente em busca de soluções para os embates im-
postos pelo cotidiano!
  Todas essas reflexões, resultantes de densa convivência entre
as pessoas diferenciadas feito você, Mariana, me levam a acredi-
tar que confundir diferença com deficiência resulta de elabo-
rações sociais. Essa é uma crença de quem aprendeu que mais
importante do que os rótulos, os nomes e as denominações,
é compreender a complexidade das relações interpessoais que
envolvem o processo social de constituição das pessoas como
seres singulares e únicos. É a mentalidade de que todos nós so-
mos cidadãos e, como tal, merecemos ser incluídos no cotidiano
da vida coletiva. É a crença de quem assimilou que na vida mais
vale descobrir a beleza e a força da solidariedade e do amor en-
tre os seres humanos, e de que são os vínculos afetivos que nos
movem.
  As revelações neste livro anotadas, certamente serão de grande
valia para aquelas pessoas que ainda não se deram conta de que
todos nós, apresentando ou não alguma limitação, seja de que
natureza for, fazemos parte de uma comunidade que é univer-
sal e somos parte integrante e indissolúvel da sociedade onde
moramos e vivemos. Sua vida, Mariana, é hoje uma referência
para que se acredite nas possibilidades do ser humano. Parabéns
e obrigada por suas lições!

 Um forte e carinhoso abraço.

 Vanda Magalhães Leitão
 Doutora em Educação Brasileira
 Professora da Faculdade de Educação da UFC
 Ex-diretora da APAE-Fortaleza

                                                             11
12
Introdução


Mariana, Mariana
Menina linda
Mulher sapeca
Que sonha com a vida
Cria a vida, dizendo o que quer

Mariana, Mariana
Sabe sonhar e expressar
Faz acontecer o sonho
Ultrapassando o olhar
Num suave acontecer

Mariana, Mariana
Sabe dançar, se soltar
Abraçar e cantar
Olhar o coração
Falar em canção
Entoar o amor em cada encontro
Em cada salão!
                                  13
Apresentar Mariana ao mundo, é um presente e um meio de
falar que temos toda a possibilidade de conduzir nossas vidas
e fazer de cada dia um presente repleto de oportunidade e
criatividade.
  Nesse tempo em que convivo com ela já me surpreendi,
chorei, sorri, duvidei e depois de algum tempo aprendi a
aguardar e ver o que ela, com seu olhar matreiro e lindo diz
virar realidade. O querer da Mariana me chegava às vezes de
modo impossível, internamente pensava que não ia dar cer-
to, cuidava para não haver frustração para ela, caso minha
suposição se confirmasse, porém, com o passar do tempo ia
vendo que suas palavras proféticas aconteciam com fluidez e
mais uma vez ela conseguia realizar o que um dia foi apenas
um suave comentar.
  Durante nossa convivência, pois começamos nossa amizade
sendo companheiras de biodança, ela, a filha da Ruth, que era
carinhosa e em algumas viagens precisa de “cuidados espe-
ciais”. A Ruth nos pedia para dar uma olhada nela, nos
encontros de biodança, pois era uma quantidade grande de
pessoas e a Mariana podia se perder, não encontrar o quarto
do hotel... Preocupações de mãe afetiva, que não passava de
perda de tempo, pois fui verificando que a Mariana tinha uma
autonomia impressionante. No primeiro dia, ela ia conhecendo
todas as pessoas, recebendo os cartões dos amigos, recebendo
convite para almoçar, jantar. Quando procurávamos Mariana,
ela estava sempre com alguém, dando suas boas risadas. Uma
vez, perguntei como ela conseguia fazer tantos amigos em tão
pouco tempo... ela com seu jeito de professora, foi logo di-
zendo: - Começo perguntando o nome, dou um abraço e aí
pronto... E era mesmo assim, sua inteligência afetiva é de uma
maestria para fazer calar muitos educadores.
  Depois de um tempo, Mariana quis fazer biodança em meu
grupo, passei a ser sua facilitadora. Nesse período, ficamos
mais íntimas e, quando nos encontrávamos, era motivo de
aprendizado, limite, afeto, aventura e muita ação. Lembro de
muitos momentos em que aprendi com ela e também tive que
14
dar limite e, mesmo com o coração apertado, dizer não, tirá-la
das atenções, agir com naturalidade, pois a considerava, uma
pessoa com experiência em biodança, que tinha vinte e pou-
cos anos, que entendia o que era falado. Fazia questão de não
valorizar sua síndrome, mesmo sabendo que ela existia, mas
tentava a primeira opção sempre: agir de modo normal e dar
o mesmo desafio que dava aos demais; dependendo da reação
dela, é que ia diminuindo ou não o pedido.
   Recordo de muitos momentos em que Mariana chegava à
aula com um CD para que se usasse na sessão, sempre um CD
diferente, fruto de sua pesquisa durante a semana. Eu ouvia a
música e nas primeiras vezes usei-a de imediato, pois a música
era boa e tinha a ver com o que ia trabalhar. Certo dia, ela
trouxe um CD e eu não o usei, pois quis dizer para ela que
o papel dela no grupo era de participante e também não via
como usar as músicas naquela sessão. Ao final da aula, ela veio
recolher o CD e foi embora, sem comentários. Na próxima
aula, fiquei surpresa em ver que ela trouxe o mesmo CD que
eu não havia usado na semana anterior. Não o usei novamente.
Ao final ela recolheu e foi embora sem comentar. Na sessão
seguinte, chega Mariana novamete com o mesmo CD, dei uma
risada interna, pensando: que menina de identidade saudável,
sabe de si, sabe que o fruto de sua pesquisa não pode ser
deixado de lado assim e insiste com toda a dignidade de uma
pessoa integrada. Isso foi uma lição para mim, numa leitura de
postura na vida. Aprendi com você, Mariana, a me posicionar
e a exigir atenção e respeito. Usei o CD nessa sessão, foi logo
a primeira música, ela do outro lado da roda, olhou para mim
e piscou o olho, com um lindo sorriso nos lábios, num diálogo
silencioso e sonoro ao mesmo tempo. Na semana seguinte, ela
trouxe outro, era muito encantador.
   Ficava atenta quando ela queria envolver as pessoas do
grupo com sua fala e não olhava ao redor a questão do tempo,
a oportunidade para os demais e, como facilitadora, dava o
limite, o que ela sempre aceitava, demonstrando tranquilidade.
Era um exercício contínuo de aprender a conviver, a diferença
é que Mariana aprende rápido e sem mágoas.
                                                            15
O jeito de Mariana criar a realidade é algo que mexe muito
comigo, positivamente. Tivemos uma vez a experiência de ela
querer ser funcionária do Banco do Nordeste, pois admirava
a facilitadora, eu, que sou do banco. E depois chegaram a
Melina e a Paulinha, todas do grupo e trabalham no BNB. Ela
nutre uma amizade muito grande por nós. Rapidamente ela
compreendeu que era bom ser funcionária, pois conversáva-
mos, realizávamos trabalhos no banco e quando nos encon-
trávamos era com alegria que combinávamos novas real-
izações... Ela, um dia, no grupo, disse que ia ser também do
BNB. Fiquei apreensiva, pois como facilitadora, não queria
criar expectativa que não pudesse ser uma possibilidade... Es-
queci que era ela que estava falando e foi ela com seu jeito
insistente e suave, sedutor e fluido que foi criando essa nova
realidade... depois de uns meses, houve momentos de falta de
fé da nossa parte, de irritação da Mariana, pelo tempo per-
dido em espera, recebemos a notícia numa maratona na Taíba,
que a APAE havia assinado um acordo com o banco e que
Mariana ira trabalhar no BNB, intermediado pelo Ambiente
de Responsabilidade Socioambiental, na época liderado por
Edgar Arilo. Ela iria, trabalhar na biblioteca do banco. Foi
uma festa só, uma alegria e um ensinamento para mim como
a nos fazer lembrar Walt Disney ao dizer que “se podemos
sonhar, podemos fazer”
  Hoje, fico feliz por ver Mariana toda atenciosa, recebendo
as pessoas com respeito e cuidado no Centro Cultural Banco
do Nordeste, é uma recepcionista delicada e comprometida.
Iniciou outra fase, quer ser facilitadora de biodança, já não
digo, nem sinto que não pode, contudo já expliquei que pre-
cisa se preparar, quem sabe as voltas que o mundo vai dar e
quantas coisas podem mudar... Atualmente, acho que ela é
uma facilitadora da vida! E começou seu estágio... Assisti a
uma palestra dela no Encontro Nordestino de Biodança em
Natal-RN, no Encontro Nordestino de Educação e Cidadania
em Fortaleza-CE e, nessas ocasiões, fiquei encantada com seu
jeito alegre de envolver todas as pessoas do auditório.

16
Lembro de uma vivência de biodança em que trabalhávamos
o poder dos animais e havia um texto muito grande sobre cada
desafio. Auxiliei Mariana e fomos ler juntas as características
do animal que veio para ela. Verifiquei que ela rapidamente
entendeu a metáfora e associava as respostas ao significado,
relacionando aos quatro elementos da natureza. Foi uma sur-
presa e alegria para minha condição de facilitadora. Quando
comecei a perguntar sobre quais desafios ela sugeriria para
cada participante, com a naturalidade de uma facilitadora-
xamã, iniciou uma leitura lúcida sobre cada participante e, em
muitos graus, sua fala tinha ressonância com o que havia pre-
parado para cada participante.
  Fomos madrinhasno casamento da Érica, nossa amiga co-
mum, e inspiradas pelo lugar belo e acolhedor, passamos um
bom tempo combinando como será a sua cerimônia de casa-
mento, pois casar é também um sonho, que sei, será realidade.
Mariana me convidou para ser a “madre”, vou fazer a
cerimônia e como é típico de sua identidade, foi logo inclu-
indo a Melina e a Paulinha, dizendo que elas serão as sacristãs,
um modo lindo e afetivo de reconhecer a todo momento o
bem querer que tem por todos.
  Poderia descrever muitos momentos e muitos “causos”, mas
vocês poderão desfrutá-los nos demais textos produzidos por
tantos outros amigos da Mariana. Ao organizar este livro, tive
o privilégio de conhecer mais o que ela causa em cada pessoa
e saber que minhas observações estão corretas. Mariana de-
senvolveu uma inteligência afetiva e uma inteligência prática,
suas considerações sempre estão fundamentadas numa lógica
não linear. Ela vai no centro de nossas almas, capta o que
está acontecendo de modo não convencional e contribui com
palavras doces e certeiras. Não sei denominar como é essa
inteligência, mas vivenciei muitos momentos com ela.

 Cássia Regina Xavier de Andrade
 Amiga da Mariana

                                                             17
18
Um facho de luz
  Relato de seus pais




                    19
20
Um facho de luz
Sua mãe e amiga Ruth


   A preparação para o nascimento da Mariana durou sete anos.
Os empecilhos que se colocavam em nosso caminho contribuíam
ainda mais para fazer crescer o meu desejo de gerar um filho.
Vinda de uma família de 20 irmãos, de um pai presente na vida
dos filhos e de uma mãe profundamente acolhedora, o meu in-
stinto maternal sempre foi muito desenvolvido.
   Os quatro anos de perseguição política e consequente clandes-
tinidade para defender-me do regime militar no Brasil e um ano
no Chile, onde tivemos o nosso primeiro asilo político, sempre
foram alimentados pela esperança de poder concretizar o meu
desejo de ser mãe. Quando, afinal, pudemos respirar com mais
liberdade no nosso segundo asilo, na Alemanha, vimos que havia
chegado o momento de realizar esse sonho.
   Mariana foi gerada, então, numa época em que eu experimenta-
va viver todas as formas de amor com uma intensidade, que mar-
cou, não apenas a mim, mas a toda uma geração. Nós vivíamos a
utopia de transformar o mundo e salvar a humanidade e para tão
ousada tarefa era necessário ter muito amor dentro de si.
   A juventude dos anos 60, a nossa juventude, pode desfrutar da
liberdade de amar, de criar e expandir-se além dos nossos limites.
Exercitávamos de todas as maneiras a vida coletiva, o compartil-
har dos sentimentos, por isso a sua gestação foi festejada e vivida
alegremente por todos os companheiros exilados fora e dentro
                                                                21
22
do Brasil, por nossos familiares e pelos novos amigos que nos
acolhiam em seu país. Eu me sentia plena, além de prenha, numa
gravidez curtida, saudável e feliz.
  A primeira surpresa foi iniciar o trabalho de parto quase um
mês antes do prazo. O que estaria ocorrendo, se tudo estava indo
tão bem?
  O João estava concluindo o curso de medicina, que de tanto
recomeçar, sobrevivendo a todos os golpes, já durava 10 anos.
Além de pai participante, sentia-se, como estudante, motivado
a acompanhar todo o processo, daí ter recebido permissão de
participar do parto, o que não era tão comum na época a partici-
pação do pai.
  A sua primeira observação ao vê-la saiu natural e carinhosa-
mente: “minha nega, ela parece uma mongoloidizinha”, e eu
retruquei tranquila: “é, ela tem os olhos repuxados como os seus”.
Ele ainda chamou a enfermeira mais experiente e perguntou se
ela não notava nada de estranho. Ela o tranquilizou, dizendo: “o
senhor precisa sair para comemorar o nascimento de sua filha”.
  Mais tarde, ela explicou que não tinha o direito de frustrar
nossa alegria naquela hora, se depois teríamos tempo de receber
a notícia. Ele saiu para festejar com nossos amigos, feliz nesse
momento sublime em que o homem como ser também criador
se completa admirando, sua mais perfeita obra. E eu descansei,
como dizemos no Nordeste, na certeza de ter dado à luz a uma
criança divina.
  Só mais tarde, muito mais tarde, compreendi o porquê dessa
forte sensação de paz e tranquilidade que minha filha me trazia
naquela hora e permanece me presenteando até hoje.
  No dia seguinte a seu nascimento, o médico não teve a mesma
sensibilidade da enfermeira e mandou me chamar ao seu con-
sultório. Já fui protestando, por ter que ir andando, lembrando-
me, que a mamãe passava 40 dias de “resguardo” e eu tinha já
                                                               23
que fazer aquele esforço; e mais uma vez tive pena de ela não ter
nascido na Pedra Branca.
   Quando ele me deu a notícia, pensei que não estava entenden-
do mais o idioma alemão, tal era a minha dificuldade de aceitar a
verdade. Quando pedi para ele explicar melhor, não pude ouvir
o final, porque desmaiei. Talvez quisesse mesmo morrer; agora já
não entendia mais o que a vida queria fazer de mim.
   Na manhã que antecedeu a essa notícia, eu tivera uma conversa
com uma companheira do quarto, perguntando por que todos do
hospital vinham conversar com ela, que era alemã e mal notavam
a minha presença e da outra que era turca. Eu e a turca tínhamos
conversado e imaginávamos que estávamos sendo discrimina-
das. Então, ela explicou que, como o hospital era evangélico e
ela professava a mesma religião, eles estavam trocando material
e ideias. Esse esclarecimento me fez ficar um pouco envergon-
hada, por ter me antecipado no julgamento baseado na suposta
predisposição contra estrangeiros.
   Relembro esse fato para me fazer compreender no relato de
um sonho que tive na noite em que recebi a notícia de que minha
filha era portadora da Síndrome de Down.
   Rolando Toro considera a função de sonhar como uma ativi-
dade do organismo, destinada a manter o equilíbrio interno, um
esforço do organismo para “resolver” conteúdos emocionais
contraditórios e alcançar uma homeostase. Isso eu vim saber só
três anos depois, quando descobri a Biodança. Na época, eu sabia
apenas, que estava vivendo profundas contradições entre o meu
sentimento de tristeza e desapontamento e o meu amor maternal,
a minha visão de mundo, meus conceitos de felicidade, de beleza,
minha vivência de desapego que já havia perdido tanto... No en-
tanto, as perdas anteriores não representavam nada diante desta
que dói nas entranhas.

24
25
Além do apoio manifestado no amor do meu companheiro,
dos companheiros de luta, amigos e familiares, um sonho foi de-
cisivo para me ajudar a sair desta primeira fase. Refazer-me do
impacto do desmoronamento daquele sonho, embalado por to-
das as mães, de ter um filho saudável. Foi o começo da aceitação
da nova realidade.
  Eu sonhei que estava naquele quarto da maternidade, o mesmo
quadro, ladeada pela alemã e pela turca, quando chegaram três
freiras do Colégio da Imaculada, colégio no qual estudei interna
durante 8 anos. Uma cena semelhante à das visitas que a alemã
recebia.
  Uma delas, falava que tinham sabido da minha tristeza por
causa do problema da Mariana e que tinham vind me visitar, tra-
zendo apenas um exemplo que, com certeza, iria me ajudar. Que-
ria me apresentar uma freira nova que não era do meu tempo de
colégio.
  Quando dirigi meu olhar para a nova freira, vi que no lugar do
rosto havia um facho de luz e daí saiu a sua voz dizendo: “Como
você pode ver, eu não tenho cabeça e talvez, justamente por isso,
eu me sinta iluminada e plenamente feliz”. A reflexão deste son-
ho me acompanha até hoje com um sentido de alerta existencial
e integração entre o meu pensar e sentir.
  Acordei decidida a trabalhar em mim, mais ainda, os meus va-
lores com relação à inteligência, à beleza, ao desempenho na vida
e a tantos outros que uma sociedade voltada para o consumo cria
como parâmetro de felicidade.
  Dentro de poucos dias, a tristeza foi sendo substituída por uma
profunda afinidade com Mariana e uma certeza de que conviver
com ela seria um caminho para a minha coerência com a vida.
  Pude estar presente e inteira para acompanhar a leveza com
que ela foi se presentificando na minha vida e na de todos que
convivem com ela.
26
Muita coisa mudou com sua chegada, inclusive abriu novas
perspectivas para minha vida profissional, despertou-me o in-
teresse de atuar como educadora, também na área da educação
especial, para poder compartilhar com outros pais e familiares a
experiência que ela estava me proporcionando.
  A metodologia empregada no seu atendimento em Estimula-
ção Precoce foi outra grande ajuda que recebemos, por ter como
premissa o envolvimento objetivo dos pais.
  Ao voltar da Alemanha, decidimos criar um Centro semelhante
ao que frequentávamos lá. Juntamos-nos à psicóloga Fátima Dió-
genes, que conhecemos na Escolinha onde matriculamos a Mari-
ana, o Centro de Estimulação Essencial. Assim fundamos, em
1981, o CDH - Centro de Desenvolvimento Humano, voltado
para o atendimento de crianças portadoras de deficiência. Da sua
fundação até hoje, o CDH, já ampliado na sua missão, tem sido o
seu principal suporte terapêutico. Mais uma vez, motivados pelas
suas necessidades e na busca de abrir espaço para a sua partici-
pação e integração social, um ano depois, inaugurávamos a Es-
colinha Raio de Sol com uma proposta de inclusão das crianças
portadoras de necessidades especiais às consideradas normais,
iniciando todo um trabalho de quebra de preconceitos, propi-
ciando a integração de nossas crianças à escola regular.
  Na convivência com Mariana, fui percebendo que ela deflagra-
va sentimentos muito positivos não só em mim, mas em todos os
que conviviam e convivem com ela, especialmente os familiares e
amigos mais próximos.
  Com estes, ela consegue estabelecer uma relação bem
diferenciada, todas permeadas por muito afeto, muito cuidado
e respeito ao modo de ser de cada um: Os seus dois pais, como
ela costuma ressaltar, João e Cézar, ocupam, cada um, um lugar
definitivo na sua vida e no seu coração.
  A sua relação com o pai biológico nunca deixou de ser a
                                                             27
Tezinha (madrinha e avó), irmã da Ruth, preparou muitos anivesários da Mariana - vó Tezinha,
como a Mariana chama, em foto de setembro de 1982.




 28
preferencial, expressa no amor claro de filha e numa determina-
ção muito profunda com ele. O Cézar, pai que a acolheu desde
os três anos de idade, com uma total ausência de preconceitos,
entregando-lhe seu amor por inteiro, recebe dela também um
amor que não se abala em nenhuma circunstância.
  Com os irmãos, tanto do lado materno, Sara e Davi, como do
paterno, Marina e Maíra, exige algumas prerrogativas de irmã
mais velha e é mais respeitada nos seus direitos do que mesmo
protegida, o que ocorre também na relação com os primos.
  As avós, tanto as legítimas, vovó Ana e Delourdes, quanto as
que surgiram depois, vovó Zeli e a vó Tezinha que, de tia querida
e madrinha, foi escolhida por ela para ser a sua vozinha, ela as
foi conquistando pelo seu próprio jeito de ser, assim como os
muitos tios e tias que ela também conquistou com o seu afeto.
  Todos contribuíram decisivamente para que ela se tornasse
uma pessoa tão integrada e capaz de curtir cada momento que a
vida lhe oferece.
  O seu círculo de amigos cada vez cresce mais, alguns já duram
anos. Os profissionais, que com seu trabalho a fazem crescer
e se integrar socialmente, seguramente crescem também no
exemplo da sua espontaneidade e prazer de viver. Muitos se tor-
nam seus amigos, numa relação que extrapola as paredes dos
consultórios.
  Quando do nascimento de seus irmãos, minha alegria foi do-
brada, pela existência deles em si, que chegaram a mim como
mais um presente neste misterioso acontecimento da materni-
dade, mas também pensando no futuro da Mariana, o quanto
eles iriam ajudá-la no seu desenvolvimento.
  Hoje, já constato que o aprendizado foi mútuo, na convivên-
cia natural, em que não existem privilégios nem discriminações,
mas uma plena consciência dos limites e potencialidades de cada
um e ela se encarrega de explicar estas condições quando é co-
brada.
                                                              29
30
A sua presença suscita permanente reflexão sobre a coerência
de nossa postura. Por diversas vezes somos chamados a explici-
tar determinados comportamentos, porque ela necessita de ex-
plicações claras.
   As suas conquistas são festejadas por todos, porque sempre
trabalhamos no sentido de que ela tenha consciência do seu
quadro, inclusive do ponto de vista de informações científicas,
das quais ela também tem clareza.
   Optou por estudar na APAE, aos 12 anos de idade, porque já
percebia a defasagem para com os colegas do Instituto Alencar,
onde estudou cinco anos.
   Manifestou a necessidade de estar junto a colegas da sua idade
e não com crianças menores fisicamente, embora no mesmo
nível cognitivo. Lá chegando e encontrando tantos tipos de por-
tadores de deficiências diferentes, perguntou para a professora
quem era Síndrome de Down, porque já não estava reconhecen-
do.
   Já teve uma fase de querer ler meus livros sobre sua síndrome
e como não alcançava ler de fato, devido à terminologia especí-
fica, detinha-se nas fotos e comparava-as a si mesma.
   Sente-se contribuindo, quando por diversas vezes já foi con-
vidada para dar o seu depoimento na cadeira de Educação Es-
pecial da UECE, assim como nos cursos de especialização da
Secretaria de Educação do Município de Fortaleza.
   Sou profundamente grata a ela por ter me ajudado a descobrir
novos paradigmas e poder ter junto a mim o seu permanente
exemplo, mostrando nos mínimos gestos o que é fundamental
nas relações, qual é a essência do ser humano, às vezes até já es-
quecida; dizendo-me por intermédio do seu movimento do dia
a dia, do seu bom-humor, da sua sensibilidade e, sobretudo, de
sua afetividade, do que na essência o ser humano precisa. Ela diz
tudo com a sua presença amorosa, com seu modo natural, com
pouquíssima contaminação da cultura.
                                                               31
Para ela, em todas as situações, sempre prevalece o que é
verdadeiramente essencial, tendo como principal fonte de ex-
pressão os sentimentos que surgem por meio de sua ilimitada
capacidade de estabelecer vínculos com todos e com tudo que a
rodeia, chamando-nos a ter a coragem de sermos fiéis ao nosso
lado luminoso.
  A minha vinculação com ela transcende a esse laço por si só
já tão forte entre mãe e filha; sinto-a como um facho de luz ilu-
minando meu caminho.
  Este livro foi concebido, inicialmente, como um relato da
história de vida de uma pessoa muito querida por todos nós que
integramos esta coletânea, chegando quase a uma homenagem a
quem tanto busca ocupar seu espaço no mundo, evidenciando-
se na sua inclusão na família, na escola, no mercado de trabalho e
na sociedade como um todo como cidadã, tendo intensa partici-
pação social e política. Mas o livro foi tomando outras direções
e se constituindo também em fonte de pesquisa para familiares
e alunos dos cursos promovidos pelo CDH – Centro de De-
senvolvimento Humano e estudiosos em geral da Síndrome de
Down. Esta constatação me levou a trazer para esta segunda
edição algumas reflexões, não mais apenas como mãe, mas tam-
bém como educadora biocêntrica já que nessa abordagem ped-
agógica a nossa disciplina principal é a vida mesmo. Como mãe,
eu me contentava em sentir que a Mariana dá à vida cada vez
mais um significado essencial e vive plenamente feliz, como é
destacado em todos os relatos do livro. Mas como educadora,
eu desejava ir além do sentimento. Eu precisava entender e ex-
plicar que o seu saber, não sendo racional, seria de outro âmbito,
mas qual? Essa interrogação foi elemento motivador para que
eu aprofundasse minhas pesquisas sobre a inteligência afetiva
proposta pela Educação Biocêntrica. E com enorme alegria fui
descobrindo, nas suas atitudes, que toda a construção do seu sa-
ber vem da esfera vivencial e afetiva que a conduz para a forma-
32
ção de vínculos intensos com ela mesma, com os que formam o
seu mundo e com o todo que a rodeia.
  Rolando Toro, ao fundamentar as bases da inteligência afetiva
afirma que a qualidade da inteligência se organiza a partir da
fonte afetiva e eu comprovo essa hipótese na convivência com
a Mariana. A sua permanente inclinação de cuidado e empatia
com essas pessoas lhe promove uma maior afinidade com a vida,
manifestando-se subjetivamente no seu altruísmo, bom humor,
ternura, solidariedade e amizade duradouras. Outra evidência de
manifestação da sua inteligência afetiva é o seu crescente cultivo
da expressividade, da comunicação amorosa, sem jamais fazer
uso de qualquer tipo de agressividade.
  A sua identidade se fortalece ao sentir-se respeitada e valo-
rizada muito além do âmbito familiar. Tudo isso influencia na
ampliação da sua percepção e visão de mundo. Ela se constitui
na confirmação destes pressupostos da inteligência afetiva me
ajudando, como fez em outras áreas da nossa convivência, a
entender e explicar estes conceitos que compõem a Educação
Biocêntrica.
  Que os relatos e as manifestações afetivas de todos nós que
integramos esta coletânea continuem ajudando a familiares,
educadores e pessoas sensíveis a compreender e a amar os
seres humanos que deixam transparecer a sua essência, à exem-
plo da Mariana. Sem perder de vista o seu déficit cognitivo e
consequentemente suas limitações intelectuais. Acompanho sua
evolução e percebo que seu pensamento e as funções
operatórias da inteligência vão se integrando e facilitando a
sua aprendizagem, mas principalmente o seu “aprender a viver”,
sabendo-se com direito ao amor em todas as suas dimensões e
ensinando a todos nós a alegria de viver.
                                                   Ruth Cavalcante


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34
Palavras de um pai
apaixonado pela vida,
pelo existir pleno de significado,
pela Mariana...
João de Paula
  Ao contemplar Santiago do alto do Cerro de San Cristobal,
em janeiro de 1998, percebi um sentimento diferente daquele de
quase 30 anos atrás, quando me maravilhei pela primeira vez com
a imponência da Cordilheira dos Andes.
  À consciência de pertencer harmoniosamente a um sistema
grandioso, acrescentava-se agora uma outra sensação de
transcendência: a da paternidade. Naquele momento, estavam
ao meu lado Marina e, Maíra. Enlevou-me a percepção de que
algo de mim, de alguma forma, estará com elas, onde elas es-
tiverem, durante todas as suas vidas e que assim também será
com os seus descendentes, transmitindo, de geração em geração,
a herança dos nossos ascendentes.
  Mas a alegria não estava completa. Sentia que havia uma falta.
Quando abracei as duas, compreendi: faltava a Mariana. Depois
que resolvemos viajar sempre os quatro, pelo menos durante al-
guns dias, em todas as férias escolares das três, esta foi a primeira
vez que ela faltou. E por sua escolha. As reservas para nossa
viagem ao Chile e à Argentina já estavam feitas quando a Ruth
telefonou-me, informando que a Mariana havia sido seleciona-
da para fazer curso de informática nas férias. Ruth pedia que eu
verificasse junto à APAE (Associação de Pais e Amigos dos Ex-
cepcionais) se havia possibilidade de o curso ser feito em outra
ocasião. A resposta da Diretora foi de que não havia nenhum
                                                                  35
“Lhe damos as boas vindas, boas vindas... Venha conhecer a vida, eu digo que ela
é gostosa...”
                                                                        Caetano




36
outro curso deste tipo programado. Diante da minha pergunta
sobre o que nos recomendava fazer, sua resposta foi de que a
decisão caberia a nós e que, qualquer uma que tomássemos, seria
compreendida e acatada pela instituição.
  Ocorreu-me, então, a pergunta: por que não colocar a decisão
nas mãos da própria Mariana ?
  Sua resposta foi rápida, direta e segura: “pai, viagem pode ser
quando a gente quiser, o curso não”. Estava decidido!
  O que ocorreu entre este dia de dezembro de 1997 e aquele 10
de setembro de 1977, em que Mariana chegara ao mundo como
um bebezinho flácido, de olhinhos repuxados, mãos e língua
atípicas?
  Como evoluiu essa pessoa, que tendo iniciado sua vida nas
mais adversas condições para desenvolver-se e que, contrariando
prognósticos de todo tipo, tornou-se capaz de tomar decisões
dessa natureza?
  Para tentar esclarecer isso preciso historiar alguns fatos que se
iniciam com o seu nascimento.
  Quando após longas horas de esforços e dores da Ruth, que eu,
na minha condição de companheiro e formando em medicina,
procurava compartilhar, ouvi o primeiro choro da Mariana, levei
um susto: ao olhar para ela sobressaiu-se a imagem de uma língua
imensa, que se agitava freneticamente.
  Mas tudo foi muito rápido. Em poucos segundos uma enfer-
meira, envolveu-a com um pano e a retirou para outro ambiente,
não me dando tempo para aproximar-me. Ficou-me a dúvida: a
imagem era real ou fruto de alguma fantasia.
  Ao pedido de Ruth para vê-la, a resposta foi que ela precisava
de alguns cuidados, antes que pudesse ser trazida para a mãe.
Procurei afastar minhas preocupações para cuidar de Ruth, que
estava apreensiva e exausta. Quando ela adormeceu, e sem con-
seguirmos ver a Mariana, tive que ir para a casa, pois o Evange-
                                                                37
Embalar a vida, cuidar para que o amor aconteça... Mariana na Alemanha com alguns
meses de nascida




  38
lisches Kraukenhaus era daqueles hospitais que não permitiam a
dormida de acompanhantes.
   Saí do hospital cheio de preocupações. Por que não nos permi-
tiam ver nossa filha? Alguma coisa estava errada.
   Ao chegar à comuna onde estávamos passando uns dias, en-
quanto era feita uma reforma em nosso apartamento, fui recebi-
do com uma festa em comemoração ao nascimento da Mariana,
organizada pelos amigos alemães que ali moravam. O excelente
vinho renano e a atmosfera acolhedora ajudaram-me a adiar as
apreensões.
   No dia seguinte, muito cedo, fui despertado com um telefone-
ma da Ruth: chorando, ela disse a frase que eu temia ouvir: “meu
nego, o médico acaba de me comunicar que nossa filha é excep-
cional.”
   Fui correndo para o hospital. Encontrei a Ruth em prantos. Ela
havia recebido a visita de um pediatra que, com toda a clareza,
tinha lhe dito que a Mariana era uma criança excepcional; o diag-
nóstico de uma Síndrome de Down já estava feito, sem qualquer
margem de dúvida. Ele já tinha lhe esclarecido o significado dessa
síndrome.
   Procurei imediatamente o referido médico, por coincidência,
meu professor na Faculdade de Medicina de Colônia. Até hoje,
suas palavras não me saíram da memória: “colega, como estu-
dante de Medicina, você deve saber que a Síndrome de Down
não tem cura. Prepare-se para um destino duro.”
   No entanto, há uma opção: nesses casos, aqui na Alemanha, os
pais podem entregar a criança aos cuidados de asilos especializa-
dos. Quando ficou claro que essas palavras significavam a renún-
cia à nossa filha, Ruth e eu não tivemos necessidade de perder um
só segundo com essa hipótese.
   A partir daí, também mergulhei no desespero. Era como se o
céu tivesse desabado sobre minha cabeça. Era grande a comis-
                                                               39
40
41
42
eração. Eu me perguntava, vezes e vezes seguidas; por que aquilo
acontecera conosco? Por que com a minha filha? Por que com a
minha mulher? Por que comigo? Mas não encontrava respostas.
   A medicina não me satisfazia com sua explicação estatística de
que em cada 600 crianças, uma nasce com a síndrome. O que me
perturbava era por que justamente a minha filha tivera que ser
essa uma em 600 e não qualquer outra das 599 que nasciam sem
este problema? Foram três longas semanas de muita dor.
   Até que um dia, em meio a centenas de interrogações, me fiz
uma que me trouxe como resposta um clarão. Perguntei-me: será
que Mariana, mesmo com a Síndrome de Down, pode ser feliz?
   Quando obtive a resposta, de que sim, abriu-se para mim um
novo horizonte. Pude me fazer a pergunta seguinte: se a Mari-
ana pode ser feliz, o que eu como pai posso querer para minha
filha mais que a felicidade? A resposta deu-me uma nova forma
de encarar essa situação. Percebi que, nutrido pela felicidade da
Mariana, eu também poderia ser feliz como pai.
   Compreendi então que, o que conta, de fato, na vida é a feli-
cidade. Entendi que toda a formação que recebemos, superdi-
mensionando valores como a beleza, a inteligência, a fama etc.,
não tem consistência. Tive a certeza de que a alegria da vida
não depende de valores como esses. E ao ter essa compreensão,
desapareceu a dor, a decepção, o desencanto. Abriu-se então a
porta de uma nova percepção dos meus sentimentos para com a
Marina, para com a Ruth, para comigo.
   Desapareceu a prostração emocional em que me encontrava.
Reacendeu-se em mim o espírito de luta que sempre me acom-
panhara em toda minha vida. A questão passou a ser então o que
eu podia fazer para ajudar a Ruth, para juntos podermos ajudar
a Mariana. Ruth rapidamente reacendeu também sua alma guer-
reira. Em poucos dias estávamos planejando o que fazer para
tornar o desenvolvimento da Mariana o melhor possível dentro
                                                              43
Festa de 15 anos com os pais... ôôh noite hein Mariana??!!!




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das limitações que a natureza lhe impusera. Fizemos um pacto
de colocarmos tudo que estivesse ao alcance da profissão dela,
de psicopedagoga, e da minha, de médico, a serviço do desen-
volvimento da nossa filha.
  Começamos a buscar informações, onde elas se encontras-
sem. Procuramos pessoas, instituições, publicações, tanto na ci-
dade em que morávamos, como em outras cidades da Alemanha
e dos demais países europeus.
  Uma feliz coincidência nos propiciou a primeira e a mais im-
portante fonte de ajuda que tivemos: Cerol, casada com um
colega da minha turma, chamado Horst, havia feito uma espe-
cialização e estimulação precoce de crianças portadoras de Sín-
drome de Down; este casal, além de nos proporcionar um cabe-
dal muito grande de informações, nos abriu acesso a um centro
de estimulação precoce existente na universidade de Colônia.
  Começou aí todo um trabalho de estimulação do desenvolvi-
mento da Mariana, que é narrado no depoimento da Ruth.
  Apresento, a seguir, algumas observações, lembranças, co-
mentários, registros, e impressões sobre minha convivência com
Mariana ao longo dos 20 anos da sua vida.
  Mariana tem muitas características marcantes, mas penso que
a principal é sua alegria de viver. Em muitas ocasiões, repito a
ela uma pergunta, que faço desde que ela começou a ter com-
preensão suficiente para respondê-la. É a pergunta sobre se ela
se sente feliz. E a resposta nunca foi somente um sim, mas um
sim vivo, entusiasmado, quente e sempre acompanhado de um
“mas é claro, pai”.
  Entre suas muitas habilidades, uma ressalta-se para mim como
de verdadeira maestria: a de cativar pessoas. Chego a pensar
que parece haver uma compensação na inteligência da Mari-
ana. Aquilo que lhe falta da abstrata, talvez lhe sobre no que eu
chamaria de inteligência social, que se manifesta na sua enorme
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facilidade de sintonizar-se com os diferentes ambientes em que
circula, construindo, em cada um, relações significativas.
  A construção destas relações envolve um repertório de ha-
bilidades muito amplo, que inclui a empatia, o bom humor, a
autoconfiança e tantos outros recursos de grande efeito nas rela-
ções humanas. Poderia citar algumas dezenas de situações
demonstradoras destas habilidades, mas vou limitar-me a
apenas algumas, a título de exemplificação.
  Quando íamos juntos ao Cais Bar, um dos locais mais famosos
da Praia de Iracema, a Mariana é mais cumprimentada do que
eu, que o frequento há mais de 10 anos. É enorme a quantidade
de pessoas que a convidam a sentar-se às mesas em que estão,
ou que vêm à nossa para conversar com ela. Nessas ocasiões,
ela fica horas batendo papo, contando histórias, rindo como
qualquer uma das pessoas da roda, com uma única diferença, a
de que, ao invés, de bebidas alcoólicas, vira a noite na base da
água de coco e refrigerantes.
  Quando viajamos em companhia da Marina e da Maíra, suas
duas irmãs de um segundo casamento meu, a Mariana manifesta
essa capacidade de cativar, fazendo excelentes amizades aonde
chega.
  Estivemos há dois anos na Europa, em uma excursão saída
daqui de Fortaleza. A Mariana criou uma atmosfera de tanta
receptividade em relação a ela e de tanta vinculação com o con-
junto das pessoas, que se tornou a figura mais preponderante
de todo o grupo de excursionistas.
  Nessa viagem, sua capacidade de relacionar-se não foi
demonstrada apenas com o grupo de brasileiros. Lembro-me
bem de que, na Alemanha, quando fazíamos um passeio de
barco pelo Reno, ela entendeu de dançar com um grupo de
alemães; de nada serviram nossas ponderações (da Mariana, da
Maíra e minhas) de que ela não conhecia aquelas pessoas nem
falava alemão pra poder entender-se com elas.
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Num determinado momento, quando nos demos conta, ela já
estava dançando com os alemães, todos às gargalhadas, na maior
animação, sem qualquer impedimento devido ao problema
do idioma.
  Nesta mesma viagem, em uma manhã ensolarada de sábado,
quando estávamos em uma praça de Amsterdã, chegou um
grupo de capoeiristas da Bahia para fazer um show de exibição de
capoeira. Mariana, que tinha começado a aprender capoeira aqui
em Fortaleza, quis participar da roda. Nós três, Marina, Maíra e
eu, tentamos dissuadi-la dessa intenção. Mas, tanto ela insistiu
que tivemos que concordar. E de repente, de um salto, ela estava
no meio da roda, dançando com um baiano que tinha duas vezes
sua altura, recebendo os aplausos surpresos de uma multidão de
holandeses, aglomerados em volta da praça.
  Um exemplo da capacidade da Mariana de seduzir pessoas para
conseguir seus objetivos: uma noite em que ela estava comigo
no meu apartemento, louca de vontade de ir para o Cais Bar e eu
com muita preguiça; depois de insistir comigo várias vezes em
vão, calou-se, saiu do meu quarto e, depois de alguns minutos,
voltou com uma dose de uisque preparada, dizendo:
  Se fica deitado aí nessa rede ou se quer ir para algum lugar.
Não é difícil de imaginar qual foi a decisão.
  Para a Mariana o que conta são as pessoas; as coisas são sem-
pre secundárias. Isto se manifesta com frequência e nas mais
variadas situações.
  A última foi na sexta-feira santa, quando fui buscá-la para al-
moçarmos fora. Quando ela entrou no carro, expliquei-lhe que
talvez tivéssemos de esquentar um congelado em meu aparta-
mento, pois eu não havia encontrado nenhum restaurante
aberto no percurso até sua casa. Sua resposta: “Não importa
pai, estando com você qualquer coisa é boa.”
48
Há ocasiões em que me surpreendo com algumas frases da
Mariana, que revelam um nível de compreensão e formulação
além do esperado pelas contingências da Síndrome de Down.
Alguns exemplos:
  Em um dos nossos costumeiros bate-papos, a propósito de
algo que já não me lembro, disse-lhe, brincando, para provocar-
lhe seus brios feministas: “Faço isso porque sou muito macho.”
Resposta dela: “Pai, você não precisa ser sempre macho, você
pode ser também frágil.”	 Não acreditei que ela pudesse ter
consciência de uma formulação tão complexa. Perguntei-lhe se
ela sabia o sentido da palavra frágil. “Claro pai, sensível.”
  Por ocasião do enterro do Edmilson, um primo nosso, quan-
do saímos da capela do Parque da Paz em direção ao túmulo,
começou a cair uma forte chuva. Sua observação: “Olha, pai, até
a natureza está chorando.”
  Chama também a atenção sua capacidade de utilizar provér-
bios e frases feitas, com oportunidade e propriedade. Uma noite
quando íamos para o Cais Bar, começou a chover. Estacionei o
carro e propus voltarmos para minha casa. Sua saída: “Vamos
em frente pai, quem sai na chuva é para se molhar”.

                                                   João de Paula




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MARIANA, BALZAQUIANA.


  Mariana chega aos 30 anos. Adquire aquela idade que Honoré de
Balzac exaltou como o ápice da exuberância feminina, fazendo-o com tanta
propriedade que o termo balzaquiana passou a ser usado como homenagem
às mulheres dessa faixa etária. Então, viva à Mariana Balzaquiana.
  Mariana, que agora é balzaquiana, com toda a energia que sempre ex-
trai do simbólico, preparou a festa de comemoração do seu trigésimo
aniversário como mais uma data muito especial. Em uma conversa recente,
quando uma amiga nossa relembrava a beleza da festa dos 15 anos da
Mariana, ela emendou de pronto: “pois pense como vai ser a do duas vezes
15”. Essa é a Mariana, em mais uma manifestação de sua fulgurante
presença de espírito.
  Aliás, presença de espírito e humor requintado continuam sendo duas
das características mais fortes do impressionante talento de comunicação da
Mariana. Só relembrando alguns exemplos:
  Quando ela me disse que havia começado a namorar aproveitei para lhe
dar alguns conselhos. Brincando, falei que só podia pegar na mão do namo-
rado. Nem fechei a boca direito e ela foi logo perguntando: “E beijar?”.
Respondi que um beijinho numa bochecha, um beijinho na outra, também
podia. A pergunta seguinte veio no seu estilo inconfundível: “E no meio das
duas bochechas, pode?”
  Outra sobre namoro. Quando me contou que foi ao primeiro filme com o
namorado e lhe perguntei se tinha gostado, a resposta veio como uma bala,
acompanhada de uma gostosa gargalhada: “Pai, do filme não sei nada. Foi


50
só pipoca, refrigerante e beijo”.
   A Mariana é a pessoa com quem converso meus assuntos mais íntimos.
Quando lhe comuniquei minha decisão de separar-me da Izabel, uma pessoa
que ela adora, sua primeira reação foi de um profundo silêncio. Depois de
algum tempo, veio a sentença: “Não é por aí, João de Paula. Só o chamar-
me pelo nome, forma que usa quando discorda de mim por qualquer coisa,
já dava o recado. Depois de muitas explicações minhas, veio o veredicto
final: “Ta bem, respeito sua decisão, afinal você é meu pai e amor pelo pai
é para sempre”. Moral da história: nada de concordância, apenas uma
aceitação condicionada por algo que ela considera maior, tanto que poucos
dias depois telefonou-me, quando eu já havia me mudado para um hotel en-
quanto esperava a devolução do meu apartamento que estava alugado: “E
aí, como está pai?” – Estou aqui arrumando minhas coisinhas e pensando
na vida, respondi. Ela que arrisca perder o amigo mas não perde a piada,
emendou: “Pensando na besteira que fez?”. Não preciso dizer que os dois
caímos na gargalhada.
  Essa é a Mariana que agora virou balzaquiana. Não casou ainda, mas
não por falta de namoro. Casar continua no seu plano e, como tudo que ela
quer atingir em sua vida, é só uma questão de tempo.
   Em seu segundo emprego (sua primeira atividade profissional foi um
estágio), Mariana desempenha-se com o profissionalismo que as atividades
requerem, tanto que só saiu do primeiro, porque apareceu uma oportuni-
dade que ela considerou melhor.




                                                                        51
A propósito de trabalho, um fato que me surpreendeu: quando estava
ainda em seu primeiro emprego, ela havia me pedido para dar carona a
umas colegas suas para uma festa de comemoração de fim de ano. Puxei
conversa com uma delas, perguntando-lhe há quanto tempo estava naquele
trabalho. Disse-me que apenas há um mês. Quando lhe perguntei se já
havia decorado todos os códigos (nesta empresa cada produto tem um código
e os vendedores têm que sabê-los de cor) ela respondeu-me: “Não, mas os
que não sei ainda a Mariana me ensina”.
  Agora está toda feliz em seu emprego no Centro Cultural do Banco do
Nordeste, trabalhando como Guarda-Volumes, uma atividade que domina
inteiramente e que lhe dá a oportunidade de ter a coisa de que ela mais gosta
na vida: contato com gente.
   Quanto a nós dois, continuamos com um vínculo de amor cada vez mais
forte, nutrido por formas de convivência que vão sempre se ajustando às
mudanças na vida dela e na minha.
  E para mim a Mariana continua como uma das principais fontes que me
abastecem de orgulho e de felicidade.


                                                              João de Paula




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Mariana
Cezar Wagner


  Mariana em 1982, no desfile de 7 de setembro
  Encontrei-a, Mariana, ainda criança, aos três anos de idade,
brincando com uma almofada, no chão do seu quarto. Eu a olhei
e você me olhou. Foi o primeiro encontro, era outubro de 1980.
  Empurrava a almofada, quando me viu; parou, deitou-se sobre
ela e o brinquedo ou boneca que levava na mão, entregou-o a
mim, estendendo o braço em direção à minha mão, juntamente
com o seu meigo e profundo olhar azul. Sorriu-me, recebendo
uma pessoa que não conhecia.
  Senti-me na bifurcação do tempo e do conhecimento, sendo
atraído por um novo ponto de luz - você me cativou e me lançou
mais fundo na vida.
  Recém-chegado a Fortaleza, um cearense que viveu 18 anos em
Brasília, acostumado à luta política, à racionalidade acadêmica, ao
jogo de poder das organizações, vindo para cá por meio de uma
outra profunda descoberta - a Biodança - tão logo descobri um
novo caminho ao encontrar Ruth, fazendo aquilo que eu também
queria fazer - Educação Popular. Passei a Biodança para Ruth e
Ruth passou a Pedagogia do Oprimido para mim e, profunda-
mente, abriu a porta para que eu a encontrasse, Mariana, naquele
dia.
  Assim começou e assim foi por dez anos, e que agora continua
de outras maneiras, mas no mesmo vínculo de amor, o qual se
                                                                55
Mariana, Mariana, Sorriso de menina, Dos olhos de mar, Mariana, Mariana, Leve esta cantiga
Por onde passar Lá, la...




56
tornou eterno.
  Ensinei-lhe muitas coisas e aprendi muito com você, no silên-
cio do olhar, na riqueza do gesto, na doçura da presença.
  Lembro-me das nossas idas à praia, pertinho de casa, na hora
do almoço, quase todos os dias. De mãos dadas ou na “cacunda”,
você vestida com um maiô vermelho e gelo, descíamos a rua até
a praia. Ali brincávamos na areia e na água, só parando quando o
picolezeiro passava.
  Lembro-me dos brinquedos pedagógicos, do rolar no chão,
do contato, das carícias, do correr por dentro de casa, dos
feijõezinhos para pegar com a ponta dos dedos, do dançar, da
cirurgia dos olhos, de sua resistência às doenças, do falar em
construção desde o barulho com os lábios.
  Lembro-me de sua relação, curiosidade, e depois acolhida, aos
nascimentos da Sara e do Davi. Do amor de sua mãe para com
os três.
  Lembro-me de sua mãe brincando de estimulação precoce com
você e com os filhos de muitos casais. Ensinando e entusiasmando
mães e pais, por meio de uma proposta revolucionária (Ciência e
Amor) para a época (1980) e que, só agora, é bem compreendida
e aplicada em crianças com Síndrome de Down.
  Lembro-me de você no colo de Ruth, abraçada a ela, toda or-
gulhosa da mãe, em uma sutil e profunda comunicação que per-
dura até hoje e só as duas sabem.
  Lembro-me do amor de Tezinha por você, dos seus aniversári-
os tão belos preparados pela vozinha. Quanto amor!
  Lembro-me de você vestida com um short azul cáqui e uma
blusinha amarela, com a lancheira dependurada no pescoço, en-
feitada pela Tezinha e pela Vanda, indo comigo para a escolinha,
com seus irmãos Sara e Davi. Íamos no chevette branco ou no
bugre vermelho, cantando, uma cantiga para cada um. A sua era
mim:
                                                             57
Lembro-me das viagens à Pe¬dra Branca, do banho de açude,
do subir no caramanchão, das brinca¬deiras com as outras crian-
ças e do amor destas para com você.
   Lembro-me, também, quando dos seus mal-feitos, do castigo
que lhe dava, sentando-a no sofá por um certo tempo.
   Lembro-me de você aprenden¬do a falar, chamando-me de
Ié...Ié. Corria para os meus braços e me beijava. Sara e Davi
aprenderam a me chamar assim, ensinados por você.
   Lembro-me da Quixaba, de você seguir a Sara e o Davi,
aceitando o esforço e o desafio de subir os barrancos. Voltava al-
gumas vezes toda arranhada, mas sempre feliz por ter conseguido
ir aonde eles estavam ou mesmo de ter ido até onde foi possível
chegar. E seus irmãos, aos poucos descobrindo as diferenças,
seguiam compartilhando com você das aventuras.
   Lembro-me quando aprendeu a andar de bicicleta na Quixaba
e a acolher com carinho o filho do casal de caseiros que, també
nasceu com Down.
   Com seu jeito natural e profundo de ser, com uma inteligência
voltada para o todo do dito ou do visto, ensinou-me muito sobre
a vida, o amor e sobre a consciência, a qual até então a compreen-
dia de um outro modo, mais analítica, reflexiva e menos biocên-
trica. Ensinou-me profundamente, assim como ensinou a muitas
outras pessoas, principalmente a muitas mães e educadores
que, além de uma consciência produtivista há uma consciência
afetiva produzindo uma, percepção global, que tão profunda-
mente você tem.
   Em setembro de 1997, no Encontro Nordestino de Biodança,
realizado em Teresina, após minha fala sobre a complexidade da
vida, sua grandeza e o ato de participar dela, no silêncio fértil
do auditório, você tomou do microfone e perguntou-me: “Cezar,
depois do que falou, o que é a morte para você?” A pergunta
chegou forte a mim e a todos que estavam ali. Respondi que até
58
agora não saberia responder. Você, então, disse: estou satisfeita
com a resposta.
  Quanta percepção, quanta consciência, quanta sintonia para
com o todo, brotam de sua mente, Mariana. Presenciei isso mui-
tas e muitas vezes em nossa caminhada até hoje.
  Com você apreendi a profunda realidade da natureza acon-
tecendo em nós, pujante, inteligente e amorosa, ensinando-nos
a viver por percursos de pensamentos e afetos que a sociedade
mecanicista e produtivista, muitas vezes, nega-se a aceitar e a re-
conhecer.
  Para terminar, Mariana, quero lhe dizer que, como você dizia,
continuo sendo seu segundo pai e fico feliz quando toma pelo
braço João e, juntos, vão por aí, orgulhosos um do outro. Fico,
também, feliz por esse novo momento de sua vida, cheia de
amizade e mostrando que contribui muito com a sociedade, do
seu jeito, através do amor, das palestras dadas nas faculdades, na
participação nos encontros de Biodança e como membro da As-
sociação da APAE, e agora ao começar a trabalhar nos Correios
e Telégrafos.

  Com eterno amor,

                                                     Cezar Wagner,
                                              Fortaleza, 12/12/97




                                                                59
60
Mariana
construindo
sua identidade



             61
Processo de expressão gráfica da Mariana,
crescimento, criatividade e determinação




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63
O amor é sorridente, é muito bom pra mim mas, é ruim ir para cama sem mais
nem menos...
                                                                     Mariana




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“É assim como eu me vejo, como essas mulheres, ou seja, uma mulher
da noite - garçonete do Cais Bar”


                                                                     65
66
Dos 15 anos até ...

  Como toda debutante, em vias de tornar-se uma pessoa da
noite, de sucesso, achamos por bem mostrar à sociedade um
pouco de sus intimidade, lá vai...
  Mariana Você gosta de seu corpo? - Gosto.
  Qual parte que gosta mais? - Seios e bumbum. Me sinto bo-
nita
  Música? - Adoro sons da natureza, Caetano e Simone.
  E o tipo de roupa? - Social e preta.
 Filme? – “Esqueceram de mim”, que é uma comédia e ao mes-
mo tempo emoção, lindo demais, saiu 10 gotas (lágrimas).
  Livro? – Sexo Apil, Mauro Mendonça vive um romance com
a ex-namorada. Eu leio bem, não sinto dificuldade em ler e es-
crever.
  Atualmente a Mariana é diretora de eventos da Associação de
Síndrome de Down. Adora dar entrevistas, aliás Mariana adora
conversar..., - sobre o quê? Alguns perguntariam, sobre tudo,
responderíamos. Tendo uma vida social ativa, vai a escola, faz
natação, biodança, participa de grupo de teatro, gosta de ver
novelas, ouvir música e sair à noite, ela tem então muito assunto
para conversar.
                                                              67
Uma das coisas mais importantes no sua vida é a família, como
ela mesma diz: “Sempre a primeira coisa vem a família, meus
pais, eles me deram educação, a base”.
  Toda a emoção, tanto na televisão, em entrevistas, como no
palco é na hora dos aplausos. Ela se sente maravilhada, “porque
o sucesso me atrai”.
  Por incrível que pareça ela tem vergonha: “Sinto um pouquin-
ho no começo, depois vai”. Fica constrangida quando é traída.
  As pessoas importantes na vida de Mariana: “Ferreirinha, meu
avô, ele faz tudo para mim, diz minha bênção, poesia; Francisco,
avô materno, ele me embalou no braço quando era pequena...
Tezinha, a madrinha avó; Mirtes, tia Mirtinha, passo minhas
férias, fins de semana lá, lá eu me sinto em casa; D.Ana, é a se-
gunda mãe presente, Cássia pela simpatia, mais liberal, senso de
humor, Cleusa a ida, a monografia de vocês era como se fosse
eu”.




68
Mariana com suas primas e irmãs em sua festa de 15 anos.




                                                           69
“Papel de filha é terrível. O pai enche o saco, a mãe enche
     o saco...
     Em 25/04/92
     “É, a vida de pai também é dura.”
     Mariana no mesmo dia, algumas horas depois




70
71
72
Entrevista com a artista


- Mariana o que você lembra da sua infância de que tenha
gostado muito?
    Da minha infância o que eu mais gostei foi de dançar, porque
    é um dom de mim, eu dançava ballet, e depois do ballet eu
    fazia sapateado, parei, porque na primeira fase, vamos dizer
    assim, deixei as duas para entrar na Biodança.

- Você que decidiu fazer isso?
    Foi.

- E não foi ruim parar as danças que você fazia ?
    Não, porque depois eu comecei a conhecer as pessoas da
    Biodança, e marcou meus momentos com um dom especial.

- Que dom Mariana?
    De amigos abertos, sinceros.

- Quem você lembra desta época em que começou a fazer
Biodança?
   A Kátia e Lúcia Diógenes, que eram minhas facilitadoras de
   Biodança, Isabela, Juliana.


                                                              73
- O que é a Biodança para você ?
    É uma escola de vida, cada assunto é importante, pois tem
    umas partes que é verbal e no se¬gundo tempo é gestos, é o
    seu gesto sendo demonstrado para o outro.

- Quem é Rolando Toro?
    Ele foi o criador da Biodança, no começo nunca teve confusão,
    agora ele transformou no pessoal dele, antes ele não tinha
    quem confrontasse, daí entra Cezar Wagner e a mamãe.

- Quem é o Cezar Wagner?
    Antes dele ser facilitador, ele foi professor da sala de aula.

- O que ele é para você?
    Ele foi um pai dentro e fora da Biodança. Ele que me criou.

- E o que você não gostou que tivesse acontecido na sua
infância?
    Eu morava numa casa de praia.

- Você lembra quando Sara era pequena? Lembro. Você sen-
tia ciúmes? Sentia. Por quê? no começo ela era paparicada e aí
pintou um ciúmes, e depois eu fui me acostumando.

- Como é a tua relação com a Sara e com o Davi?
    Agora mudou muito com relação a Sara, ela não aguentava as
    brigas com o Davi e foi para Barcelona.

- E contigo ela brigava?
    Só bate-boca, e ficava discutindo, ela não gostava que eu
    mexesse nas coisas dela.

74
- E tu mexias Mariana?
    Mexia.

- Por quê?
    Por que eu não falava com ninguém e ia e pegava as fitas,
    baralho...

- E com o Davi?
    Quando a Sara viajou, as brigas que eram com a Sara se vol-
    taram contra mim, aliás eu apanho dele até hoje.

- Porque ele bate em você?
    Ele fica me tezinhando, que vai contar tudo para a mamãe,
    as coisas que eu fazia com ele, teve um dia que eu bati no
    estômago dele, fiquei um mês sem ver televisão.

- E com as tuas irmãs por parte de pai, Maíra e Marina?
    A Maíra é a mesma coisa que o Davi, apronta; todo o ca-
    çula dá nisso mesmo, provoca. Agora, com 14 anos, eles
    melhoraram bastante.

- Qual a qualidade que você mais admira numa pessoa?
    Caráter bom, sem agressões.	

- O que é amizade para você?
    É o ponto para ser amigos.

- O que é ser amigos?
    É ficar conversando assuntos mais íntimos, ser pessoal.

                                                              75
76
- Você tem amigos?
    Tenho.

- Quem são teus amigos Mariana?
    No prédio tem a Léa, a Natascha e a Carol.

- Qual o lugar que você mais gosta de ir?
    Cais Bar.

- Você gosta de sair à noite?
    Adoro.

- Diga quais cantores você mais gosta?
    Elba Ramalho, Alceu Valença, Mauricío Mattar, Márcio Gar-
    cia, Simone, Djavan.

- Mas o Maurício Mattar não é ator?	
   É ator e cantor.

- Você gosta de fazer teatro? Adoro. Por quê? Eu fazia quando
era pequena com a Kátia, porque cada um tem um personagem.

- Sobre o que é a peça?
    Sobre o nosso amigo Paulo Freire.

- Quem foi Paulo Freire?
    É um educador, amigo da minha mãe, fazia trabalho com
    a minha mãe, educava as pessoas que não sabiam ler e es-
    crever.

- Você se interessa por política?
    Interesso. Tenho um amigo do PT, é o Inácio Arruda.
                                                           77
- O que tu achas da política?
    A política é como um governo, governar nosso país.

- E como tu achas que anda o nosso país?
    Alguns políticos mentem.

- Quem?
    Fernando Henrique Cardoso, porque diz que vai consertar a
    ponte, tirar os meninos da rua e não faz.

- Quem você pensa que tem/teve um papel social impor-
tante no nosso país?
    Betinho.

- O que ele fez?
    Uma pessoa com o vírus da AIDS, tenta tirar os meninos de
    rua e alimentar; acabou falecendo.

- Você estuda? Estudo. Onde? APAE.

- O que é a APAE?
    Pais e Amigos, os pais não fazem quase nada; deveriam tra-
    balhar fora, procurar um emprego.

- Porque tu achas importante eles acharem um emprego?
    Para poder deixar os filhos no colégio e ir trabalhar, para gan-
    harem seu próprio dinheiro; são pobres mas chegam lá.

- Você gosta de estudar? Adoro. Por quê? Passar de ano.

- E o que tu aprendes no ano seguinte?
    Mudo de sala, e de professor.

78
- É professor ou professora que tu tens?
    Professora.

- E o que tu preferes professor ou professora?
    Pode ser homem ou mulher, dá no mesmo.

- O que você mais gosta de estudar? Português. Porquê?
Porque é uma língua nossa.

- Você trabalha?
    Por enquanto só como diretora de eventos.

- De onde?
    Da Associação de Down.

- Qual a comida da sua preferência?
    Urra, comida... rabada, lasanha.

- Você come frutos e verduras?
    Como, maçã e legumes.

- E medicamentos, você toma algum?
    Tomava e hoje eu substituo o remédio por peixe.

- Mariana dizem que você é chegada num microfone, é ver-
dade?
    Sou.

- Por quê?
    Porque meus pais gostam de fazer discurso e eu peguei dos
    dois.

                                                           79
80
- Você acha que é parecida com seu pai? Ave Maria, tudo. Em
quê? Ave Maria, eu usava óculos, ponto de farrear, as meninas,
tem ciúme de mim com o papai.

- E com sua mãe?
    Com a mamãe é gestos, jeito de falar com sinceridade, ser
    aberta, e também o jeito dos cabelos, peguei o passado dela,
    os cabelos longos, jeito de caminhar, gostar da Biodança.

- O que te deixa mais brava?
    É provocação do Davi, ele quer as coisas na mão, água, sor-
    vete...

- O que te deixa mais feliz?
    Ver a Regina Duarte com o Fagundes.

- E na tua vida?
    (Explicando o que é ver Regina Duarte com o Fagundes): Ver
    o Stélio com você - Agora entendeu?

- O que tens para dizer?
    Por enquanto é só, né?
         O João de Paula nos contou que uma vez ao recla-
         mar de seu hábito de falar só, ela responde:

         - Pai, cada um tem seus limites...
  E por falar em limites, este livro é justamente para verificarmos
as possibilidades que temos dentro do nosso emaranhado com-
plexo que chamamos identidade, uma identidade que se constrói
dia a dia, avança, olha para trás, aprende um pouco mais, segue em
frente em busca de saber mais.


                                                                81
A Biodança e a Mariana




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83
84
85
A religião




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87
A Natação




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89
90
91
92
A presença dos
amigos e
familiares no
processo de
crescimento da
Mariana


             93
Marina Araújo Ferreira, 16 anos.
  Muitos dizem que a Mariana é minha meio irmã, mas eu não a
considero assim. Para mim ela é minha irmã. Até mais que irmã,
uma amiga. Ela tem síndrome de down e por isso tem um trata-
mento diferenciado. E eu acho que ela é especial. Não por não
ter a mesma capacidade que as outras pessoas, mas por ser tão
boa, extrovertida, carinhosa, alegre, sociável e ter que superar (e
conseguir) o preconceito das pessoas que não a conhecem e ter
ainda que vencer suas limitações.
  Desde criança tive que conviver com isso e percebi que ela
teve um ótimo acompanhamento por parte dos pais, o que foi
muito importante para ela ser como é hoje: consciente de que
é excepcional, porém não é triste por ser assim e aproveita os
dons que tem. Minha outra irmã, Maíra, eu, meu pai e ela sem-
pre saímos juntos e eu me divirto muito, pois além de tudo ela é
engraçada.
  Não tenho vergonha de dizer pra ninguém que tenho uma irmã
que tem mongolismo, porque ninguém tem culpa disso e também
porque isso não é um defeito. Muito pelo contrário, essas pessoas
podem não ser muito inteligentes, mas são extremamente sen-
síveis e inocentes.
  Todos que conhecem a Mariana gostam muito dela, pois ela é
uma pessoa que conquista a todos com seu jeito simples e por
ser tão diferente dos outros; não se aproxima de ninguém por




94
interesse e sim para fazer amizade e ter companhia. Uma das
coisas de que ela mais gosta de fazer é sair à noite, ficar num bar
jogando conversa fora e cantar ao som de uma música ao vivo;
para ela seria maravilhoso se pudesse sair com nosso pai para
“farrear” toda noite.
  Adoro vê-la fazendo discursos. Muitos chegam a se emocionar
pelo seu jeito de falar e encarar a vida.
  Ela é muito sincera e o que eu acho extraordinário é como
é preciso tão pouco para fazê-la feliz. A Mari é diferente dos
outros excepcionais ,porque nunca tentaram escondê-la, o que
aconteceu foi o contrário. Ela hoje se dá muito bem em esportes,
estuda, tem atividades extracurriculares, inclusive, agora está até
fazendo um curso de computação.
  Há dois anos fomos para a Europa passear e ela foi conosco.
Conheceu lugares diferentes da realidade dela e reviu o lugar em
que nasceu, Colônia, na Alemanha.
  Quando criança não entendia muita coisa, mas hoje percebo a
sorte que tive de tê-la como irmã. Mais que tudo, isso é motivo de
orgulho. E posso dizer que a amo muito, uma coisa que é muito
fácil para quem a conhece.




                                                                95
Norberto e Maria de Lourdes
  Netinha Mariana:
  Deus a abençoe.
  No lançamento do meu segundo livro (Coletânea) em 24 de
outubro, em Fortaleza, você declarou que iria escrever um livro
da sua vida. Duvidei, mas você já está com essa ideia amadure-
cida. Com a inteligência que tem, você está capaz de levar adiante
essa belíssima ação.
  São fortes os votos de seus avós para que você se saia muito
bem dessa tarefa, que não é fácil.
  Com esse senso crítico que você tem, aplicado sobre as coisas
da vida, cremos que irá longe nesse caminho lidando com as le-
tras.
  Se precisar de ajuda, conte com os seus avós, pois estamos à
sua disposição e com grande fé e esperança na sua vitória.
  Dos avós Norberto Ferreira Filho e Maria de Lourdes Mon-
teiro.

  Crateús, 27 de maio de 1998.




96
Maíra
  De irmã para irmã:
  No começo eu achava meio estranho. Não entendia muito bem
o que acontecia. Mas agora que cresci, passei a compreender me-
lhor o que seria ter uma irmã como a minha. Compreendo agora
que a Mariana é alegria, sinceridade, personalidade, inteligên-
cia, animação e, principalmente, orgulho para todos que a con-
hecem.
  A Mariana tem em sua personalidade uma pessoa que é um
exemplo de amiga, filha... e eu tive a sorte de tê-la como irmã. E
tenho a obrigação de amá-la e a amo. Mas não como uma obriga-
ção, é fácil mesmo amá-la e difícil não ser contagiada por sua
grande personalidade.

  Maíra Araújo Ferreira, 14 anos.



  Madalena
  Mariana
  Nossos contatos são nas festas de família e nos encontros de
biodança. Encontrá-la em outros ambientes foi muito importante,
porque tive a oportunidade de percebê-la como uma pessoa que
contagia a todos os que compartilham da tua presença.
  Por onde tu passas ilumina os corações.
  Sinta-se abraçada e beijada neste momento tão belo de tua
vida.

  Madalena - 10/05/98
                                                               97
Ana Maria
  Mariana
  Escrever para você não é assim uma tarefa tão fácil, porque
escrever é transformar sentimentos em palavras e nesse caso elas
são ineficientes para traduzir a tua grandeza.
  Dos poucos encontros que já tivemos, nenhum passou desper-
cebido. Num deles o tema foi a coincidência dos nossos nomes
MARIANA/ANA MARIA: eu te chamei atenção para a particu-
laridade, falando que teu nome era o meu de trás para
frente, e depois num outro momento que nos encontramos tu
me chamaste: - Ei, minha prima da “frente pra trás”!
  Quero te dizer que somos primas em todos os sentidos de “trás
pra frente” e “da frente pra trás”.
  Um Beijo grande
                                         Ana Maria – 11/05/98


 Tia Luzia
  Mariana
  tem sua marca registrada em nossa família como a sobrinha que
sabe conquistar a todos.
  Aqueles de quem ela se aproxima envolve com seu jogo ma-
treiro.
  Em uma das vezes em que foi a nossa fazenda, carinhosamente
adotou a mim e ao José Ivan como pais, chegando a dizer ao João
que não iria voltar para Fortaleza. Com esse seu jeito, nos deixa
a seus pés.

 Um beijo carinhoso da Tia Luzia - 10/05/98
98
Mirian
  Mariana
  Que bom compartilhar da alegria em torno de Mariana, na
elaboração de seu livro. Feliz foi a ideia destes depoimentos, do
relato de “casos”, dando assim a oportunidade para outras pes-
soas conhecerem sua história. Dela por certo tirarão muitas lições
de vida.
  Mariana, ora menina-moça, ora moça-menina, a todos cativa
com seus gestos peculiares. A maneira como reage diante de al-
gumas situações, é surpreendente. As “tiradas” sobre os regimes
que muitas vezes lhe são impostos, são fantásticas...
  Enfim, plagiando o programa de TV, podemos dizer- MARI-
ANA É GENTE QUE FAZ.
  Tia Mirian vibra com ela, na alegria contagiante de sua vida,
que mesmo tendo algumas limitações, é plena de vitórias.

  Mirian, Julho/1998




                                                               99
Olga
  Mariana
  É uma sobrinha querida que no decorrer de sua vida propo-
ciona a todos nós da família, momentos alegres e descontraídos.
Considero-me mais privilegiada que as demais “Ferreiras” (como
carinhosamente a Mariana nos chama), pois a convivência no
CDH, nas viagens a Crateús, nas quais “eu tomava conta” e nas
vezes que ficou em nossa casa, encantava a todos.
  Eu, Haroldo, Michelle e Patrícia curtimos momentos agradá-
veis com sua presença querida.
  Mariana foi um grande presente para João e Ruth, presente este
que se estendeu a todos da nossa família.
  Um beijo da tia que te adora

 Olga - 12/05/98




 Tia Gogólia
  Com seu jeito cativante, conquista a todos. Ela é muito
querida e adorável.
  Quando vai a Crateús, fica lá em casa e nos diverte bastante
com seus comentários e gracejos. Ela é inteligente e sagaz, a tia
ou tio que está por perto é sempre o mais querido para ela.

 Um beijo da
 Tia Gogólia - 10/05/98
100
Patricia
  Mariana
  Falar sobre você é muito agradável, todas as vezes que
estivemos juntas sempre nos divertimos bastante, seu jeito doce
e alegre sempre me encanta.
  Recebê-la em minha casa é sempre motivo de festa. Lembro
uma vez que você passou três dias com a gente e resolveu que eu
seria sua irmã e devido ser mais nova que você, eu sería sua irmã
caçula. Depois disso ela disse que como era minha irmã, tinha
direito sobre todas as minhas coisas, e sempre vinha com frases
do tipo:
  - Eu posso perfeitamente usar seu roupão, afinal somos ir-mãs,
maninha.
  - Você tem que me obedecer, minha filha, lembre que sou sua
irmã mais velha, tenho todo direito de mandar em você.
  Quando ela foi embora deixou um grande vazio na casa, sua
alegria tomava de conta de todos; senti falta dos nossos papos até
altas horas da madrugada e do seu jogo de paciência, que só você
sabe como jogar.
  Um beijo da “irmã caçula”

  Patrícia




                                                              101
Tia Rita Maria (Cocada)
  Mariana
  Apesar de pouco conviver com ela, tenho imenso carinho e
admiração pelo seu jeito único de ser.
  Sua lembrança e inteligência são extraordinárias, pois lem-bro-
me que na ocasião de uma festa de família que ocorreu na fa-
zenda Várzea Redonda (tio Zé Ivan e tia Luzia), colocou-me o
apelido de “Cocada” e passou muito tempo sem ir a Crateús, mas
quando lá andou, logo que me viu foi logo dizendo:
  - Como vai Cocada?
  Fiquei boquiaberta com sua memória maravilhosa.
  Mariana sua presença nos faz falta, gostaríamos de conviver
mais com você.
  Um cheiro carinhoso da

 Tia Rita Maria (Cocada)
 10/05/98




102
Maria do Socorro
  Mariana
  O teu nome traduz o “Ser” maravilhoso que és:
  Meiguice
  Alegria
  Receptividade
  Inteligência
  Afeto
  Naturalidade
  Amor
  Com um beijo da tia Socorro, que só tem que agradecer a Deus
pela oportunidade de ter uma sobrinha maravilhosa como você.

 Crateús, 10 de maio de 1998
 Maria do Socorro Ferreira de Oliveira




                                                           103
Lourdes
  Mariana
  Tu vieste a este mundo com a graça de quem sabe viver o que
há de mais nobre e sagrado.
  Te encontrar é uma festa!
  Teu abraço sempre macio e verdadeiro, toca os sentimentos
mais humanitários que existem em nós.
  Teu sorriso é como a brisa, nos afaga a face.
  Tua história inspira coragem para se seguir com os olhos no
horizonte a espera de um sol sorridente que alegra a vida da
gente.
  Da tua prima que te admira e quer muito,

 Lourdes
 10/05/98




104
Myrthes e Leunan

  A nossa convivência com a Mariana já tem uns quinze anos.
Não foram ininterruptos, até mesmo porque morávamos em São
Luiz e ela, em Fortaleza, mas durante algumas férias ela esteve lá
onde tínhamos um contato mais estreito e podíamos observá-la
melhor. Uma coisa que sempre nos chamou atenção era o fato
de quase sempre estarmos confundindo-a com uma pessoa igual
às demais, em face de seu comportamento quase normal. Deste
convívio extraímos algumas observações e destacamos alguns fa-
tos que demonstram algumas característica.
  TRANQUILA - Apesar da situação e da idade, Mariana nunca
se apavora. “Calma” é uma de suas palavras de ordem. “Calma,
meu!” é o que ela diz quando alguém lhe pede para ser rápida.
Arruma-se sem pressa, mesmo que esteja muito motivada para ir
a algum lugar.
  ORGANIZADA - Quando vem passar dias conosco traz a sua
bolsa com mais roupas e objetos do que precisa. Vez por outra
está organizando as “coisas”. A seu modo, dá a cada coisa o seu
lugar. Nunca observamos a desordem que seria normal no quarto
de uma criança ou adolescente. Aliás, ela tem sempre presente a
questão da sua idade.
  PESQUISA - De sua livre iniciativa, escolhe temas para pes-
quisa em revistas. Recentemente, foi sobre a atriz Vera Fischer.
Coloca a seu lado todas as revistas disponíveis e vai folheando-as
página por página para encontrar alguma coisa, es-pecialmente
fotos da atriz. Pacientemente, recorta as fotos e organiza tudo.
  Em outros momentos pesquisou sobre Tarcísio Meira e
outros atores.

                                                              105
MÚSICA - O gosto pela música é talvez uma de suas
características mais marcantes. Tem uma atração muito grande
por instrumentos musicais. Estando com o violão ao seu lado,
esquece o tempo. Imagina-se uma compositora. Pega um pa-
pel e vai escrevendo as suas ideias, ao mesmo tempo em que
vai “tocando”. Toca um pouquinho e escreve como quem está
compondo. Não importa que o violão tenha apenas duas ou três
cordas. Conhece muitas músicas e muitos intérpretes. Sua afini-
dade maior é com os bons intérpretes da MPB. Distingue, per-
feitamente dos cantores “bregas” ou de “dor de cotovelo”, mas
demonstra muita afinidade com a boêmia. Imagina situações em
que está “tomando umas” para inspirar-se.
  FICAR SÓ em alguns momentos é uma de suas preferências.
Torce pelo período das férias para poder vir ficar conosco, ten-
do o quarto só para ela. Estando só, sua imaginação vai longe.
Reproduz cenas de novelas. Gesticula. Às vezes se esquece e
fala alto. Mistura-nos com os seus personagens. Sempre o tema
família está presente. Nas dramatizações quase sempre ouve-se
a expressão “a nossa família...”. Quando percebe que está sendo
observada, geralmente muda o tom ou disfarça. Há uma mistura
entre os personagens da novela atual com pessoas ou fatos acon-
tecidos na família. O pai e a mãe são os seus ídolos principais
e o grande sonho é que voltem a viver juntos. Mas considera a
separação como uma coisa normal, pois ela diz como muita natu-
ralidade: “Quando eu tiver o meu primeiro marido...”
  OBSERVADORA - Embora pareça não estar atenta, capta tudo
que acontece ao seu redor. Vez por outra surpreende com uma
observação sobre uma conversa ou pedaços de conversas que
ouviu. Quando provocada relembra fatos acontecidos há muito
tempo. Ainda hoje é capaz de lembrar-se de algumas coisas que
aconteceram quando de suas primeiras férias em São Luiz.
106
ESPIRITUOSA - Alguns fatos mostram esta sua característica.
Por exemplo: Quando estava aprendendo a “reza” para prepa-
rar-se para Primeira Comunhão, Donana, sua avó materna, per-
guntou: “Mariana, sabe quanto são os mandamentos da Lei de
Deus?”. Ela respondeu que não. Donana disse: - São dez, Mari-
ana. - E ela comentou: - arre égua, como é muito!”
   A maioridade é um dos seus sonhos. Faz muitos planos para
quando atingi-la. Um deles é poder tomar uma cerveja e outro
mais importante que ela repetia ao ser provocada era “para me
libertar da escravidão dos Cavalcante”. Isto é da família da mãe.
Mais adiante quer libertar-se dos Ferreira, o lado paterno.
   POLÍTICA - Diz-se do PT. Conhece bem várias estrelas do
partido. Torcia pelo Lula e fazia propaganda. Mas um dia, na
época da campanha Lula X Collor, estava com raiva da mãe, por
algum motivo. Alguém perguntou em quem ela votava para presi-
dente. Como a Ruth estava por perto, para atingi-la, Mariana
respondeu com toda ênfase: “Fernando Collor de Melo”.
   DESINIBIÇÃO - Não perde a oportunidade de fazer um dis-
curso. Se não for chamada, insinua-se. Sendo chamada, não põe
obstáculo. Coloca as mãos sobre a mesa, encara a plateia e fala.
Não tem o menor medo de microfone. Aliás, sente-se atraída por
ele, seja para falar, seja para cantar.
   VIAGEM À EUROPA - Depois de voltar da Europa onde es-
teve com o pai e irmãs, Mariana conversou muito. Como havia
nascido na Alemanha, esteve lá e viu a casa onde moravam os
seus pais. Dizia relembrar-se de tudo daquele tempo em que mo-
rou lá. A certa altura quando alguém perguntou se vira alguma
Igreja bonita na Europa ela respondeu que vira a Igreja Universal
do Reino de Deus.
   CONSCIÊNCIA DO VALOR - Certa vez Myrtes e Mariana
tinham que ir a algum lugar e estavam ali esperando-me para levá-
                                                             107
las de carro. Por brincadeira, provoquei: - Por que vocês não vão
de ônibus? Mariana logo tomou a palavra: - Eu tenho um nome
a zelar.
  PROVOCAÇÃO - Para testar a sua reação, digo que o meu
programa de domingo à tarde vai ser deixar as duas (Myrtes e
Mariana) em casa e vou para o forró no “Gigantão da Zé Bastos”
e depois no “Forrozão da Mister Hull”. Mariana reage imediata-
mente. - Já sei. Forrozão da Mister Hull é o fundo da rede e a
banda é Neston com Leite (O Neston com Leite é uma referência
à banda Mastruz com Leite e ao hábito que se tem em casa de
tomar toda noite o Neston).




108
Com a tia Myrthes e o Davi




                             109
Lucinha, sua professora particular e educa-
dora há muitos anos...
  Conheci a Mariana em 1982, quando fui sua professora na Es-
colinha Raio de Sol, da qual sua mãe fazia parte da direção.
  Foi minha primeira experiência na área de Educação Especial,
uma vez que Mariana é portadora da Síndrome de Down. Desde
então, todo o meu trabalho está voltado para essa área.
  Atualmente, realizo junto a Mariana um trabalho extraescolar
de reeducação pedagógica, no qual me sinto bastante satisfeita
pelos progressos alcançados, representando para mim um mo-
mento além de educativo, muito terapêutico, por seus questiona-
mentos, suas colocações e sua sensibilidade.
  A Mariana me surpreende e às vezes me deixa perplexa, pelo
seu nível de compreenção e percepção, usando todo o potencial
de inteligência, que comprovando ainda mais que as pessoas com
necessidades educativas especiais podem ir muito além do que
acreditamos.
  As atividades que realizamos nas sessões de reeducação pe-
dagógica se referem, além de tarefas escolares, a situações práti-
cas de suas vida, procurando contextualizá-las.
  Apesar de la já ser alfabetizada, faço um trabalho que continua
ajudando-a no seu processo de leitura-escrita.
  Mariana tem como todo mundo, desejo de aprender,
conhecer, explorar e principalmente de ser feliz, participando de
forma natural dos acontecimentos, além da capacidade de com-
preender as situações e tentar resolvê-las.
  E comum nos nossos encontros darmos muitas gargalhadas,
pois ela sempre traz algo divertido.
  Uma vez pedi para que escrevesse sobre alguém de que ela gos-
tasse muito e escolheu o Cezar Wagner. Fiz um roteiro para que
110
ela o seguisse, como por exemplo: aspectos pessoais, físicos...
Perguntei-Ihe:
  - Mariana, como é o Cezar? Magro alto, baixo?
  - Ela respondeu-lhe:
  - Bom, da última vez que eu vi ele estava da mesma altura.
  Num exercício do livro de matemática, pedia para que ela de-
senhasse as pessoas de sua família, da sua casa, em ordem cres-
cente quanto a estatura. Ela demorou a aceitar-se como a mais
baixa e desenhar as pessoas no ar, sem a linha de base, que seria
o chão.
  Disse-lhe: - Mariana, você desenhou as pessoas no ar?
  Ela respondeu: - Ave Maria, ninguém deixa a gente voar nem
no papel.
  São atitudes como essas, que fazem com que trabalhar com a
Mariana seja um prazer, pois além de educada, afetiva, inteligente,
sincera, solidária, divertida. Ela faz com que eu compreenda cada
vez maior, que são as diferenças que nos aproximaram e que as
desigualdades é que devem ser excluídas.
  Considero a Mariana uma pessoa coerente, respeitada por sua
família, seus amigos nas suas atitudes e desejo; capaz de atuar
na sociedade de forma adequada, integrada, assim a sociedade
permita, dando-lhe condições favoráveis para continuar se de-
senvolvendo.
  Mariana, você vai ficar na história!
  O século XXI lhe espera.
  Educação para todos!

  Um beijão,
  sua professora particular
  Lúcia Diógenes
                                                               111
Cleusa

  Mariana é uma pessoa carinhosa, que consegue transcender ao
individualismo dos dias atuais. E autêntica e por mais que às
vezes choque, ou desagrade as pessoas com seu jeito imperativo
de ser, Mariana é ela, sem procurar agradar ou vestir máscaras.
  A primeira vez que a vi foi num encontro de Biodança, em 1994,
em salvador, Bahia. Percebi que ela conversava com todo mundo,
participava dos debates, das vivências e senti uma vontade de me
aproximar, não sei explicar exatamente o porquê, mas acho que
era como em qualquer congresso ou encontro em que você vê
muita gente e de algumas você sente vontade de se aproximar,
conhecer melhor...
  Num primeiro momento, sentia dificuldade em entender tudo
que ela falava, algumas palavras eu não compreendia e por nunca
ter tido um contato mais próximo com alguém com Síndrome
de Down ou qualquer outra deficiência, ficava com vergonha de
perguntar. Aos poucos, fui percebendo que, por ser um encon-
tro nordestino, a maioria das pessoas a conheciam e a tratavam
normalmente, conversando e perguntando quando não a enten-
diam.
  Quando a vi pela segunda vez, foi em outro grande encon-
tro de Biodança, agora em Fortaleza. Senti muita alegria quando
Mariana me reconheceu, apesar do pequeno contato um ano an-
tes. Com o passar do tempo, e com minha vinda para Fortaleza,
em outubro de 1995, fui pouco a pouco me aproximando mais e
mais de Mariana e aprendendo muito com ela.
  Desde aquele primeiro encontro em Salvador, observei que ela
já era conhecida por suas perguntas audaciosas, por sua partici-
pação, e que muita gente tinha histórias de Mariana para con-
tar. Pensava que estas histórias não deveriam ficar apenas nas
rodas de amigos, mas de alguma forma registrada, pois para mim
112
a história de Mariana é um exemplo, como poucos, de uma pes-
soa com uma deficiência que, com o respeito, amor e sobretudo
a coragem de seus pais conseguiu se socializar e, se socializando,
para contribui mais que muitas pessoas ditas “normais”, com seu
exemplo, suas palavras, sua presença.
  A ideia deste livro surgiu com este intuito, longe de querer-mos
vender ilusões, mostrar um pouco do que o Amor é capaz, e o
desejo de presentear Mariana.
  Mariana, você para mim é vida
  é alegria, a simplicidade de ser
  Ser, sem medida,
  com limitações desta própria vida,
  garra, esperança, carinho,
  bom humor, vontade de viver
  reconhece seus erros e imediatamente
  procura corrigí-los
  atenta ao outro, você Ouve.
  Você é biocêntrica
  tem a fala enraizada na sua emoção, no seu sentimento
  não fala para agradar, mas geralmente
  agrada quando fala
  Mariana, contigo estou aprendendo a
  ver a vida mais simples.
  Obrigada pelo teu carinho, pela tua sensibilidade e que Deus te
proteja sempre!

  Mariana, hoje aos 20 anos de idade, participa de campeonatos
de natação, joga capoeira e é atriz da peça “Humilde Mestre”.


                                                              113
Cris

  Naninha, sempre tive uma grande admiração por ti. Tua in-
teligência emocional me impressiona e quando tu falas, calo para
escutar a sabedoria que vem de ti. Penso que tu és uma espécie de
“Merlim” da Biodança. Tua participação nos encontros nordesti-
nos e nacionais de Biodança é fundamental.
  Recordo de alguns momentos em que tuas perguntas após as
mesas redondas valiam mais que muitas respostas. Lembro-me
que, quando discutíamos sobre biodança e ação social, tu logo
questionaste: “Por que não tem Biodança para os pobres?” res-
suscitando uma antiga discussão sobre a elitização da biodança.
Tu foste também divina quando após uma palestra em que o ora-
dor (Cezar Wagner) foi bastante “transcendente”, tu questionaste:
“E o que é a biodança após a morte?”. O Palestrante
respondeu: “Não sei, Mariana”. E tu complementaste:
“Você respondeu o que eu queria ouvir!”, dando uma lição
de humildade para todos nós. Neste mesmo encontro, um outro
conferencista (Cipriano Luckesi) falou de uma maneira muito co-
movente sobre a vida. Tu inquiriste qual a importância da “Bio-
dança para a construção da vida, levantando a bola para que
Cipriano convidasse a todos a se empenharem arduamente em
todos os momentos em defesa da vida, seja qual fosse o mo-




114
vimento que fizesse parte: bioenergético, biodança, movimento
verde, MST, Transpessoal etc. O que importa é o elo comum que
nos une, é a proteção da mãe GAIA e de toda espécie de vida. Foi
neste encontro em setembro de 1997 que tive a ideia de escrever
este livro, ideia que foi logo abraçada por nossa fada madrinha (A
Cássia), que sempre realiza nossos sonhos. Creio eu que tua mãe,
aliás, teus pais, com certeza também acalentavam este desejo.
Naninha, tu és para mim uma luzinha acesa iluminando o nosso
caminho com tua sabedoria inocente e profunda. Às vezes fico te
observando. Percebo quanto são puros os teus movimentos. Teu
sorriso moleque me contagia. Teus olhinhos miúdos me dizem
o quanto o amor é suave. Tuas palavras me fazem pensar horas
sem fim. Tua sexualidade transparente, como água pura, me en-
sina a beleza de não ter medo de amar. Os teus abraços calorosos
me lembram o aconchego das crianças quando estão saudosas de
suas mães.
   Naninha, não deixes ninguém atrapalhar teu brilho. Você é um
cometa bonito de se ver, bom de recordar e leve, a nos fazer
voar. Continue sempre a nos questionar com tuas perguntas im-
prescindíveis para nosso crescimento. Conte com o nosso
carinho e com nossa presença atenta às tuas peripécias.
                                                              Cris.




                                                               115
Mariana - um facho de luz
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  • 1. org.: Cássia Regina Xavier de Andrade Mariana um facho de luz
  • 2. O objetivo deste trabalho é apresentar, ainda mais, a Mariana a todas as pessoas que acreditam na eterna possibilidade que a vida nos presenteia cotidianamente de superar limites. É uma oportunidade de conhecer mos os sentimentos envolvidos, quando descobrimos que somos a exceção, somos minoria. O que acontece com uma pessoa com Síndrome de Down, as suas dificuldades e mais ainda suas possibilidades frente à vida, dito por seus pais, terapeutas, professores, amigos, irmãos, avós, ou seja, pessoas que têm a oportunidade de conviver com ela.
  • 3. Cássia Regina Xavier de Andrade Mariana um facho de luz Forteleza Banco do Nordeste do Brasil 2010 1
  • 4. Presidente: Roberto Smith Diretores: João Emílio Gazzana José Sydrião de Alencar Júnior Luiz Carlos Everton de Farias Luiz Henrique Mascarenhas Corrêa Silva Oswaldo Serrano de Oliveira Paulo Sérgio Rebouças Ferraro Ambiente de Comunicação Social José Maurício de Lima da Silva Ambiente de Gestão da Cultura Henilton Parente Menezes Ambiente de Responsabilidade Socioambiental José Danilo Lopes de Oliveira Área de Desenvolvimento Humano Eliane Libânio Brasil de Matos Coordenação do Programa Cultura da Gente Rosana Virgínia Gondim Pereira Editor: Jornalista Ademir Costa – CE00673JP – Fenaj Capa: Marcus Vinicius Coelho Sampaio Diagramação: Marcus Vinicius Coelho Sampaio 2
  • 5. Sumário Apresentação 5 Prefácio 9 Introdução 13 Relato de seus pais 19 Ruth Cavalcante 21 João de Paula 35 Mariana por Cezar Wagner 55 Mariana construindo sua identidade 61 Dos 15 anos até... 67 Entrevista com a artista 73 A Biodança e a Mariana 83 A Religião 87 A Natação 89 A presença dos amigos e familiares no processo de crescimento da Mariana 93 Mariana, cidadã brasileira 155 3
  • 6. 4
  • 7. Apresentação Mariana, uma história de amor, humor, medo, força, determi- nação, família, amigos, apoio, crescimento, desafio e realização. Neste livro, encontraremos muitas dessas palavras. O objetivo deste trabalho é apresentar, ainda mais, a Mariana a todas as pessoas que acreditam na eterna possibilidade que a vida nos presenteia, cotidianamente, de superar limites. É uma oportunidade de conhecermos os sentimentos envolvi- dos, quando descobrimos que somos a exceção, somos minoria. O que acontece com uma pessoa com Síndrome de Down, as suas dificuldades e mais ainda suas possibilidades frente à vida, dito por seus pais, terapeutas, professores, amigos, irmãos, avós, ou seja, pessoas que têm a oportunidade de conviver com ela. A ideia inicial deste trabalho foi da Cris, durante a apresentação de nossas monografias (Cássia, Cris, Cleusa e Fátima Mesquita); estávamos num clima de alegria, a Cris sugeriu, mas falou que não poderia participar, daí eu e a Cleusa topamos. Aproveitamos o tempo que a Cleusa estaria em Fortaleza e montamos uma estrutura, fizemos entrevistas, começamos a pedir contribuição das pessoas envolvidas, fizemos reuniões com Mariana, João e Ruth, era de fato uma experiência sui generes. Cleusa teve que voltar a Porto Alegre... E agora, Mariana? E agora, Cássia? Vamos ver o que poderemos fazer. Começamos a 5
  • 8. outra etapa (recebia telefonema da Mariana toda noite, mais ide- ias, mais textos, fotos, colagens e muitas sugestões). Mariana, vai sair e vai ser lindo. (Eu dizia) - Ai, meu Deus, Ave Maria! Era uma alegria só. Chegou o cansaço do trabalho individual, pedi ajuda ao Rober- to (meu companheiro), a Herbene (minha cunhada e amiga) e ao Valber (artista que deu origem à capa do livro), foram muitas tar- des: scanner, fotos, cafezinho, pão e manteiga (saborosíssimos). Depois, veio uma amiga linda, Mara, in memoriam, que topou ajudar-me. Passamos tardes, noites, nos deleitávamos com os tex- tos, vinho, frutas e muito som espalhado em seu escritório. Puxa, como foi boa esta experiência! Obrigada, Mariana. O livro está dividido em 3 etapas. Na primeira, Ruth e João, seus pais, contam como perceberam a evolução da Mariana, sua história, suas recordações. Cézar, como diz a Mariana, seu segun- do pai, também conta como é sua relação com ela. Em seguida, Mariana nos fala, de diversos modos, o que pensa sobre a vida, sua evolução em habilidades e pensamento. Adiante, familiares, amigos, professores e terapeutas nos con- tam como é conviver com a Mariana. É importante relatar que esta é a segunda edição, a primeira foi totalmente esgotada, e Mariana fez bom uso dos livros, doando, vendendo, divulgando sua história de sucesso e amor, em palestras, conferências, aulas práticas nos cursos de pós-gradua- ção em educação especial. Nesse momento, sinto-me convidada a continuar contando suas conquistas, ela agora está no mundo do trabalho, podendo colaborar com o Banco do Nordeste, assesso- rando a prefeitura de Fortaleza no comitê de inclusão. Desfrutem dessa viagem de alegria, esperança e coragem em viver criando a realidade e escolhendo como quer viver. 6
  • 10. 8
  • 11. Prefácio Fortaleza, 10 de julho de 2007 Mariana querida, As leituras e estudos, as experiências e a aproximação com as múltiplas e variadas histórias de vidas têm revelado que são muitos os modos de se lidar com as diferenças entre as pessoas, especialmente quando se trata das diferenças mais facilmente percebidas e que ganham um significado de desvantagem ou de descrédito social. Essa significação social, dadas a diferenças, não está necessariamente determinada por suas características aparentes. São certamente expressas por reações fundadas em concepções historicamente construídas. Entretanto, a Psicolo- gia e as Ciências Sociais têm contribuído de forma decisiva para uma outra compreensão das relações sociais que se estabelecem entre os indivíduos diferenciados, evidenciando a importância das reações frente às diferenças para a formação dessas pessoas. Estudiosos deste tema afirmam que aqueles que apresentam diferenças mais visíveis passam a adquirir uma posição social em função das respostas dos outros frente a elas. 9
  • 12. A história de sua vida, Mariana, por você mesma contada e tão carinhosamente revelada por seus familiares e amigos, ilus- tra de modo positivo as ideias acima consideradas. Há alguns anos, ao recebê-la para uma rica e agradável convivência, entre os que fazem a Associação de Pais e Amigos dos Excepcio- nais de Fortaleza, deparei-me com uma bonita jovem em franco desenvolvimento, de olhos brilhantes, com ar de felicidade, de comportamento tranquilo e expressão de confiança em si. Cer- tamente, essas são características que dizem respeito a pessoas bem amadas, plenamente aceitas, respeitadas em suas diferen- ças e especialmente consideradas como cidadãs merecedoras de direitos e cumpridoras de deveres. Hoje, tenho uma vez mais o privilégio de tecer considerações importantes a pretexto de reescrever o prefácio de um livro que conta a história de vida de uma linda moça que se faz feliz, é consciente de seus limites e de suas possibilidades, aprende e apreende com perspicácia a realidade que a cerca a partir das preciosas interações que estabelece com os outros, é otimista frente ao mundo, trabalhadora, desejosa de fazer a síntese de sua trajetória e, portanto, ocupa um merecido lugar na vida social. Ao pensar em você, Mariana, ao conviver com seus pais, Ruth e João de Paula, ao rememorar os momentos intensamente vivi- dos junto aos outros alunos e às mães e pais que frequentavam aquela escola, me vem o desejo de expressar que o que nos liga, a mim e a você, é a certeza de que estabelecer vínculos afetivos com os ditos diferentes nos engrandece e humaniza. É a afirma- tiva de que as “deficiências” são construtos sociais e, por isto mesmo, devem ser sempre relativizados e historicizados. Afinal, Mariana, quantos entre nós podem ver e não enxergam horizon- tes à sua frente; tantos de nós ouvem e não conseguem escutar os clamores e chamamentos que a vida tem a nos oferecer; tan- tos outros falam, porém silenciam suas experiências, impedidos que estão de compartilhar suas aprendizagens, frutos de suas 10
  • 13. vivências; quantos podem se locomover e não conseguem dar um só passo à frente em busca de soluções para os embates im- postos pelo cotidiano! Todas essas reflexões, resultantes de densa convivência entre as pessoas diferenciadas feito você, Mariana, me levam a acredi- tar que confundir diferença com deficiência resulta de elabo- rações sociais. Essa é uma crença de quem aprendeu que mais importante do que os rótulos, os nomes e as denominações, é compreender a complexidade das relações interpessoais que envolvem o processo social de constituição das pessoas como seres singulares e únicos. É a mentalidade de que todos nós so- mos cidadãos e, como tal, merecemos ser incluídos no cotidiano da vida coletiva. É a crença de quem assimilou que na vida mais vale descobrir a beleza e a força da solidariedade e do amor en- tre os seres humanos, e de que são os vínculos afetivos que nos movem. As revelações neste livro anotadas, certamente serão de grande valia para aquelas pessoas que ainda não se deram conta de que todos nós, apresentando ou não alguma limitação, seja de que natureza for, fazemos parte de uma comunidade que é univer- sal e somos parte integrante e indissolúvel da sociedade onde moramos e vivemos. Sua vida, Mariana, é hoje uma referência para que se acredite nas possibilidades do ser humano. Parabéns e obrigada por suas lições! Um forte e carinhoso abraço. Vanda Magalhães Leitão Doutora em Educação Brasileira Professora da Faculdade de Educação da UFC Ex-diretora da APAE-Fortaleza 11
  • 14. 12
  • 15. Introdução Mariana, Mariana Menina linda Mulher sapeca Que sonha com a vida Cria a vida, dizendo o que quer Mariana, Mariana Sabe sonhar e expressar Faz acontecer o sonho Ultrapassando o olhar Num suave acontecer Mariana, Mariana Sabe dançar, se soltar Abraçar e cantar Olhar o coração Falar em canção Entoar o amor em cada encontro Em cada salão! 13
  • 16. Apresentar Mariana ao mundo, é um presente e um meio de falar que temos toda a possibilidade de conduzir nossas vidas e fazer de cada dia um presente repleto de oportunidade e criatividade. Nesse tempo em que convivo com ela já me surpreendi, chorei, sorri, duvidei e depois de algum tempo aprendi a aguardar e ver o que ela, com seu olhar matreiro e lindo diz virar realidade. O querer da Mariana me chegava às vezes de modo impossível, internamente pensava que não ia dar cer- to, cuidava para não haver frustração para ela, caso minha suposição se confirmasse, porém, com o passar do tempo ia vendo que suas palavras proféticas aconteciam com fluidez e mais uma vez ela conseguia realizar o que um dia foi apenas um suave comentar. Durante nossa convivência, pois começamos nossa amizade sendo companheiras de biodança, ela, a filha da Ruth, que era carinhosa e em algumas viagens precisa de “cuidados espe- ciais”. A Ruth nos pedia para dar uma olhada nela, nos encontros de biodança, pois era uma quantidade grande de pessoas e a Mariana podia se perder, não encontrar o quarto do hotel... Preocupações de mãe afetiva, que não passava de perda de tempo, pois fui verificando que a Mariana tinha uma autonomia impressionante. No primeiro dia, ela ia conhecendo todas as pessoas, recebendo os cartões dos amigos, recebendo convite para almoçar, jantar. Quando procurávamos Mariana, ela estava sempre com alguém, dando suas boas risadas. Uma vez, perguntei como ela conseguia fazer tantos amigos em tão pouco tempo... ela com seu jeito de professora, foi logo di- zendo: - Começo perguntando o nome, dou um abraço e aí pronto... E era mesmo assim, sua inteligência afetiva é de uma maestria para fazer calar muitos educadores. Depois de um tempo, Mariana quis fazer biodança em meu grupo, passei a ser sua facilitadora. Nesse período, ficamos mais íntimas e, quando nos encontrávamos, era motivo de aprendizado, limite, afeto, aventura e muita ação. Lembro de muitos momentos em que aprendi com ela e também tive que 14
  • 17. dar limite e, mesmo com o coração apertado, dizer não, tirá-la das atenções, agir com naturalidade, pois a considerava, uma pessoa com experiência em biodança, que tinha vinte e pou- cos anos, que entendia o que era falado. Fazia questão de não valorizar sua síndrome, mesmo sabendo que ela existia, mas tentava a primeira opção sempre: agir de modo normal e dar o mesmo desafio que dava aos demais; dependendo da reação dela, é que ia diminuindo ou não o pedido. Recordo de muitos momentos em que Mariana chegava à aula com um CD para que se usasse na sessão, sempre um CD diferente, fruto de sua pesquisa durante a semana. Eu ouvia a música e nas primeiras vezes usei-a de imediato, pois a música era boa e tinha a ver com o que ia trabalhar. Certo dia, ela trouxe um CD e eu não o usei, pois quis dizer para ela que o papel dela no grupo era de participante e também não via como usar as músicas naquela sessão. Ao final da aula, ela veio recolher o CD e foi embora, sem comentários. Na próxima aula, fiquei surpresa em ver que ela trouxe o mesmo CD que eu não havia usado na semana anterior. Não o usei novamente. Ao final ela recolheu e foi embora sem comentar. Na sessão seguinte, chega Mariana novamete com o mesmo CD, dei uma risada interna, pensando: que menina de identidade saudável, sabe de si, sabe que o fruto de sua pesquisa não pode ser deixado de lado assim e insiste com toda a dignidade de uma pessoa integrada. Isso foi uma lição para mim, numa leitura de postura na vida. Aprendi com você, Mariana, a me posicionar e a exigir atenção e respeito. Usei o CD nessa sessão, foi logo a primeira música, ela do outro lado da roda, olhou para mim e piscou o olho, com um lindo sorriso nos lábios, num diálogo silencioso e sonoro ao mesmo tempo. Na semana seguinte, ela trouxe outro, era muito encantador. Ficava atenta quando ela queria envolver as pessoas do grupo com sua fala e não olhava ao redor a questão do tempo, a oportunidade para os demais e, como facilitadora, dava o limite, o que ela sempre aceitava, demonstrando tranquilidade. Era um exercício contínuo de aprender a conviver, a diferença é que Mariana aprende rápido e sem mágoas. 15
  • 18. O jeito de Mariana criar a realidade é algo que mexe muito comigo, positivamente. Tivemos uma vez a experiência de ela querer ser funcionária do Banco do Nordeste, pois admirava a facilitadora, eu, que sou do banco. E depois chegaram a Melina e a Paulinha, todas do grupo e trabalham no BNB. Ela nutre uma amizade muito grande por nós. Rapidamente ela compreendeu que era bom ser funcionária, pois conversáva- mos, realizávamos trabalhos no banco e quando nos encon- trávamos era com alegria que combinávamos novas real- izações... Ela, um dia, no grupo, disse que ia ser também do BNB. Fiquei apreensiva, pois como facilitadora, não queria criar expectativa que não pudesse ser uma possibilidade... Es- queci que era ela que estava falando e foi ela com seu jeito insistente e suave, sedutor e fluido que foi criando essa nova realidade... depois de uns meses, houve momentos de falta de fé da nossa parte, de irritação da Mariana, pelo tempo per- dido em espera, recebemos a notícia numa maratona na Taíba, que a APAE havia assinado um acordo com o banco e que Mariana ira trabalhar no BNB, intermediado pelo Ambiente de Responsabilidade Socioambiental, na época liderado por Edgar Arilo. Ela iria, trabalhar na biblioteca do banco. Foi uma festa só, uma alegria e um ensinamento para mim como a nos fazer lembrar Walt Disney ao dizer que “se podemos sonhar, podemos fazer” Hoje, fico feliz por ver Mariana toda atenciosa, recebendo as pessoas com respeito e cuidado no Centro Cultural Banco do Nordeste, é uma recepcionista delicada e comprometida. Iniciou outra fase, quer ser facilitadora de biodança, já não digo, nem sinto que não pode, contudo já expliquei que pre- cisa se preparar, quem sabe as voltas que o mundo vai dar e quantas coisas podem mudar... Atualmente, acho que ela é uma facilitadora da vida! E começou seu estágio... Assisti a uma palestra dela no Encontro Nordestino de Biodança em Natal-RN, no Encontro Nordestino de Educação e Cidadania em Fortaleza-CE e, nessas ocasiões, fiquei encantada com seu jeito alegre de envolver todas as pessoas do auditório. 16
  • 19. Lembro de uma vivência de biodança em que trabalhávamos o poder dos animais e havia um texto muito grande sobre cada desafio. Auxiliei Mariana e fomos ler juntas as características do animal que veio para ela. Verifiquei que ela rapidamente entendeu a metáfora e associava as respostas ao significado, relacionando aos quatro elementos da natureza. Foi uma sur- presa e alegria para minha condição de facilitadora. Quando comecei a perguntar sobre quais desafios ela sugeriria para cada participante, com a naturalidade de uma facilitadora- xamã, iniciou uma leitura lúcida sobre cada participante e, em muitos graus, sua fala tinha ressonância com o que havia pre- parado para cada participante. Fomos madrinhasno casamento da Érica, nossa amiga co- mum, e inspiradas pelo lugar belo e acolhedor, passamos um bom tempo combinando como será a sua cerimônia de casa- mento, pois casar é também um sonho, que sei, será realidade. Mariana me convidou para ser a “madre”, vou fazer a cerimônia e como é típico de sua identidade, foi logo inclu- indo a Melina e a Paulinha, dizendo que elas serão as sacristãs, um modo lindo e afetivo de reconhecer a todo momento o bem querer que tem por todos. Poderia descrever muitos momentos e muitos “causos”, mas vocês poderão desfrutá-los nos demais textos produzidos por tantos outros amigos da Mariana. Ao organizar este livro, tive o privilégio de conhecer mais o que ela causa em cada pessoa e saber que minhas observações estão corretas. Mariana de- senvolveu uma inteligência afetiva e uma inteligência prática, suas considerações sempre estão fundamentadas numa lógica não linear. Ela vai no centro de nossas almas, capta o que está acontecendo de modo não convencional e contribui com palavras doces e certeiras. Não sei denominar como é essa inteligência, mas vivenciei muitos momentos com ela. Cássia Regina Xavier de Andrade Amiga da Mariana 17
  • 20. 18
  • 21. Um facho de luz Relato de seus pais 19
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  • 23. Um facho de luz Sua mãe e amiga Ruth A preparação para o nascimento da Mariana durou sete anos. Os empecilhos que se colocavam em nosso caminho contribuíam ainda mais para fazer crescer o meu desejo de gerar um filho. Vinda de uma família de 20 irmãos, de um pai presente na vida dos filhos e de uma mãe profundamente acolhedora, o meu in- stinto maternal sempre foi muito desenvolvido. Os quatro anos de perseguição política e consequente clandes- tinidade para defender-me do regime militar no Brasil e um ano no Chile, onde tivemos o nosso primeiro asilo político, sempre foram alimentados pela esperança de poder concretizar o meu desejo de ser mãe. Quando, afinal, pudemos respirar com mais liberdade no nosso segundo asilo, na Alemanha, vimos que havia chegado o momento de realizar esse sonho. Mariana foi gerada, então, numa época em que eu experimenta- va viver todas as formas de amor com uma intensidade, que mar- cou, não apenas a mim, mas a toda uma geração. Nós vivíamos a utopia de transformar o mundo e salvar a humanidade e para tão ousada tarefa era necessário ter muito amor dentro de si. A juventude dos anos 60, a nossa juventude, pode desfrutar da liberdade de amar, de criar e expandir-se além dos nossos limites. Exercitávamos de todas as maneiras a vida coletiva, o compartil- har dos sentimentos, por isso a sua gestação foi festejada e vivida alegremente por todos os companheiros exilados fora e dentro 21
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  • 25. do Brasil, por nossos familiares e pelos novos amigos que nos acolhiam em seu país. Eu me sentia plena, além de prenha, numa gravidez curtida, saudável e feliz. A primeira surpresa foi iniciar o trabalho de parto quase um mês antes do prazo. O que estaria ocorrendo, se tudo estava indo tão bem? O João estava concluindo o curso de medicina, que de tanto recomeçar, sobrevivendo a todos os golpes, já durava 10 anos. Além de pai participante, sentia-se, como estudante, motivado a acompanhar todo o processo, daí ter recebido permissão de participar do parto, o que não era tão comum na época a partici- pação do pai. A sua primeira observação ao vê-la saiu natural e carinhosa- mente: “minha nega, ela parece uma mongoloidizinha”, e eu retruquei tranquila: “é, ela tem os olhos repuxados como os seus”. Ele ainda chamou a enfermeira mais experiente e perguntou se ela não notava nada de estranho. Ela o tranquilizou, dizendo: “o senhor precisa sair para comemorar o nascimento de sua filha”. Mais tarde, ela explicou que não tinha o direito de frustrar nossa alegria naquela hora, se depois teríamos tempo de receber a notícia. Ele saiu para festejar com nossos amigos, feliz nesse momento sublime em que o homem como ser também criador se completa admirando, sua mais perfeita obra. E eu descansei, como dizemos no Nordeste, na certeza de ter dado à luz a uma criança divina. Só mais tarde, muito mais tarde, compreendi o porquê dessa forte sensação de paz e tranquilidade que minha filha me trazia naquela hora e permanece me presenteando até hoje. No dia seguinte a seu nascimento, o médico não teve a mesma sensibilidade da enfermeira e mandou me chamar ao seu con- sultório. Já fui protestando, por ter que ir andando, lembrando- me, que a mamãe passava 40 dias de “resguardo” e eu tinha já 23
  • 26. que fazer aquele esforço; e mais uma vez tive pena de ela não ter nascido na Pedra Branca. Quando ele me deu a notícia, pensei que não estava entenden- do mais o idioma alemão, tal era a minha dificuldade de aceitar a verdade. Quando pedi para ele explicar melhor, não pude ouvir o final, porque desmaiei. Talvez quisesse mesmo morrer; agora já não entendia mais o que a vida queria fazer de mim. Na manhã que antecedeu a essa notícia, eu tivera uma conversa com uma companheira do quarto, perguntando por que todos do hospital vinham conversar com ela, que era alemã e mal notavam a minha presença e da outra que era turca. Eu e a turca tínhamos conversado e imaginávamos que estávamos sendo discrimina- das. Então, ela explicou que, como o hospital era evangélico e ela professava a mesma religião, eles estavam trocando material e ideias. Esse esclarecimento me fez ficar um pouco envergon- hada, por ter me antecipado no julgamento baseado na suposta predisposição contra estrangeiros. Relembro esse fato para me fazer compreender no relato de um sonho que tive na noite em que recebi a notícia de que minha filha era portadora da Síndrome de Down. Rolando Toro considera a função de sonhar como uma ativi- dade do organismo, destinada a manter o equilíbrio interno, um esforço do organismo para “resolver” conteúdos emocionais contraditórios e alcançar uma homeostase. Isso eu vim saber só três anos depois, quando descobri a Biodança. Na época, eu sabia apenas, que estava vivendo profundas contradições entre o meu sentimento de tristeza e desapontamento e o meu amor maternal, a minha visão de mundo, meus conceitos de felicidade, de beleza, minha vivência de desapego que já havia perdido tanto... No en- tanto, as perdas anteriores não representavam nada diante desta que dói nas entranhas. 24
  • 27. 25
  • 28. Além do apoio manifestado no amor do meu companheiro, dos companheiros de luta, amigos e familiares, um sonho foi de- cisivo para me ajudar a sair desta primeira fase. Refazer-me do impacto do desmoronamento daquele sonho, embalado por to- das as mães, de ter um filho saudável. Foi o começo da aceitação da nova realidade. Eu sonhei que estava naquele quarto da maternidade, o mesmo quadro, ladeada pela alemã e pela turca, quando chegaram três freiras do Colégio da Imaculada, colégio no qual estudei interna durante 8 anos. Uma cena semelhante à das visitas que a alemã recebia. Uma delas, falava que tinham sabido da minha tristeza por causa do problema da Mariana e que tinham vind me visitar, tra- zendo apenas um exemplo que, com certeza, iria me ajudar. Que- ria me apresentar uma freira nova que não era do meu tempo de colégio. Quando dirigi meu olhar para a nova freira, vi que no lugar do rosto havia um facho de luz e daí saiu a sua voz dizendo: “Como você pode ver, eu não tenho cabeça e talvez, justamente por isso, eu me sinta iluminada e plenamente feliz”. A reflexão deste son- ho me acompanha até hoje com um sentido de alerta existencial e integração entre o meu pensar e sentir. Acordei decidida a trabalhar em mim, mais ainda, os meus va- lores com relação à inteligência, à beleza, ao desempenho na vida e a tantos outros que uma sociedade voltada para o consumo cria como parâmetro de felicidade. Dentro de poucos dias, a tristeza foi sendo substituída por uma profunda afinidade com Mariana e uma certeza de que conviver com ela seria um caminho para a minha coerência com a vida. Pude estar presente e inteira para acompanhar a leveza com que ela foi se presentificando na minha vida e na de todos que convivem com ela. 26
  • 29. Muita coisa mudou com sua chegada, inclusive abriu novas perspectivas para minha vida profissional, despertou-me o in- teresse de atuar como educadora, também na área da educação especial, para poder compartilhar com outros pais e familiares a experiência que ela estava me proporcionando. A metodologia empregada no seu atendimento em Estimula- ção Precoce foi outra grande ajuda que recebemos, por ter como premissa o envolvimento objetivo dos pais. Ao voltar da Alemanha, decidimos criar um Centro semelhante ao que frequentávamos lá. Juntamos-nos à psicóloga Fátima Dió- genes, que conhecemos na Escolinha onde matriculamos a Mari- ana, o Centro de Estimulação Essencial. Assim fundamos, em 1981, o CDH - Centro de Desenvolvimento Humano, voltado para o atendimento de crianças portadoras de deficiência. Da sua fundação até hoje, o CDH, já ampliado na sua missão, tem sido o seu principal suporte terapêutico. Mais uma vez, motivados pelas suas necessidades e na busca de abrir espaço para a sua partici- pação e integração social, um ano depois, inaugurávamos a Es- colinha Raio de Sol com uma proposta de inclusão das crianças portadoras de necessidades especiais às consideradas normais, iniciando todo um trabalho de quebra de preconceitos, propi- ciando a integração de nossas crianças à escola regular. Na convivência com Mariana, fui percebendo que ela deflagra- va sentimentos muito positivos não só em mim, mas em todos os que conviviam e convivem com ela, especialmente os familiares e amigos mais próximos. Com estes, ela consegue estabelecer uma relação bem diferenciada, todas permeadas por muito afeto, muito cuidado e respeito ao modo de ser de cada um: Os seus dois pais, como ela costuma ressaltar, João e Cézar, ocupam, cada um, um lugar definitivo na sua vida e no seu coração. A sua relação com o pai biológico nunca deixou de ser a 27
  • 30. Tezinha (madrinha e avó), irmã da Ruth, preparou muitos anivesários da Mariana - vó Tezinha, como a Mariana chama, em foto de setembro de 1982. 28
  • 31. preferencial, expressa no amor claro de filha e numa determina- ção muito profunda com ele. O Cézar, pai que a acolheu desde os três anos de idade, com uma total ausência de preconceitos, entregando-lhe seu amor por inteiro, recebe dela também um amor que não se abala em nenhuma circunstância. Com os irmãos, tanto do lado materno, Sara e Davi, como do paterno, Marina e Maíra, exige algumas prerrogativas de irmã mais velha e é mais respeitada nos seus direitos do que mesmo protegida, o que ocorre também na relação com os primos. As avós, tanto as legítimas, vovó Ana e Delourdes, quanto as que surgiram depois, vovó Zeli e a vó Tezinha que, de tia querida e madrinha, foi escolhida por ela para ser a sua vozinha, ela as foi conquistando pelo seu próprio jeito de ser, assim como os muitos tios e tias que ela também conquistou com o seu afeto. Todos contribuíram decisivamente para que ela se tornasse uma pessoa tão integrada e capaz de curtir cada momento que a vida lhe oferece. O seu círculo de amigos cada vez cresce mais, alguns já duram anos. Os profissionais, que com seu trabalho a fazem crescer e se integrar socialmente, seguramente crescem também no exemplo da sua espontaneidade e prazer de viver. Muitos se tor- nam seus amigos, numa relação que extrapola as paredes dos consultórios. Quando do nascimento de seus irmãos, minha alegria foi do- brada, pela existência deles em si, que chegaram a mim como mais um presente neste misterioso acontecimento da materni- dade, mas também pensando no futuro da Mariana, o quanto eles iriam ajudá-la no seu desenvolvimento. Hoje, já constato que o aprendizado foi mútuo, na convivên- cia natural, em que não existem privilégios nem discriminações, mas uma plena consciência dos limites e potencialidades de cada um e ela se encarrega de explicar estas condições quando é co- brada. 29
  • 32. 30
  • 33. A sua presença suscita permanente reflexão sobre a coerência de nossa postura. Por diversas vezes somos chamados a explici- tar determinados comportamentos, porque ela necessita de ex- plicações claras. As suas conquistas são festejadas por todos, porque sempre trabalhamos no sentido de que ela tenha consciência do seu quadro, inclusive do ponto de vista de informações científicas, das quais ela também tem clareza. Optou por estudar na APAE, aos 12 anos de idade, porque já percebia a defasagem para com os colegas do Instituto Alencar, onde estudou cinco anos. Manifestou a necessidade de estar junto a colegas da sua idade e não com crianças menores fisicamente, embora no mesmo nível cognitivo. Lá chegando e encontrando tantos tipos de por- tadores de deficiências diferentes, perguntou para a professora quem era Síndrome de Down, porque já não estava reconhecen- do. Já teve uma fase de querer ler meus livros sobre sua síndrome e como não alcançava ler de fato, devido à terminologia especí- fica, detinha-se nas fotos e comparava-as a si mesma. Sente-se contribuindo, quando por diversas vezes já foi con- vidada para dar o seu depoimento na cadeira de Educação Es- pecial da UECE, assim como nos cursos de especialização da Secretaria de Educação do Município de Fortaleza. Sou profundamente grata a ela por ter me ajudado a descobrir novos paradigmas e poder ter junto a mim o seu permanente exemplo, mostrando nos mínimos gestos o que é fundamental nas relações, qual é a essência do ser humano, às vezes até já es- quecida; dizendo-me por intermédio do seu movimento do dia a dia, do seu bom-humor, da sua sensibilidade e, sobretudo, de sua afetividade, do que na essência o ser humano precisa. Ela diz tudo com a sua presença amorosa, com seu modo natural, com pouquíssima contaminação da cultura. 31
  • 34. Para ela, em todas as situações, sempre prevalece o que é verdadeiramente essencial, tendo como principal fonte de ex- pressão os sentimentos que surgem por meio de sua ilimitada capacidade de estabelecer vínculos com todos e com tudo que a rodeia, chamando-nos a ter a coragem de sermos fiéis ao nosso lado luminoso. A minha vinculação com ela transcende a esse laço por si só já tão forte entre mãe e filha; sinto-a como um facho de luz ilu- minando meu caminho. Este livro foi concebido, inicialmente, como um relato da história de vida de uma pessoa muito querida por todos nós que integramos esta coletânea, chegando quase a uma homenagem a quem tanto busca ocupar seu espaço no mundo, evidenciando- se na sua inclusão na família, na escola, no mercado de trabalho e na sociedade como um todo como cidadã, tendo intensa partici- pação social e política. Mas o livro foi tomando outras direções e se constituindo também em fonte de pesquisa para familiares e alunos dos cursos promovidos pelo CDH – Centro de De- senvolvimento Humano e estudiosos em geral da Síndrome de Down. Esta constatação me levou a trazer para esta segunda edição algumas reflexões, não mais apenas como mãe, mas tam- bém como educadora biocêntrica já que nessa abordagem ped- agógica a nossa disciplina principal é a vida mesmo. Como mãe, eu me contentava em sentir que a Mariana dá à vida cada vez mais um significado essencial e vive plenamente feliz, como é destacado em todos os relatos do livro. Mas como educadora, eu desejava ir além do sentimento. Eu precisava entender e ex- plicar que o seu saber, não sendo racional, seria de outro âmbito, mas qual? Essa interrogação foi elemento motivador para que eu aprofundasse minhas pesquisas sobre a inteligência afetiva proposta pela Educação Biocêntrica. E com enorme alegria fui descobrindo, nas suas atitudes, que toda a construção do seu sa- ber vem da esfera vivencial e afetiva que a conduz para a forma- 32
  • 35. ção de vínculos intensos com ela mesma, com os que formam o seu mundo e com o todo que a rodeia. Rolando Toro, ao fundamentar as bases da inteligência afetiva afirma que a qualidade da inteligência se organiza a partir da fonte afetiva e eu comprovo essa hipótese na convivência com a Mariana. A sua permanente inclinação de cuidado e empatia com essas pessoas lhe promove uma maior afinidade com a vida, manifestando-se subjetivamente no seu altruísmo, bom humor, ternura, solidariedade e amizade duradouras. Outra evidência de manifestação da sua inteligência afetiva é o seu crescente cultivo da expressividade, da comunicação amorosa, sem jamais fazer uso de qualquer tipo de agressividade. A sua identidade se fortalece ao sentir-se respeitada e valo- rizada muito além do âmbito familiar. Tudo isso influencia na ampliação da sua percepção e visão de mundo. Ela se constitui na confirmação destes pressupostos da inteligência afetiva me ajudando, como fez em outras áreas da nossa convivência, a entender e explicar estes conceitos que compõem a Educação Biocêntrica. Que os relatos e as manifestações afetivas de todos nós que integramos esta coletânea continuem ajudando a familiares, educadores e pessoas sensíveis a compreender e a amar os seres humanos que deixam transparecer a sua essência, à exem- plo da Mariana. Sem perder de vista o seu déficit cognitivo e consequentemente suas limitações intelectuais. Acompanho sua evolução e percebo que seu pensamento e as funções operatórias da inteligência vão se integrando e facilitando a sua aprendizagem, mas principalmente o seu “aprender a viver”, sabendo-se com direito ao amor em todas as suas dimensões e ensinando a todos nós a alegria de viver. Ruth Cavalcante 33
  • 36. 34
  • 37. Palavras de um pai apaixonado pela vida, pelo existir pleno de significado, pela Mariana... João de Paula Ao contemplar Santiago do alto do Cerro de San Cristobal, em janeiro de 1998, percebi um sentimento diferente daquele de quase 30 anos atrás, quando me maravilhei pela primeira vez com a imponência da Cordilheira dos Andes. À consciência de pertencer harmoniosamente a um sistema grandioso, acrescentava-se agora uma outra sensação de transcendência: a da paternidade. Naquele momento, estavam ao meu lado Marina e, Maíra. Enlevou-me a percepção de que algo de mim, de alguma forma, estará com elas, onde elas es- tiverem, durante todas as suas vidas e que assim também será com os seus descendentes, transmitindo, de geração em geração, a herança dos nossos ascendentes. Mas a alegria não estava completa. Sentia que havia uma falta. Quando abracei as duas, compreendi: faltava a Mariana. Depois que resolvemos viajar sempre os quatro, pelo menos durante al- guns dias, em todas as férias escolares das três, esta foi a primeira vez que ela faltou. E por sua escolha. As reservas para nossa viagem ao Chile e à Argentina já estavam feitas quando a Ruth telefonou-me, informando que a Mariana havia sido seleciona- da para fazer curso de informática nas férias. Ruth pedia que eu verificasse junto à APAE (Associação de Pais e Amigos dos Ex- cepcionais) se havia possibilidade de o curso ser feito em outra ocasião. A resposta da Diretora foi de que não havia nenhum 35
  • 38. “Lhe damos as boas vindas, boas vindas... Venha conhecer a vida, eu digo que ela é gostosa...” Caetano 36
  • 39. outro curso deste tipo programado. Diante da minha pergunta sobre o que nos recomendava fazer, sua resposta foi de que a decisão caberia a nós e que, qualquer uma que tomássemos, seria compreendida e acatada pela instituição. Ocorreu-me, então, a pergunta: por que não colocar a decisão nas mãos da própria Mariana ? Sua resposta foi rápida, direta e segura: “pai, viagem pode ser quando a gente quiser, o curso não”. Estava decidido! O que ocorreu entre este dia de dezembro de 1997 e aquele 10 de setembro de 1977, em que Mariana chegara ao mundo como um bebezinho flácido, de olhinhos repuxados, mãos e língua atípicas? Como evoluiu essa pessoa, que tendo iniciado sua vida nas mais adversas condições para desenvolver-se e que, contrariando prognósticos de todo tipo, tornou-se capaz de tomar decisões dessa natureza? Para tentar esclarecer isso preciso historiar alguns fatos que se iniciam com o seu nascimento. Quando após longas horas de esforços e dores da Ruth, que eu, na minha condição de companheiro e formando em medicina, procurava compartilhar, ouvi o primeiro choro da Mariana, levei um susto: ao olhar para ela sobressaiu-se a imagem de uma língua imensa, que se agitava freneticamente. Mas tudo foi muito rápido. Em poucos segundos uma enfer- meira, envolveu-a com um pano e a retirou para outro ambiente, não me dando tempo para aproximar-me. Ficou-me a dúvida: a imagem era real ou fruto de alguma fantasia. Ao pedido de Ruth para vê-la, a resposta foi que ela precisava de alguns cuidados, antes que pudesse ser trazida para a mãe. Procurei afastar minhas preocupações para cuidar de Ruth, que estava apreensiva e exausta. Quando ela adormeceu, e sem con- seguirmos ver a Mariana, tive que ir para a casa, pois o Evange- 37
  • 40. Embalar a vida, cuidar para que o amor aconteça... Mariana na Alemanha com alguns meses de nascida 38
  • 41. lisches Kraukenhaus era daqueles hospitais que não permitiam a dormida de acompanhantes. Saí do hospital cheio de preocupações. Por que não nos permi- tiam ver nossa filha? Alguma coisa estava errada. Ao chegar à comuna onde estávamos passando uns dias, en- quanto era feita uma reforma em nosso apartamento, fui recebi- do com uma festa em comemoração ao nascimento da Mariana, organizada pelos amigos alemães que ali moravam. O excelente vinho renano e a atmosfera acolhedora ajudaram-me a adiar as apreensões. No dia seguinte, muito cedo, fui despertado com um telefone- ma da Ruth: chorando, ela disse a frase que eu temia ouvir: “meu nego, o médico acaba de me comunicar que nossa filha é excep- cional.” Fui correndo para o hospital. Encontrei a Ruth em prantos. Ela havia recebido a visita de um pediatra que, com toda a clareza, tinha lhe dito que a Mariana era uma criança excepcional; o diag- nóstico de uma Síndrome de Down já estava feito, sem qualquer margem de dúvida. Ele já tinha lhe esclarecido o significado dessa síndrome. Procurei imediatamente o referido médico, por coincidência, meu professor na Faculdade de Medicina de Colônia. Até hoje, suas palavras não me saíram da memória: “colega, como estu- dante de Medicina, você deve saber que a Síndrome de Down não tem cura. Prepare-se para um destino duro.” No entanto, há uma opção: nesses casos, aqui na Alemanha, os pais podem entregar a criança aos cuidados de asilos especializa- dos. Quando ficou claro que essas palavras significavam a renún- cia à nossa filha, Ruth e eu não tivemos necessidade de perder um só segundo com essa hipótese. A partir daí, também mergulhei no desespero. Era como se o céu tivesse desabado sobre minha cabeça. Era grande a comis- 39
  • 42. 40
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  • 44. 42
  • 45. eração. Eu me perguntava, vezes e vezes seguidas; por que aquilo acontecera conosco? Por que com a minha filha? Por que com a minha mulher? Por que comigo? Mas não encontrava respostas. A medicina não me satisfazia com sua explicação estatística de que em cada 600 crianças, uma nasce com a síndrome. O que me perturbava era por que justamente a minha filha tivera que ser essa uma em 600 e não qualquer outra das 599 que nasciam sem este problema? Foram três longas semanas de muita dor. Até que um dia, em meio a centenas de interrogações, me fiz uma que me trouxe como resposta um clarão. Perguntei-me: será que Mariana, mesmo com a Síndrome de Down, pode ser feliz? Quando obtive a resposta, de que sim, abriu-se para mim um novo horizonte. Pude me fazer a pergunta seguinte: se a Mari- ana pode ser feliz, o que eu como pai posso querer para minha filha mais que a felicidade? A resposta deu-me uma nova forma de encarar essa situação. Percebi que, nutrido pela felicidade da Mariana, eu também poderia ser feliz como pai. Compreendi então que, o que conta, de fato, na vida é a feli- cidade. Entendi que toda a formação que recebemos, superdi- mensionando valores como a beleza, a inteligência, a fama etc., não tem consistência. Tive a certeza de que a alegria da vida não depende de valores como esses. E ao ter essa compreensão, desapareceu a dor, a decepção, o desencanto. Abriu-se então a porta de uma nova percepção dos meus sentimentos para com a Marina, para com a Ruth, para comigo. Desapareceu a prostração emocional em que me encontrava. Reacendeu-se em mim o espírito de luta que sempre me acom- panhara em toda minha vida. A questão passou a ser então o que eu podia fazer para ajudar a Ruth, para juntos podermos ajudar a Mariana. Ruth rapidamente reacendeu também sua alma guer- reira. Em poucos dias estávamos planejando o que fazer para tornar o desenvolvimento da Mariana o melhor possível dentro 43
  • 46. Festa de 15 anos com os pais... ôôh noite hein Mariana??!!! 44
  • 47. das limitações que a natureza lhe impusera. Fizemos um pacto de colocarmos tudo que estivesse ao alcance da profissão dela, de psicopedagoga, e da minha, de médico, a serviço do desen- volvimento da nossa filha. Começamos a buscar informações, onde elas se encontras- sem. Procuramos pessoas, instituições, publicações, tanto na ci- dade em que morávamos, como em outras cidades da Alemanha e dos demais países europeus. Uma feliz coincidência nos propiciou a primeira e a mais im- portante fonte de ajuda que tivemos: Cerol, casada com um colega da minha turma, chamado Horst, havia feito uma espe- cialização e estimulação precoce de crianças portadoras de Sín- drome de Down; este casal, além de nos proporcionar um cabe- dal muito grande de informações, nos abriu acesso a um centro de estimulação precoce existente na universidade de Colônia. Começou aí todo um trabalho de estimulação do desenvolvi- mento da Mariana, que é narrado no depoimento da Ruth. Apresento, a seguir, algumas observações, lembranças, co- mentários, registros, e impressões sobre minha convivência com Mariana ao longo dos 20 anos da sua vida. Mariana tem muitas características marcantes, mas penso que a principal é sua alegria de viver. Em muitas ocasiões, repito a ela uma pergunta, que faço desde que ela começou a ter com- preensão suficiente para respondê-la. É a pergunta sobre se ela se sente feliz. E a resposta nunca foi somente um sim, mas um sim vivo, entusiasmado, quente e sempre acompanhado de um “mas é claro, pai”. Entre suas muitas habilidades, uma ressalta-se para mim como de verdadeira maestria: a de cativar pessoas. Chego a pensar que parece haver uma compensação na inteligência da Mari- ana. Aquilo que lhe falta da abstrata, talvez lhe sobre no que eu chamaria de inteligência social, que se manifesta na sua enorme 45
  • 48. 46
  • 49. facilidade de sintonizar-se com os diferentes ambientes em que circula, construindo, em cada um, relações significativas. A construção destas relações envolve um repertório de ha- bilidades muito amplo, que inclui a empatia, o bom humor, a autoconfiança e tantos outros recursos de grande efeito nas rela- ções humanas. Poderia citar algumas dezenas de situações demonstradoras destas habilidades, mas vou limitar-me a apenas algumas, a título de exemplificação. Quando íamos juntos ao Cais Bar, um dos locais mais famosos da Praia de Iracema, a Mariana é mais cumprimentada do que eu, que o frequento há mais de 10 anos. É enorme a quantidade de pessoas que a convidam a sentar-se às mesas em que estão, ou que vêm à nossa para conversar com ela. Nessas ocasiões, ela fica horas batendo papo, contando histórias, rindo como qualquer uma das pessoas da roda, com uma única diferença, a de que, ao invés, de bebidas alcoólicas, vira a noite na base da água de coco e refrigerantes. Quando viajamos em companhia da Marina e da Maíra, suas duas irmãs de um segundo casamento meu, a Mariana manifesta essa capacidade de cativar, fazendo excelentes amizades aonde chega. Estivemos há dois anos na Europa, em uma excursão saída daqui de Fortaleza. A Mariana criou uma atmosfera de tanta receptividade em relação a ela e de tanta vinculação com o con- junto das pessoas, que se tornou a figura mais preponderante de todo o grupo de excursionistas. Nessa viagem, sua capacidade de relacionar-se não foi demonstrada apenas com o grupo de brasileiros. Lembro-me bem de que, na Alemanha, quando fazíamos um passeio de barco pelo Reno, ela entendeu de dançar com um grupo de alemães; de nada serviram nossas ponderações (da Mariana, da Maíra e minhas) de que ela não conhecia aquelas pessoas nem falava alemão pra poder entender-se com elas. 47
  • 50. Num determinado momento, quando nos demos conta, ela já estava dançando com os alemães, todos às gargalhadas, na maior animação, sem qualquer impedimento devido ao problema do idioma. Nesta mesma viagem, em uma manhã ensolarada de sábado, quando estávamos em uma praça de Amsterdã, chegou um grupo de capoeiristas da Bahia para fazer um show de exibição de capoeira. Mariana, que tinha começado a aprender capoeira aqui em Fortaleza, quis participar da roda. Nós três, Marina, Maíra e eu, tentamos dissuadi-la dessa intenção. Mas, tanto ela insistiu que tivemos que concordar. E de repente, de um salto, ela estava no meio da roda, dançando com um baiano que tinha duas vezes sua altura, recebendo os aplausos surpresos de uma multidão de holandeses, aglomerados em volta da praça. Um exemplo da capacidade da Mariana de seduzir pessoas para conseguir seus objetivos: uma noite em que ela estava comigo no meu apartemento, louca de vontade de ir para o Cais Bar e eu com muita preguiça; depois de insistir comigo várias vezes em vão, calou-se, saiu do meu quarto e, depois de alguns minutos, voltou com uma dose de uisque preparada, dizendo: Se fica deitado aí nessa rede ou se quer ir para algum lugar. Não é difícil de imaginar qual foi a decisão. Para a Mariana o que conta são as pessoas; as coisas são sem- pre secundárias. Isto se manifesta com frequência e nas mais variadas situações. A última foi na sexta-feira santa, quando fui buscá-la para al- moçarmos fora. Quando ela entrou no carro, expliquei-lhe que talvez tivéssemos de esquentar um congelado em meu aparta- mento, pois eu não havia encontrado nenhum restaurante aberto no percurso até sua casa. Sua resposta: “Não importa pai, estando com você qualquer coisa é boa.” 48
  • 51. Há ocasiões em que me surpreendo com algumas frases da Mariana, que revelam um nível de compreensão e formulação além do esperado pelas contingências da Síndrome de Down. Alguns exemplos: Em um dos nossos costumeiros bate-papos, a propósito de algo que já não me lembro, disse-lhe, brincando, para provocar- lhe seus brios feministas: “Faço isso porque sou muito macho.” Resposta dela: “Pai, você não precisa ser sempre macho, você pode ser também frágil.” Não acreditei que ela pudesse ter consciência de uma formulação tão complexa. Perguntei-lhe se ela sabia o sentido da palavra frágil. “Claro pai, sensível.” Por ocasião do enterro do Edmilson, um primo nosso, quan- do saímos da capela do Parque da Paz em direção ao túmulo, começou a cair uma forte chuva. Sua observação: “Olha, pai, até a natureza está chorando.” Chama também a atenção sua capacidade de utilizar provér- bios e frases feitas, com oportunidade e propriedade. Uma noite quando íamos para o Cais Bar, começou a chover. Estacionei o carro e propus voltarmos para minha casa. Sua saída: “Vamos em frente pai, quem sai na chuva é para se molhar”. João de Paula 49
  • 52. MARIANA, BALZAQUIANA. Mariana chega aos 30 anos. Adquire aquela idade que Honoré de Balzac exaltou como o ápice da exuberância feminina, fazendo-o com tanta propriedade que o termo balzaquiana passou a ser usado como homenagem às mulheres dessa faixa etária. Então, viva à Mariana Balzaquiana. Mariana, que agora é balzaquiana, com toda a energia que sempre ex- trai do simbólico, preparou a festa de comemoração do seu trigésimo aniversário como mais uma data muito especial. Em uma conversa recente, quando uma amiga nossa relembrava a beleza da festa dos 15 anos da Mariana, ela emendou de pronto: “pois pense como vai ser a do duas vezes 15”. Essa é a Mariana, em mais uma manifestação de sua fulgurante presença de espírito. Aliás, presença de espírito e humor requintado continuam sendo duas das características mais fortes do impressionante talento de comunicação da Mariana. Só relembrando alguns exemplos: Quando ela me disse que havia começado a namorar aproveitei para lhe dar alguns conselhos. Brincando, falei que só podia pegar na mão do namo- rado. Nem fechei a boca direito e ela foi logo perguntando: “E beijar?”. Respondi que um beijinho numa bochecha, um beijinho na outra, também podia. A pergunta seguinte veio no seu estilo inconfundível: “E no meio das duas bochechas, pode?” Outra sobre namoro. Quando me contou que foi ao primeiro filme com o namorado e lhe perguntei se tinha gostado, a resposta veio como uma bala, acompanhada de uma gostosa gargalhada: “Pai, do filme não sei nada. Foi 50
  • 53. só pipoca, refrigerante e beijo”. A Mariana é a pessoa com quem converso meus assuntos mais íntimos. Quando lhe comuniquei minha decisão de separar-me da Izabel, uma pessoa que ela adora, sua primeira reação foi de um profundo silêncio. Depois de algum tempo, veio a sentença: “Não é por aí, João de Paula. Só o chamar- me pelo nome, forma que usa quando discorda de mim por qualquer coisa, já dava o recado. Depois de muitas explicações minhas, veio o veredicto final: “Ta bem, respeito sua decisão, afinal você é meu pai e amor pelo pai é para sempre”. Moral da história: nada de concordância, apenas uma aceitação condicionada por algo que ela considera maior, tanto que poucos dias depois telefonou-me, quando eu já havia me mudado para um hotel en- quanto esperava a devolução do meu apartamento que estava alugado: “E aí, como está pai?” – Estou aqui arrumando minhas coisinhas e pensando na vida, respondi. Ela que arrisca perder o amigo mas não perde a piada, emendou: “Pensando na besteira que fez?”. Não preciso dizer que os dois caímos na gargalhada. Essa é a Mariana que agora virou balzaquiana. Não casou ainda, mas não por falta de namoro. Casar continua no seu plano e, como tudo que ela quer atingir em sua vida, é só uma questão de tempo. Em seu segundo emprego (sua primeira atividade profissional foi um estágio), Mariana desempenha-se com o profissionalismo que as atividades requerem, tanto que só saiu do primeiro, porque apareceu uma oportuni- dade que ela considerou melhor. 51
  • 54. A propósito de trabalho, um fato que me surpreendeu: quando estava ainda em seu primeiro emprego, ela havia me pedido para dar carona a umas colegas suas para uma festa de comemoração de fim de ano. Puxei conversa com uma delas, perguntando-lhe há quanto tempo estava naquele trabalho. Disse-me que apenas há um mês. Quando lhe perguntei se já havia decorado todos os códigos (nesta empresa cada produto tem um código e os vendedores têm que sabê-los de cor) ela respondeu-me: “Não, mas os que não sei ainda a Mariana me ensina”. Agora está toda feliz em seu emprego no Centro Cultural do Banco do Nordeste, trabalhando como Guarda-Volumes, uma atividade que domina inteiramente e que lhe dá a oportunidade de ter a coisa de que ela mais gosta na vida: contato com gente. Quanto a nós dois, continuamos com um vínculo de amor cada vez mais forte, nutrido por formas de convivência que vão sempre se ajustando às mudanças na vida dela e na minha. E para mim a Mariana continua como uma das principais fontes que me abastecem de orgulho e de felicidade. João de Paula 52
  • 55. 53
  • 56. 54
  • 57. Mariana Cezar Wagner Mariana em 1982, no desfile de 7 de setembro Encontrei-a, Mariana, ainda criança, aos três anos de idade, brincando com uma almofada, no chão do seu quarto. Eu a olhei e você me olhou. Foi o primeiro encontro, era outubro de 1980. Empurrava a almofada, quando me viu; parou, deitou-se sobre ela e o brinquedo ou boneca que levava na mão, entregou-o a mim, estendendo o braço em direção à minha mão, juntamente com o seu meigo e profundo olhar azul. Sorriu-me, recebendo uma pessoa que não conhecia. Senti-me na bifurcação do tempo e do conhecimento, sendo atraído por um novo ponto de luz - você me cativou e me lançou mais fundo na vida. Recém-chegado a Fortaleza, um cearense que viveu 18 anos em Brasília, acostumado à luta política, à racionalidade acadêmica, ao jogo de poder das organizações, vindo para cá por meio de uma outra profunda descoberta - a Biodança - tão logo descobri um novo caminho ao encontrar Ruth, fazendo aquilo que eu também queria fazer - Educação Popular. Passei a Biodança para Ruth e Ruth passou a Pedagogia do Oprimido para mim e, profunda- mente, abriu a porta para que eu a encontrasse, Mariana, naquele dia. Assim começou e assim foi por dez anos, e que agora continua de outras maneiras, mas no mesmo vínculo de amor, o qual se 55
  • 58. Mariana, Mariana, Sorriso de menina, Dos olhos de mar, Mariana, Mariana, Leve esta cantiga Por onde passar Lá, la... 56
  • 59. tornou eterno. Ensinei-lhe muitas coisas e aprendi muito com você, no silên- cio do olhar, na riqueza do gesto, na doçura da presença. Lembro-me das nossas idas à praia, pertinho de casa, na hora do almoço, quase todos os dias. De mãos dadas ou na “cacunda”, você vestida com um maiô vermelho e gelo, descíamos a rua até a praia. Ali brincávamos na areia e na água, só parando quando o picolezeiro passava. Lembro-me dos brinquedos pedagógicos, do rolar no chão, do contato, das carícias, do correr por dentro de casa, dos feijõezinhos para pegar com a ponta dos dedos, do dançar, da cirurgia dos olhos, de sua resistência às doenças, do falar em construção desde o barulho com os lábios. Lembro-me de sua relação, curiosidade, e depois acolhida, aos nascimentos da Sara e do Davi. Do amor de sua mãe para com os três. Lembro-me de sua mãe brincando de estimulação precoce com você e com os filhos de muitos casais. Ensinando e entusiasmando mães e pais, por meio de uma proposta revolucionária (Ciência e Amor) para a época (1980) e que, só agora, é bem compreendida e aplicada em crianças com Síndrome de Down. Lembro-me de você no colo de Ruth, abraçada a ela, toda or- gulhosa da mãe, em uma sutil e profunda comunicação que per- dura até hoje e só as duas sabem. Lembro-me do amor de Tezinha por você, dos seus aniversári- os tão belos preparados pela vozinha. Quanto amor! Lembro-me de você vestida com um short azul cáqui e uma blusinha amarela, com a lancheira dependurada no pescoço, en- feitada pela Tezinha e pela Vanda, indo comigo para a escolinha, com seus irmãos Sara e Davi. Íamos no chevette branco ou no bugre vermelho, cantando, uma cantiga para cada um. A sua era mim: 57
  • 60. Lembro-me das viagens à Pe¬dra Branca, do banho de açude, do subir no caramanchão, das brinca¬deiras com as outras crian- ças e do amor destas para com você. Lembro-me, também, quando dos seus mal-feitos, do castigo que lhe dava, sentando-a no sofá por um certo tempo. Lembro-me de você aprenden¬do a falar, chamando-me de Ié...Ié. Corria para os meus braços e me beijava. Sara e Davi aprenderam a me chamar assim, ensinados por você. Lembro-me da Quixaba, de você seguir a Sara e o Davi, aceitando o esforço e o desafio de subir os barrancos. Voltava al- gumas vezes toda arranhada, mas sempre feliz por ter conseguido ir aonde eles estavam ou mesmo de ter ido até onde foi possível chegar. E seus irmãos, aos poucos descobrindo as diferenças, seguiam compartilhando com você das aventuras. Lembro-me quando aprendeu a andar de bicicleta na Quixaba e a acolher com carinho o filho do casal de caseiros que, també nasceu com Down. Com seu jeito natural e profundo de ser, com uma inteligência voltada para o todo do dito ou do visto, ensinou-me muito sobre a vida, o amor e sobre a consciência, a qual até então a compreen- dia de um outro modo, mais analítica, reflexiva e menos biocên- trica. Ensinou-me profundamente, assim como ensinou a muitas outras pessoas, principalmente a muitas mães e educadores que, além de uma consciência produtivista há uma consciência afetiva produzindo uma, percepção global, que tão profunda- mente você tem. Em setembro de 1997, no Encontro Nordestino de Biodança, realizado em Teresina, após minha fala sobre a complexidade da vida, sua grandeza e o ato de participar dela, no silêncio fértil do auditório, você tomou do microfone e perguntou-me: “Cezar, depois do que falou, o que é a morte para você?” A pergunta chegou forte a mim e a todos que estavam ali. Respondi que até 58
  • 61. agora não saberia responder. Você, então, disse: estou satisfeita com a resposta. Quanta percepção, quanta consciência, quanta sintonia para com o todo, brotam de sua mente, Mariana. Presenciei isso mui- tas e muitas vezes em nossa caminhada até hoje. Com você apreendi a profunda realidade da natureza acon- tecendo em nós, pujante, inteligente e amorosa, ensinando-nos a viver por percursos de pensamentos e afetos que a sociedade mecanicista e produtivista, muitas vezes, nega-se a aceitar e a re- conhecer. Para terminar, Mariana, quero lhe dizer que, como você dizia, continuo sendo seu segundo pai e fico feliz quando toma pelo braço João e, juntos, vão por aí, orgulhosos um do outro. Fico, também, feliz por esse novo momento de sua vida, cheia de amizade e mostrando que contribui muito com a sociedade, do seu jeito, através do amor, das palestras dadas nas faculdades, na participação nos encontros de Biodança e como membro da As- sociação da APAE, e agora ao começar a trabalhar nos Correios e Telégrafos. Com eterno amor, Cezar Wagner, Fortaleza, 12/12/97 59
  • 62. 60
  • 64. Processo de expressão gráfica da Mariana, crescimento, criatividade e determinação 62
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  • 66. O amor é sorridente, é muito bom pra mim mas, é ruim ir para cama sem mais nem menos... Mariana 64
  • 67. “É assim como eu me vejo, como essas mulheres, ou seja, uma mulher da noite - garçonete do Cais Bar” 65
  • 68. 66
  • 69. Dos 15 anos até ... Como toda debutante, em vias de tornar-se uma pessoa da noite, de sucesso, achamos por bem mostrar à sociedade um pouco de sus intimidade, lá vai... Mariana Você gosta de seu corpo? - Gosto. Qual parte que gosta mais? - Seios e bumbum. Me sinto bo- nita Música? - Adoro sons da natureza, Caetano e Simone. E o tipo de roupa? - Social e preta. Filme? – “Esqueceram de mim”, que é uma comédia e ao mes- mo tempo emoção, lindo demais, saiu 10 gotas (lágrimas). Livro? – Sexo Apil, Mauro Mendonça vive um romance com a ex-namorada. Eu leio bem, não sinto dificuldade em ler e es- crever. Atualmente a Mariana é diretora de eventos da Associação de Síndrome de Down. Adora dar entrevistas, aliás Mariana adora conversar..., - sobre o quê? Alguns perguntariam, sobre tudo, responderíamos. Tendo uma vida social ativa, vai a escola, faz natação, biodança, participa de grupo de teatro, gosta de ver novelas, ouvir música e sair à noite, ela tem então muito assunto para conversar. 67
  • 70. Uma das coisas mais importantes no sua vida é a família, como ela mesma diz: “Sempre a primeira coisa vem a família, meus pais, eles me deram educação, a base”. Toda a emoção, tanto na televisão, em entrevistas, como no palco é na hora dos aplausos. Ela se sente maravilhada, “porque o sucesso me atrai”. Por incrível que pareça ela tem vergonha: “Sinto um pouquin- ho no começo, depois vai”. Fica constrangida quando é traída. As pessoas importantes na vida de Mariana: “Ferreirinha, meu avô, ele faz tudo para mim, diz minha bênção, poesia; Francisco, avô materno, ele me embalou no braço quando era pequena... Tezinha, a madrinha avó; Mirtes, tia Mirtinha, passo minhas férias, fins de semana lá, lá eu me sinto em casa; D.Ana, é a se- gunda mãe presente, Cássia pela simpatia, mais liberal, senso de humor, Cleusa a ida, a monografia de vocês era como se fosse eu”. 68
  • 71. Mariana com suas primas e irmãs em sua festa de 15 anos. 69
  • 72. “Papel de filha é terrível. O pai enche o saco, a mãe enche o saco... Em 25/04/92 “É, a vida de pai também é dura.” Mariana no mesmo dia, algumas horas depois 70
  • 73. 71
  • 74. 72
  • 75. Entrevista com a artista - Mariana o que você lembra da sua infância de que tenha gostado muito? Da minha infância o que eu mais gostei foi de dançar, porque é um dom de mim, eu dançava ballet, e depois do ballet eu fazia sapateado, parei, porque na primeira fase, vamos dizer assim, deixei as duas para entrar na Biodança. - Você que decidiu fazer isso? Foi. - E não foi ruim parar as danças que você fazia ? Não, porque depois eu comecei a conhecer as pessoas da Biodança, e marcou meus momentos com um dom especial. - Que dom Mariana? De amigos abertos, sinceros. - Quem você lembra desta época em que começou a fazer Biodança? A Kátia e Lúcia Diógenes, que eram minhas facilitadoras de Biodança, Isabela, Juliana. 73
  • 76. - O que é a Biodança para você ? É uma escola de vida, cada assunto é importante, pois tem umas partes que é verbal e no se¬gundo tempo é gestos, é o seu gesto sendo demonstrado para o outro. - Quem é Rolando Toro? Ele foi o criador da Biodança, no começo nunca teve confusão, agora ele transformou no pessoal dele, antes ele não tinha quem confrontasse, daí entra Cezar Wagner e a mamãe. - Quem é o Cezar Wagner? Antes dele ser facilitador, ele foi professor da sala de aula. - O que ele é para você? Ele foi um pai dentro e fora da Biodança. Ele que me criou. - E o que você não gostou que tivesse acontecido na sua infância? Eu morava numa casa de praia. - Você lembra quando Sara era pequena? Lembro. Você sen- tia ciúmes? Sentia. Por quê? no começo ela era paparicada e aí pintou um ciúmes, e depois eu fui me acostumando. - Como é a tua relação com a Sara e com o Davi? Agora mudou muito com relação a Sara, ela não aguentava as brigas com o Davi e foi para Barcelona. - E contigo ela brigava? Só bate-boca, e ficava discutindo, ela não gostava que eu mexesse nas coisas dela. 74
  • 77. - E tu mexias Mariana? Mexia. - Por quê? Por que eu não falava com ninguém e ia e pegava as fitas, baralho... - E com o Davi? Quando a Sara viajou, as brigas que eram com a Sara se vol- taram contra mim, aliás eu apanho dele até hoje. - Porque ele bate em você? Ele fica me tezinhando, que vai contar tudo para a mamãe, as coisas que eu fazia com ele, teve um dia que eu bati no estômago dele, fiquei um mês sem ver televisão. - E com as tuas irmãs por parte de pai, Maíra e Marina? A Maíra é a mesma coisa que o Davi, apronta; todo o ca- çula dá nisso mesmo, provoca. Agora, com 14 anos, eles melhoraram bastante. - Qual a qualidade que você mais admira numa pessoa? Caráter bom, sem agressões. - O que é amizade para você? É o ponto para ser amigos. - O que é ser amigos? É ficar conversando assuntos mais íntimos, ser pessoal. 75
  • 78. 76
  • 79. - Você tem amigos? Tenho. - Quem são teus amigos Mariana? No prédio tem a Léa, a Natascha e a Carol. - Qual o lugar que você mais gosta de ir? Cais Bar. - Você gosta de sair à noite? Adoro. - Diga quais cantores você mais gosta? Elba Ramalho, Alceu Valença, Mauricío Mattar, Márcio Gar- cia, Simone, Djavan. - Mas o Maurício Mattar não é ator? É ator e cantor. - Você gosta de fazer teatro? Adoro. Por quê? Eu fazia quando era pequena com a Kátia, porque cada um tem um personagem. - Sobre o que é a peça? Sobre o nosso amigo Paulo Freire. - Quem foi Paulo Freire? É um educador, amigo da minha mãe, fazia trabalho com a minha mãe, educava as pessoas que não sabiam ler e es- crever. - Você se interessa por política? Interesso. Tenho um amigo do PT, é o Inácio Arruda. 77
  • 80. - O que tu achas da política? A política é como um governo, governar nosso país. - E como tu achas que anda o nosso país? Alguns políticos mentem. - Quem? Fernando Henrique Cardoso, porque diz que vai consertar a ponte, tirar os meninos da rua e não faz. - Quem você pensa que tem/teve um papel social impor- tante no nosso país? Betinho. - O que ele fez? Uma pessoa com o vírus da AIDS, tenta tirar os meninos de rua e alimentar; acabou falecendo. - Você estuda? Estudo. Onde? APAE. - O que é a APAE? Pais e Amigos, os pais não fazem quase nada; deveriam tra- balhar fora, procurar um emprego. - Porque tu achas importante eles acharem um emprego? Para poder deixar os filhos no colégio e ir trabalhar, para gan- harem seu próprio dinheiro; são pobres mas chegam lá. - Você gosta de estudar? Adoro. Por quê? Passar de ano. - E o que tu aprendes no ano seguinte? Mudo de sala, e de professor. 78
  • 81. - É professor ou professora que tu tens? Professora. - E o que tu preferes professor ou professora? Pode ser homem ou mulher, dá no mesmo. - O que você mais gosta de estudar? Português. Porquê? Porque é uma língua nossa. - Você trabalha? Por enquanto só como diretora de eventos. - De onde? Da Associação de Down. - Qual a comida da sua preferência? Urra, comida... rabada, lasanha. - Você come frutos e verduras? Como, maçã e legumes. - E medicamentos, você toma algum? Tomava e hoje eu substituo o remédio por peixe. - Mariana dizem que você é chegada num microfone, é ver- dade? Sou. - Por quê? Porque meus pais gostam de fazer discurso e eu peguei dos dois. 79
  • 82. 80
  • 83. - Você acha que é parecida com seu pai? Ave Maria, tudo. Em quê? Ave Maria, eu usava óculos, ponto de farrear, as meninas, tem ciúme de mim com o papai. - E com sua mãe? Com a mamãe é gestos, jeito de falar com sinceridade, ser aberta, e também o jeito dos cabelos, peguei o passado dela, os cabelos longos, jeito de caminhar, gostar da Biodança. - O que te deixa mais brava? É provocação do Davi, ele quer as coisas na mão, água, sor- vete... - O que te deixa mais feliz? Ver a Regina Duarte com o Fagundes. - E na tua vida? (Explicando o que é ver Regina Duarte com o Fagundes): Ver o Stélio com você - Agora entendeu? - O que tens para dizer? Por enquanto é só, né? O João de Paula nos contou que uma vez ao recla- mar de seu hábito de falar só, ela responde: - Pai, cada um tem seus limites... E por falar em limites, este livro é justamente para verificarmos as possibilidades que temos dentro do nosso emaranhado com- plexo que chamamos identidade, uma identidade que se constrói dia a dia, avança, olha para trás, aprende um pouco mais, segue em frente em busca de saber mais. 81
  • 84. A Biodança e a Mariana 82
  • 85. 83
  • 86. 84
  • 87. 85
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  • 91. 89
  • 92. 90
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  • 95. A presença dos amigos e familiares no processo de crescimento da Mariana 93
  • 96. Marina Araújo Ferreira, 16 anos. Muitos dizem que a Mariana é minha meio irmã, mas eu não a considero assim. Para mim ela é minha irmã. Até mais que irmã, uma amiga. Ela tem síndrome de down e por isso tem um trata- mento diferenciado. E eu acho que ela é especial. Não por não ter a mesma capacidade que as outras pessoas, mas por ser tão boa, extrovertida, carinhosa, alegre, sociável e ter que superar (e conseguir) o preconceito das pessoas que não a conhecem e ter ainda que vencer suas limitações. Desde criança tive que conviver com isso e percebi que ela teve um ótimo acompanhamento por parte dos pais, o que foi muito importante para ela ser como é hoje: consciente de que é excepcional, porém não é triste por ser assim e aproveita os dons que tem. Minha outra irmã, Maíra, eu, meu pai e ela sem- pre saímos juntos e eu me divirto muito, pois além de tudo ela é engraçada. Não tenho vergonha de dizer pra ninguém que tenho uma irmã que tem mongolismo, porque ninguém tem culpa disso e também porque isso não é um defeito. Muito pelo contrário, essas pessoas podem não ser muito inteligentes, mas são extremamente sen- síveis e inocentes. Todos que conhecem a Mariana gostam muito dela, pois ela é uma pessoa que conquista a todos com seu jeito simples e por ser tão diferente dos outros; não se aproxima de ninguém por 94
  • 97. interesse e sim para fazer amizade e ter companhia. Uma das coisas de que ela mais gosta de fazer é sair à noite, ficar num bar jogando conversa fora e cantar ao som de uma música ao vivo; para ela seria maravilhoso se pudesse sair com nosso pai para “farrear” toda noite. Adoro vê-la fazendo discursos. Muitos chegam a se emocionar pelo seu jeito de falar e encarar a vida. Ela é muito sincera e o que eu acho extraordinário é como é preciso tão pouco para fazê-la feliz. A Mari é diferente dos outros excepcionais ,porque nunca tentaram escondê-la, o que aconteceu foi o contrário. Ela hoje se dá muito bem em esportes, estuda, tem atividades extracurriculares, inclusive, agora está até fazendo um curso de computação. Há dois anos fomos para a Europa passear e ela foi conosco. Conheceu lugares diferentes da realidade dela e reviu o lugar em que nasceu, Colônia, na Alemanha. Quando criança não entendia muita coisa, mas hoje percebo a sorte que tive de tê-la como irmã. Mais que tudo, isso é motivo de orgulho. E posso dizer que a amo muito, uma coisa que é muito fácil para quem a conhece. 95
  • 98. Norberto e Maria de Lourdes Netinha Mariana: Deus a abençoe. No lançamento do meu segundo livro (Coletânea) em 24 de outubro, em Fortaleza, você declarou que iria escrever um livro da sua vida. Duvidei, mas você já está com essa ideia amadure- cida. Com a inteligência que tem, você está capaz de levar adiante essa belíssima ação. São fortes os votos de seus avós para que você se saia muito bem dessa tarefa, que não é fácil. Com esse senso crítico que você tem, aplicado sobre as coisas da vida, cremos que irá longe nesse caminho lidando com as le- tras. Se precisar de ajuda, conte com os seus avós, pois estamos à sua disposição e com grande fé e esperança na sua vitória. Dos avós Norberto Ferreira Filho e Maria de Lourdes Mon- teiro. Crateús, 27 de maio de 1998. 96
  • 99. Maíra De irmã para irmã: No começo eu achava meio estranho. Não entendia muito bem o que acontecia. Mas agora que cresci, passei a compreender me- lhor o que seria ter uma irmã como a minha. Compreendo agora que a Mariana é alegria, sinceridade, personalidade, inteligên- cia, animação e, principalmente, orgulho para todos que a con- hecem. A Mariana tem em sua personalidade uma pessoa que é um exemplo de amiga, filha... e eu tive a sorte de tê-la como irmã. E tenho a obrigação de amá-la e a amo. Mas não como uma obriga- ção, é fácil mesmo amá-la e difícil não ser contagiada por sua grande personalidade. Maíra Araújo Ferreira, 14 anos. Madalena Mariana Nossos contatos são nas festas de família e nos encontros de biodança. Encontrá-la em outros ambientes foi muito importante, porque tive a oportunidade de percebê-la como uma pessoa que contagia a todos os que compartilham da tua presença. Por onde tu passas ilumina os corações. Sinta-se abraçada e beijada neste momento tão belo de tua vida. Madalena - 10/05/98 97
  • 100. Ana Maria Mariana Escrever para você não é assim uma tarefa tão fácil, porque escrever é transformar sentimentos em palavras e nesse caso elas são ineficientes para traduzir a tua grandeza. Dos poucos encontros que já tivemos, nenhum passou desper- cebido. Num deles o tema foi a coincidência dos nossos nomes MARIANA/ANA MARIA: eu te chamei atenção para a particu- laridade, falando que teu nome era o meu de trás para frente, e depois num outro momento que nos encontramos tu me chamaste: - Ei, minha prima da “frente pra trás”! Quero te dizer que somos primas em todos os sentidos de “trás pra frente” e “da frente pra trás”. Um Beijo grande Ana Maria – 11/05/98 Tia Luzia Mariana tem sua marca registrada em nossa família como a sobrinha que sabe conquistar a todos. Aqueles de quem ela se aproxima envolve com seu jogo ma- treiro. Em uma das vezes em que foi a nossa fazenda, carinhosamente adotou a mim e ao José Ivan como pais, chegando a dizer ao João que não iria voltar para Fortaleza. Com esse seu jeito, nos deixa a seus pés. Um beijo carinhoso da Tia Luzia - 10/05/98 98
  • 101. Mirian Mariana Que bom compartilhar da alegria em torno de Mariana, na elaboração de seu livro. Feliz foi a ideia destes depoimentos, do relato de “casos”, dando assim a oportunidade para outras pes- soas conhecerem sua história. Dela por certo tirarão muitas lições de vida. Mariana, ora menina-moça, ora moça-menina, a todos cativa com seus gestos peculiares. A maneira como reage diante de al- gumas situações, é surpreendente. As “tiradas” sobre os regimes que muitas vezes lhe são impostos, são fantásticas... Enfim, plagiando o programa de TV, podemos dizer- MARI- ANA É GENTE QUE FAZ. Tia Mirian vibra com ela, na alegria contagiante de sua vida, que mesmo tendo algumas limitações, é plena de vitórias. Mirian, Julho/1998 99
  • 102. Olga Mariana É uma sobrinha querida que no decorrer de sua vida propo- ciona a todos nós da família, momentos alegres e descontraídos. Considero-me mais privilegiada que as demais “Ferreiras” (como carinhosamente a Mariana nos chama), pois a convivência no CDH, nas viagens a Crateús, nas quais “eu tomava conta” e nas vezes que ficou em nossa casa, encantava a todos. Eu, Haroldo, Michelle e Patrícia curtimos momentos agradá- veis com sua presença querida. Mariana foi um grande presente para João e Ruth, presente este que se estendeu a todos da nossa família. Um beijo da tia que te adora Olga - 12/05/98 Tia Gogólia Com seu jeito cativante, conquista a todos. Ela é muito querida e adorável. Quando vai a Crateús, fica lá em casa e nos diverte bastante com seus comentários e gracejos. Ela é inteligente e sagaz, a tia ou tio que está por perto é sempre o mais querido para ela. Um beijo da Tia Gogólia - 10/05/98 100
  • 103. Patricia Mariana Falar sobre você é muito agradável, todas as vezes que estivemos juntas sempre nos divertimos bastante, seu jeito doce e alegre sempre me encanta. Recebê-la em minha casa é sempre motivo de festa. Lembro uma vez que você passou três dias com a gente e resolveu que eu seria sua irmã e devido ser mais nova que você, eu sería sua irmã caçula. Depois disso ela disse que como era minha irmã, tinha direito sobre todas as minhas coisas, e sempre vinha com frases do tipo: - Eu posso perfeitamente usar seu roupão, afinal somos ir-mãs, maninha. - Você tem que me obedecer, minha filha, lembre que sou sua irmã mais velha, tenho todo direito de mandar em você. Quando ela foi embora deixou um grande vazio na casa, sua alegria tomava de conta de todos; senti falta dos nossos papos até altas horas da madrugada e do seu jogo de paciência, que só você sabe como jogar. Um beijo da “irmã caçula” Patrícia 101
  • 104. Tia Rita Maria (Cocada) Mariana Apesar de pouco conviver com ela, tenho imenso carinho e admiração pelo seu jeito único de ser. Sua lembrança e inteligência são extraordinárias, pois lem-bro- me que na ocasião de uma festa de família que ocorreu na fa- zenda Várzea Redonda (tio Zé Ivan e tia Luzia), colocou-me o apelido de “Cocada” e passou muito tempo sem ir a Crateús, mas quando lá andou, logo que me viu foi logo dizendo: - Como vai Cocada? Fiquei boquiaberta com sua memória maravilhosa. Mariana sua presença nos faz falta, gostaríamos de conviver mais com você. Um cheiro carinhoso da Tia Rita Maria (Cocada) 10/05/98 102
  • 105. Maria do Socorro Mariana O teu nome traduz o “Ser” maravilhoso que és: Meiguice Alegria Receptividade Inteligência Afeto Naturalidade Amor Com um beijo da tia Socorro, que só tem que agradecer a Deus pela oportunidade de ter uma sobrinha maravilhosa como você. Crateús, 10 de maio de 1998 Maria do Socorro Ferreira de Oliveira 103
  • 106. Lourdes Mariana Tu vieste a este mundo com a graça de quem sabe viver o que há de mais nobre e sagrado. Te encontrar é uma festa! Teu abraço sempre macio e verdadeiro, toca os sentimentos mais humanitários que existem em nós. Teu sorriso é como a brisa, nos afaga a face. Tua história inspira coragem para se seguir com os olhos no horizonte a espera de um sol sorridente que alegra a vida da gente. Da tua prima que te admira e quer muito, Lourdes 10/05/98 104
  • 107. Myrthes e Leunan A nossa convivência com a Mariana já tem uns quinze anos. Não foram ininterruptos, até mesmo porque morávamos em São Luiz e ela, em Fortaleza, mas durante algumas férias ela esteve lá onde tínhamos um contato mais estreito e podíamos observá-la melhor. Uma coisa que sempre nos chamou atenção era o fato de quase sempre estarmos confundindo-a com uma pessoa igual às demais, em face de seu comportamento quase normal. Deste convívio extraímos algumas observações e destacamos alguns fa- tos que demonstram algumas característica. TRANQUILA - Apesar da situação e da idade, Mariana nunca se apavora. “Calma” é uma de suas palavras de ordem. “Calma, meu!” é o que ela diz quando alguém lhe pede para ser rápida. Arruma-se sem pressa, mesmo que esteja muito motivada para ir a algum lugar. ORGANIZADA - Quando vem passar dias conosco traz a sua bolsa com mais roupas e objetos do que precisa. Vez por outra está organizando as “coisas”. A seu modo, dá a cada coisa o seu lugar. Nunca observamos a desordem que seria normal no quarto de uma criança ou adolescente. Aliás, ela tem sempre presente a questão da sua idade. PESQUISA - De sua livre iniciativa, escolhe temas para pes- quisa em revistas. Recentemente, foi sobre a atriz Vera Fischer. Coloca a seu lado todas as revistas disponíveis e vai folheando-as página por página para encontrar alguma coisa, es-pecialmente fotos da atriz. Pacientemente, recorta as fotos e organiza tudo. Em outros momentos pesquisou sobre Tarcísio Meira e outros atores. 105
  • 108. MÚSICA - O gosto pela música é talvez uma de suas características mais marcantes. Tem uma atração muito grande por instrumentos musicais. Estando com o violão ao seu lado, esquece o tempo. Imagina-se uma compositora. Pega um pa- pel e vai escrevendo as suas ideias, ao mesmo tempo em que vai “tocando”. Toca um pouquinho e escreve como quem está compondo. Não importa que o violão tenha apenas duas ou três cordas. Conhece muitas músicas e muitos intérpretes. Sua afini- dade maior é com os bons intérpretes da MPB. Distingue, per- feitamente dos cantores “bregas” ou de “dor de cotovelo”, mas demonstra muita afinidade com a boêmia. Imagina situações em que está “tomando umas” para inspirar-se. FICAR SÓ em alguns momentos é uma de suas preferências. Torce pelo período das férias para poder vir ficar conosco, ten- do o quarto só para ela. Estando só, sua imaginação vai longe. Reproduz cenas de novelas. Gesticula. Às vezes se esquece e fala alto. Mistura-nos com os seus personagens. Sempre o tema família está presente. Nas dramatizações quase sempre ouve-se a expressão “a nossa família...”. Quando percebe que está sendo observada, geralmente muda o tom ou disfarça. Há uma mistura entre os personagens da novela atual com pessoas ou fatos acon- tecidos na família. O pai e a mãe são os seus ídolos principais e o grande sonho é que voltem a viver juntos. Mas considera a separação como uma coisa normal, pois ela diz como muita natu- ralidade: “Quando eu tiver o meu primeiro marido...” OBSERVADORA - Embora pareça não estar atenta, capta tudo que acontece ao seu redor. Vez por outra surpreende com uma observação sobre uma conversa ou pedaços de conversas que ouviu. Quando provocada relembra fatos acontecidos há muito tempo. Ainda hoje é capaz de lembrar-se de algumas coisas que aconteceram quando de suas primeiras férias em São Luiz. 106
  • 109. ESPIRITUOSA - Alguns fatos mostram esta sua característica. Por exemplo: Quando estava aprendendo a “reza” para prepa- rar-se para Primeira Comunhão, Donana, sua avó materna, per- guntou: “Mariana, sabe quanto são os mandamentos da Lei de Deus?”. Ela respondeu que não. Donana disse: - São dez, Mari- ana. - E ela comentou: - arre égua, como é muito!” A maioridade é um dos seus sonhos. Faz muitos planos para quando atingi-la. Um deles é poder tomar uma cerveja e outro mais importante que ela repetia ao ser provocada era “para me libertar da escravidão dos Cavalcante”. Isto é da família da mãe. Mais adiante quer libertar-se dos Ferreira, o lado paterno. POLÍTICA - Diz-se do PT. Conhece bem várias estrelas do partido. Torcia pelo Lula e fazia propaganda. Mas um dia, na época da campanha Lula X Collor, estava com raiva da mãe, por algum motivo. Alguém perguntou em quem ela votava para presi- dente. Como a Ruth estava por perto, para atingi-la, Mariana respondeu com toda ênfase: “Fernando Collor de Melo”. DESINIBIÇÃO - Não perde a oportunidade de fazer um dis- curso. Se não for chamada, insinua-se. Sendo chamada, não põe obstáculo. Coloca as mãos sobre a mesa, encara a plateia e fala. Não tem o menor medo de microfone. Aliás, sente-se atraída por ele, seja para falar, seja para cantar. VIAGEM À EUROPA - Depois de voltar da Europa onde es- teve com o pai e irmãs, Mariana conversou muito. Como havia nascido na Alemanha, esteve lá e viu a casa onde moravam os seus pais. Dizia relembrar-se de tudo daquele tempo em que mo- rou lá. A certa altura quando alguém perguntou se vira alguma Igreja bonita na Europa ela respondeu que vira a Igreja Universal do Reino de Deus. CONSCIÊNCIA DO VALOR - Certa vez Myrtes e Mariana tinham que ir a algum lugar e estavam ali esperando-me para levá- 107
  • 110. las de carro. Por brincadeira, provoquei: - Por que vocês não vão de ônibus? Mariana logo tomou a palavra: - Eu tenho um nome a zelar. PROVOCAÇÃO - Para testar a sua reação, digo que o meu programa de domingo à tarde vai ser deixar as duas (Myrtes e Mariana) em casa e vou para o forró no “Gigantão da Zé Bastos” e depois no “Forrozão da Mister Hull”. Mariana reage imediata- mente. - Já sei. Forrozão da Mister Hull é o fundo da rede e a banda é Neston com Leite (O Neston com Leite é uma referência à banda Mastruz com Leite e ao hábito que se tem em casa de tomar toda noite o Neston). 108
  • 111. Com a tia Myrthes e o Davi 109
  • 112. Lucinha, sua professora particular e educa- dora há muitos anos... Conheci a Mariana em 1982, quando fui sua professora na Es- colinha Raio de Sol, da qual sua mãe fazia parte da direção. Foi minha primeira experiência na área de Educação Especial, uma vez que Mariana é portadora da Síndrome de Down. Desde então, todo o meu trabalho está voltado para essa área. Atualmente, realizo junto a Mariana um trabalho extraescolar de reeducação pedagógica, no qual me sinto bastante satisfeita pelos progressos alcançados, representando para mim um mo- mento além de educativo, muito terapêutico, por seus questiona- mentos, suas colocações e sua sensibilidade. A Mariana me surpreende e às vezes me deixa perplexa, pelo seu nível de compreenção e percepção, usando todo o potencial de inteligência, que comprovando ainda mais que as pessoas com necessidades educativas especiais podem ir muito além do que acreditamos. As atividades que realizamos nas sessões de reeducação pe- dagógica se referem, além de tarefas escolares, a situações práti- cas de suas vida, procurando contextualizá-las. Apesar de la já ser alfabetizada, faço um trabalho que continua ajudando-a no seu processo de leitura-escrita. Mariana tem como todo mundo, desejo de aprender, conhecer, explorar e principalmente de ser feliz, participando de forma natural dos acontecimentos, além da capacidade de com- preender as situações e tentar resolvê-las. E comum nos nossos encontros darmos muitas gargalhadas, pois ela sempre traz algo divertido. Uma vez pedi para que escrevesse sobre alguém de que ela gos- tasse muito e escolheu o Cezar Wagner. Fiz um roteiro para que 110
  • 113. ela o seguisse, como por exemplo: aspectos pessoais, físicos... Perguntei-Ihe: - Mariana, como é o Cezar? Magro alto, baixo? - Ela respondeu-lhe: - Bom, da última vez que eu vi ele estava da mesma altura. Num exercício do livro de matemática, pedia para que ela de- senhasse as pessoas de sua família, da sua casa, em ordem cres- cente quanto a estatura. Ela demorou a aceitar-se como a mais baixa e desenhar as pessoas no ar, sem a linha de base, que seria o chão. Disse-lhe: - Mariana, você desenhou as pessoas no ar? Ela respondeu: - Ave Maria, ninguém deixa a gente voar nem no papel. São atitudes como essas, que fazem com que trabalhar com a Mariana seja um prazer, pois além de educada, afetiva, inteligente, sincera, solidária, divertida. Ela faz com que eu compreenda cada vez maior, que são as diferenças que nos aproximaram e que as desigualdades é que devem ser excluídas. Considero a Mariana uma pessoa coerente, respeitada por sua família, seus amigos nas suas atitudes e desejo; capaz de atuar na sociedade de forma adequada, integrada, assim a sociedade permita, dando-lhe condições favoráveis para continuar se de- senvolvendo. Mariana, você vai ficar na história! O século XXI lhe espera. Educação para todos! Um beijão, sua professora particular Lúcia Diógenes 111
  • 114. Cleusa Mariana é uma pessoa carinhosa, que consegue transcender ao individualismo dos dias atuais. E autêntica e por mais que às vezes choque, ou desagrade as pessoas com seu jeito imperativo de ser, Mariana é ela, sem procurar agradar ou vestir máscaras. A primeira vez que a vi foi num encontro de Biodança, em 1994, em salvador, Bahia. Percebi que ela conversava com todo mundo, participava dos debates, das vivências e senti uma vontade de me aproximar, não sei explicar exatamente o porquê, mas acho que era como em qualquer congresso ou encontro em que você vê muita gente e de algumas você sente vontade de se aproximar, conhecer melhor... Num primeiro momento, sentia dificuldade em entender tudo que ela falava, algumas palavras eu não compreendia e por nunca ter tido um contato mais próximo com alguém com Síndrome de Down ou qualquer outra deficiência, ficava com vergonha de perguntar. Aos poucos, fui percebendo que, por ser um encon- tro nordestino, a maioria das pessoas a conheciam e a tratavam normalmente, conversando e perguntando quando não a enten- diam. Quando a vi pela segunda vez, foi em outro grande encon- tro de Biodança, agora em Fortaleza. Senti muita alegria quando Mariana me reconheceu, apesar do pequeno contato um ano an- tes. Com o passar do tempo, e com minha vinda para Fortaleza, em outubro de 1995, fui pouco a pouco me aproximando mais e mais de Mariana e aprendendo muito com ela. Desde aquele primeiro encontro em Salvador, observei que ela já era conhecida por suas perguntas audaciosas, por sua partici- pação, e que muita gente tinha histórias de Mariana para con- tar. Pensava que estas histórias não deveriam ficar apenas nas rodas de amigos, mas de alguma forma registrada, pois para mim 112
  • 115. a história de Mariana é um exemplo, como poucos, de uma pes- soa com uma deficiência que, com o respeito, amor e sobretudo a coragem de seus pais conseguiu se socializar e, se socializando, para contribui mais que muitas pessoas ditas “normais”, com seu exemplo, suas palavras, sua presença. A ideia deste livro surgiu com este intuito, longe de querer-mos vender ilusões, mostrar um pouco do que o Amor é capaz, e o desejo de presentear Mariana. Mariana, você para mim é vida é alegria, a simplicidade de ser Ser, sem medida, com limitações desta própria vida, garra, esperança, carinho, bom humor, vontade de viver reconhece seus erros e imediatamente procura corrigí-los atenta ao outro, você Ouve. Você é biocêntrica tem a fala enraizada na sua emoção, no seu sentimento não fala para agradar, mas geralmente agrada quando fala Mariana, contigo estou aprendendo a ver a vida mais simples. Obrigada pelo teu carinho, pela tua sensibilidade e que Deus te proteja sempre! Mariana, hoje aos 20 anos de idade, participa de campeonatos de natação, joga capoeira e é atriz da peça “Humilde Mestre”. 113
  • 116. Cris Naninha, sempre tive uma grande admiração por ti. Tua in- teligência emocional me impressiona e quando tu falas, calo para escutar a sabedoria que vem de ti. Penso que tu és uma espécie de “Merlim” da Biodança. Tua participação nos encontros nordesti- nos e nacionais de Biodança é fundamental. Recordo de alguns momentos em que tuas perguntas após as mesas redondas valiam mais que muitas respostas. Lembro-me que, quando discutíamos sobre biodança e ação social, tu logo questionaste: “Por que não tem Biodança para os pobres?” res- suscitando uma antiga discussão sobre a elitização da biodança. Tu foste também divina quando após uma palestra em que o ora- dor (Cezar Wagner) foi bastante “transcendente”, tu questionaste: “E o que é a biodança após a morte?”. O Palestrante respondeu: “Não sei, Mariana”. E tu complementaste: “Você respondeu o que eu queria ouvir!”, dando uma lição de humildade para todos nós. Neste mesmo encontro, um outro conferencista (Cipriano Luckesi) falou de uma maneira muito co- movente sobre a vida. Tu inquiriste qual a importância da “Bio- dança para a construção da vida, levantando a bola para que Cipriano convidasse a todos a se empenharem arduamente em todos os momentos em defesa da vida, seja qual fosse o mo- 114
  • 117. vimento que fizesse parte: bioenergético, biodança, movimento verde, MST, Transpessoal etc. O que importa é o elo comum que nos une, é a proteção da mãe GAIA e de toda espécie de vida. Foi neste encontro em setembro de 1997 que tive a ideia de escrever este livro, ideia que foi logo abraçada por nossa fada madrinha (A Cássia), que sempre realiza nossos sonhos. Creio eu que tua mãe, aliás, teus pais, com certeza também acalentavam este desejo. Naninha, tu és para mim uma luzinha acesa iluminando o nosso caminho com tua sabedoria inocente e profunda. Às vezes fico te observando. Percebo quanto são puros os teus movimentos. Teu sorriso moleque me contagia. Teus olhinhos miúdos me dizem o quanto o amor é suave. Tuas palavras me fazem pensar horas sem fim. Tua sexualidade transparente, como água pura, me en- sina a beleza de não ter medo de amar. Os teus abraços calorosos me lembram o aconchego das crianças quando estão saudosas de suas mães. Naninha, não deixes ninguém atrapalhar teu brilho. Você é um cometa bonito de se ver, bom de recordar e leve, a nos fazer voar. Continue sempre a nos questionar com tuas perguntas im- prescindíveis para nosso crescimento. Conte com o nosso carinho e com nossa presença atenta às tuas peripécias. Cris. 115