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A palavra mídia é oriunda do latim e significa meio. Assim, podemos definir, de
um modo geral que mídia é o meio/modo com que a informação chega à
sociedade, por meio dos mais variados tipos de comunicação (rádios, jornais,
televisão, internet, etc).
O problema da disseminação das notícias sobre diferentes óticas e diferentes
objetivos é que muitas vezes há uma distorção dos fatos que podem acontecer
pelo baixo conhecimento jurídico de quem transmite ou pelo fato de querer das
maior destaque para a notícia, com finalidade de conquistar maior audiência.
Assim, não é difícil se deparar com casos mais graves de manipulação de
notícias, como por exemplo quando o fato é veiculado com o intuito de conduzir
a opinião popular a um determinado fim, que pode ser, dentre outros, o
econômico, político ou social.
Encontramos no âmbito dos veículos midiáticos que exploram a criminalidade
algumas injustiças. A simples veiculação de uma notícia imputando a suspeita
de determinado crime a uma pessoa é feita de tal forma, que leva a sociedade
a “condenar” o suspeito imediatamente, e mesmo que posteriormente a
suspeita não se confirme, esta pessoa já sofreu danos irreparáveis em sua
imagem, moral e dignidade.
Mesmo estando assegurada na CF/88 a todos os cidadãos, a liberdade de
pensamento, de expressão, de culto, bem como a liberdade de imprensa.
Ocorre que, a liberdade de imprensa não pode ser tida como absoluta,
sofrendo restrições, nos termos do parágrafo 1º do artigo 220 da CF/88. Sendo
assim, as restrições à liberdade de imprensa dizem respeito à honra, à
imagem, à intimidade e à vida privada. Bem como, dentro do processo penal,
ao princípio da presunção da inocência.
Como os crimes possuem grande valor moral, a imprensa aumenta a
publicidade quando da prática de um delito, especialmente, quando se trata de
crime doloso contra a vida, emitindo juízos de valor sobre o fato delituoso. E,
como não há a multiplicidade de opiniões sobre o delito cometido, o leitor
acaba por influenciar-se com a única opinião emitida nos meios de
comunicação.
O mais preocupante é que, muitas vezes, o poder judiciário acaba contaminado
e/ou influenciado pela repercussão de uma notícia perante a sociedade. Deste
modo, alguns magistrados confundem erroneamente a garantia da ordem
pública, que autoriza a decretação da prisão preventiva do acusado, conforme
Artigo 312, do Código de Processo Penal, com que a doutrina chama de
“clamor público” ou social, decretando a restrição da liberdade do acusado por
caráter cautelar.
Casos:
 NARDONI
 BRUNO
 REICHTOFEN
Assim, é notório que os juízos de valor emitidos pela mídia impossibilitam a
defesa do acusado e ferem diretamente o princípio da presunção da inocência,
pois contaminam a opinião pública. Dessa forma, surgem, por parte da
população, manifestações por “justiça”, clama-se pela condenação e pela não
impunidade da pessoa que, aos olhos da sociedade, passou a ser a culpada
pelo crime.
Ocorre a condenação popular do suspeito/réu, não se considerando em que
situações o crime foi cometido, se realmente foi praticado da forma que a
notícia expõe, os problemas sociais, emocionais e psicológicos que
atormentam a vida do indivíduo. Nada disso importa, o que se pretende, muitas
vezes, é que essa pessoa seja excluída da sociedade que o condenou e que
acredita que ele mereça uma pena cruel e perpétua.
Quando a liberdade de imprensa é utilizada para publicação de notícias de
crimes de forma imparcial e sensacionalista, que exponham o suspeito e que o
condenem publicamente está-se ferindo diretamente o princípio da presunção
de inocência, que deve ser preservado, podendo somente ser quebrado, no
âmbito processual, com a observância do devido processo legal.
Diante do que foi exposto com relação à liberdade imprensa e sobre o princípio
da presunção da inocência, conclui-se que esses dois direitos ou garantias
fundamentais se chocam. Portanto, cabe tentar achar solução, com base em
argumentos doutrinários, para o impasse que se vislumbra.
Assim, quando os referidos direitos fundamentais se chocarem deve haver o
uso do princípio da proporcionalidade que “autoriza somente restrições ou
limitações que sejam adequadas, necessárias, racionais ou razoáveis”.
Dessa forma, na colisão entre os dois direitos fundamentais, não sendo
possível a compatibilização entre eles, a liberdade de imprensa deve ceder, de
forma proporcional e adequada, frente ao princípio da presunção de inocência,
uma vez que não é razoável que a liberdade de imprensa prevaleça em
detrimento de direitos e garantias fundamentais do indivíduo.
O STF já se manifestou à cerca dessa problemática e não aceita o “clamor
social” como forma de fundamentar a prisão preventiva, pois “ a admissão
desta medida, com exclusivo apoio na indagação popular, tornaria o Poder
Judiciário refém de reações coletivas. Reações, estas, não raras vezes
açodadas, atécnicas e ditadas por mero impulso ou passionalidade
momentânea”
Nardoni
Um exemplo da grande publicidade dada aos crimes é o caso Nardoni, no qual
o pai de Isabela Nardoni, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Ana Carolina
Jatobá, foram denunciados pelo Ministério Público em razão de suposta prática
de crime doloso contra a vida da menina. Neste caso, antes da propositura da
ação penal pública incondicionada, a mídia publicou durante vários meses,
todos os dias, informações sobre o caso. Houve participação dos meios de
comunicação na fase do inquérito policial, durante a reconstituição do fato
criminoso, assim como simulações sobre o crime foram realizadas em
inúmeros programas de televisão, o que ocasionou a condenação pública do
casal que apenas era tido como suspeito.
Recorda-se que durante um bom tempo qualquer informação que tivesse
relação com o caso era veiculada, até como os réus se alimentavam dentro da
prisão foi divulgado. Houve transmissão, em tempo real, da sentença de
pronúncia, que foi lida pelo Juiz de Direito que a prolatou, bem como o
julgamento pelo Tribunal do Júri, que durou cinco dias, teve cobertura televisiva
e diversos programas de televisão comentaram as teses de defesa e acusação.
A decisão dos jurados, que condenou os réus, foi amplamente divulgada no
cenário mundial com o intuito de comprovar que a justiça teria sido feita, diante
dos clamores públicos pela condenação.
Em relação à influência da mídia no caso Nardoni, cabe citar excelente
exposição de Carla Gomes de Mello:
Tomemos como exemplo, a edição n. 2057, da Revista
Veja, de 23 de abril de 2008. Na capa, estampados estão os
rostos do pai e da madrasta suspeitos de terem assassinado a
menina Isabela. Logo abaixo da imagem, o título impactante,
cujo final nos chama atenção, uma vez que escritos em
tamanho maior e em cores diferentes da utilizada no início do
texto: “Para a polícia, não há mais dúvida sobre a morte de
Isabela: FORAM ELES”.
Flávio Prates e Neusa Felipim dos Anjos Tavares citaram outro exemplo que
teve forte divulgação midiática, que foi o caso Reichtofen, in verbis::
Veja-se, por exemplo, o polêmico julgamento de
Suzane Reichtofen e dos irmãos Cravinhos em que antes do
julgamento ocorrer uma emissora de televisão colocou no ar
um membro do Ministério Público e o advogado de Defesa da
ré. Os dois debateram acerca das teses que seriam usadas
durante o julgamento, ou seja, o julgamento estava
acontecendo no ar, perante o público e o apresentador do
programa exaltando que agora é que se veria se existe justiça
neste país. Como se a condenação de Suzane fosse a exata
medida de justiça para todos os crimes.
A imprensa peca em seu jornalismo investigativo, pois ao retratar a notícia de
forma parcial, divulgando o nome dos envolvidos e seus semblantes, interfere
na vida dessas pessoas e de seus familiares, execrando o suspeito ou
acusado, expondo-o ao julgamento social, pois conforme explicita Marília
Denardin Budó, as notícias sobre os crimes “são tratadas sempre de uma
forma maniqueísta. Divide-se os dois lados da questão: o bem e o mal, sendo
que de cada lado há um estereótipo a ser reforçado, e todos devem assumir
seus papéis”.

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  • 1. A palavra mídia é oriunda do latim e significa meio. Assim, podemos definir, de um modo geral que mídia é o meio/modo com que a informação chega à sociedade, por meio dos mais variados tipos de comunicação (rádios, jornais, televisão, internet, etc). O problema da disseminação das notícias sobre diferentes óticas e diferentes objetivos é que muitas vezes há uma distorção dos fatos que podem acontecer pelo baixo conhecimento jurídico de quem transmite ou pelo fato de querer das maior destaque para a notícia, com finalidade de conquistar maior audiência. Assim, não é difícil se deparar com casos mais graves de manipulação de notícias, como por exemplo quando o fato é veiculado com o intuito de conduzir a opinião popular a um determinado fim, que pode ser, dentre outros, o econômico, político ou social. Encontramos no âmbito dos veículos midiáticos que exploram a criminalidade algumas injustiças. A simples veiculação de uma notícia imputando a suspeita de determinado crime a uma pessoa é feita de tal forma, que leva a sociedade a “condenar” o suspeito imediatamente, e mesmo que posteriormente a suspeita não se confirme, esta pessoa já sofreu danos irreparáveis em sua imagem, moral e dignidade. Mesmo estando assegurada na CF/88 a todos os cidadãos, a liberdade de pensamento, de expressão, de culto, bem como a liberdade de imprensa. Ocorre que, a liberdade de imprensa não pode ser tida como absoluta, sofrendo restrições, nos termos do parágrafo 1º do artigo 220 da CF/88. Sendo assim, as restrições à liberdade de imprensa dizem respeito à honra, à imagem, à intimidade e à vida privada. Bem como, dentro do processo penal, ao princípio da presunção da inocência. Como os crimes possuem grande valor moral, a imprensa aumenta a publicidade quando da prática de um delito, especialmente, quando se trata de crime doloso contra a vida, emitindo juízos de valor sobre o fato delituoso. E, como não há a multiplicidade de opiniões sobre o delito cometido, o leitor
  • 2. acaba por influenciar-se com a única opinião emitida nos meios de comunicação. O mais preocupante é que, muitas vezes, o poder judiciário acaba contaminado e/ou influenciado pela repercussão de uma notícia perante a sociedade. Deste modo, alguns magistrados confundem erroneamente a garantia da ordem pública, que autoriza a decretação da prisão preventiva do acusado, conforme Artigo 312, do Código de Processo Penal, com que a doutrina chama de “clamor público” ou social, decretando a restrição da liberdade do acusado por caráter cautelar. Casos:  NARDONI  BRUNO  REICHTOFEN Assim, é notório que os juízos de valor emitidos pela mídia impossibilitam a defesa do acusado e ferem diretamente o princípio da presunção da inocência, pois contaminam a opinião pública. Dessa forma, surgem, por parte da população, manifestações por “justiça”, clama-se pela condenação e pela não impunidade da pessoa que, aos olhos da sociedade, passou a ser a culpada pelo crime. Ocorre a condenação popular do suspeito/réu, não se considerando em que situações o crime foi cometido, se realmente foi praticado da forma que a notícia expõe, os problemas sociais, emocionais e psicológicos que atormentam a vida do indivíduo. Nada disso importa, o que se pretende, muitas vezes, é que essa pessoa seja excluída da sociedade que o condenou e que acredita que ele mereça uma pena cruel e perpétua.
  • 3. Quando a liberdade de imprensa é utilizada para publicação de notícias de crimes de forma imparcial e sensacionalista, que exponham o suspeito e que o condenem publicamente está-se ferindo diretamente o princípio da presunção de inocência, que deve ser preservado, podendo somente ser quebrado, no âmbito processual, com a observância do devido processo legal. Diante do que foi exposto com relação à liberdade imprensa e sobre o princípio da presunção da inocência, conclui-se que esses dois direitos ou garantias fundamentais se chocam. Portanto, cabe tentar achar solução, com base em argumentos doutrinários, para o impasse que se vislumbra. Assim, quando os referidos direitos fundamentais se chocarem deve haver o uso do princípio da proporcionalidade que “autoriza somente restrições ou limitações que sejam adequadas, necessárias, racionais ou razoáveis”. Dessa forma, na colisão entre os dois direitos fundamentais, não sendo possível a compatibilização entre eles, a liberdade de imprensa deve ceder, de forma proporcional e adequada, frente ao princípio da presunção de inocência, uma vez que não é razoável que a liberdade de imprensa prevaleça em detrimento de direitos e garantias fundamentais do indivíduo. O STF já se manifestou à cerca dessa problemática e não aceita o “clamor social” como forma de fundamentar a prisão preventiva, pois “ a admissão desta medida, com exclusivo apoio na indagação popular, tornaria o Poder Judiciário refém de reações coletivas. Reações, estas, não raras vezes açodadas, atécnicas e ditadas por mero impulso ou passionalidade momentânea” Nardoni Um exemplo da grande publicidade dada aos crimes é o caso Nardoni, no qual o pai de Isabela Nardoni, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Ana Carolina Jatobá, foram denunciados pelo Ministério Público em razão de suposta prática de crime doloso contra a vida da menina. Neste caso, antes da propositura da ação penal pública incondicionada, a mídia publicou durante vários meses, todos os dias, informações sobre o caso. Houve participação dos meios de comunicação na fase do inquérito policial, durante a reconstituição do fato
  • 4. criminoso, assim como simulações sobre o crime foram realizadas em inúmeros programas de televisão, o que ocasionou a condenação pública do casal que apenas era tido como suspeito. Recorda-se que durante um bom tempo qualquer informação que tivesse relação com o caso era veiculada, até como os réus se alimentavam dentro da prisão foi divulgado. Houve transmissão, em tempo real, da sentença de pronúncia, que foi lida pelo Juiz de Direito que a prolatou, bem como o julgamento pelo Tribunal do Júri, que durou cinco dias, teve cobertura televisiva e diversos programas de televisão comentaram as teses de defesa e acusação. A decisão dos jurados, que condenou os réus, foi amplamente divulgada no cenário mundial com o intuito de comprovar que a justiça teria sido feita, diante dos clamores públicos pela condenação. Em relação à influência da mídia no caso Nardoni, cabe citar excelente exposição de Carla Gomes de Mello: Tomemos como exemplo, a edição n. 2057, da Revista Veja, de 23 de abril de 2008. Na capa, estampados estão os rostos do pai e da madrasta suspeitos de terem assassinado a menina Isabela. Logo abaixo da imagem, o título impactante, cujo final nos chama atenção, uma vez que escritos em tamanho maior e em cores diferentes da utilizada no início do texto: “Para a polícia, não há mais dúvida sobre a morte de Isabela: FORAM ELES”. Flávio Prates e Neusa Felipim dos Anjos Tavares citaram outro exemplo que teve forte divulgação midiática, que foi o caso Reichtofen, in verbis:: Veja-se, por exemplo, o polêmico julgamento de Suzane Reichtofen e dos irmãos Cravinhos em que antes do julgamento ocorrer uma emissora de televisão colocou no ar um membro do Ministério Público e o advogado de Defesa da ré. Os dois debateram acerca das teses que seriam usadas durante o julgamento, ou seja, o julgamento estava acontecendo no ar, perante o público e o apresentador do programa exaltando que agora é que se veria se existe justiça neste país. Como se a condenação de Suzane fosse a exata medida de justiça para todos os crimes. A imprensa peca em seu jornalismo investigativo, pois ao retratar a notícia de forma parcial, divulgando o nome dos envolvidos e seus semblantes, interfere na vida dessas pessoas e de seus familiares, execrando o suspeito ou acusado, expondo-o ao julgamento social, pois conforme explicita Marília Denardin Budó, as notícias sobre os crimes “são tratadas sempre de uma forma maniqueísta. Divide-se os dois lados da questão: o bem e o mal, sendo que de cada lado há um estereótipo a ser reforçado, e todos devem assumir seus papéis”.