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JOCA E OS
                     LOBOS


  Naquelas manhãs frias, frias, frias, em que as ruas que
vão dar à escola estão como gelo e as frieiras dos pés
ardem, por dentro das botas, e o nariz pinga, por fora do
cachecol, o Joca, ainda no quente fofo da cama, põe-se a
tiritar de falso medo.
   Joca: Mãe, mãe, hoje é o Dia Mundial do Lobo.
   Mãe: Não sabia dessa. Mas levanta-te. Despacha-te.
   Joca: Hoje é o dia de protecção ao lobo, que é um
animal que está a acabar.
   Mãe: Uma espécie em vias de extinção, queres tu dizer.
Mas levanta-te.
   Joca: Hoje não se pode fazer mal aos lobos. Eles vão
andar por todo o lado, aos montes…
   Mãe: Em alcateia, queres tu dizer. Despacha-te.
                           1
Joca: E não se lhes pode fazer mal. Vão andar nas ruas,
nos autocarros, à porta das escolas…
  Mãe: O que tu queres dizer sei eu, Joca. Deixa-te de
invenções e despacha-te.
  Joca: A nossa professora vai convidar lobos para
comerem connosco, na cantina.
  Mãe: Boa ideia. Partilhas com eles do teu almoço.
Levanta-te, Joca, que já estás atrasado.
  Joca: Mas os lobos comem imenso e não gostam de sopa
nem de alface nem de pastéis de bacalhau. Eu tenho medo
de, logo à noite, não chegar a casa inteiro.
  Mãe: Chegas. Tenho a certeza. Levanta-te, Joca, ou
puxo-te por um braço e sais da cama magoado.
  Joca: Os lobos vão fazer ginástica connosco. E vão jogar
à bola, no recreio. Sabias que os lobos não gostam de
perder?
  Mãe: Não sabia nem isso, agora, interessa. Levanta-te,
Joca.
  Joca: Quando os lobos perdem, dão dentadas nos outros.
  Mãe: Nos adversários, queres tu dizer. Mas, se assim
acontecer, o árbitro expulsa-os do jogo.
  Joca: Mas os árbitros, hoje, são todos lobos. Estão feitos
com eles.
  Mãe: Já chega, Joca. Levanta-te ou eu zango-me. E,
quando eu me zango, uivo.
  Joca: Tu uivas, mãe?
  Mãe: Claro que uivo. Queres ouvir: Uh! Uh! Uh! Se não
sais da cama como-te cru.
  O Joca riu-se. Fartou-se de rir. E a rir-se, desmanchou a
cama e saltou para o chão.
  Joca: Tenho uma mãe-loba! Tenho uma mãe-loba!

                             2
Mãe: E tu és o meu lobinho.
  Joca: Somos lobos. Uh! Uh! Uh! Hoje é o nosso dia.
  Mãe e filho juntaram num abraço riso e uivos, como
numa gruta de lobos felizes. Daqueles dois seria sempre
cada dia, fizesse o frio que fizesse lá fora. O calor do
abraço deles estava ali pronto para vencer e derreter o gelo
todo do mundo.


  FIM




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Joca e os lobos: Uma história sobre uma espécie em risco

  • 1. JOCA E OS LOBOS Naquelas manhãs frias, frias, frias, em que as ruas que vão dar à escola estão como gelo e as frieiras dos pés ardem, por dentro das botas, e o nariz pinga, por fora do cachecol, o Joca, ainda no quente fofo da cama, põe-se a tiritar de falso medo. Joca: Mãe, mãe, hoje é o Dia Mundial do Lobo. Mãe: Não sabia dessa. Mas levanta-te. Despacha-te. Joca: Hoje é o dia de protecção ao lobo, que é um animal que está a acabar. Mãe: Uma espécie em vias de extinção, queres tu dizer. Mas levanta-te. Joca: Hoje não se pode fazer mal aos lobos. Eles vão andar por todo o lado, aos montes… Mãe: Em alcateia, queres tu dizer. Despacha-te. 1
  • 2. Joca: E não se lhes pode fazer mal. Vão andar nas ruas, nos autocarros, à porta das escolas… Mãe: O que tu queres dizer sei eu, Joca. Deixa-te de invenções e despacha-te. Joca: A nossa professora vai convidar lobos para comerem connosco, na cantina. Mãe: Boa ideia. Partilhas com eles do teu almoço. Levanta-te, Joca, que já estás atrasado. Joca: Mas os lobos comem imenso e não gostam de sopa nem de alface nem de pastéis de bacalhau. Eu tenho medo de, logo à noite, não chegar a casa inteiro. Mãe: Chegas. Tenho a certeza. Levanta-te, Joca, ou puxo-te por um braço e sais da cama magoado. Joca: Os lobos vão fazer ginástica connosco. E vão jogar à bola, no recreio. Sabias que os lobos não gostam de perder? Mãe: Não sabia nem isso, agora, interessa. Levanta-te, Joca. Joca: Quando os lobos perdem, dão dentadas nos outros. Mãe: Nos adversários, queres tu dizer. Mas, se assim acontecer, o árbitro expulsa-os do jogo. Joca: Mas os árbitros, hoje, são todos lobos. Estão feitos com eles. Mãe: Já chega, Joca. Levanta-te ou eu zango-me. E, quando eu me zango, uivo. Joca: Tu uivas, mãe? Mãe: Claro que uivo. Queres ouvir: Uh! Uh! Uh! Se não sais da cama como-te cru. O Joca riu-se. Fartou-se de rir. E a rir-se, desmanchou a cama e saltou para o chão. Joca: Tenho uma mãe-loba! Tenho uma mãe-loba! 2
  • 3. Mãe: E tu és o meu lobinho. Joca: Somos lobos. Uh! Uh! Uh! Hoje é o nosso dia. Mãe e filho juntaram num abraço riso e uivos, como numa gruta de lobos felizes. Daqueles dois seria sempre cada dia, fizesse o frio que fizesse lá fora. O calor do abraço deles estava ali pronto para vencer e derreter o gelo todo do mundo. FIM 3