ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E INGLESA: PROFESSORES EM FORMAÇÃO
Formação do leitor crítico
1. Universidade de Havana
Direção Docente Metodológica
Dissertação de Mestrado em Psicopedagogia
Autora: Profa. Ilza Corrêa Ribeiro
Orientadores: Prof. Arnaldo Rivero Verdecia
Prof. Dr. Roberto Corral Ruso
2000
I
2.
3. Universidades Associadas da América Latina
Universidade de Havana
O PAPEL DO PROFESSOR DE PORTUGUÊS
NA FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO
Dissertação apresentada como
exigência para obtenção do título
de Mestre em Psicopedagogia pela
Universidade de Havana-Cuba.
Orientadores: Prof. Arnaldo Rivero Verdecia
Prof. Dr. Roberto Corral Ruso
UBÁ – MG
NOVEMBRO - 2000
4. À memória de meu pai,
meu mestre na descoberta
da leitura.
5. AGRADECIMENTOS
Aos professores orientadores: Prof. Arnaldo Rivero Verdecia e Dr. Roberto Corral
Ruso, pelo apoio e estímulo.
Aos mestres que atuaram no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicopedagogia, pelo exemplo e dedicação.
Aos meus colegas, pela partilha de experiência e amor.
Às professoras e aos alunos colaboradores, a todos da E.E. Raul Soares de 1 o e 2o
Grau, pela acolhida tão carinhosa.
6. Um Leitor
Que outros se jactem das páginas que
escreveram; a mim me orgulham as que tenho
lido.
Não fui um filólogo,
não inquiri as declinações, os modos, a penosa
mutação das letras,
o de que se endurece em te,
a equivalência do qe e do ka,
mas ao largo de meus anos professei
a paixão da linguagem. (...)
(Borges, J. Luís)1
1
BORGES, Jorge Luís. Elogio da sombra. Trad. de Carlos Nejar e Alfredo Jacques. Porto Alegre:
Globo, 1971. p. 61-2.
8. VIII
ANEXOS..........................................................................................................................................................85
ANEXOS..........................................................................................................................................................85
1. ENTREVISTA DAS PROFESSORAS.......................................................................................................................85
2. QUESTIONÁRIO DAS PROFESSORAS..................................................................................................................86
3. ENTREVISTA DOS ALUNOS..............................................................................................................................88
4. QUESTIONÁRIOS DOS ALUNOS........................................................................................................................90
5. DIÁRIO DE CAMPO I (OBSERVAÇÃO DE AULA)..................................................................................................91
6. ESQUEMA DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS...............................................................................93
7. QUADRO I: PERFIL DE LEITORAS DAS PROFESSORAS..........................................................................................94
8. QUADRO II: CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS DAS PROFESSORAS...........................................................................95
9. QUADRO III: PERFIL DOS ALUNOS COMO LEITORES .........................................................................................96
9. RESUMO
O título que batiza este trabalho mostra a que ele se propõe: esclarecer como se efetua
a influência do professor de português, como leitor, na formação de alunos leitores ativos e
críticos. Representa, por conseguinte, uma tentativa de reunir, ordenar e explicar as
características dessa influência, a partir do problema delineado: Qual a influência do
professor de português na formação do leitor crítico? Explora-se, portanto, um referencial
teórico que alça a leitura a eixo do processo de ensino da língua portuguesa, tratando-a do
ponto de vista da interação autor/leitor/texto e não a considera apenas como instrumento de
ensino de teorias da língua e da linguagem ou ainda como meio de avaliação da fluência no
processo de leitura oral. Nessa perspectiva de interatividade, busca-se determinar o perfil de
leitor dos professores e alunos colaboradores, a formação dos professores quanto a uma
pedagogia da leitura norteadora das ações pedagógicas que objetivem formar adequadamente
alunos leitores. Comparando-se os perfis obtidos e as referências teóricas com a prática
pedagógica em observação de aulas dos professores-alvo, procura-se caracterizar essa
influência na série inicial e final (5ª e 8ª) do 3º e do 4º ciclo do ensino fundamental. Além
disso, busca-se expor um conjunto de fatores de ordem sociocultural, pertinentes ao
ambiente , que tenham relevância nessa caracterização. Utilizou-se uma metodologia de
pesquisa quantitativa para encontrar os dados, computá-los e expressá-los, a fim de submetê-
los a uma análise qualitativa de conteúdo, orientada por elementos da Análise do Discurso,
embora sem abranger sua totalidade, conforme algumas noções oriundas de Baccega (1198)
e Mainguenau (1997). Em análise preliminar pôde-se notar que os colaboradores
demonstraram: muita ansiedade pelo tema “leitura”; sendo que as professoras a expressaram
com sentimento de perplexidade quanto ao aspecto metodológico da leitura e de
descontentamento por se reconhecerem como leitoras dominadas pelo limite do tempo
excessivo de trabalho; enquanto os alunos revelaram o mesmo sentimento por perceberem
que formar leitores não é prioridade do corpo docente e da instituição escolar. Assim, deseja-
se contribuir para tornar mais claro o problema da formação do leitor, tomando-se uma
instituição de ensino como referência para apontar alguns caminhos que possam favorecer
10. novas posturas do professor e da escola nessa tarefa: formar leitores determinantes, portanto,
capazes de interagir com o autor e cada vez mais independentes.
11. Resumen
El título del presente trabajo demuestra a lo que él se propone: aclarar como se efectúa la
influencia del profesor de portugués, como lector, en la formación de alumnos lectores activos y
críticos. Representa, por consiguiente, un intento de reunir, ordenar y explicar las características de esta
influencia, a partir del problema delineado: ¿Cuál es la influencia del profesor de portugués en la
formación del lector crítico? Se explota por lo tanto, un referencial teórico que trata la lectura al eje del
proceso de enseñanza de la lengua portuguesa, tratándola desde el punto de vista de la interación
autor/lector/texto y no solo a cosiderarla como instrumento de la enseñanza de teorías de la lengua y del
lenguaje o aun como medio de evaluación de la fluidez en el proceso de lectura oral. En esa perspectiva
de interactividad, se busca determinar el perfil del lector de los profesores y alumnos colaboradores, a la
formación de los profesores cuanto a una pedagogía de la lectura que oriente las acciones pedagógicas
que objetiven formar adecuadamente alumnos lectores. Comparándose los perfiles obtenidos y las
referencias teóricas con la práctica pedagógica en observación de clases de los profesores-
colaboradores, se busca caracterizar esa influencia en la serie inicial y final (5 ª y 8ª) del tercer y del
cuarto ciclo de la enseñanza obligatoria. Además, se busca exponer un conjunto de factores de orden
sociocultural, pertinientes al ambiente, que tengan relevancia en esa caracterización. Se utilizó una
metodología de investigación cuantitativa para encontrar los datos, computarlos y expresarlos, para un
análisis e interpretación de carácter descriptivo-cualitativo de los resultados obtenidos, con una
estrategia metodológica orientada por algunos elementos del Análisis de Discurso, aunque no en toda
su abrangencia, en la perspectiva de Baccega (1998) y Maingueneau (1997), para realizar el análisis
cualitativo de los contenidos producidos. En el análisis preliminar se pudo notar que los colaboradores
demuestraron: mucha ansiedad por el tema “lectura”; siendo que las profesoras la expresaron con
sentimiento de perplexidad cuanto al aspecto metodológico de la lectura y del descontentamiento por se
reconoceren como lectoras dominadas por el límite del tiempo excesivo de trabajo; mientras se observó
en los alumnos el mismo sentimiento cuando se dieron cuenta que formar lectores no es prioridad del
corpo docente y de la institución. Así, se desea contribuir para tornar más claro el problema de la
formación del lector, haciéndose una institución de enseñanza como referencia para apuntar algunos
caminos que puedan favorecer nuevas posturas del profesor y de la escuela en esa tarea: formar lectores
12. determinantes, por lo tanto, capaces de interactuar con el autor y haciéndose cada vez más
independientes.
13. Sumary
The tittle wich gives name to this work reveals, by itself, its nature and its main proposition: to
explain and state the influence the Portuguese teacher exercises (himself as a reader ) on the upbringing of
students, as active and critical readers themselves. Therefore, this article represents an attempt to assemble,
to organize and to explain the characteristics of such influence, considering and answering the following
inquiry: How can one measure the Portuguese teacher’s influence on the formation of the student as a
critical reader? This, a theoretical referential is explored, considering the act of reading as the center line,
the principal axis in the educational process, taking into account the interaction: author/reader/text and not
merely as a teaching instrument for the theories of language and speech or still less, as a means of
evaluating fluency in the process of oral reading. Through such perspective of interactivity we want
determine the reader’s profile taking into account the figures of the teacher and the collaborator student,
the formation of the teachers, according to a pedagogy of reading strategies which has, as their objective,
to form readers-students (students who read ). Comparing the obtained profiles and the theoretical
references to pedagogical practice through class observation with target teachers, we try to identify such
influence inthe first and last grades (5ª to 8ª ) on the 3 º and 4º level of the Basic Course. Furthermore, we
try to state a set of elements of socio-cultural order, pertaining to the surrounding ambiance, which may be
of relevance in such a characterization. The measurement was performed with the use of a quantitative
research methodology, to establish data, to estimate and to express them in order to perform the analysis
and the descriptive-qualitative interpretation of the obtained results, through a methodological strategy,
oriented by some elements of th Analysis of the Discourse, based on the perspective of Baccega (1998)
and Mainguineau (1997). Through a preliminary study of facts, one can notice that the collaborators
demonstrated: great anxiety toward the issue “reading”. The teachers expressed their anxiety showing
perplexity and regards to the methodological aspect at the reading and they also showed dissatisfaction for
recognizing themselves as readers dominated by the limitations imposed by an excessive amount of
working hours; whereas the students revealed the same feeling of perplexity when they perceived that the
task of forming readers is not a priority of the school or of the teacher’s staff. One can aspire to contribute
to clarify the problem involving the creation of the reader, taking a school as a reference, pointing toward
the right way, which may lead teachers and school to find new dispositions in order to perform such task
14. successfully: to create decisive readers, able and ready to interact with the authors, becoming more and
more conscious and independent, in due course.
15. 1. INTRODUÇÃO
1.1. O papel do professor de língua portuguesa na formação do leitor crítico
Com este tema, pretende-se levar a termo uma investigação na área de linguagem, a
partir do problema apresentado a seguir, tendo os objetivos como guia na busca de dados e
respostas.
Problema
Qual a influência do professor de português como leitor na formação do aluno leitor
ativo e critico?
Objetivo geral
Caracterizar a influência do professor de português como leitor na formação do aluno
leitor ativo e crítico.
Objetivos específicos
• Detectar as opiniões dos alunos de 5ª e 8ª série, bem como dos
professores de português de 5ª a 8ª sobre valores e funções da leitura.
• Avaliar possível relação entre as concepções dos professores e dos
alunos, quanto às suas condições como leitores.
• Comparar resultados obtidos com alunos de 5ª e com alunos de 8ª
serie, para distinguir semelhanças e diferenças caracterizadoras do início e do
final do processo, nesta etapa de ensino e dos leitores em formação.
16. 1.2. Justificativa
A educação brasileira está marcada por graves problemas de diversas naturezas. Mas
os de natureza psicopedagógica se avolumam e parecem se perder meio aos demais de
natureza política, econômica e cultural.
A seleção de um problema psicopedagógico, entre tantos outros que se poderiam
abordar, certamente é tarefa geradora de conflito e cercada de conotações subjetivas, num
trabalho cuja natureza deve ser primar pela objetividade.
A experiência de 27 anos como professora de língua portuguesa no ensino
fundamental influenciou a opção por ter sido este o aspecto que mais preocupação e
dúvidas provocou durante o período de regência no magistério: a leitura e a formação de
leitores.
Mesmo intuitivamente, sabíamos, nós, os companheiros professores da disciplina,
que nossa atuação era importante na formação dos nossos alunos como leitores, embora
carecêssemos de bons referenciais teóricos que norteassem nossas práticas.
A certeza de ter feito uma opção satisfatória concretizou-se, à medida que as razões
para tal surgiram em leituras de obras recentes e referências do cotidiano na cidade de Ubá,
no estado de Minas Gerais, bem como no Brasil e no mundo.
Ubá, pequena cidade de mais ou menos 80 mil habitantes, localizada na Zona da
Mata mineira, é possuidora de considerável nível de industrialização, em especial como
pólo moveleiro, e sempre se orgulhou de suas boas escolas públicas (hoje em torno de 40)
e das privadas (atualmente 8), atraindo estudantes e professores de cidades vizinhas, em
busca de melhores opções educacionais.
Contudo, isso não impediu que empresários mais preocupados com o aprimoramento
de seus funcionários criassem, na década de 90, para qualificar esses funcionários, cursos
cuja tônica foi e tem sido a competência como leitor, portanto, o problema da leitura.
Além dos baixos níveis de escolaridade, a realidade mostrou que mesmo os que a
possuem até o 2º Grau completo não desempenham várias funções se estas exigirem
desenvoltura ao ler e escrever.
17. O SENAI (Serviço Nacional da Indústria) vem coordenando os programas nas
fábricas e em seus centros, objetivando dar independência ao trabalhador para não
necessitar de um intérprete mais qualificado para “traduzir”-lhe o português, sua própria
língua.
É de se estranhar que esse fato seja tão freqüente em uma cidade com escolas
qualificadas como boas.
Uma das razões mais freqüentemente apontadas para essa contradição é a extrema
variedade de reformas que vêm se implantando no sistema educacional brasileiro, nos
últimos anos, de modo autoritário e impreciso em suas metas.
Só em Minas Gerais foram cinco nas duas últimas décadas, sendo a última uma
reformulação curricular de âmbito nacional denominada Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), gerada sob os auspícios do Banco Mundial, segundo seus críticos,
oriundos das maiores e melhores universidades brasileiras.
Kramer (1999,p.170) aponta um dos princípios dessas propostas:
“Na modernidade, o conceito de melhor é análogo ao de novo. Em educação,
costumamos chamar de tradicional tudo o que nos desagrada. Corre-se atrás
do melhor como se corre atrás do novo: o novo assunto, o novo método, a
nova proposta, o novo currículo. Mas de que é feito esse novo que tanto
seduz? Da negação do já existente, que se passa a chamar de velho”.
Os professores são alijados do processo e refugiam-se cada vez mais nas práticas
repetitivas, criando uma espécie de barreira às novidades, mesmo que necessárias e de
qualidade evidente.
Nesse âmbito estaria a “novidade” da leitura como suporte para o aprendizado da
língua e das demais disciplinas que acaba se realizando nos moldes mais inadequados,
inibindo os novos leitores em formação.
Ainda em Kramer (1999,p.176) essa idéia se reforça:
“Considero que não se implanta, de fora para dentro, uma proposta
pedagógica, pois ela é sempre construída, e por isso acredito que, no
caminhar de uma proposta, ou seja, no seu longo e lento processo de
construção, não há um simples ponto de chegada, mas, sim, um constante
chegar ao conhecimento, ao saber. E esse conhecimento_ nosso, das crianças,
dos profissionais que com elas trabalham, dos profissionais que elaboram
uma proposta (embora não sejam seus únicos autores) _ pode e precisa ser
18. lapidado com paixão, com afeto, com beleza, pois é dele que fazemos o suave
instrumento de nossa luta a cada dia. (...)”
Nesse emaranhado de decisões desautoriza-se o professor, sua profissionalização
inexiste, sua auto-estima se esvai e, mais uma vez, decresce sua produção.
Ilustrando a situação, veja-se o desempenho dos alunos no ENEM2 em Redação, nos
anos de 95, 96 e 97: 24,60% obtiveram desempenho entre Bom e Excelente (70 a 100% de
acertos), 37,56% ficaram entre Regular e Bom (41 a 70% de acertos), 37,84% situaram-se
no conceito Insuficiente a Regular (até 40% de acertos).
Em 1999, apenas 8,4% dos mestres de 5ª a 8ª série escolheram os livros 3(três)
estrelas, recomendados pelo MEC após serem classificados por comissões de especialistas
de cada área de conteúdos, como sendo os melhores, numa escala de uma estrela
(inadequado), duas (regular) e três (de boa qualidade).Os inadequados foram preferidos por
46,74% do total de docentes.
Esses dados, em análises posteriores, têm sido atribuídos no primeiro caso, ao
despreparo dos professores no que tange às referências teóricas e suas respectivas práticas,
além de ter-se levantado a hipótese de sequer terem sido lidos os livros , atribuindo-se aos
professores a qualificação de maus leitores ou de não leitores.
Em referência ao problema da leitura e do professor como leitor na esfera
internacional, há indicadores que revelam ser essa uma preocupação também em países
com sistemas educacionais considerados superiores aos nossos.
Foucambert3 (1998) reúne subsídios para retirar a leitura do âmbito fechado dos
monólogos de lingüistas e psicólogos e para abrir novo diálogo que a relacione à criança, à
escola, ao uso social da escrita, num enfoque pedagógico em que (...) “o professor é
necessariamente um pesquisador, um artesão de mãos sujas que, solidário com todos os
outros “trabalhadores desprezíveis”, agita, inova, anima, avalia, cria e compreende um
pouco mais sua tarefa, transformando-a...” (p.8)
2
Exame Nacional do Ensino Médio, sistema de avaliação do ensino de 2º Grau na rede pública de
ensino.
3
FOUCAMBERT, Jean: Chercheur à INRP e membro da Associação Francesa para a leitura (AFL).
19. Considera o autor que há uma crise de emprego que está ligada à escola e à leitura
porque a escrita é apresentada como privilegiado veículo de comunicação, sendo a leitura
vista como instrumento de aprendizado e meio de autodidatismo dependente de constante
formação para dar flexibilidade e poder de adaptação ao mercado de trabalho.
Destaca Foucambert (1998) que: “(...) surgiu (...) um analfabetismo funcional (...)
que atinge uma parcela crescente (10 a 15%) da população total, a qual, por falta de
utilização real da escrita depois do período escolar, acaba perdendo em poucos anos a
capacidade de fazer até mesmo uma simples correspondência entre o oral e o escrito.”
(p.12)
No capítulo que dedica ao campo da leitura, Foucambert (1998) apresenta o
professor como aquele que deveria viver a situação de leitura sem ignorar que sua
intervenção (...) “se torna mais eficaz em função de sua coerência e da sua
complementaridade com as motivações e com o universo de leituras de seus alunos.”(p.35)
Ainda no plano mundial, agora na América Latina, Manguel4 em recente entrevista à
revista Veja, refletiu sobre a leitura, o poder de ler e o espaço da leitura no mundo
informatizado. Para ele, num mundo onde predominam as imagens que captam a atenção
sem nos dar chance de pensar, a palavra escrita constitui importantíssima ferramenta para
compreender o mundo, por permitir a reflexão.
Quanto à leitura que se impõe à criança, tão freqüente na escola, o ensaísta considera
o prejuízo:
“O que devemos fazer , como adultos responsáveis, é colocar a leitura à
disposição da garotada. Uma das razões pelas quais , às vezes, não
apreciamos determinados livros é por termos sido forçados a lê-lo na escola
ou por nossos pais (...). Parte da maravilha e da riqueza da leitura vem da
liberdade que ela sugere (...)”. (p.15)
O autor também comenta a razão de o analfabetismo crônico estar presente em tantas
nações: (...) “Ter acesso à palavra escrita significa possibilidade de dominar um
instrumento de poder chamado linguagem formal. (...) Manter grande parte da população
no analfabetismo é uma das maneiras utilizadas pelos governantes que querem perpetuar-
se no poder.”(...). (p.15)
4
MANGUEL,Alberto: ensaísta, cidadão do Canadá, mas de origem argentina, autor de Uma História
da Leitura, foi, quando adolescente, leitor de textos para Jorge Luís Borges por dois anos. Hoje é
reconhecido mundialmente como especialista no tema.
20. Voltando a Minas e, consequentemente, a Ubá, focalizemos novamente o problema
da educação e o papel do professor e, para tal, tomemos algumas idéias de Rodrigues5
propostas em Uberaba-MG, onde proferiu palestra e debateu com professores e técnicos da
Secretaria Municipal de Educação em 19/03/93.
Enfatiza o filósofo aspectos da educação brasileira pós-ditadura, com destaque para a
violência deslocada das prisões para as ruas e para a polícia que extermina pobres,
sobretudo crianças, algo a ser contido pelo processo educativo, socializador e formativo.
Nessa instância, questiona o poder de participação de um povo com prejuízo de taxas
altas de analfabetismo e convoca a todos, sobretudo os educadores, para a reconstrução da
cidadania.
Nesse âmbito, privilegia a possibilidade atual de acesso à informação e a necessidade
de estímulo à produção cultural atrelados ao perfil do professor necessário:
“(...) O professor tem que ser um indivíduo muito bem preparado , que lê
muito, que conhece, que entende de política, de futebol, de arte, de economia,
de administração, que entende de tudo que for possível. (...)”(p.15)
É esse o professor que teria melhores referências para formar leitores por ser um
leitor ativo, um profissional atuante, com um perfil ideal, mas que pode não ser o real.
O problema que norteia esta investigação parte do pressuposto de que é a realidade
diferente e merecedora de atenção, considerando referências que, no município de Ubá, no
país e no mundo, indicam haver dificuldades na relação que se estabelece entre aluno e
professor no tocante ao trabalho com leitura e à formação do leitor.
Atestam mais fortemente essas dificuldades a constante busca de apoio e orientação
por parte do corpo docente de várias escolas da cidade e vizinhança, com o objetivo de
encontrar rumos para uma prática pedagógica que permita maior sucesso nessa área : a
leitura.
Por ser Ubá sede de uma Faculdade de Filosofia Ciências e Letras que forma
professores para atuarem nos 1º e 2º Graus de ensino, seu próprio corpo docente tem sido
5
RODRIGUES, Neidson: filósofo e educador mineiro, autor de “Por uma Nova Escola”, entre outras
obras, foi superintendente da Educação em Minas Gerais (1983/1987), criador do CEFAM (Centro de
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), iniciativa reconhecida no estado, mas extinta no governo
posterior. É doutor em Educação pela PUC-SP.
21. requisitado para essa tarefa, algo que a partir deste momento vem se tornando possível
concretizar .
O universo que será alvo de investigação na busca da caracterização do professor
como formador de leitores insere-se nesse contexto. Constitui-se na maior escola da 38ª
Superintendência Regional de Ensino de Minas Gerais, contando com 2225 alunos, sendo
1116 de ensino fundamental , dos quais serão escolhidos 2(dois) de cada 5ª serie e 2 (dois)
de cada 8ª serie, totalizando 28 (vinte e oito) como investigados, além de 7 (sete)
professores de língua portuguesa, que responderão a questionários e entrevistas
individuais. Seis dessas professoras terão suas aulas acompanhadas, sendo que uma não
participará desta etapa por não ter turma de 5ª nem de 8ª serie, os níveis onde o tema será
objeto de reflexão e discussão .
A Escola Estadual Raul Soares de 1º e 2º Grau, onde se realizará a pesquisa , possui
clientela majoritariamente oriunda da classe média baixa e de camadas bem pobres da
população ubaense, além de contar com bom conceito no município, sendo considerada a
melhor escola pública da cidade e uma das melhores da região.
Trata-se de uma primeira experiência desta natureza em que a escola estará sendo
instrumento de investigação através de parte do seu corpo discente e docente.
Eis aí, pois, mais uma tentativa de caracterizar o professor, em especial o de língua
portuguesa, como leitor e como formador de novos leitores, esse que é, no dizer de
Foucambert (1998, p. 35) “o inventor do futuro” como é todo “co-educador preocupado
com a leitura.”
22. 2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Breve resenha da história da leitura
Apresentar a leitura como problema poderia parecer irrelevante, caso a víssemos
apenas como código escrito a ser decifrado, habilidade que , após dominada, parece tão
natural como andar, falar e tantas outras ações do homem no cotidiano.
Entretanto, em situações em que a leitura é pressuposto para outras atividades, como
no processo de aprendizagem de todos os conteúdos curriculares ou na área profissional,
evidencia-se uma realidade: a leitura é uma questão central na formação intelectual e o
valor de ser leitor adequadamente formado extrapola nossas expectativas sobre a
importância dessa formação que hoje chega a ser um diferencial na qualidade de vida do
homem, além de ser indicador dessa qualidade para organizações internacionais, ao
medirem as chances de desenvolvimento econômico, social e humano das nações.
Não é qualquer tipo de leitor e de leitura que pode ser instrumento de valorização do
homem, sobretudo numa época em que o moderno interfere tanto na caracterização dos
fatores que possam defini-lo adequadamente. Sendo assim, a definição do leitor e da leitura
que interessam, obriga-nos a fazer uma retrospectiva que nos leve ao momento em que ser
leitor se tornou centro das atenções, em que a leitura ocupou os pesquisadores e
especialistas de diversas áreas como a Lingüística, a Pedagogia, a Teoria Literária, a
Psicologia, a Teoria da Comunicação e do Discurso, a Sociologia, a Filosofia, entre tantas
outras, na teorização em torno desse tema.
Na construção do leitor, algumas fases merecem consideração. A mais importante
delas talvez venha a ser a presente constatação de que o leitor é um desconhecido,
assumindo várias máscaras, privilegiando-se de diversas identidades, o que provocou a
forma poliédrica do texto, pois é nele, no indivíduo que lê, que está o ponto de fuga do
texto, tornando escorregadia a sua caracterização.
23. A esse respeito, Lajolo e Zilberman (1998 ) registram que :
“A Teoria da Literatura ainda não chegou, e provavelmente nunca chegará, a
um consenso relativamente a essa solerte figura, mas isso é uma vantagem: o
leitor pode ser examinado como público, na perspectiva sociológica , como
destinatário, conforme quer a Teoria da Comunicação, ou tal como o desenha
o escritor, criatura igualmente fictícia com quem o narrador dialoga e a quem
procura influenciar. Em qualquer uma dessas figurações, porém, o leitor é
personagem da modernidade, produto da sociedade burguesa e capitalista,
livre dos laços de dependência da aristocracia feudal e do estreitamento
corporativista das ligas medievais.” ( p. 9 )
Fraisse, Pompougnac e Poulain ( 1997 , p. 60-94 ) recorrem à proposta de Fritz Nies 6
para, à luz de seu método de estudo iconográfico da recepção, que supõe uma tipologia em
três níveis, a saber, dos receptores, dos modos de recepção e das situações, interpretar a
evolução do leitor e de seu valor do final do século passado até meados do século XX.
Dessas idéias faz-se aqui um breve resumo, para localizarmos o leitor no tempo e no
espaço.
A pintura retrata a ausência do livro e do jornal, a não ser como natureza morta, no
séc. XIX. Só no final do século, Renoir e, raramente, outros como Van Gogh e Cézanne
pintam leitores. Apenas no séc. XX pintam-se leituras e leitores com mais freqüência,
alternando-se cenas de representação de leitura efetiva com outras de presença de livros.
Até que não se retratava mais a leitura, pois “(...) a burguesia triunfante do século das
Luzes fecha seus próprios livros: ela já está imbuída do livro.”(p.62) Somente mulheres,
crianças e camponeses são retratados, pois ainda estão aprendendo a ler.
Os autores afirmam que: “É essa a imagem que atravessa os séculos. O livro sempre
tem sido sinal de poder social ou de saber intelectual.”( p. 62)
A técnica da fotografia continua retratando, mas o livro perde espaço e é símbolo
apenas para as profissões intelectuais no séc. XX. “O livro fechado é o poder do
pensamento ou da idéia, é o livro lido e meditado que habita o personagem e que está na
origem de uma relação com o mundo.” (p.63)
As mulheres são retratadas como leitoras, em atitudes absortas, sem identificação do
que lêem, em espaços interiores, com raras exceções para um jardim, jamais lêem o jornal,
6
NIES, Fritz. La femme-femme et la lecture: un tour d’horizon iconographique. Romantisme e À la
recherche de la majorité silencieuse. Iconographie et réception littéraire. Oeuvres et critiquesII, 2 (1978)
p.65-74.
24. leitura masculina por excelência, ou retratam-se comunidades de mulheres, alguns casais e
as mulheres mães que lêem a mesma leitura dos filhos e, às vezes, como leitoras
autônomas.
As crianças leitoras, tema marcante em Renoir, são mostradas em leituras
compartilhadas, raramente solitárias, freqüentemente como sendo atividade onde reina
harmonia e sossego, momentos em que os infantes estão sempre felizes.
Os adolescentes quase sempre são retratados como se estivessem inseridos na
história, como se o corpo participasse do ato de leitura em abandono de poses, com livros
quase sempre disputando lugar com o homem, no caso de leitoras, como se este desejasse
desviar a atenção delas para si mesmo.
Os espaços sociais não são próprios para a leitura, ela é mais uma atividade do
mundo privado que mais possibilita a meditação do que a mudança ou a ação, quando se
trata do universo feminino.
O espaço de leitura só extrapola a casa , quando se realiza por homens e os liga à
posição social e,
mesmo2
4242424242424242424242424242424242424242424242424242424242424242424242424
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4iosa, individual ou coletiva, a leitura integra-se ao cotidiano burguês, embora tenha sido
25. transportada dos contos populares que circulavam entre homens do campo. Com a
literatura de cordel, o folhetim, a difusão do jornal e a estruturação e fortalecimento do
romance é que a leitura invade centros urbanos em sociedades onde se nota, ao menos
parcialmente, uma economia capitalista.
Essa economia fortaleceu-se com empresas , na vitalidade do mercado consumidor e
na valorização do trabalho, da família e da educação.
Nessas condições, os leitores transformaram-se em público consumidor, sujeitos
dotados de desejos, vontades e reações e aos quais se deve seduzir. O escritor procura
conquistá-los de um ou outro modo, por isso varia o tipo de comunicação e o modo de
circulação da obra, da socialização do texto.
No âmago desse leitor ou não leitor está sempre presente uma concepção de leitura
que se define conforme as condições sociais de acesso à leitura e de produção da leitura.
No primeiro plano, o valor que se atribui à leitura como um bem inquestionável em
uma cultura grafocêntrica, como sendo portadora de óbvios benefício, seja como forma de
lazer ou de prazer, de aquisição de conhecimentos e enriquecimento cultural, de ampliação
das condições de convívio social, e choca-se com outra concepção que vê a leitura com
desconfiança, em alguns casos, até mesmo como instrumento de opressão, por ser esse
valor relativizado numa sociedade de classes, onde grupos que controlam a produção do
que se lê emprestam a essa produção sua visão unilateral do mundo.
Segundo Soares (1995) :
“Pesquisas já demonstraram que, enquanto as classes dominantes vêem a
leitura como fruição, lazer, ampliação de horizontes, de conhecimento, de
experiências: as classes dominadas a vêem pragmaticamente como
instrumento necessário à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à
luta contra suas condições de vida.” (p.21)
O conteúdo ideológico acompanha a valorização do acesso ao mundo da escrita
desde o período da alfabetização, quando a passagem a um mundo discursivo novo pode
destruir o mundo discursivo anterior e tornar hegemônico o discurso dominante,
mitificando-se o livro, a leitura, impondo barreiras de sonegação cultural, desde o acesso à
leitura até aos mecanismos seletivos de distribuição do material que se destina às camadas
populares.
26. A mesma autora reflete:
“Não será certamente por acaso que a progressiva conquista da escola pelo
povo (...) vinha sendo acompanhada por esses mecanismos de sonegação e de
distribuição seletiva, de modo que o acesso ao mundo da escrita vem
significando, apenas, para as camadas populares, ou a aquisição de uma
habilidade quase mecânica de decodificação/codificação (ao povo permite-se
que aprenda a ler, não se lhe permite que se torne leitor, ou o acesso a
universos fechados arbitrariamente impostos.” (p.25)
No segundo plano, as condições sociais de produção da leitura revelam que a posse e
uso da escrita são privilégios reservados às classes dominantes, que aí imprimem sua
norma lingüística prestigiada socialmente e impõem sua ideologia no material a ser lido..
Delineiam-se dois leitores. De um lado, o leitor que adere à ideologia hegemônica e,
de outro, o leitor que produz sua leitura a partir de suas crenças, rejeita a discriminação,
insere-se no processo de interação. É o leitor determinado (grifo da autora), acrítico,
resignado de seu lugar social; e o leitor determinante (grifo da autora) que se reconhece
discriminado, critica e se rebela ao produzir sua leitura.
2.2. O perfil do leitor
Todo leitor insere-se num processo de alienação em relação ao que lê, quando não
assimila nem compreende; ou insere-se num processo ativo de construção da compreensão,
apropriando-se do sentido do texto.
Para delinear o perfil do leitor e , nesse âmbito, o do professor como leitor, cabe
definir seu posicionamento ideológico, onde se revelará como reprodutor ou como crítico
que se põe em contradição, enquanto leitor com possibilidade de questionar as condições
sociais de acesso e produção da leitura.
É na família e na sociedade que se delineiam as bases ideológicas da formação do
leitor, mas é na escola que elas se evidenciam, é aí que se consolidam as concepções de
linguagem, de leitura e a formação do leitor e do professor como leitor formador de outros
leitores, num processo dinâmico, dialético ou na inércia e apatia que impossibilita qualquer
processo criador, cedendo espaço à repetição e ao mecanicismo na aprendizagem e
formação de sujeitos que lêem.
27. Giroux (1997 ) considera essencial que o professor se enquadre na categoria de
intelectual transformador e, para tanto, é necessário “tornar o pedagógico mais político e o
político mais pedagógico.” (p.163) As ações e reflexões críticas são parte de um projeto
que revela a opção pela vida, pelo aperfeiçoamento de todas as pessoas. O político deve
estar nas formas de pedagogia que incorporem interesses políticos em prol da
emancipação. É o autor quem afirma:
“Os intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso que una
a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que os
educadores sociais reconheçam que podem promover mudanças,”(p.161-2)
Além disso, é necessário rever as concepções e valores da leitura e do ato de ler que
hoje predominam, para relacioná-los às concepções predominantes entre professores de
português , que se pretendem considerar formadores de verdadeiros leitores, e seus alunos
que se formam como leitores, para comparar , refletir e discutir os resultados da
comparação.
Iniciemos com o ponto de vista de Smith ( 1991) :
“ (...) a leitura e o aprendizado da leitura são atividades essencialmente
significativas; que estas atividades não são passivas ou mecânicas, mas
dirigidas ao objetivo e racionais, dependendo do conhecimento anterior e
expectativas do leitor (ou aprendiz). A leitura é uma questão de dar sentido a
partir da linguagem escrita, em vez de se decodificar a palavra impressa em
sons.” (p.16)
A leitura é objetiva, antecipatória, seletiva, e baseada na compreensão e sua natureza
objetiva é central. Smith completa atribuindo à leitura um valor que a equipara ao
pensamento: (...) “A leitura pode ser definida como um pensamento que é estimulado e
dirigido pela linguagem escrita.” (...) ( p.36)
Também o mesmo autor condiciona o significado da leitura ao que está sendo lido e
à finalidade do que se lê, listando algumas definições ilustrativas :
“Ler um romance é participar da vida. (...) Os textos de estudos sociais
podem deixar de apresentar a conexão emocional direta e estética de um
romance ou poema, mas envolvem um pensamento analítico mais
detalhado(...) A fórmula matemática é um instrumento a ser erguido (com a
compreensão) de sua posição no texto e utilizado em algum outro lugar,
enquanto a lista telefônica é como uma coleção de chaves, cada qual abrindo
a fechadura em uma determinada conexão.” ( p. 199-0 )
Soares (1999) define:
28. “Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde
simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas
de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma
história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de
jornal... Assim, ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que
compõem um longo e complexo continuum : em que ponto desse continuum
uma pessoa deve estar para ser considerada alfabetizada, no que se refere à
leitura? A partir de que ponto desse continuum, uma pessoa pode ser
considerada letrada, no que se refere à leitura?” (p.48 )
Nota-se que a concepção de leitura se relaciona à de letramento, que a autora define
como sendo o “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e
exerce as práticas sociais que usam a escrita.” (p.47)
Tanto Smith (1991 ) como Soares (1999 ) definem o ato de ler comparando-o a
diferentes modos de leitura, fins de leitura e tipos ou níveis de leitor.
O valor da leitura é ressaltado por Smith (1991 ): “A leitura é o clube dos clubes, a
única possibilidade de muitas experiências de aprendizado.” (p.212) E o autor ainda
afirma:
(...) “Uma das grandes tragédias da educação contemporânea não é tanto que
muitos estudantes abandonem a escola incapazes de ler e de escrever, mas
outros se formam com antipatia pela leitura e escrita, apesar das habilidades
que possuem. Nada acerca da leitura e sua instrução é inconseqüente.” (...) (p.
213 )
Ainda (Smith,1999) fornece uma concepção de leitura que procura abarcar as
demais, resumindo : (...) “a leitura é fazer perguntas ao texto escrito. E a leitura com
compreensão se torna uma questão de obter respostas para as perguntas feitas.” (p.107)
Mais uma vez ressalta-se o modo seletivo e pessoal de ler qualquer tipo de texto para
extrair aquilo de que se necessita e atender a um objetivo, a um determinado fim. Não se lê
a não ser que se tenha um objetivo ou uma necessidade , e ambos são da esfera do
indivíduo, são, portanto , subjetivos, embora possam estar sendo provocados por fatores
sociais.
Ferreiro e Palacio (1990) introduzem a obra Os Processos de Leitura e Escrita com
capítulo de Kenneth S. Goodman, que em 1997 apontou em Huey 7 o reconhecimento ,
ainda no início do século XX, da complexidade da leitura em termos psicológicos,
7
HUEY, E.B. , pioneiro da psicologia no início do século XX.
29. considerando-a como sendo essencialmente uma busca de significado e como sendo
construtiva.
No mesmo capítulo, Goodman (1990) retoma expressão por ele cunhada, na década
de 60, nessa mesma perspectiva cognitivista, e reafirma que a leitura seria “um jogo de
adivinhações psicolinguístico”(A psicolinguistic guessing game). ( p. 11)
A perspectiva oposta, oriunda do surgimento do “behaviorismo” na psicologia e
antes predominante, assim definia: “Ler é identificar palavras e colocá-las juntas para
conseguir textos significativos.” (Goodman, p.13). A aprendizagem era então o domínio da
habilidade para reconhecer palavras e adquirir vocabulário de palavras visualizadas ou
conhecidas pela vista. Nesse ponto de vista behaviorista, a leitura é uma habilidade a ser
desenvolvida, adquirida por resposta a estímulos externos, portanto, deve ser ensinada
explicitamente.
Entretanto, muitos psicólogos, conforme destaca Downing8 no 11º capítulo da
mesma obra (1990) encaixam a leitura na categoria de “destreza” e definem o termo
destacado como “o elemento – chave de uma destreza é o processo de integração de todo
o conjunto de condutas que constituem a habilidade total.”(p.183) Realizar essa integração
requer prática. Isso significa que se aprende a ler lendo. Lendo todo tipo de texto , em
vários tipos de linguagem, conforme as mais variadas funções em consonância com as
necessidades dos leitores.
Mas não se trata de um comportamento motor. Considerando ainda a obra de
Ferreiro e Palacio (1990), no capítulo 11 o Professor Downing cita exemplo de
MacDonald, para esclarecer o significado de “destreza” referindo-se a um jogo de futebol:
(...)“o jogador deve compreender o jogo, gostar do jogo, e mostrar atitudes apropriadas
com relação a saber ganhar ou perder, à honradez no jogo. A execução total (...) é um
intrincado complexo de processos (...).” (p.183) Considera-se, pois, como destreza, a
integração entre esses processos.
Esse exemplo de destreza no jogo de futebol ilustra a categoria de destreza em
relação à leitura e retoma Smith (1991) que diz: (...) “A experiência com a leitura leva a
mais conhecimento sobre a própria leitura.” (...) (p.212) É preciso jogar o jogo, é preciso
ler, experimentar o texto, de modo global, integrado, a fim de que se possa fazer a conexão
30. entre a estrutura profunda, mental, e a estrutura aparente, o texto escrito, e realizar a
compreensão.
A mesma referência observa-se em Kock (1997) ao comentar o Princípio da
Cooperação8 que, segundo Grice, seria o principal postulado conversacional. Esse
princípio, segundo interpretação de Kock, indica que, (...) “quando duas pessoas se
propõem a interagir verbalmente, cooperarão, normalmente, para ocorrer uma
interlocução adequada”(...). (p.27)
Segundo Smith,( 1991) (...) “a estrutura profunda (...)é holística, global, não separa
os eventos ou as descrições em elementos fragmentados, lineares, seqüenciais.” (p.52)
Meserani (1995, p.42-49) define a leitura identificando-a com os modos de leitura
escolar e distingue dois tipos: a literal e a interpretativa, derivando do segundo a leitura
reverencial, ostensiva na Idade Média e dissimulada atualmente.
A literal é a “letra a letra”, “ao pé da letra”, conforme a superfície do texto, com um
único significado, comum em textos de linguagem denotativa. Essa leitura é relativizada
pela interpretação oriunda do repertório cultural do leitor, sua experiência textual, sua
capacidade lingüística. Oposta à leitura literal está a interpretativa que é a tradução,
explicação, definição de significados obscuros, sugeridos, ambíguos.
A leitura reverencial é um modo interpretativo alegórico derivado da tradição grega e
da hermenêutica cristã. Procura um sentido oculto, velado ou cifrado a ser desvendado. O
autor considera essa leitura presente no ambiente escolar por se situar o leitor de modo
submisso perante o texto já consagrado, o que o leva à reverência na busca do significado
que é “o que o autor quis dizer” e que só se revela ao leitor fervoroso ou com a ajuda do
mestre. A compreensão é a atividade de interpretação de texto que o leitor só obteria com
um orientador guiando-o em direção a determinado significado.
Orlandi (1995) procura discernir o que é leitura a partir de reflexões do que se define
como a determinação histórica dos processos de significação.
“(...) quando lemos estamos produzindo sentidos (reproduzindo-os ou
transformando-os). Mais do que isso, quando estamos lendo, estamos
8
A lógica conversacional do filósofo americano H.P.Grice.
31. participando do processo (sócio-histórico) de produção dos sentidos e o
fazemos de um lugar e com uma direção histórica determinada.” (p.59)
Interessam, então, os sentidos que o leitor produz. Eles estão relacionados a um
contexto de situação (circunstância de enunciação, em sentido estrito, e ao contexto sócio-
histórico, em sentido amplo.) No interior do contexto sócio-histórico considera-se a
instância do enunciado ( grifo da autora) onde se produz o “repetível”, ou seja,
enunciações dispersas onde o discurso é o da exterioridade do “legível” em que a voz não é
de um sujeito específico, é uma voz sem nome.
Essa mesma concepção, da linguagem como forma ( lugar onde se realiza a ação ou
interação), está presente em Koch (1997) que também explica o postulado básico que
constitui a Teoria da Enunciação.
“Não basta a preocupação com a descrição dos enunciados produzidos. É
preciso levar em conta a enunciação _ ou seja, o evento único e jamais
repetido de produção de enunciado. Isto porque as condições de produção
(tempo, lugar, papéis representados pelos interlocutores, imagens recíprocas,
relações sociais, objetivos visados na interlocução ) são constitutivas do
sentido do enunciado: a enunciação vai determinar a que título aquilo que se
diz é dito.”(p.13-14)
O mesmo que se aplica `aquilo que se escreve, aplica-se ao que é lido. Orlandi
(1995) explica que esse discurso preexiste à situação de enunciação em que o sujeito,
produzindo a linguagem, provoca intervenção no “repetível”, contrapondo-se, nesta
instância, a ele, ao instaurar o seu “eu-aqui-agora”. Segundo a autora, (...)“É no interior
dessa contradição entre o preexistente e a contemporaneidade que se produz a leitura com
seu(s) sujeito(s) e seu(s) sentido(s).” (p.69)
Retomando Soares (1995 ) encontramos o espaço de enunciação assim definido:
“Será a leitura esse ato solitário , que afasta o mundo e do mundo? Só o leitor
e o texto? O isolamento, o mundo ausente, espaço/tempo de incontaminada
intersubjetividade? Não. Leitura não é esse ato solitário, é interação verbal
entre indivíduos, e indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu
universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os
outros; O autor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com
o mundo e os outros; entre os dois: enunciação; diálogo?” (p.18)
Souza (1997 ), ao analisar a concepção de Bakhtin sobre linguagem, reafirma seu
caráter de enunciação:
“É no fluxo da interação verbal que a palavra se concretiza como signo
ideológico, que se transforma e ganha diferentes significados, de acordo com
32. o contexto em que ela surge.Constituído pelo fenômeno da interação social, o
diálogo se revela como forma de ligação entre a linguagem e a vida.”(...)
(p.120)
A autora interpreta o papel do outro na relação dialógica : “ (...) cada diálogo se
efetua como se existisse um fundo de compreensão-resposta de um terceiro que o
presencia (o diálogo ) de forma invisível e que está acima de todos os participantes do
diálogo.” (p.110). Não haveria nesse destinatário superior algo místico ou metafísico.
Tratar-se-ia apenas de um momento constitutivo do enunciado completo.
A implicação da constituição social da consciência (grifo da autora), que é a
proposta de que se fala ao mencionar a terceira pessoa, permite questionar o lugar do
sujeito e da subjetividade do leitor ou de quem produz linguagem em qualquer forma.
Segundo Souza (1997 ) “Trata-se de apreender o indivíduo não no seu isolamento
idealista, nem na absolutização do individual, mas no concreto das relações sociais e a
partir delas.”(...) (p.114) É aí que está inserido o leitor.
Analisando Vigotsky, Souza destaca:
(...) “A compreensão é o resultado do nível de interação que os indivíduos
conseguem estabelecer entre o verbal e o extraverbal, entre a palavra e o
afetivo-emocional que flui na interação entre as pessoas.” (...) (p.136)
Na mesma linha, Kock (1997) comenta a Teoria da Atividade Verbal9, desenvolvida
sobretudo na URSS, que defende a idéia de que a linguagem é a principal atividade social,
realizada com determinados fins e composta de enunciado, que se produz com determinada
intenção, sob certas condições para que se atinja o fim, trazendo conseqüências após a
realização desse fim. Para atingir o objetivo, realizam-se atividades lingüístico-cognitivas
nas quais o ouvinte/leitor não é receptor passivo, pois deve atuar sobre o material
lingüístico para construir um sentido, criar uma leitura.
Souza (1997) interpretando a teoria mistico-teológica de Benjamin, comenta:
(...) “Na visão de Benjamin, existe algo na linguagem que é comunicável,
mas não é a própria linguagem, não se identifica com os conteúdos da
linguagem, mas nela se manifesta. (...)tudo que existe, seja de natureza
animada ou inanimada, acontecimento ou coisa, comunica e expressa sua
essência espiritual.” (...) (p.143)
9
A Teoria da Atividade Verbal baseia-se nas idéias de psicológos e psicolingüistas soviéticos como
Leontev e Luria, além de algumas idéias de Vigotsky.
33. Também em Freire (1999) revela-se a preocupação com o fato de que o ato de ler
envolve uma compreensão crítica do sujeito que ultrapassa a decodificação da palavra
escrita e se alonga na “inteligência do mundo”.
“A Leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.”(p.11)
E confirma essa relação com a experiência pessoal que lhe deu consciência crítica do
valor da leitura.
“Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado —
e até gostosamente — a reler momentos fundamentais da minha prática,
guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha
infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão
crítica do ato de ler veio em mim.( p. 16)
Nessa memória a escola tem um espaço que Freire questiona: “Primeiro a leitura do
mundo, depois a leitura da palavra que nem sempre, ao longo da minha escolarização, foi
a leitura da “ palavramundo”. (p. 12)
Idéia semelhante está presente na noção de revelação segundo a concepção de
Bakhtin e analisada por Souza (1997) . Nessa noção, considera-se que : “(...) a expressão
plena se iguala à espiritualidade plena à medida que a linguagem busca compreender o
mundo físico, semanticamente, a partir do que se pretende: “penetrar com palavras o
sentido que emana do mundo dos objetos” (p.143)
Freire (1999) confirma esse ponto de vista, ressaltando que, do contexto do seu
mundo imediato, das coisas que o cercam, faziam parte os textos, as palavras, as letras.
“A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão seu terraço _ o sítio das
avencas de minha mãe _ o quintal amplo em que se achava. Tudo isso foi
meu primeiro mundo. (...) Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim
como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo como o
mundo de minhas primeiras leituras.”(p. 12)
O universo da palavras se aflora em meio a esse mundo particular e o atrela à
realidade. O espiritual e o material, pode-se dizer, o subjetivo e o objetivo se fundem na
consciência naturalmente. Confirma o autor: “A decifração da palavras fluía naturalmente
da “leitura” do mundo particular” (p. 15).
Assim, um verdadeiro leitor determina sua leitura com a sua crítica, atuando sobre o
texto na construção de seu sentido, conforme uma concepção interativa de linguagem,
34. impondo ao que está escrito o seu conhecimento de mundo, questionando valores e
estabelecendo um processo dinâmico de leitura que não deixa espaço para que predomine a
atividade mecânica de decifração do código lingüístico. É um leitor que faz suas opções e
reflexões na constituição do enunciado completo.
2.3. Influência do perfil de leitor do professor de português na formação de novos
leitores
A relação do perfil de leitor do professor de português e seus alunos certamente não é
neutra. Seja positiva, seja negativamente, ela se estabelece no período de formação e
consolidação dos novos leitores.
Ainda em Freire (1999), encontram-se depoimentos que indicam a importância do
professor de língua portuguesa na formação do leitor.
(...) “retoma o tempo em que, como aluno do curso ginasial, me experimentei
na percepção crítica dos textos que lia em classe, com a colaboração até hoje
recordada, do meu então professor de língua portuguesa. (...) Não eram ,
porém, aqueles momentos puros exercícios de uma página escrita diante de
nós que devesse ser cadenciada, mecânica e enfadonhamente “soletrada”, em
vez de realmente lida. ( ... ) Eram momentos em que os textos se ofereciam à
nossa inquieta procura, incluindo a do então jovem professor José Pessoa.”
(p.16)
A própria experiência do autor como professor de língua portuguesa que era atesta a
existência dessa relação na construção do leitor.
“(...) como professor, também de português, nos meus vinte anos, vivi
intensamente a importância do ato de ler e de escrever, no fundo
indicotomizáveis, com alunos das primeiras séries do chamado curso
ginasial. A regência verbal, a sintaxe de concordância , o problema da crase,
o sinclitismo pronominal, nada disso era reduzido por mim a tabletes de
conhecimentos que devessem ser engolidos pelos estudantes.”(p. 16-17)
Freire contesta o ensino da língua que privilegia “gramatiquices” e ignora o texto ou
o utiliza para memorização mecânica , inviabilizando a leitura real. (...) “Os alunos não
tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua
significação profunda.”(...) (p. 17)
Essa forma de uso do texto, ainda hoje, está presente conforme se atesta em
declaração de Mário Prata, escritor e humorista, publicada na revista Veja, sobre o uso de
35. textos seus incluídos no Vestibular de universidades brasileiras. (...) “Resolvi fazer as
provas de interpretação de meus textos e não passei em nenhuma. Não entendi nada.”(...)
(p.35)
Retomando a questão – problema, interessa detectar aqui e agora que tipo de
influência está se efetivando na escola pública brasileira.
Num país de regime capitalista que estimula o consumo, é de relevância questionar o
que se passa na mente daquele que deve formar e daquele que está se formando como
leitor.
Por quê?
A resposta a essa indagação pode estar na preocupação manifestada por Benjamin e
interpretada por Souza (1997):
“Para Benjamin, perceber a aura de uma coisa significa investi-la do poder de
revidar o olhar. Mas, para isso, é preciso dedicar um olhar às coisas do
mundo, que evidencie a força e a atmosfera que delas emanam. Mas no
capitalismo não há espaço para esse tipo de experiência sensível _ aprender a
ver o que não se estampa de imediato. Contudo é essa atitude, esse respeito
pelas coisas, que nos permite desenvolver uma ética do olhar que penetre a
fetichização da realidade do mundo moderno.” (p.145-46)
Ou mesmo pode-se responder com uma pedagogia da leitura e sua relação com as
instituições para construir um espaço de contradição a fim de se defrontarem posturas e
metodologias inócuas às propostas que teórica e politicamente viabilizem condições
adequadas para a formação do homem-leitor crítico e ativo.
Zilberman e Silva ( 1990) defendem:
“Uma pedagogia da leitura que objetiva a transformação do leitor e, através
deste, da sociedade , dificilmente se funda na descrição da estrutura do(s)
texto(s) . Mais do que isso, uma pedagogia da leitura de cunho transformador
propõe, ensina e encaminha a descoberta da função exercida pelo(s) texto(s)
num sistema comunicacional, social e político.” (p.115)
A questão é ampla e complexa e não se pretende abordá-la em toda sua abrangência,
mas criar um espaço real de pesquisa , discussão e análise que permita retratar
características da relação aluno-professor-escola, a fim de compreender um pouco mais
essa influência na formação do leitor.
36. De uma prática pedagógica , de uma concepção de linguagem , emerge uma figura de
leitor e professor que influencia seus alunos, leitores em formação.
A esse respeito, Freire ( 1999) comenta: “O que temos de fazer então, enquanto
educadores ou educadoras, é aclarar, assumindo a nossa opção, que é política, e sermos
coerentes com ela, na prática.” (p.25)
Ainda quanto ao papel do professor , Smith (1999) expressa:
(...) “A sala de aula deve ser o lugar onde ocorrem as atividades de leitura (e
escrita) significativas e úteis, onde é possível a participação sem coerção ou
avaliação e onde sempre haja a disponibilidade de colaboração. Nenhuma
criança deve ser excluída.” (p.127)
Também Smith (1999) dedica um capítulo da mesma obra à reflexão sobre a leitura
na era da eletrônica. Ao discutir a questão da leitura on-line , (grifo do autor) do hipertexto
(grifo do autor) e da Internet, opina: (...) “Os professores terão de voltar ao seu papel de
fornecer exemplos e demonstrações, ensinando através de influência em vez de através da
informação.”(...) (p. 156).
E mais reforça a necessidade de os professores se adaptarem ao novo:
“Queiram ou não os professores, o mundo do ensino está mudando
rapidamente. Os computadores já fazem parte da maioria das escolas, se não
da maioria das salas de aula e de muitos lares. O avanço da tecnologia
eletrônica não será detido se os professores voltarem as costas para ela. É
mais provável que a Tecnologia adquira o controle enquanto os professores
não estiverem olhando. Os professores não serão capazes de levantar
barricadas nas suas salas de aula contra os computadores, mas eles não
devem tampouco render-se a eles. Todo professor terá que entender a
Internet.”( p.158-59)
O autor ainda ressalta a função do professor:
(...) “Onde as crianças vêem pouca relevância na leitura, então os professores
devem mostrar que esta vale a pena. Onde as crianças encontram pouco
interesse na leitura, os professores devem criar situações interessantes.
Ninguém jamais ensinou uma criança que não está interessada na leitura, e o
interesse não pode ser exigido. Os professores devem, eles mesmos, ser
usuários conspícuos da linguagem escrita.”( p. 247)
Veja-se o que se encontra em Vigotsky (1998) sobre essa influência :
“No desenvolvimento da criança, (...) a imitação e o aprendizado
desempenham papel importante. Trazem à tona as qualidades especialmente
humanas da mente e levam a criança a novos níveis de desenvolvimento. (...)
O que a criança é capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer
37. sozinha amanhã. Portanto, o único tipo positivo de aprendizado é aquele que
caminha à frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia;” (...) (p.129-30)
A ampliação de conhecimento surge daí, pois, decorrente dela, compreende-se
melhor o presente e o papel de sujeito histórico de todo ser humano.
Para Bordini e Aguiar (1998 ) ) esse papel de sujeito histórico depende em grande
intensidade da tessitura que se constrói a partir do acesso aos mais variados tipos de textos.
Tal tessitura deriva de informações sobre a humanidade e o mundo e gera vínculos entre
leitor e homens em geral.
“A socialização do indivíduo se faz, para além dos contatos pessoais, também
através da leitura, quando se defronta com produções significantes
provenientes de outros indivíduos, por meio do código comum da linguagem
escrita. No diálogo que então se estabelece o sujeito obriga-se a descobrir
sentidos e tomar posições, o que o abre para o outro.”(p.10)
Será o professor consciente de seu papel como adulto modelo do leitor em formação?
Haverá coerência entre a teoria e a prática quando ensina? Cria espaços para que a leitura
instaure-se em sala de aula? Que postura revela esse professor ao se defrontar com o aluno
leitor? Reconhece nele um sujeito leitor ou um mero decodificador?
Pode o professor estar ciente de que a ação educativa é uma ação humana ou pode
estar preso a estilos onde predominam a alienação e a acriticidade.
No Brasil , na última década, houve um movimento intenso provocado por uma
urgente necessidade de requalificação do magistério, sobretudo do ensino fundamental.
Ocorreram mudanças determinadas por técnicos e teóricos que tentaram transmitir ciência
e novas teorias sociais, de didática ou de currículo.
Há nessa atitude de tradição positivista a idéia de que, se mudar o entorno, ou seja, o
currículo, a didática, a teoria, a sociedade, os cidadãos, a escola mudará e com ela os seu
mestres.
Entretanto os resultados nem sempre comprovam que o efeito tenha sido
significativamente positivo. Salvo casos de exceção, grande parte dos mestres rejeita
experiências nas quais atuam apenas como coadjuvantes, não tendo voz, nem vez.
38. Uma experiência bem recebida deve ser engendrada no seio da instituição escolar.
Veja-se o que Arroyo (1999) avalia da proposta político-pedagógica Escola Plural10 na
Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte entre 1993 e 1996:
(...) “Os documentos registram o sentimento de orgulho dos professores
diante da rica pluralidade de ações emergentes e, ao mesmo tempo, a
impressão de insegurança diante do caráter transgressor ou não legal de
muitas dessas ações. Captar esses sentimentos diante da prática, pensá-los
coletivamente, é o primeiro passo para o diálogo com as escolas.” ( p.155)
Mas essa busca do olhar positivo que valoriza aquele que deve inovar suas ações, é
rara. O autor considera que ainda predomina (...) “ a tradição positivista que ignora os
valores, o senso comum, a sensibilidade e a intuição humanas tão determinantes das
práticas sociais, educativas e culturais Toda ação educativa é humana.( p.155)
É preciso, segundo o autor, tocar no ponto crucial: (...) “se toda ação educativa é
humana, ela é ação cultural, relação entre pessoas, entre sujeitos socioculturais.” (...)
(p.157)
Tem-se observado, também, uma postura de reconhecimento do tempo cada vez mais
longo que as crianças , adolescentes e jovens passam nas escolas e de que é nela que todos
interagem numa trama de procedimentos cognitivos, culturais e educativos, redefinindo
seus saberes e construindo suas identidades, ao provocar espaço de diálogo com as
famílias.
Nesse diálogo, as escolhas são alvo de respeito mútuo: as dos alunos e dos
professores, das famílias, de todos os sujeitos socioculturais. É o diálogo sobre os livros
que lêem,, as informações que mais interessam, os gostos pelo que assistem na TV e pelo
que fazem nos momentos de lazer e outros tempos sociais e culturais.
Nesse sentido, o professor, seus princípios e suas práticas têm inquestionável
importância.
Suas abordagens frente à linguagem não podem ficar reduzidas à manipulação
mecanicista de seqüências de sentenças ou à adoção de exercícios de compreensão e
interpretação que ignorem o aluno como interlocutor que aceita, refuta, critica.
10
A Escola Plural reconhece que a escola é o local de práticas educativas e onde o estímulo e para as
inovações de estar presente, conforme as práticas que mais significado têm para o corpo docente. A
crítica se estabelece no diálogo entre mestres , especialistas, grupos dirigentes e comunidade.
39. Kleiman (1996) analisa resultados de pesquisa recente que demonstra serem as
práticas de leitura em sala de aula inibidoras do desenvolvimento da capacidade de
compreensão.
A pesquisa da mesma autora aponta para o fato de que o predomínio da leitura em
voz alta e do uso da leitura sem orientação são os principais fatores dessa inibição.
Esses dados sugerem que predomina uma inconsistente visão da leitura como
interação entre leitor e autor via texto, pois, conforme destaca a autora:
(...) “o professor , trabalhando em condições precárias, não conta com o
material didático adequado, isto é, material baseado em concepções
adequadas de linguagem, leitura e aprendizagem. Também a própria prática
do professor muitas vezes apenas ecoa o livro didático, assumindo sua
inadequação.” (p.155)
Quanto a essa questão, Guedes e Souza (1999) fazem uma análise específica das
aulas de português e da tarefa do professor, enfatizando a leitura:
“(...) a mais séria questão interdisciplinar a ser tratada na escola é a remoção
coletiva do entulho formalista que vem atravancando o ensino de todas as
áreas. No que se refere à leitura, se ler é produzir sentido e não adivinhar qual
o verdadeiro sentido do texto, é preciso pôr no código penal certas atividades
escolares muito comuns.” (...) (p.142)
Entre tais atividades os autores destacam a interpretação de texto de resposta
convergente11, de inconveniência incontestável.
Para os mesmos autores, o professor de português tem a tarefa de contextualizar a
língua, visto que a que falamos é distinta da que escrevemos e lemos por razões de política
cultural, e também, outras tarefas como certificar-se da viabilidade do que sugere aos
alunos como: fazer resumos do que foi lido, consultar obras de referência (dicionários,
enciclopédias,etc.), pedir leitura de jornais e revistas, usar CD roms educativos, vídeos,
acervo da biblioteca, visitar locais e participar de eventos culturais.
Tal viabilidade depende de estarem os alunos aptos, após orientação, a executarem
adequada e prazerosamente as atividades propostas, tendo em vista objetivos claros e
perspectiva de satisfação para todos, segundo o grau de dificuldade que cada tarefa
envolve.
11
Questão número 5 de prova de literatura: “Complete: ... a história de um ...................... satirizado por
seu fanatismo patriótico. Sua intenção é tirar o Brasil das influências estrangeiras. Resposta correta:
militar ou major.
40. Segundo Neves, et al , ( 1999) essa tarefa do professor está cercada de grande
importância:
“O professor é aquele que apresenta o que será lido, o livro, o texto, a
paisagem, a imagem, a partitura, o corpo em movimento, o mundo. É ele que
auxilia a interpretar e estabelecer significados. Cabe a ele criar, promover
experiências, situações novas e manipulações que conduzam à formação de
uma geração de leitores capazes de dominar as múltiplas formas de
linguagem e de reconhecer os variados e inovadores recursos tecnológicos,
disponíveis para a comunicação humana presentes no dia-a-dia.” (p.10)
A leitura dos clássicos também é objeto de preocupação visto que o texto da
literatura distanciada do homem de hoje e da história de hoje, demanda do leitor o seu
repertório de leituras para haver a interação.
Esse caminho supõe o preenchimento de vazios existentes com a memória, as
experiências e a atitude do professor como colaborador na apresentação da obra, de seu
tempo e espaço de produção.
Não supõe, entretanto, que o professor leia para o aluno e interprete por ele ou o leve
à interpretação considerada a “mais adequada” ou a “melhor” do ponto de vista da escola,
da crítica literária, do programa ou do próprio professor.
Marchi (1999) completa:
“(...) as atividades para motivação da leitura devem perseguir um grande
objetivo que consiste em fazer com que os jovens desejem descobrir o livro,
pegá-lo nas mãos com expectativa, apropriar-se dele e, conseqüentemente, lê-
lo (...) .” (p.162)
A influência do professor de português na formação de novos leitores supõe para o
professor um perfil de leitor que tem sido objeto de controvérsias.
Marinho e Silva (1998) , organizadoras de obra que reúne resultados do I Encontro
sobre “Leituras do Professor”, promovido pelo CEALE12 durante o 11º Congresso de
Leitura do Brasil 13, consideram imagens do professor como leitor.
Algumas dessas imagens emergiram de discussões e debates e denotam distintas
concepções que vão desde considerá-lo um leitor formado nos bancos escolares e na
atividade profissional, sem experiências anteriores de formação de leitor como herdeiro de
12
Centro de alfabetização , Leitura e Escrita da FALE/UFMG.
13
Congresso realizado em Campinas(S.P.) a cada dois anos, pela UNICAMP, em consonância com a
Associação de Leitura do Brasil(ALB).
41. vivências de leitura no seio da família, até concepções depreciativas de um não leitor, o
que seria conseqüência da deficiência ou mutilação que o desabonariam para formar outros
leitores.
Batista (1998) confirma a última concepção : “É que sendo as famílias dos docentes
pouco dotadas de capital cultural, particularmente pouco dotadas dessas competências,
disposição e crenças que constituem um leitor, não podem elas mesmas transmiti-las a
seus membros”.(...) (p.35)
Essa concepção revela, segundo o autor, que (...) “o professor seria sempre um
excluído e um leitor “ menor ” ou “precário” . (...) (p.54) Na verdade , esse professor
leitor pouco afeito à leitura e à escrita seria fruto de um processo de exclusão cultural.
O professor estaria mais familiarizado com leituras de gêneros comprometidos com o
mercado e a “literatura da massa” ou leituras de manuais e livros didáticos vistos como
facilitadores de seu trabalho, programados para alguém que não pensa, portanto um leitor
sem autonomia, o chamado leitor escolar. Segundo o autor:
“Dessa maneira, o modo de transmissão de competências, disposições e
crenças a respeito da leitura que predominou na socialização do professor
parece ter sido o modo escolar de transmissão, acentuado, posteriormente,
por ter se tornado responsável por esse modo mesmo de transmissão, ao
ingressar na carreira docente.” (...) (p.42)
A conclusão de que o professor não lê está em evidência em jornais conforme atesta
manchete da Folha de São Paulo (16/05/93), noticiando resultados de pesquisa realizada
pela Fundação Carlos Chagas sobre perfil de leitor de professores do ensino médio,
reproduzida por por Britto: (...) “Professores escrevem mal, lêem pouco e culpam os
alunos.(...) (p.62)
Em posição menos radical, pode-se ver o professor caracterizado como alguém que
lê por ser membro de uma sociedade letrada e manipular informações e produtos da escrita,
mas com limitações que o nivelam a seus alunos, leitores em formação, devido ao pouco
acesso a textos de maior prestígio, tanto pelos seus vínculos culturais como por sua
limitação socioeconômica.
Britto (1999) reafirma :
42. “O fato é que, para boa parte dos professores, a prática de leitura limita-se a
um nível mínimo pragmático, dentro do próprio universo estabelecido pela
cultura escolar e pela indústria do livro didático. Sua leitura de textos
“literários” é a dos livros infantis e juvenis produzidos para os alunos ou dos
textos selecionados e reproduzidos pelos autores dos didáticos; sua leitura
informativa é a dos paradidáticos; seu conhecimento técnico reduz-se às
definições do próprio livro didático; seu universo de conteúdos necessários
coincide sempre com o do livro.” (p.77-8)
E o mesmo autor conclui: “Mais que ser leitor ou não leitor, o professor é um leitor
interditado.” (p.78)
Assim, a importância de o professor ser um leitor ativo e crítico é indiscutível, visto
ser a ele que cabe criar espaços, promover as experiências de leitura significativa no
ambiente escolar e encontrar métodos e meios que possibilitem essas práticas. Também é a
ele que cabe questionar propostas curriculares oficiais que porventura não privilegiem o
ato de ler no contexto de todas as disciplinas e temas que possam integrar o conjunto de
saberes a ser, formal ou informalmente, objeto de atenção na instituição em que atua.
Só dessa maneira poderá o professor oportunizar a formação de gerações de leitores
capazes de dominar múltiplas formas de linguagem, além de reconhecer e utilizar os
recursos inovadores da tecnologia à disposição da comunicação .
A esse respeito, Neves, et al, (1999) afirmam :
“Professores leitores, professores capazes de fazer a sua escrita, a sua
comunicação com o mundo, são a chave de qualquer possibilidade de
mudança nas práticas tradicionais e repetitivas de leitura e escrita.” (p.10)
Logo, para que se exerça a influência adequada do professor de português na
formação de novos leitores, deve aquele ser um leitor com o perfil também adequado e ser
consciente de sua tarefa de formar nestes as competências essenciais de ler e escrever.
2.4. Uma Nova Concepção de Educação
A literatura especializada que aborda as questões referentes à formação do professor
e à formação de alunos leitores está disponível no Brasil, mas não em escala que permita o
acesso de todos às novas concepções de educação e, entre elas, a que diz respeito à
construção de competências no professor em formação, nos que já estão atuando e,
conseqüentemente naqueles que são o alvo da ação educativa: os educandos.
43. Sobretudo para os professores de 1o Grau, etapa onde se formam as bases para a
construção de competências, essa literatura surgiu apenas recentemente como teoria de
suporte para a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Entretanto, não é uniforme a maneira como essas teorias têm chegado aos
professores e, quando chega, é, muitas vezes, de modo impreciso, pois ao lerem os
manuais, os professores se sentem em descompasso com as metas neles estabelecidas e
torna-se comum a atitude de rejeição àquilo que é novidade e exige mudança nos rumos do
trabalho educativo.
“Vai-se à escola para adquirir conhecimentos, ou para desenvolver competências?”
(Perrenoud,1999, p.7) Este é o questionamento que o autor faz ao introduzir a obra
Construir Competências Desde a Escola, na qual reflete sobre o dilema da escola: há um
preconceito de que , ao se desenvolverem competências, não se transmitem conhecimentos,
embora se saiba que quase toda ação humana exige algum tipo de conhecimento. Sendo
estes, às vezes, complexos, o tempo para transmiti-los e desenvolver competências também
muito complexas,em alguns casos, é sempre insuficiente.
O autor define competência como (...) “uma capacidade de agir eficazmente em um
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limita-se a eles.” (p.7)
As competências no ensino fundamental envolvem o ler e o escrever. Não se pode
abrir mão dos conhecimentos que funcionam como suporte para desenvolver essas
competências, nem, portanto, rejeitar os conteúdos, ou disciplinas, mas replanejá-los,
reagrupá-los por prioridades e fazer de todos uma rede de oportunidades para que em todos
essas competências sejam favorecidas e sua implementação ganhe o suporte da
comunidade ao longo do processo de escolarização.
A inovação não consiste em fazer a escola abandonar os conteúdos, mas em aceitar
que todo o programa se oriente para a construção das competências que irão gerenciar os
conhecimentos disciplinares.
Perrenoud (1999) observa que:
(...) “as rotinas pedagógicas e didáticas, as compartimentasses disciplinares, a
segmentação do currículo, o peso da avaliação e da seleção, as imposições da
organização escolar, a necessidade de tornar rotineiros o ofício de professor e
44. o ofício de aluno têm levado a pedagogias e didáticas que, às vezes, não
contribuem muito para construir competências, mas apenas para obter
aprovação em exames.” (...) (p.15)
Produzir-se-ia uma reflexão coletiva para responder à indagação: as pedagogias e as
didáticas têm contribuído para formar competências ou para formar nos alunos a ansiedade
pela aprovação?
A rejeição a tal reflexão pode ser conseqüência das contradições que se evidenciaram
dentro da escola e nas suas relações coma a família e a sociedade. Toda reflexão exige
contestação e produz insegurança e desconforto aos conformistas, mas não se pode adiá-la,
quando se nota que as consciências se encontram insatisfeitas com o fazer cotidiano e com
os resultados obtidos desse fazer, ou seja, em suas mentes, todos já sabem que não se está
produzindo o homem integral e integrado, fruto de uma ação educativa eficaz que leve ao
encontro de um viver mais feliz.
Nesse sentido, retomemos Perrenoud (1999) :
“A maioria dos docentes foi formada por uma escola centrada nos
conhecimentos e sente-se à vontade nesse modelo. Sua cultura e sua relação
com o saber foram forjadas dessa maneira. (...) Para muitos docentes, a
abordagem por competências não “diz nada”, pois nem sua formação
profissional, nem sua maneira de dar aula predispõem-no para isso. (...)
Enquanto não souberem realmente organizar e avaliar processos de projeto e
situações-problema, os ministérios vão propor-lhes textos inteligentes que
permanecerão sem eco, porque seus destinatários não seguiram o mesmo
caminho pedagógico e teórico e não partilham da concepção de aprendizado
e de ensino que subjaz aos novos programas.” (p.82)
A decisão sobre os conteúdos a serem trabalhados para construir determinadas
competências deve ser objeto de atenção de todos os docentes e das demais áreas que a
escola comporta para apoiar seu trabalho educativo, através de encontros de caráter
pedagógico e científico, onde se realizariam reflexões sobre:
1. O papel de cada disciplina do currículo na formação integral dos alunos.
2. As necessidades, motivações, experiências acumuladas no alunado, seu perfil e
realidade.
3. O peso da contribuição de cada disciplina e as formas como se poderia integrá-las em
busca de vencer a barreira da escassez de tempo e de maior eficiência.
45. 4. A seleção de competências (entre elas a de formação de leitores críticos) que emergem
dos diversos conteúdos e noções e a definição das ações que devem ser incrementadas
para atingir os objetivos que daí surgirão.
5. As estratégias que todos os professores e a escola deverão utilizar para aproximar os
pais e torná-los partícipes desta ação, sobretudo no que diz respeito à compreensão que
deles se pode obter de que a formação de leitor é um benefício permanente para seus
filhos.
6. A escolha de métodos ativos e criativos que permitam equilibrar a transmissão de
informações com as operações que visem promover a formação de interesses nos
educandos e seu comprometimento com sua própria formação.
7. Os valores e sentimentos que se devam formar no seio do todo disciplinar e dos
princípios que devem reger a ação de todos os envolvidos no trabalho educativo.
8. As técnicas que possam favorecer o trabalho de equipe tanto de professores como de
alunos, visando garantir a ação coletiva e a integração entre o cognitivo e o afetivo na
formação e desenvolvimento da personalidade.
9. A função do professor na condução de todas as etapas do processo de ensino, seu papel
na relação dialógica com a turma e cada aluno, e também, com os pais, para garantir
seu prestígio junto ao alunado e aos pais, que devem reconhecer-lhe a autoridade,
conferindo-lhe a tarefa de condutor privilegiado do processo educativo, sem inibir a
expressão criativa dos alunos.
10. As formas de garantir a interferência dos atores principais _ os professores regentes _
na definição das metas prioritárias dos programas de formação contínua patrocinados
pelo poder público, com ativa participação destes, desde a gestão até a execução e
avaliação, para que possam realmente atender às deficiências mais urgentes e
freqüentes.
11. Os meios de que a escola deve dispor para que todos os objetivos possam ser
alcançados, desde aqueles que atendam às necessidades da ação docente até os que
garantam a prática discente formadora de cultura, dentre elas as ações necessárias para
formar leitores críticos.
46. 12. As formas de avaliação que permitam trabalhar sobre o erro do aluno e do professor,
pensando um modelo formativo, criando tipos de situações em que se avalie a evolução
do trabalho de construção de competências.
13. As estratégias para criar vínculos com as instituições formadoras de professores para
que elas participem ativamente do processo, dando aos seus currículos e às suas ações a
direção necessária em busca de atualização e constante aperfeiçoamento.
14. A constante realimentação dos grupos de debate com avaliação permanente para
corrigir os rumos e sanar dificuldades.
Assim, através do debate coletivo, poder-se-ia garantir a participação de todos,
aproveitando as experiências que, isoladas, não produzem os efeitos capazes de atender a
demandas tão sérias e de grande porte que envolvem a educação.
2.5. O Professor Necessário
Já se disse que para formar novos leitores é preciso haver professores que sejam
leitores adequados e conhecedores do seu papel.
Tendo em vista que são os professores de português aqueles que se revestem
especificamente dessa tarefa, é de suma importância que para ela se preparem durante o
período de sua formação e além dela, a fim de se habilitarem para a condução do processo
educativo realmente como especialistas em linguagem e em língua portuguesa.
Ocorre, então, que há de se voltar a atenção para o problema da formação acadêmica
e da formação continuada dos professores nos cursos específicos que habilitam para as
áreas de linguagem, línguas e literatura.
O problema da formação dos docentes torna-se mais grave quando se evidenciam as
contradições em todas as etapas do processo de graduação e pós-graduação. Exigem-se
novas competências para formar novos professores, mas os cursos de formação de
docentes continuam, em larga escala, privilegiando a formação conteudista, alienados da
construção dessas competências , tanto nos docentes formadores como nos docentes em
formação, com seus currículos elaborados por disciplinas estanques, cujos conteúdos