1) O documento discute as leis de diretrizes e bases da educação brasileira (LDBs) de 1961 e 1996, analisando como elas refletem os contextos históricos e políticos de cada período.
2) A LDB de 1961 surge no contexto do nacionalismo após 1930, visando estabelecer um sistema educacional nacional que atendesse às novas demandas da industrialização.
3) A LDB de 1996 é resultado de discussões iniciadas na década de 1980, buscando descentralizar o sistema em linha com as políticas
1. JORNAL DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS. N° 7 | Janeiro–junho DE 2010 | PP. 41–52
Perspectivas na consolidação do sistema de ensino
brasileiro: o desenho da democratização proposto nas
leis de diretrizes e bases – Leis 4.024/61 e 9.394/96
Consolidation perspectives of Brazilian educational
system: the democratization design proposed in
educational laws - 4.024/61 and 9.394/96
Oséias Santos de Oliveira1
Clarice Zientarski2
Neila Pedrotti Drabach3
Sueli Menezes Pereira4
Resumo Abstract
Este trabalho investiga as políticas de organização dos sistemas This paper investigates the political organization of
de ensino brasileiro no contexto da LDB 4.024/61 e da LDB 9.394/96 educational systems in the Brazil in 4024/61 and 9394/96
e as interferências sofridas no percurso de discussão e implementação laws and the interference suffered in the course of discussion
das mesmas, em especial na atual perspectiva de descentralização and implementation of these, especially in the current context
proposta pela Constituição Federal de 1988 elaborada no contexto of decentralization proposed by the Federal Constitution of
de confluências entre projetos sociais democráticos e interesses 1988 developed in a context of convergence between social
neoliberais. Busca-se uma revisão contextual dos antecedentes democratic projects and neoliberal interests. The work
históricos que delimitam o surgimento dessas legislações searches a contextual review of historical that defines the
educacionais, bem como os reflexos dos condicionantes políticos e appearance of these educational laws, and the reflections of
econômicos no processo de redemocratização da educação nacional. political and economic conditions in the redemocratization of
Tendo como base empírica a legislação educacional do período de national education. Based on empirical educational legislation
1930 aos dias atuais, a abordagem crítico-dialética possibilita um of the period from 1930 to today, with a critical-dialectical
olhar retrospectivo e reflexivo sobre as políticas que delimitam a approach, and provides a reflective look back on the policies
redução do papel do Estado no atendimento das demandas sociais, the boundaries to reduce the State’s role in meeting the
dentre elas a educação. Os aportes teóricos possibilitam uma análise social demands, among them education. The theoretical
das intenções e ações de uma sociedade que se liberta das amarras contributions provide an analysis of intentions and actions of
antidemocráticas e que, ao mesmo tempo, sofre os impasses dos society that releases a antidemocratic history, and at the same
interesses do capitalismo, com forte interferência nas normativas time have the impasses of the interests of capitalism, strong
educacionais expostas na necessidade de implementação dos interference with the educational standards exposed the need
Sistemas de Ensino e a aposta na descentralização com forte apelo for implementation of education system on decentralization
ao envolvimento local. with strong appeal for local involvement.
Palavras-chave: Sistema educacional; Legislação Keywords: Educational system; Education laws;
educacional; Descentralização; Democratização. Decentralization; Democratization.
1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação//UFSM - oseias.ol@uol.com.br
2 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação//UFSM - claricezientarski@yahoo.com.br
3 Mestre em Educação – Pedagoga do IFPR - neila.drabach@ifpr.edu.br
4 Doutora em Educação, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFSM - sueli@ce.ufsm.br
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desenho da democratização proposto nas leis de diretrizes e bases – Leis 4.024/61 e 9.394/96
Este texto tem como proposta abordar as políticas econômicas e de desenvolvimento.
questões da educação nas políticas de Estado Nesse cenário, a questão educacional passa por
em diferentes contextos históricos, tendo como um processo de organização, pois o sentimento
base o processo de configuração dos sistemas de nacionalista que pairava na sociedade e orientava
ensino na legislação educacional. Tal proposta se as ações do governo precisava se firmar e, nesse
justifica considerando a realidade atual posta pela contexto, a educação tem um papel relevante.
Constituição Federal de 1988, pela qual se impõe Diante dos problemas que emergem dessas
a reforma do Estado, especialmente na década situações controversas, justifica-se a necessidade
de 1990, com implicações diretas na organização de uma abordagem crítico-dialética para
da educação: gestão democrática, autonomia compreender os fatos sociais e econômicos, pela
dos sistemas e das instituições. Tais mudanças, possibilidade que esta abordagem oportuniza ao
decorrentes do processo de descentralização questionamento da realidade social, a partir de
das funções do Estado, proporcionalmente, uma postura investigativa que objetiva desvendar,
acabam por repassar um maior compromisso à mais que o “conflito das interpretações”, o
sociedade e em especial à comunidade escolar. “conflito de interesses” (GAMBOA, 1991, p. 97-
Assim, os Sistemas de Ensino, nas esferas 98), justamente porque delimita um “interesse
federal, distrital, estaduais e municipais são transformador” das situações ou fenômenos
constituídos na perspectiva de tornar possíveis as estudados, resgatando sua dimensão histórica
ações, intenções e planejamentos da educação e desvelando suas possibilidades de mudança.
brasileira propostas na Constituição Federal, na Tendo em vista essa dimensão investigativa,
LDB 9.394/96, nos Planos de Educação e nas calca-se a análise no conteúdo das Leis de
propostas governamentais recentes. Diretrizes e Bases da Educação Brasileira,
Os anos de 1990 foram decisivos para a considerando seus respectivos momentos
definição dos rumos da educação brasileira. históricos – nacionalista liberal a partir de 1930 e
Decorridos trinta e cinco anos de promulgação globalização neoliberal a partir de 1980.
da LDB 4.024, de 20/12/1961, foi aprovada no Ao buscar o clareamento desses aspectos
Congresso Nacional a Nova Lei de Diretrizes importantes das políticas educacionais, as
e Base da Educação Nacional – Lei nº 9.394 reflexões também caminham no sentido de
de 20/12/1996. Esta lei é fruto de discussões, compreender o papel da escola e o seu significado
análises, lutas de interesses e de engajamento no esboço e na confirmação da atual sociedade
de setores da sociedade que, num anseio de inserida no contexto neoliberal.
participação, após décadas de impossibilidade
de exercer esta prática, por cerceamento da O contexto da LDB 4.024/61: interesses
liberdade de manifestação decorrente dos ou necessidades na perspectiva de
mecanismos ditatoriais instaurados no Brasil uma educação nacional?
nos anos 1960 - 1980, experimentam uma
A implantação do capitalismo industrial no
prática democrática.
Brasil, a partir de 1930, determinou uma nova
Para se estabelecer um paralelo e buscar
organização das relações sociais, econômicas,
compreender as atuais políticas para a área da
políticas e estruturais, como a ampliação do papel
educação torna-se necessária uma retrospectiva
do Estado e, posteriormente, do capital nacional,
sobre os processos educacionais anteriores,
de modo a estabelecer um desenvolvimento
apresentados na primeira LDB, Lei 4.024/61, e
econômico, social e político aos moldes dos
nos seus antecedentes históricos. O contexto
países desenvolvidos, porém com independência
dessa primeira Lei de Diretrizes e Bases da
em relação ao capital internacional. Dessa
Educação Nacional começa a se desenhar ainda
maneira, surgem novas exigências educacionais
nas décadas de 1930 e 1940 quando se verifica a
e novos comprometimentos que vão delimitar as
atuação do Estado mais com o intuito de atender
políticas para a educação brasileira.
às pressões do momento, com definições de
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3. JORNAL DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS. N° 7 | Janeiro–junho DE 2010 | PP. 41–52
Saviani (1998, p. 9) pontua que “a origem da ainda que dentro de um movimento contraditório”
temática relativa às diretrizes e bases da educação (CURY, 2008, p. 1189).
nacional remonta à Constituição Federal de 1934, a A Constituição de 1946, adotando cunho
primeira das nossas cartas magnas que fixou como democrático-liberal define no artigo 166 que a
competência privada da União ‘traçar diretrizes da educação é “direito de todos e será dada no lar
educação nacional’ (Artigo 5º, Inciso XIV)”. Essa e na escola, deve inspirar-se nos princípios de
constatação referenda a necessidade de se pensar liberdade e nos ideais de solidariedade humana”
um projeto educacional em âmbito nacional. (BRASIL, 1946). Além da responsabilização
As profundas transformações decorrentes das do Estado com as questões educacionais, a
relações de produção e a concentração cada vez família também é chamada a envolver-se com
mais ampla de população em centros urbanos os assuntos da educação. Dentre os princípios
tornaram fundamentais novos anseios pela defendidos nesta Constituição, destacam-se a
qualificação para o trabalho, do mesmo modo que obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário
a oferta de instrução básica à população, pela a todos nas escolas públicas. Ainda, a legislação
necessidade do consumo que essa produção consolida que o ensino oficial ulterior ao primário
requer. Portanto, em decorrência das exigências seria oferecido àqueles que provassem falta ou
do novo modo de produção e de consumo, insuficiência de recursos (BRASIL, 1946, Art.
observam-se modificações profundas na forma 168, incisos II e III). Os princípios de gratuidade
de conceber a educação, tendo o Estado como o e obrigatoriedade do ensino público partem das
principal fomentador das políticas educacionais. concepções discutidas ainda na década de 1930
No entanto, essas reformas, sob influências de e apresentadas à sociedade e ao governo por
caráter político-ideológico, assumiram, no campo meio do documento conhecido como Manifesto
educacional, características contraditórias, dos Pioneiros da Educação Nova.
uma vez que o “sistema” de ensino passou a Outros setores deveriam também envolver-
sofrer, de um lado, a pressão popular para sua se com a educação, no sentido de seu
expansão, que era cada vez mais crescente, financiamento e organização, como as empresas
por conta das necessidades sociais advindas industriais, comerciais e agrícolas. Aquelas que
do desenvolvimento das relações capitalistas. comportassem em seus quadros de empregados
De outro lado, o controle das elites, mantidas ou mais de 100 pessoas, seriam obrigadas a
representadas no poder, que buscavam conter manter ensino primário gratuito para os filhos
a ação popular, utilizando, principalmente, de seus servidores. Além dessa normativa,
mecanismos sustentados na legislação do ficavam as empresas industriais e comerciais
ensino, para manter o ensino eminentemente obrigadas, pela imposição deste artigo, “a
elitista. O que se verificou a partir daí, foi o fato ministrar, em cooperação, aprendizagem aos
do ensino ter se firmado em uma proposta não seus trabalhadores menores, pela forma que
sistêmica de educação, ou seja, não visando a a lei estabelecer, respeitados os direitos dos
uma proposição do ensino enquanto sistema5, professores” (BRASIL, 1946, Art. 168, IV).
uma vez que as próprias desigualdades sociais Ainda na Constituição de 1946, reafirmava-
existentes resultam em “uma desigualdade se o compromisso da União em legislar sobre
sistêmica que é congênita à sociedade capitalista diretrizes e bases da educação nacional
(Capítulo II, Título VI). Em seu Art. 170 aponta a
5 O termo sistema é utilizado no sentido de incumbência da União na organização do sistema
“conjunto de elementos, materiais ou não, que federal de ensino e também o sistema de ensino
dependem reciprocamente uns dos outros, de
maneira a formar um todo organizado” (LALANDE, dos Territórios. O caráter do sistema federal de
1960 apud DIAS, 1988, p. 80). Neste sentido, sistema ensino é definido no parágrafo único deste artigo,
de ensino significa “o conjunto de instituições,
recursos e procedimentos, organizados de forma como “supletivo, estendendo-se a todo o País nos
integrada pelo poder público, com propósito de estritos limites das deficiências locais” (BRASIL,
atingir objetivos voltados para a manutenção e
desenvolvimento de ensino” (CASTRO, 1998, p. 82) 1946, Art. 170, Parágrafo Único).
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desenho da democratização proposto nas leis de diretrizes e bases – Leis 4.024/61 e 9.394/96
A organização dos Sistemas de Ensino nos formas de privatização do ensino: a educação
Estados e no Distrito é fixada no Art. 171, sendo seria financiada pelo Estado, porém vinculando
que para sua implementação a União “cooperará a responsabilidade do financiamento estatal
com auxílio pecuniário, o qual, em relação ao pelas entidades privadas, ou seja, uma forma de
ensino primário, provirá do respectivo Fundo delegação do financiamento público aos usuários
Nacional” (BRASIL, 1946). Essas normativas do sistema, cuja prestação de ensino caberia às
legais estabelecidas na Constituição abriam instituições de cunho privado. Para isso, os grupos
“a possibilidade da organização e instalação liberais argumentavam e alegavam a chamada
de um sistema nacional de educação como “liberdade de ensino”.
instrumento de democratização da educação Ao longo de 13 anos foram travadas batalhas
pela via da universalização da escola básica” ideológicas com o intuito de definir-se uma lei que
(SAVIANI, 1998, p. 6). apontasse as diretrizes e bases para a educação
Frente a isso, Saviani (1983) propõe uma nacional. Envolvimentos político-partidários,
discussão sobre a existência de um Sistema interesses de instituições privadas, divergências
Educacional no Brasil, a partir da obra Educação quanto à centralização e descentralização do
Brasileira: estrutura e sistema. Ao questionar a ensino e mesmo reivindicações da Igreja Católica
noção de sistema, sua investigação pauta-se por seriam parte do embate travado com setores da
conflitos apresentados nos textos legais e nos sociedade que se posicionavam favoráveis à
discursos, afirmando que isto permite tirar algumas intervenção pública estatal na oferta da educação
lições de considerável importância, pois nacional. Essa lei deveria substituir a Reforma
[...] suscitou interpretações opostas do termo ‘sistema’ Capanema de 1942, até então em vigor.
inscrito na Constituição Federal (...). A primeira é que, Com a discussão da primeira Lei de Diretrizes
desde que o problema é abordado a partir de determinados e Bases da Educação Nacional, durante o
pontos de vista político-ideológicos, a noção de ‘sistema’ longo período que compreende de 1948 a
pode receber conotações bastante diversificadas, em 1961, constata-se, portanto, a disputa de duas
função das perspectivas referidas. Esta conclusão põe
propostas de lei que traduz a relação paradoxal
em foco a seguinte questão: seria possível a análise do
e contraditória no âmbito político-econômico, cujo
conceito ‘sistema’ prescindindo de um ponto de vista
embate acontece entre o grupo que defendia o
político-ideológico prévio? (SAVIANI, 1983, p. 13).
nacionalismo desenvolvimentista, sendo o Estado
Com o intuito de criar uma lei que organizasse
o carro-chefe no planejamento da economia
as diretrizes e bases da educação nacional, em
estratégica para o desenvolvimento do mercado
1948, o Ministro da Educação Clemente Mariani
nacional, sem a dependência asfixiante do capital
encaminha o primeiro Projeto de Lei que propõe a
externo e, de outro lado, um grupo que sustentava
extensão da rede escolar gratuita até o secundário
a tese da iniciativa privada como mecanismo de
e cria a equivalência dos cursos de nível médio,
gerir a economia e a educação institucionalizada,
mediante prova de adaptação. Este anteprojeto
objetivando qualquer intervenção normatizadora e
correspondia, em seu cerne, à Constituição,
fiscalizadora do Estado, tanto na área econômica,
alusivo aos direitos à educação. Apresentava a
como na educacional. Instaura-se o debate entre
obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário e
escola pública X escola privada, aos moldes dos
gratuidade da escola pública em seus vários níveis
debates entre católicos e liberais que antecederam
de ensino. De igual modo, colocava as obrigações
a Constituição de 1934, sem que os interesses
e responsabilidades do Estado relativo ao sistema
nacionais fossem objeto dessas discussões.
de ensino, sendo que, no entanto, este projeto foi
A justificativa da iniciativa privada acaba se
engavetado. Surge, então, em 15 de janeiro de
tornando dominante na LDB e se expressa na
1959, o Projeto de Lei chamado de “Substitutivo
defesa absoluta dos direitos que a família encerra
Lacerda” que propunha, entre outros dispositivos,
referentes à escolha da educação que lhe interessa.
que a sociedade civil assumisse o controle da
Estas idéias vão contra a interferência e a ação do
educação, defendendo, em vista disso, uma das
Estado, no sentido de não permitir a este a projeção
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e planificação do sistema de ensino, trazendo também a preocupação com a democratização que
implícita a idéia de que esta é uma atitude totalitária. o país vinha passando, isto porque, durante muito
Tal ação procura defender na LDB a prerrogativa e tempo, a Igreja exercia exclusividade e desfrutava
os interesses das instituições privadas de ensino, das benesses do Estado em relação ao ensino e
particularmente as católicas, na obtenção do não queria a perda dos privilégios políticos.
financiamento do poder público em educação. Esses debates assinalam as contradições
No mencionado substitutivo do deputado entre os interesses públicos e privados e se
Lacerda, observa-se que a discussão sobre “a refletem na Lei 4.024/61, afastando, desse modo,
liberdade de ensino”, com bases inteiramente as concepções originariamente propostas para a
privatistas, foi o conteúdo preponderante Educação Pública Brasileira. Enfim, poder-se-ia
abrangido no mesmo. Como se vê, o centro afirmar, que a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
do interesse não estava no direito da família, Educação Nacional nasceu ultrapassada. Mesmo
como aparentava pautar a discussão, mas na com todos os debates realizados, que poderiam
reivindicação de recursos estatais com o intuito ter modificado substancialmente o sistema
de beneficiar a iniciativa privada, antes mesmo educacional brasileiro, prevalecem antigos dilemas
que ao ensino oficial (ROMANELLI, 1984). educacionais, numa situação, agora agravada
Para garantir e concretizar as prerrogativas pela urgência da solução de problemas criados e
absolutas da iniciativa privada, o substitutivo aprofundados com o distanciamento que se fazia
incumbe-se de salvaguardar a representação da sentir entre o sistema escolar e as necessidades
mesma no Conselho Nacional de Educação e nos de desenvolvimento (ROMANELLI, 1984).
Conselhos Regionais, pois estes órgãos de direção No Art. 13, define-se que “A União organizará
de ensino seriam as instâncias responsáveis pela o ensino público dos territórios e estenderá a ação
normatização e coordenação de recursos. federal supletiva a todo o país, nos estritos limites
Diante das propostas apresentadas no das deficiências locais” (BRASIL, 1961). Esta
anteprojeto, a reação foi imediata, partindo de incumbência reserva o direito da União em definir
intelectuais e educadores, que culminou, em 1959, políticas nacionais e de suprir necessidades de
com um grande manifesto dos educadores. Era a Estados e Municípios, mediante necessidades
segunda grande campanha nacional em defesa estruturais, técnicas e de financiamento do ensino.
do ensino público e gratuito. Não obstante, o texto A educação, conforme referida no Art 2º,
final da primeira LDB, apresentado no Congresso é “direito de todos e será dada no lar e na
em dezembro de 1961, manteve praticamente escola”. A LDB ainda ressalta os princípios de
na íntegra o substitutivo Lacerda, representando gratuidade e obrigatoriedade garantidos para o
certo triunfo do setor privado, garantindo-lhe o Ensino Primário, sem especificidade referente à
direito de ser financiado pelo Estado. faixa etária, sendo que para os demais níveis,
De forma muito contundente, percebe-se, o princípio da gratuidade fica condicionado à
principalmente no período de 1946 a 1961, um carência dos educandos.
grande embate político-ideológico acirrado de Já o Art. 16 apresenta a competência dos
um lado por educadores, intelectuais, militantes Estados e do Distrito Federal em “autorizar o
e sindicalistas, os chamados reformadores e, por funcionamento dos estabelecimentos de ensino
outro encabeçado pela Igreja e a iniciativa privada primário e médio não pertencentes à União, bem
leiga. Os privatistas entendiam a intervenção do como reconhecê-los e inspecioná-los” (BRASIL,
Estado na educação como uma ação nociva, 1961). Observa-se nesta trajetória da LDB
já que levava ao monopólio, comprometendo a 4.024/61 o não reconhecimento do município como
liberdade de ensino e os princípios do ensino entidade federativa, o que somente vai acontecer
católico. Este posicionamento, centrado nos com a Constituição Federal de 1988 e na LDB
interesses da Igreja Católica que, diga-se de 9.394/96, com o forte apelo ao municipalismo e às
passagem, estava comprometida com as grandes ações decorrentes da participação da sociedade
forças conservadoras aristocráticas, apresentavam na definição e organização das políticas sociais.
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6. Oliveira, Zientarski, Drabach & Pereira | Perspectivas na consolidação do sistema de ensino brasileiro: o
desenho da democratização proposto nas leis de diretrizes e bases – Leis 4.024/61 e 9.394/96
O período de 1964 ao final dos anos Esta foi uma fase de grande repressão na
1980 - O Brasil da Ditadura à “Abertura” sociedade brasileira. A UNE (União Nacional
O período da ditadura militar na história brasileira dos Estudantes) foi fechada e os professores,
foi marcado por muitas contradições. Vieira, ao considerados subversivos, foram demitidos, livros
salientar que “o golpe de Estado de 31 de março considerados esquerdistas foram confiscados.
de 1964 decorreu de grave situação político-militar, Segundo Basbaum:
empurrando o Presidente João Goulart para o exílio Entre os livros que o DOPS (Delegacia de Ordem Social
e Política) paulista arrola como subversivos se incluem,
político no Uruguai” (VIEIRA, 1985, p.12-13), relata
por exemplo, as obras mestras de Marx, Engels,
sobre os fatos que culminaram com a cassação de
Feuerbach e Plekhanov. Lá está, na lista negra da
deputados, senadores, governadores, prefeitos e
nova inquisição fancaria,o prêmio Nobel de Literatura
outros ocupantes da função pública e a eleição do
de 1965,Mikhail Cholokov. Também contemplados
General Castelo Branco realizada pelo Congresso Afanasiev, Draguiley, Ivostok, Zubok, Vladinov e uma
Nacional em 11 de abril de 1964 para o cargo de vasta relação de teóricos e divulgadores da doutrina
presidente da República. Ainda, na seqüência, o socialista, ou simples estudiosos neutros da matéria.
autor relata: Pelo que se depreende do material apreendido, todo
O Congresso Nacional deu nova direção à sociedade livro cujo título se refira ao socialismo, marxismo ou
brasileira com o auxílio de várias organizações civis, comunismo ou tenha na capa nome de autor russo ou
nascidas e alimentadas pela classe dominante. Embora assemelhado deve ser recolhido à fogueira purificadora
esta direção tenha utilizado militares e tecnocratas, suas do DOPS (JORNAL DO BRASIL, 22/01/1966, apud
origens derivam de profundos interesses nacionais e BASBAUM, 1976, p.179).
internacionais do capitalismo (VIEIRA, 1985, p.12-13).
Gohn (1995) afirma que apesar do
O golpe de 1964 foi deflagrado para impedir a grande controle social e político, das prisões,
concretização das Reformas de Base e fez com perseguições e torturas ocorreram muitas lutas
que a idéia de democracia, que era tão sonhada, de resistência e muitos protestos no país. A
fosse enterrada de uma vez. O país mergulhou esquerda também teve grande efervescência
num profundo autoritarismo que durou vinte e neste período.
cinco anos, tendo como características principais o Motivada para resistir ao avanço das forças
desrespeito aos direitos humanos, a concentração capitalistas no país, dado pela aliança entre os
de renda e a desnacionalização da economia. militares, o capital estrangeiro, o empresariado
Sobre esta situação, assim escreveu Sodré, nacional urbano e a nova tecnocracia que
A urgência em servir ao imperialismo e particularmente começava a se formar no país, oriunda do acesso
em tranqüilizá-lo quanto à capacidade de servir foi das camadas médias ao ensino universitário, as
tamanha que, de imediato, praticamente, transitou
três frentes de esquerda existentes até então
uma lei de garantia de investimentos estrangeiros
(PCB, PCdoB e AP) se fragmentaram em inúmeros
que só as colônias conheceram. O Brasil assistiu,
novos grupos (GOHN, 1995, p.101).
sem demora, à tranqüila, rápida e efetiva entrega de
O PCB (Partido Comunista do Brasil) dividiu-
suas riquezas naturais, à destruição sistemática de
suas fontes de acumulação, ao empenho de manter se ainda mais e deu origem à Ação Libertadora
o nível baixo de salários e em impedir qualquer Nacional coordenada por Carlos Marighela,
ameaça de reivindicação salarial, à desorganização ao PCBR (Partido Comunista Brasileiro
das empresas estatais a pretexto de expurgar delas Revolucionário) liderado por Mário Alves e ao
os elementos ditos subversivos - que eram os que MR8, (Movimento Revolucionário Oito de Outubro)
trabalhavam e acreditavam nelas - e sua substituição em homenagem a Che Guevara.
por apaziguados da nova situação, tão ardente nas A autora também destaca que a ação popular
punições e nos expurgos e nos desempregos quanto se subdividiu na fase de grande repressão à
empenhados em que não subsistisse nenhuma esquerda brasileira, que corresponde ao início
dúvida de que a fase era de entrega mansa e pacífica da fase do “milagre econômico”, que tem suas
de recursos naturais em benefício de multinacionais
bases de crescimento da economia brasileira
ávidas. (SODRÉ, 1984, p.61-62).
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centradas no arrocho salarial do proletariado e origem, em parte, a partir dos movimentos sociais
na expansão do consumo das camadas médias e dos embates políticos ocorridos ao final dos anos
urbanas. Com isto, pode-se perceber que a 1970 e ao longo da década de 1980. Outro fator
repressão desencadeada no país pelo poder que converge para a normatização deste princípio
militar fez calar à força os movimentos populares está calcado na descentralização político-
em defesa da democracia, da liberdade e do administrativa do Estado Neoliberal, que marca
direito à educação. Porém, assim como as consideravelmente o contexto de formulação
classes dominantes do país se organizaram no destas legislações. Nesse prisma convergiam os
sentido de combater os movimentos populares, interesses sociais e os do capital, considerando
muitos líderes comunitários, educadores, que o discurso da gestão democrática servia
estudantes, religiosos e outros componentes da tanto ao processo de descentralização político-
sociedade civil, comprometidos com a educação administrativa do Estado, como à luta da
e engajados na luta pela democratização, sociedade por democracia.
organizaram-se e realizaram muitos protestos, Ocultada a essência sob a aparência desse
sendo, por isso, perseguidos, torturados, fenômeno, ganhava novamente o capital, pois
cassados e exilados. ao descentralizar poder, colocava na sociedade
Não avaliando adequadamente a força e a solução de seus próprios problemas, numa
a velocidade com que o modelo capitalista perspectiva privatista do Estado.
dominante se impôs, a esquerda nacional Com as novas configurações sócio-políticas,
continuava sonhando com a possibilidade de as velhas práticas antidemocráticas e ditatoriais,
implantar um modelo que não correspondia ao implantadas com o golpe de 64, tornam-se
curso dos acontecimentos locais. Sua estratégia obsoletas. O novo modelo de sociedade torna
baseava-se no camponês, no discurso da indispensável a discussão em torno do papel
Reforma Agrária e na luta do campo por meio do da democracia, que agora, revisitada sob uma
apoio dos estudantes e “enquanto sonhava se ótica de redemocratização, que perpassa todo
subdividia” (GOHN, 1995, p. 101). o conjunto da sociedade brasileira, traz consigo
Durante este período, conhecido como a fase do uma possibilidade de ampliar a participação de
milagre econômico, o governo deu início ao período toda a comunidade nos processos decisórios e
mais absoluto de repressão, violência e supressão organizativos desta mesma sociedade.
das liberdades civis de nossa história republicana.
Desenvolveu-se um aparato de segurança com
características de poder autônomo que levou aos A organização dos sistemas de
cárceres políticos, milhares de cidadãos, transformando ensino brasileiro e as políticas de
a tortura e o assassinato numa rotina. Vivia-se um descentralização: CF/88 e LDB 9394/96
período ditatorial, repressivo e, ao mesmo tempo o do As atuais discussões sobre o papel
“milagre” econômico; o sonho do país potência com do Estado cuja ação central, no modo de
obras faraônicas, com o (a custa do) cerceamento de produção capitalista, traduz-se em conflitos
liberdades democrática (GOHN, 1995, p. 101). que, em determinados momentos, tendem a
Sob a égide da repressão, a sociedade expor fragilidades e lutas pelo poder. Segundo
clama por liberdade e democracia. Este é um Werle (2005, p. 12) “as políticas do Estado são
fator importante para os rumos da educação no tentativas de manejar esses dilemas e lutas e,
processo de abertura política do início da década ao mesmo tempo, produzir e reproduzir acordo
de 1980, preparando o país para a elaboração e e compatibilidade entre a produção privada, a
consolidação da nova Lei de Diretrizes e Bases dependência de impostos, a necessidade de
da Educação Nacional. acumulação e a legitimação democrática”.
A gestão democrática do sistema educacional, Com a legitimação do capital e sua
estabelecida como princípio do ensino público na predominância sobre as necessidades humanas,
Constituição de 1988 e na LDB 9.394/96, tem sua configura-se a reprodução social como um
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desenho da democratização proposto nas leis de diretrizes e bases – Leis 4.024/61 e 9.394/96
elemento a serviço da burguesia. Nesse contexto, a este contexto de reabertura política e de
a democracia é entendida como reconhecimento da cidadania, a sociedade
[...] a forma política mais desenvolvida de uma brasileira vai incorporando, por imposições
sociedade movida pela acumulação privada de de políticas mundiais de cunho neoliberais, a
capital, pelo individualismo burguês. Ela se reforma do Estado, que se firma especialmente
caracteriza pela concepção de que todos os homens na década de 1990, com implicações diretas
são iguais e que, portanto, as leis não devem na organização do mundo da economia, do
proteger um indivíduo na sua disputa com outro
trabalho e da educação.
[...] Contudo, ao proceder assim, a lei garante não
A organização e mobilização popular
a igualdade entre os homens, mas sim a reprodução
marcam o momento da discussão das
das desigualdades. Onde todos são politicamente
temáticas educacionais quando da elaboração
iguais, mas socialmente divididos entre burgueses e
proletários, a igualdade política e jurídica nada mais da Constituição Federal de 1988. Entidades,
é do que afirmação social real, das desigualdades associações científicas e sindicais da área,
sociais (LESSA e TONET, 2008, p. 88). profissionais e população envolvem-se nas
Wood (2006, p. 390) considera que no século discussões e apresentam propostas para a
XIX é crescente a “identificação da democracia educação nacional. O movimento ocorrido
com liberalismo”, com isso observa-se mudança no Brasil, nesta época, é fortemente marcado
do foco de discussão sobre a democracia pelo surgimento e pela consolidação das
enquanto concepção que possibilita o poder associações e organizações de interesse
popular para uma concepção que se limita à popular, que no seu bojo traziam anseios
ampliação dos direitos constitucionais. Trata-se, oriundos dos diversos setores e grupos de
na visão de Wood (2006), de uma disputa entre profissionais, que por meio dos sindicatos
dois princípios políticos e não do resultado de uma e associações de classe podiam agora
luta de classes ou entre forças sociais – senhores organizar-se na luta por causas comuns.
versus camponeses, capital versus trabalho. No que diz respeito aos processos e práticas
Frente a essas mudanças no conceito de educativas a participação e autonomia tendem
democracia, fruto de novas significações a aparecer como elementos necessários para a
e características do capitalismo, mais consecução de uma proposta descentralizadora
notadamente em relação aos aspectos capital e de um novo modelo de gestão. Pensar a
e trabalho e pelas implicações desse modo de educação em uma concepção democrática
produção nos meios econômicos e políticos, e participativa pressupõe o envolvimento do
é possível um direcionamento de olhar sobre coletivo, não somente na gestão administrativa,
o homem, enquanto sujeito histórico que se mas também e especialmente na gestão dos
constitui nesse meio e que é determinado por processos, de modo a favorecer aprendizagens
estes mesmos contextos econômicos, políticos significativas, tanto para quem ensina quanto
e culturais. para quem aprende.
Com a redemocratização do país, Shiroma, destaca que:
Expressando o espírito da época, as bandeiras
consolidada na Constituição Federal de 1988,
de luta e propostas dos educadores cobriam um
a legislação oportuniza entre outros aspectos
amplo espectro de reivindicações a começar pelas
importantes para o exercício democrático, a
exigências de constituição de um sistema educacional
eleição direta dos representantes políticos, a
de educação orgânico – proposta recorrente desde
consolidação de mecanismos que garantam a década de 1930. Também se firmou a concepção
a participação popular na tomada de de educação pública e gratuita como direito público
decisões, seja através de manifestações de subjetivo e dever do Estado a concedê-la. Defendia-
cunho classista, como os movimentos de se a erradicação do analfabetismo e universalização
trabalhadores, seja através de manifestações da escola pública, visando a formação de um aluno
pela manutenção dos direitos sociais. Paralelo crítico (SHIROMA, 2002, 47).
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Essas transformações devem ser consideradas centralização, ou seja, do fortalecimento da autonomia
no contexto da nova ordem econômica, a municipal, permitindo que o município ande com as
partir das implicações da globalização com “próprias pernas”, assegurando a interdependência com
definições de políticas neoliberais que objetivam as demais instâncias, no cumprimento e implementação
o enfraquecimento dos Estados Nacionais, da política educacional (MACHADO, 2002, p. 129).
minimizando suas ações frente às políticas sociais, Essas mudanças no âmbito educacional
apregoando o livre mercado, a desregulação da indicam que as definições oriundas das macro-
economia, as privatizações. Tais características políticas neoliberais inferem radicalmente
compõem o cenário onde serão forjadas a em aspectos de organização e execução de
Constituição Federal de 1988 e posteriormente a um projeto educacional. Assim, passa-se a
segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação considerar a gestão democrática, a autonomia
– LDB 9394/96. das instituições, os processos decisórios
Sarmento, assim se posiciona: descentralizados com a conseqüente
Com o enfraquecimento e a queda dos governos descentralização de ações e o repasse de
militares e o envolvimento dos diversos setores um maior compromisso à sociedade e em
sociais na luta pela redemocratização do país, uma especial à comunidade escolar, articulados
nova Constituição e uma nova LDB revelaram-se uma com a constituição/organização dos sistemas
necessidade (SARMENTO, 2005, p. 1369).
de ensino.
Ainda que esta necessidade seja um fato, é Diante dos inúmeros desafios, que permeiam
preciso considerar que a participação popular o mundo globalizado, com o crescente
ainda é objeto de manobras e que diversos esvaziamento do Estado, a diminuição dos
artifícios são criados para sua limitação. As direitos sociais e a maior responsabilização
discussões sobre democratização, autonomia repassada à sociedade civil, a Gestão
e qualidade da educação perpassam Educacional, vista de modo mais próximo no
os discursos de intelectuais e avançam contexto brasileiro, passa a ser percebida
na sociedade, em especial nos setores como possibilidade de maior participação
envolvidos na defesa da escola pública. e de integração para o desenvolvimento
Nesse período surgem estudos que apontam a de um projeto sustentável para o país, que
descentralização como possível saída para o necessariamente precisa ser pensado sob o
insucesso das políticas anteriores. Tais estudos prisma educativo.
tinham a proposta de qualificar a educação e Cabe considerar que as políticas de
reconhecer igualmente o direito de cada um ao descentralização implementadas no Brasil são
seu acesso. As políticas de descentralização definidas, em sua forma de organização, através
são pensadas na perspectiva de eliminar dos sistemas educacionais: federal, estadual e
burocracias, redistribuir recursos diretamente municipal. Notadamente, é na esfera municipal
aos municípios, transpor obstáculos ou que a responsabilidade pela articulação das
possíveis desvios, o que, ainda assim, não ações e projetos educacionais abrange o maior
se traduz em autonomia, pois ocorre apenas contingente educacional, ou seja, parte da
uma redefinição de foco, com reconcentração Educação Básica, que compreende a educação
de poder, baseado nos localismos e que infantil e o ensino fundamental. Portanto, a
objetivamente ampliam as desigualdades no observação do contexto do município, expõe
Sistema de Ensino. a realidade na qual emergem os maiores
Machado cita que: dilemas e enfrentamentos, especialmente após
É óbvio que as dimensões territoriais e a diversidade do
a grande explosão municipalista, oportunizada
Brasil, por si só, impõem a oferta de serviços educacionais
pela Constituição Federal, quando o município
descentralizados, no sentido da proximidade com o
passa a desempenhar um papel decisivo na
cidadão e com a comunidade. Entretanto, esta se dá
condução de políticas sociais, dentre elas a
em conformidade com o formato federativo da não-
organização da educação.
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Com a proposta de reorganização jurídica, a Peixoto afirma que “a descentralização do
CF/88 propõe o chamado pacto federativo que ensino, processo que tem a municipalização
estabelece as competências dos entes federados, como uma de suas formas de realização, não
em especial ampliando as responsabilidades é uma idéia nova no Brasil” (1999, p. 101).
dos Estados e dos Municípios. A ênfase na Ainda segundo a autora, durante as décadas
municipalização marca consideravelmente de 20 e 30, momentos históricos de luta
um período em que os Municípios se revestem pela descentralização, já eram assinalados,
de maior autonomia, particularmente com a como o caso dos Pioneiros da Educação que
descentralização das áreas fiscal e política, apontavam a necessidade de uma ruptura com
abarcando os demais setores: educação, saúde, o centralismo, pois uma escola unitária não
assistência social e outros. Com isso, o Município, implica necessariamente em uniformidade. Na
por meio de sua comunidade, acaba assumindo década de 40, com o fim do Estado Novo e
compromissos mesmo sem as condições nos momentos seguintes, em pleno período da
necessárias para isso. ditadura militar, a descentralização foi discutida
A definição de um sistema de ensino, e a ela atribuía-se algumas especificidades
com base nos anseios democráticos, como desburocratização, maior aproximação
contudo, é concebida em um modelo gestão com os interesses locais. Contudo, somente
educacional que busca aproximação com a partir da Lei 5692/71 que vem reformular
as exigências crescentes referendadas pelo aspectos significativos da LDB 4.024/61, é que
se efetiva uma política voltada à municipalização,
modelo econômico e que se afirmam como
essencialmente com a vinculação à educação
reorganização e re-modernização do Estado.
dos Recursos do Fundo de Participação dos
Ainda que a CF 1988, em seu art. 6º preconize
Municípios e destinação de recursos financeiros,
a educação como um dos direitos sociais e no
materiais e técnicos para a manutenção da
art. 205 como um direito de todos, é possível
educação municipal.
constatarmos as enormes disparidades em
A Constituição Brasileira de 1988, em seu Art.
todos os níveis, sejam econômicos, sociais
211 refere que “a União, os Estados, o Distrito
e culturais que ampliam as diferenças e, em
Federal e os Municípios organizarão em regime
especial, limitam as oportunidades.
de colaboração seus sistemas de ensino”
Apesar do discurso da descentralização
(BRASIL, 1988), explicitando a abrangência
político-administrativa não ser novo no panorama
e responsabilidade de atuação de cada ente
educacional brasileiro, esses interesses vão se
federativo na organização, oferta e atuação.
acirrar no contexto anterior à Constituição Federal
Desse modo, fixa a responsabilidade da União
de 1988, tal como afirma Mello, evidenciando os
na organização do sistema federal de ensino e
interesses da sociedade civil por autonomia aos
também dos territórios, além da incumbência
municípios e às escolas.
pelo financiamento das instituições de ensino
É no âmbito do município que a participação direta da
públicas federais. Porém, destaca-se o § 1º do
população na escola básica pode acontecer de fato,
artigo 211 da Constituição de 1988 que, dentre
desde que essa participação não seja entendida como
outras funções, atribui à União, “em matéria
mero sucedâneo do exercício político da cidadania no
educacional, função redistributiva e supletiva, de
seu sentido mais pleno e mais nobre, mas, ao contrário,
esteja articulada organicamente a este. Pode ser a base forma a garantir equalização de oportunidades
da construção de uma nova escola, democrática no educacionais e padrão mínimo de qualidade
acesso e na permanência do aluno, aberta às aspirações do ensino mediante assistência técnica e
e valores dos seus usuários. Uma escola que sirva de financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos
fato como elo mediador entre a cultura e a realidade Municípios” (BRASIL, 1988).
regionais do município e a realidade e a cultura A delimitação destas atribuições, diretamente
nacionais, numa perspectiva realmente crítica tanto de relacionadas à União, objetiva a equalização das
uma quanto de outra (MELLO, 1986, p. 24). oportunidades educacionais. Esta perspectiva
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pressupõe que as disparidades regionais, a Breves idéias à guisa de conclusão
limitação financeira e técnica dos sistemas A explicitação dos condicionantes históricos,
estaduais e municipais sejam consideradas, com uma investigação pautada nos aspectos de
quando do planejamento das ações educacionais. organização do sistema educacional brasileiro,
Percebe-se, neste enfoque, a atenção da União na por si só é uma tarefa que exige maior discussão.
execução de programas que estabelecem diretrizes Contudo, essa breve retomada possibilita a
e o custeio das despesas com a manutenção, reflexão sobre as atuais políticas educacionais,
estruturação do ensino, com merenda escolar, sua implementação e origens.
transporte escolar, programas de livros didáticos, Perceber o sistema educacional brasileiro e
dinheiro direto na escola e demais programas as possibilidades de participação, decorrentes
que comprovam a ação eqüitativa e supletiva da da noção de descentralização, com o forte
União, diretamente ligadas aos sistemas estaduais apelo ao envolvimento local na construção
e municipais de ensino. de sistemas educacionais próprios torna-
Ainda que as ações e programas fossem se imprescindível para que se estabeleça
planejados de modo a atender as demandas um diálogo sobre o papel da escola, sua
educacionais brasileiras, Castro pondera que: necessidade e ação transformadora.
Os princípios de colaboração entre os sistemas de
O contexto da conjuntura política e
ensino e da ação supletiva do Poder Público Federal,
econômica internacionais, com a imposição
reafirmados em 1988, não foram suficientes para reverter
de critérios pelo Banco Mundial, Fundo
o quadro de pouca racionalidade nas iniciativas dos três
Monetário Internacional, UNESCO, ONU e
níveis de governos em nível educacional. Mesmo após
1988, prevaleceu a prática de cada nível fazer, geralmente outros organismos traduz-se em definições
mal, um pouco de tudo, com freqüência ignorando as para as pautas de discussões sobre a situação
iniciativas alheias. Apesar da evidência de ser necessário das políticas educacionais brasileiras. Ao
prestar maior apoio a quem dele mais precisa, a ausência mesmo tempo, a legislação propõe, através do
de critérios técnicos e universais nas redistribuições entendimento em torno da descentralização,
tornou-se uma das características marcantes das ações a ampliação da autonomia aos Estados
governamentais (CASTRO, 1998, p. 84). e Municípios, de modo que aspectos
Esta constatação permite a reflexão sobre locais sejam relevantes na consecução de
a atuação da União, que, com vistas a cumprir objetivos para o ensino. Nessa situação,
com sua função supletiva e de redistribuição ficam questionamentos sobre autonomia e
de recursos, teve, desde a promulgação da lei, participação, a partir das normativas dadas
sua atenção voltada mais ao clientelismo e à pela legislação no contexto neoliberal.
associação às negociações político-partidárias Considerando o que foi constatado
como priorização para atender aos Municípios tanto em relação à LDB 4024/61, quanto à
e Estados. Contudo, é necessário ressaltar LDB9394/96, questiona-se qual é a autonomia
que, recentemente, algumas ações de cunho e a possibilidade de participação popular
reparador têm sido discutidas de modo a num contexto já previamente delimitado e
diminuir as disparidades entre os sistemas e comprometido com interesses internacionais,
promover a melhoria no ensino, com repasses pautados pela lógica neoliberal e exploratória,
de recursos, implementação de políticas que num sistema capitalista que prioriza o lucro em
buscam melhorias nos índices educacionais e na detrimento dos direitos sociais e elementares
qualidade do ensino ministrado no país. da natureza humana.
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desenho da democratização proposto nas leis de diretrizes e bases – Leis 4.024/61 e 9.394/96
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Recebido em fevereiro de 2010
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