Nesta edição: Capa: o trabalho da avaliação externa do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), realizado com 18 mil equipes de saúde em todo o Brasil. E também: você também pode ler sobre saúde no sistema prisional, atenção integral à saúde do idoso e o programa do governo federal, Brasil Carinhoso.
Revista aborda saúde da família e envelhecimento ativo
1. REVISTA
BRASILEIRA SAÚDE DA FAMÍLIA 32
Publicação do Ministério da Saúde - Ano XIII - maio a agosto de 2012 – ISSN 1518-2355
PMAQ-AB ENTREVISTA
Maya Takagi e o desafio da
ciclo virtuoso que intersetorialidade para a
alcança todo o Brasil alimentação saudável
SORRISO BRASIL CARINHOSO
a amplitude terapêutica promove crescimento e
do NASF desenvolvimento sadios
ENCARTE SAÚDE NAS PRISÕES
originalidade dos Universalidade no SUS
ACS chega a Angola
2. Revista Brasileira Saúde da Família
Ano XIII, número 32, mai./ago. 2012
Coordenação, Distribuição e informações
MINISTÉRIO DA SAÚDE
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Departamento de Atenção Básica
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Larissa Menezes Silva Brasil, Ministério da Saúde, Peter Illicciev - Fiocruz
Marcelo Pedra Machado Multimagens, SES-AC. Capa: Fernando Ladeira
Marco Aurélio Santana da Silva
Mariana Carvalho Pinheiro Colaboração:
Patricia Sampaio Chueiri Marcos Nascimento, Patrícia Jaime, Eduardo Melo,
Patrícia Tiemi Cawahisa Marcos Botelho, Fábio Vieira, Andrigo Wiebling.
Paulynne Cavalcanti
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Distribuição gratuita
Revista Brasileira Saúde da Família / Ministério da Saúde – Ano 13, n. 32
(mai. / ago. 2012). – Brasília : Ministério da Saúde, 2012.
Quadrimestral.
Ano 13, n. 32, publicada pela Gráfica do Ministério da Saúde.
ISSN: 1518 2355
1. Saúde da Família - Periódico. I. Brasil. II. Ministério da saúde. III. Título. IV. Série.
CDU 614
3. SUMÁRIO
CAPA
28 PMAQ-AB e censo: rotas de avaliação pelo Brasil afora
CARTAS
04
EDITORIAL 05 Por um Brasil saudável
ESF EM FOCO
06 Envelhecimento é pauta da 65ª Assembleia Mundial da Saúde
19 Congresso Nacional Conasems
ENTREVISTA
08 Maya Takagi
BRASIL
13 Rio +20
20 Saúde no sistema prisional
40 Brasil Carinhoso
44 Avaliação do Plano de Crônicas
EXPERIÊNCIA EXITOSA
16 Atenção integral a saúde do idoso
46 Sorriso/NASF
CARREIRA 24 Daiani de Bem Borges, farmacêutica
PELO MUNDO 49 Família
DE OLHO NO DAB 36 VI Congresso Internacional de AB
39 World Nutrition
ARTIGO 52 Saúde e trabalho: condições de trabalho do
agente comunitário de Saúde
Departamento de Atenção Básica
Edifício Premium -SAF Sul- Quadra 2 –
Revista Brasileira
Lotes 5/6 –Bloco II –Subsolo Saúde da Família
Brasília- DF – CEP – 70070-600 Nº 32
Fone: (61) 3315-9044
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4. CARTAS
Sou médico com título de especialista em Medicina de Fa- se o Ministério tem protocolos sobre o assunto e, se
mília e Comunidade e soube que nas equipes da Estraté- tem, poderiam encaminhá-los. Obrigada.
gia Saúde da Família em que há presença do médico com
residência médica em Medicina de Família e Comunidade, Sabrina Teixeira (por e-mail)
ou título de especialista na área, haveria direito ao repasse
de mil reais a mais no orçamento mensal da equipe, mas Prezada Sabrina,
não estou conseguindo. Segundo a Secretaria de Saúde
do município em que trabalho, o incentivo ainda não esta- O Ministério da Saúde não adota protocolos específicos
ria vigorando. Gostaria de saber se a informação procede para a prescrição de medicamentos pelo enfermeiro
que atua no PSF.
e o que é necessário para receber tal benefício.
De acordo com a Lei nº 7.498/86, que regulamenta o
Agradeço a informação.
exercício profissional da enfermagem, está entre as
atribuições privativas do enfermeiro a “prescrição de
Marcello Macedo (por e-mail) medicamentos estabelecidos em programas de saúde
pública e em rotina aprovada pela instituição de saú-
Prezado Marcello, de”. A Política Nacional de Atenção Básica define como
competências do enfermeiro a prescrição de medica-
Já tivemos uma portaria que trazia esse incentivo, mas foi mentos e a solicitação de exames complementares, de
revogada. Isso se deve ao advento do Programa Nacional acordo com protocolos ou outras normativas técnicas
de Melhoria do Acesso e da Qualidade e à criação do estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal
adicional de “melhoria do acesso e qualidade”, que in- ou do Distrito Federal. Assim, essa é uma discussão que
clui toda a equipe e leva em consideração o trabalho de- cada Estado ou município precisa fazer de acordo com
as políticas de saúde da atenção básica.
senvolvido, além da organização do processo de traba-
No contexto da Estratégia Saúde da Família, o enfermei-
lho e das diretrizes da Nova Política Nacional de Atenção
ro possui autonomia para exercer algumas atividades
Básica (Portaria GM/ MS nº 2.488/2011). Qualquer dúvida, que visam à continuidade do cuidado, lembrando que
por favor, nos retorne! a prescrição medicamentosa deve estar devidamente
estabelecida em protocolo estadual ou municipal, res-
peitando o sentido de continuidade do cuidado e os sa-
••• beres e competências da profissão.
Segue o link do Manual de Enfermagem do Programa
Estou terminando o curso de Enfermagem e meu tra- Saúde da Família – Ministério da Saúde para ajudar com
balho de conclusão de curso (TCC) tem como tema a a sua pesquisa:
prescrição medicamentosa e a solicitação de exames http://pt.scribd.com/doc/34807294/Livro-Manual-de-En-
pelo enfermeiro que trabalha no PSF. Gostaria de saber fermagem-USP-Ministerio-Da-Saude
Esta seção foi feita para você se comunicar conosco.
Para sugestões e críticas, entre em contato com a redação: comunica.dab@saude.gov.br
A Revista Brasileira Saúde da Família reserva-se ao direito de publicar as cartas edita-
das ou resumidas conforme espaço disponível.
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Revista Brasileira Saúde da Família
5. EDITORIAL
Por um Brasil saudável
Setenta por cento das equipes que aderiram ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenção Básica (PMAQ-AB) já foram avaliadas. Os números são surpreendentes: de maio ao final de agosto,
12.165 equipes de atenção básica foram avaliadas e 47.000 usuários entrevistados. Em 1.810 municípios, 7.236
equipes já estavam com a certificação de qualidade definida e passam a receber a certificação de qualidade, a
partir da qual o município pode garantir até o dobro do recurso repassado por equipe sem adesão ao programa.
Os números foram apresentados na reunião ordinária da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), realizada em
30 de agosto, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
O primeiro ciclo do PMAQ-AB, previsto para terminar na segunda quinzena de setembro, inclui a avaliação
externa de 17.304 equipes de atenção básica nos 3.972 municípios aderidos. Quase 70 mil usuários dos serviços
de saúde foram convidados a opinar sobre o acesso e qualidade da atenção básica à saúde brasileira. São núme-
ros expressivos que puderam ser concretizados pela ação conjunta e parceira entre o Departamento de Atenção
Básica (Secretaria de Atenção à Saúde/ Ministério da Saúde) e 45 instituições de ensino superior e de pesquisa,
que iniciaram os trabalhos em maio e finalizam o primeiro ciclo de avaliação agora, cumprindo os prazos pactu-
ados com o Ministério da Saúde. A divulgação dos dados deve ser feita até o final do ano pelo ministro.
Serão milhões de dados processados que servirão de base para futuras ações do Ministério da Saúde, dos
governos estaduais e municipais e das próprias equipes de saúde, que terão possibilidade de acessar os dados e
continuar o movimento pela melhoria da atenção à saúde dos usuários do Sistema Único de Saúde. A essas in-
formações serão acrescidos os resultados do censo de infraestrutura, que atinge todas as quase 39 mil Unidades
Básicas de Saúde em atividade no País. A realização do censo está prevista para terminar em outubro.
Com a certificação das 17.304 equipes e o encerramento dessa etapa do programa, será iniciado um novo
ciclo, renovando o movimento pela melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica. Mais do que a trans-
parência na gestão, o compromisso das equipes de atenção básica, de saúde bucal, dos municípios e dos Estados
por um Brasil saudável. Usuários do SUS satisfeitos!
Além do PMAQ-AB, que é matéria de capa nesta edição, contamos com matérias que tratam do Programa
Brasil Carinhoso, do Plano de Ações Estratégicas para Enfrentamento das Doenças Crônicas, da experiência exi-
tosa com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) em Sorriso (MT) e a entrevista com a secretária Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Maya
Takagi, entre outras. No encarte, a atuação dos agentes comunitários de saúde em Angola (África) e a formação
possibilitada pelo Telessaúde Redes Brasil aos ACS.
Desejamos a você uma boa leitura.
Departamento de Atenção Básica
Secretaria de Atenção à Saúde
Ministério da Saúde
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6. Envelhecimento é pauta da 65ª
ESF EM
FOCO
Assembleia Mundial da Saúde
Por: Luciana Melo / Fotos: Agência Brasil
“E
nvelhecimento e saúde: uma dicamentos genéricos e propriedade de um mecanismo de resolução, dentro
boa saúde aumenta os anos intelectual foi um dos destaques das da OMS, para que os países membros
de vida” foi o tema da 65ª discussões. A pauta foi liderada pelos tenham maior autonomia para decidir
Assembleia Mundial da Saúde, realiza- membros do BRICS (Brasil, Rússia, Ín- políticas acerca desse assunto.
da em Genebra (Suíça), de 21 a 26 de dia, China e África do Sul). Capacitar as Outro tema relevante, e consenso
maio. Entre os subtemas abordados es- agências reguladoras nacionais e pro- entre os 194 delegados presentes na
tiveram o monitoramento das Metas de mover a cooperação sustentável entre Assembleia, foi a adoção das recomen-
Desenvolvimento do Milênio; prevenção elas foram apontados como cruciais dações da Declaração Política do Rio
e controle de doenças crônicas; sis- para haver maior acesso aos medica- sobre Determinantes Sociais da Saúde
temas de saúde e cobertura universal; mentos e à eficiência de produção e (DSS), que enfatizam a questão dos de-
pesquisa e desenvolvimento; regula- distribuição deles. terminantes sociais, econômicos e am-
mento sanitário internacional; erradica- A União das Nações Sul-Americanas bientais da saúde. Fruto da Conferência
ção da poliomielite; saúde dos adoles- (UNASUL, que integra o Mercosul e a Mundial de DSS, realizada no Rio de Ja-
centes; tuberculose; HIV/aids; nutrição; Comunidade Andina de Nações – CAN) neiro em outubro de 2011, o documento
e vigilância sanitária. defendeu a livre circulação de medica- final prevê a boa saúde, que, segundo
A transferência de tecnologia, me- mentos genéricos e propôs a criação o documento, exige a existência de um
6
Revista Brasileira Saúde da Família
7. sistema de saúde universal, abrangen- sobre a gestão da atenção básica. O mostram que o modelo adotado em
te, equitativo, efetivo, ágil e acessível. termo de cooperação prevê ações nas que o sistema de saúde vai até o usu-
A posição defendida pelo Brasil é de áreas da saúde indígena, de enfrenta- ário tem melhores resultados do que a
que saúde e desenvolvimento sustentá- mento às doenças crônicas transmissí- forma mais tradicional de assistência.
vel estão interligados, e que o bem-es- Observou-se, por exemplo, a redução
tar de todos os povos deve ser a força de 47% da mortalidade infantil (dados
motriz das estratégias de saúde, e não a “...A posição de- do Censo 2010 do Instituto Brasileiro
doença. O ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, em seu discurso no primeiro
fendida pelo Brasil de Geografia e Estatística – IBGE) e da
hospitalização por doenças cardiovas-
dia da Assembleia, falou da importância
da consolidação de uma nova visão so-
é de que saúde e culares e respiratórias.
“O sucesso da Estratégia Saúde
bre a saúde como fator fundamental de desenvolvimento da Família nos mostrou que essa é a
desenvolvimento e justiça social, capaz melhor forma de dar à população bra-
de promover a ideia de que o acesso é sustentável estão sileira acesso aos serviços de atenção
parte dos direitos humanos, e não uma
mera relação de consumo. interligados, e que básica e à rede de atenção à saúde.
Por isso, tornou-se uma das prioridades
Alexandre Padilha também des-
tacou o sucesso do programa de dis-
o bem-estar de to- do Ministério da Saúde consolidar esse
modelo junto às gestões municipais
tribuição gratuita de medicamentos
“Saúde Não Tem Preço”, que já bene-
dos os povos deve e estaduais”, declarou o secretário. O
percentual de cobertura da população
ficiou mais de 10 milhões de brasileiros ser a força motriz pelas equipes de Saúde da Família é de
e, recentemente, priorizou o controle
das doenças crônicas no Brasil. Parte das estratégias de 53,9%, segundo dados do Ministério da
Saúde, de junho deste ano.
do programa, de medicamentos para o
tratamento de hipertensão e diabetes saúde, e não A Assembleia Mundial da Saúde,
principal órgão controlador da OMS,
nas farmácias populares, foi uma das
principais ações de enfrentamento às a doença...” se reúne anualmente em Genebra (Su-
doenças crônicas não transmissíveis íça) para estabelecer as políticas da
no Brasil em 2011. “Em nosso país, veis e não transmissíveis, de telemedi- Organização, que definem as questões
72% dos óbitos decorrem dessas enfer- cina e telessaúde. prioritárias da saúde mundial. As reso-
midades. Com o apoio e liderança da Indicado para apresentar as experi- luções da Assembleia são adotadas
OMS, temos que sair daqui com con- ências brasileiras do Ministério da Saú- pelos delegados dos países membros,
senso sobre metas e indicadores para de, o secretário de Vigilância em Saúde que, atualmente, somam 194 (incluindo
monitorar os avanços nas ações a se- do MS, Jarbas Barbosa, destacou os o Brasil), e por organizações não gover-
rem adotadas ao enfrentamento desse avanços do modelo brasileiro de aten- namentais. Além de discutir o processo
grande desafio”, afirmou o ministro. ção básica, orientado pela Estratégia de reforma da OMS, o mais importante
A atuação do governo brasileiro em Saúde da Família (ESF) e o Programa evento da saúde pública internacional
Genebra incluiu ainda a assinatura de Nacional de Melhoria do Acesso e da tem por objetivo fomentar o intercâmbio
novo termo de cooperação técnica en- Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). de informações e compartilhar experiên-
tre o Brasil e o Canadá e discussões Jarbas mencionou estudos que cias de regulação sanitária mundial.
7
8. ENTREVISTA
MAYA TAKAGI
Por: Fernando Ladeira / Fotos: Ana Nascimento (MDS)
Formada em Piracicaba, a engenheira-agrônoma Maya Taka-
gi destacou-se como uma das coordenadoras do projeto Fome
Zero, desenvolvido e apresentado à sociedade pelo Instituto Ci-
dadania, entre os anos de 2001 e 2002, e incorporado ao Governo
Lula pelo então Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar
e Combate à Fome, entre 2003/4, onde atuou como assessora
especial. Em 2004, ingressou na Embrapa como pesquisadora e,
no ano seguinte, começou a trabalhar no Gabinete Adjunto de In-
formações da Presidência da República.
Seus tempos de sovar massa de pão com as mãos e fazer cami-
nhadas com tranquilidade se foram, e os momentos de lazer estão
reservados para a família e cuidados com os filhos de 7 e 4 anos
de idade. Especialmente após assumir o cargo de secretária na-
cional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), desde feve-
reiro de 2011, no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome (MDS), onde tem tido importante participação na costura
de ações interministeriais em prol da segurança alimentar e nutri-
cional no País.
Maya Takagi conversa com a Revista Brasileira Saúde da Família
(RBSF) a respeito das ações do governo federal que evoluem para
um pacto nacional em favor da retirada de 16 milhões de famílias
da extrema pobreza. Além de medidas que garantam a produção
de alimentos em quantidade e qualidade, com melhor e estraté-
gica distribuição.
RBSF – Como está inserido o sião, foi constituído o Conselho çando a visão de que a segurança
tema da segurança alimentar, Nacional de Segurança Alimentar alimentar deve ser garantida pelo
hoje, dentro do governo federal? e Nutricional (Consea), vinculado Estado brasileiro, União, Estados,
Maya: O tema da segurança ali- à Presidência da República. Ele é municípios e pela sociedade civil,
mentar e nutricional está inserido composto por dois terços da so- de forma participativa.
com peso estratégico de política ciedade civil e um terço do gover- RBSF – Em que ponto o tema e
de Estado desde 2003, quan- no, e esse um terço é formado por a prática caminham, hoje, den-
do foi fortalecido com o projeto 19 ministérios. A secretaria-geral tro das ações de governo?
Fome Zero e com a meta do ex- é de responsabilidade do MDS, Maya: Lançamos a política, essa
-presidente Lula de garantir pelo mas todos os ministérios têm par- institucionalidade que lhe dá con-
menos três refeições ao dia para ticipação importante, ressaltando, cretude, e ainda a Câmara Intermi-
todos os brasileiros. A discussão fundamentalmente, os da Saúde, nisterial de Segurança Alimentar
do Fome Zero foi alçada ao cará- do Desenvolvimento Agrário, da e Nutricional (Cisan), o Consea,
ter de política pública dentro do Agricultura, Pecuária e Abasteci- e já tivemos quatro conferências,
conceito de Política de Segurança mento e o da Educação. Parceiros sendo a quarta no ano passado.
Alimentar e Nutricional e, na oca- que conseguem trabalhar refor- Antes, garantimos o direito à ali-
Revista Brasileira Saúde da Família
8
9. mentação na Constituição Fe- outras políticas. Por exemplo, na mentação. Como estão sendo
deral, em mobilização forte da rede escolar, como levar o tema trabalhados? Pois o Consea
sociedade civil. Então, acho que para as crianças, ou como abor- é formado por dois terços da
um dos principais desafios atuais dar com as famílias que recebem sociedade, e o governo fede-
é fortalecer a noção de direito à o Bolsa-Família que estão melho- ral tem limites na capilaridade,
alimentação adequada e saudá- rando o acesso à alimentação, já que depende dos Estados e
vel, que é o cerne da política hoje. mas não necessariamente com municípios.
Avançamos no acesso à alimenta- uma alimentação diversificada e Maya: Nossa ideia é de que os
ção, de 2003 para cá, e os índices saudável. Melhoramos a condição programas e ações associados à
de desnutrição infantil caíram bas- alimentar, no sentido quantitativo, alimentação incorporem o concei-
tante, em razão de um conjunto de mas precisamos fortalecer ações to do direito a uma alimentação de
fatores de evolução da sociedade, qualidade, e que o controle social,
tais como o crescimento com dis- a sociedade, os monitorem. Na Lei
tribuição de renda, a geração de Orgânica de Segurança Alimentar
“...garantimos o direi-
empregos, o aumento do salário e Nutricional e no decreto que a
mínimo, e o Bolsa-Família teve to à alimentação na regulamentou, estabelecemos
papel fundamental associado a Constituição Federal, a meta de adesão de Estados e
esses fatores. Temos que avançar municípios ao Sistema Nacional
em mobilização forte
bastante no fortalecimento da no- de Segurança Alimentar, Sisan,
ção do direito, superar a noção da da sociedade civil. que articule a União a essas esfe-
alimentação como favor ou algo Então, acho que um ras de governo e sociedade civil.
9 que está sujeito a uso político. Um Os Estados e municípios aderem
segundo ponto fundamental é a
dos principais desafios
ao Sisan, estabelecem um rol de
alimentação adequada e saudá- atuais é fortalecer a compromissos e os incentivamos
vel. Melhoramos o acesso quan- noção de direito à ali- a aderir ao pacto pelo direito hu-
titativo, mas estamos perdendo a mano à alimentação adequada,
batalha da qualidade dos alimen-
mentação adequada e
para fortalecer o conceito de di-
tos que os brasileiros consomem saudável, que é reito e universalizá-lo. No âmbito
todos os dias, que se reflete no o cerne da do Sisan, criamos e conseguimos,
aumento exponencial do sobre- com os 19 ministérios e uma con-
peso e da obesidade nos últimos
política hoje...”
sulta ao Consea, lançar o primeiro
10, 20 anos, com olhar especial Plano Nacional de Segurança Ali-
nas crianças, que vão se tornar os mentar e Nutricional com metas
adultos do futuro com uma série de promoção da alimentação ade- para os próximos quatro anos, ba-
de problemas de saúde. quada e saudável, que está asso- seado no PPA, o Plano Plurianual.
RBSF – Com impacto nos servi- ciada à maior oferta e ao melhor Essas ações serão apresentadas
ços públicos? acesso a esses alimentos, a ques- em próxima plenária, na primeira
Maya: Tem um impacto especial tões de regulação, de campanhas, devolutiva de nossos principais
na rede de saúde pública, por isso de educação para o consumo, objetivos, metas e iniciativas, de
a garantia do direito humano à ali- pois, muitas vezes, as famílias não forma regular, periódica, junto à
mentação adequada e saudável têm a percepção do quanto uma adesão de Estados e municípios
só pode ser realizada de forma in- alimentação adequada afeta posi- – etapa que já estamos iniciando.
tersetorial, porque a ação de um tivamente a sua saúde. Vinte e quatro Estados já aderiram
ministério isoladamente e suas RBSF – Volto aos temas do ao Sisan, com o compromisso de
políticas públicas se estendem a direito e da qualidade da ali- em um ano elaborar planos es-
9
10. taduais de segurança alimentar, e pretendemos chegar a 750 mil. obesidade causados por aspectos
com metas e iniciativas para a ga- Em situações em que não ocorre em comum, em especial o exces-
rantia do direito de uma alimenta- chuva, a cisterna fornece abasteci- so de consumo de produtos ul-
ção adequada e saudável. A etapa mento de água à família para que traprocessados, com quantidade
seguinte será a de adesão dos possa suportar bem esse período. elevada de açúcar, de gorduras
municípios. Queremos atuar de e de sal. É fundamental envolver
Além disso, benefícios e serviços
forma articulada, no nível federal e também outros atores sociais, as-
estruturados tais como o progra-
junto a Estados e municípios. sim como o Ministério da Saúde já
ma Bolsa-Família, a garantia da
Estamos agora na fase de constru- tem dialogado e pactuado com as
safra e a atuação dos profissionais
ção desse sistema, que não será, indústrias de alimentos em rela-
da saúde na Estratégia Saúde da ção ao sal e à gordura trans. O im-
certamente, como o SUS porque
Família servem como anteparos portante é que todos os atores so-
não haverá repasse de recursos,
já que não é uma prestação de importantes para alcançar o direi- ciais tenham consciência de seu
serviços. É mais um estabeleci- to à alimentação. papel e colaborem na construção
mento de conceitos e regulações, de modos de vida saudáveis para
marcos regulatórios e práticas que a população brasileira.
queremos fortalecer dentro do ter- “...Temos que olhar RBSF – E na questão da agri-
ritório brasileiro, de forma articu- cultura? Como tem sido fazer
para o direito à saúde, o acerto entre ministérios para
lada. É um desafio que temos em
construção, faremos oficinas com o direito à alimen- chegar à questão comum da
os Estados pensando na adesão tação, e não dá para segurança alimentar?
dos municípios e em como estru- Maya: O Brasil é um caso emble-
negligenciar o cresci- mático de convivência de uma
turaremos uma comissão tripartite
de pactuação.
mento do sobrepeso e classe produtora empresarial al-
RBSF – Sente que há uma cons- da obesidade causa- tamente tecnificada, voltada para
ciência maior da questão da ga- exportação, com uma agricultura
dos por aspectos em familiar bastante consolidada, fru-
rantia do direito à alimentação?
Maya: – Sim, na situação da seca
comum, em especial o to de um processo de construção
no Nordeste, pelos relatos mu- excesso de consumo de que contou com uma sociedade
nicipais e estaduais e da própria civil bastante mobilizada. Temos
produtos ultraproces-
sociedade civil que atua na região movimentos sociais fortemente
de que a situação de carência
sados, com quantida- atuantes e mobilizados no País
absoluta e do uso político muito de elevada de açúcar, que fazem a diferença, no senti-
forte de distribuição de alimentos do de avançar na consolidação
de gorduras e de sal...”
está diferente hoje, por uma sé- de políticas voltadas para a agri-
rie de motivos: o Brasil avançou cultura familiar. Ao olhar para os
muito na garantia de direitos, nas dados da agricultura familiar que
RBSF – Na questão da qualida-
políticas públicas de saúde e na o Ministério do Desenvolvimento
de da alimentação, por exemplo,
agricultura familiar, por exemplo. Agrário divulga, vemos que ela é
o Programa Saúde na Escola
Atualmente, temos quase 450 mil responsável por 70% da produção
cisternas construídas em parce- (PSE) tem atuado? de alimentos que ficam no Brasil,
ria com a sociedade civil no se- Maya: Temos que olhar para o di- mas exporta também. Acredito
miárido nordestino, que servem reito à saúde, o direito à alimen- que o Brasil já superou a questão
como um instrumento importante tação, e não dá para negligenciar da falta de alimentos para consu-
de convivência com o ambiente, o crescimento do sobrepeso e da mo interno. Temos condições e
10
Revista Brasileira Saúde da Família
11. conseguimos atender à demanda
interna, não temos problema de
insuficiência de produção, e sim
de distribuição, pois há concen-
tração muito grande, por exemplo,
do arroz e do leite em pó no Sul
e, quando é preciso levar estes ali-
mentos para o Norte e Nordeste,
o custo é enorme. É fundamental
desconcentrar e estimular a pro-
dução local, principalmente de ali-
mentos frescos.
RBSF – Como tem sido a rela-
ção com o setor saúde? Como
é a participação e qual o grau
de importância?
Maya: O Ministério da Saúde
tem sido um grande parceiro, um
grande ator na política de segu-
rança alimentar e nutricional. No
ano passado, um dos eixos impor-
tantes anunciados na Conferência
de Segurança Alimentar e Nutri-
cional foi a revisão da Política Na-
cional de Alimentação e Nutrição
(PNAN), publicada no final da dé-
cada de 90. Ele tem sido um par-
ceiro importante no Plano de Pre-
venção e Controle da Obesidade
e articulamos para que esse Plano
fizesse parte do Plano de Ações
Estratégicas para o Enfrentamen-
to das Doenças Crônicas, lançado
no ano passado pelo Ministério da
Saúde. Discutimos e convocamos
consulta pública para o marco
teórico conceitual em educação uma equipe médica tradicional, a carência nutricional, mas outros
alimentar e nutricional, em parce- pode participar ou colaborar tipos de necessidades que per-
ria com os setores da saúde e da com essa questão? mitam seu encaminhamento aos
educação, que sirva de referência Maya:– A equipe de Saúde da serviços de assistência social para
para a atuação dos gestores de Família se insere, primeiro, na inclusão em políticas públicas,
todos os níveis de governo dessas identificação das problemáticas especialmente os programas de
áreas. múltiplas das famílias que afetam transferência de renda. A equipe é
RBSF – Na prática, como uma a sua segurança alimentar e nutri- um dos canais essenciais para a
equipe de Saúde da Família, ou cional, em que se incluem não só busca ativa das famílias em situa-
11
12. ção de vulnerabilidade social, por de vulnerabilidade social do ca-
isso foi inserida como ação a ser dastro único, e certamente envol-
fortalecida no Brasil sem Miséria. “...trabalhávamos ve os ACS, permitindo o acesso
Até o início do ano, trabalhávamos a esses complementos e suple-
com uma estimativa mentos alimentares.
com uma estimativa do governo
de 800 mil famílias, que nem se- do governo de 800 RRBSF – E como se espera reti-
quer são identificadas, para se- mil famílias, que nem rar os 16 milhões de famílias da
rem beneficiadas por políticas. situação de miséria?
sequer são identifica-
Dessas, já inserimos 500 mil no Maya: – Os 16 milhões de famí-
cadastro único, e a rede de saúde
das, para serem bene- lias estão na situação de extrema
é uma porta de identificação muito ficiadas por políticas. pobreza, e trazê-los para uma
importante. A educação alimentar melhor condição é o grande obje-
Dessas, já inserimos
e nutricional pode ajudar bastante tivo do Plano Brasil sem Miséria,
500 mil no cadastro e temos expectativa plena disso.
na orientação da gestante, incen-
tivar a amamentação e a alimen- único, e a rede de Um dos meios é a transferência
tação adequada e saudável. O saúde é uma porta de de renda, para a qual foram fei-
Ministério da Saúde iniciou, recen- tos ajustes no Bolsa-Família, com
identificação muito suplementação de recursos per
temente, uma parceria para forta-
lecer as ações de suplementação
importante...” capita para as famílias na faixa de
de ferro e de vitaminas, que é um extrema pobreza e com crianças
fator de risco, pois a criança pode abaixo de seis anos. Outros dois
ter peso e altura adequados, mas Brasil Carinhoso complementa o eixos são essenciais, o da univer-
apresentar carências nutricionais Brasil sem Miséria e é voltado às salização do acesso aos serviços
importantes. Parte do Programa crianças de famílias em situação das redes de saúde, de educação
e de assistência social, e o da in-
clusão produtiva, promovendo
ações para melhorar a capacita-
ção e oportunidades para que as
famílias tenham maior autonomia
de renda. Quer dizer não só ofer-
tar renda, transferência de renda,
mas também condições para que
ela melhore as condições de in-
serção no trabalho e melhore a
renda. Pela primeira vez, temos
um conjunto de Estados com-
plementando a transferência de
renda do governo federal para
esse público, mostrando que é
uma ação de Estado, de todo o
Brasil, e não de um governo. To-
dos ganham com essa melhoria
da condição de vida da camada
mais pobre do Brasil.
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Revista Brasileira Saúde da Família
Revista Brasileira Saúde da Família
13. ABr
Saúde ganha espaço na Rio+20
BRASIL
Por: Luciana Melo / Fotos: Agência Brasil e Peter Illicciev - Fiocruz Multimagens
O
s riscos que as atuais e futuro que queremos”, com 49 ção de poderes do Programa das
futuras gerações pas- páginas, e uma da Cúpula dos Po- Nações Unidas para o Meio Am-
sam com o descaso pelo vos, além do mar de gente, ideias, biente (PNUMA). As ausências
planeta Terra podem ser ameni- manifestações e reivindicações de Barack Obama (EUA), Ângela
zados por meio de conferências, por um planeta mais sustentável, Merkel (Alemanha) e David Ca-
tratados e protocolos? Depois de foram o saldo da Rio+20, que ter- meron (Reino Unido) também fo-
20 anos da Eco 92 e há poucos minou com opiniões divididas. A ram alvo de críticas.
meses da Rio+20, muitos são os erradicação da pobreza, atrelada A conferência da Organização
desafios a serem ainda soluciona- ao desenvolvimento sustentável, das Nações Unidas (ONU) sobre
dos e lacunas a serem preenchi- citada no documento oficial, foi desenvolvimento sustentável, que
das, porém não há dúvida de que considerada um grande avanço e aconteceu entre 13 e 22 de junho
houve muitos avanços nas discus- diferencial nos debates da Rio+20. no Rio de Janeiro (RJ), teve a par-
sões dos modelos de produção ticipação de quase 45 mil pessoas
O tema introduziu a preocupação
e foi a maior da ONU já realiza-
e consumo da sociedade, e das com a miséria, numa discussão
da. O encontro dos mais de 100
relações entre meio ambiente e que era, anteriormente, direcio-
chefes de Estado e, aproximada-
saúde. Também passamos a ter nada a aspectos econômicos.
mente, 12 mil delegados teve con-
maior consciência dos impactos Houve críticas ao documento
traponto político na Cúpula dos
que causamos com nossos atos, final, e as principais foram as in- Povos, evento paralelo que reuniu
modos de consumo e padrões de definições para responsabilidades 300 mil pessoas no Aterro do Fla-
uso dos recursos ambientais. específicas, incentivos financeiros, mengo. Nessa última, a sociedade
Duas declarações finais, a da discriminação de prazos para a civil e as universidades estiveram
conferência oficial, intitulada “O adoção de medidas e a amplia- à frente de discussões e mobiliza-
13
14. Após negociações, saúde é incluída
A luta pela inclusão da saúde, iniciada pelos brasilei- “Saúde, Ambiente e Sustentabilidade”, da Cúpula dos
ros, no documento da conferência foi vencedora, e nove Povos. Os determinantes sociais e ambientais da saúde,
parágrafos (138 a 146) foram aprovados pelos chefes de os padrões de consumo e meio ambiente, e o desenvol-
Estado. Veja, a seguir, a síntese dos parágrafos e o link vimento sustentável tiveram lugar de discussão no gra-
do documento na íntegra no Saiba Mais: mado oficial dos movimentos sociais.
Um dos debates mais importantes ocorridos na ten-
• O reconhecimento da importância dos determinantes da foi o de segurança alimentar, colocada como um dos
sociais e ambientais da saúde; elementos-chave para a tão almejada transição para um
futuro sustentável. Foi salientada a importância de mu-
• O compromisso com os sistemas universais de saúde;
darmos os sistemas de governança de alimentos e agri-
• Os signatários pedem que todos os agentes pertinen- cultura, e sairmos do modelo da monocultura de lógica
tes participem de ações multissetoriais coordenadas, agroexportadora com elevado uso de agrotóxicos (veja
de forma a atender às necessidades de saúde da po- link para relatório sobre agrotóxicos no Saiba Mais),
pulação mundial; para um modelo agroecológico. Temas como o uso de
transgênicos, o impacto de grandes empreendimentos
• O compromisso em redobrar os esforços no enfren-
sobre o meio ambiente e a saúde e a segurança química
tamento ao HIV/aids, malária, tuberculose, gripe,
poliomielite e outras doenças transmissíveis que também foram abordados.
continuam sendo motivo de grande preocupação
mundial; Objetivos de Desenvolvimento
• O reforço de políticas multissetoriais para a prevenção Sustentável (ODS)
e o controle de doenças crônicas não transmissíveis, No lugar de tratados e protocolos com medidas
como o câncer, as doenças cardiovasculares, o diabe-
mandatórias, estabeleceu-se, durante a conferência,
tes e as doenças respiratórias;
para setembro de 2013, um grupo de trabalho com
• O direito de usar as legislações referentes à proprie- 30 integrantes que decidirá um plano de trabalho
dade intelectual para promover o acesso universal a e uma proposta para os ODS à Assembleia-Geral da
medicamentos;
ONU. Ficou previsto no acordo o lançamento, até
• O estabelecimento de compromissos relativos à saúde 2015, dos ODS que provavelmente irão substituir as
sexual e reprodutiva, garantindo o planejamento fa- atuais metas de desenvolvimento do milênio.
miliar nas estratégias e nos programas nacionais;
Para além dos acordos, fica a pergunta: quem fis-
• O compromisso em reduzir a mortalidade materna e caliza quem? Esta talvez seja uma das maiores ques-
infantil e melhorar a saúde das mulheres, dos jovens tões relacionadas ao pós-conferências. Estados, orga-
e crianças. nismos internacionais ou movimentos sociais seriam
os responsáveis por fiscalizar e impor cobranças reais
Saúde, Ambiente e Sustentabilidade e punições, caso os objetivos e metas não sejam cum-
Além de garantir espaço no documento oficial, o de- pridos? Finda mais uma conferência e fica a lacuna,
bate sobre a saúde também marcou presença na tenda ainda sem solução.
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Revista Brasileira Saúde da Família
Revista Brasileira Saúde da Família
15. ções em torno dos grandes temas Entrevista:
e desafios da crise planetária.
Paulo Buss
Foto: Peter Ilicciev
Outro ponto de encontro da
Rio+20 foi o Forte de Copacaba- Coordenador do Centro de Relações
na, onde o Projeto Humanidade Internacionais em Saúde – CRIS/Fiocruz
2012 ficou instalado e fez enor-
me sucesso de público. De acordo
com dados da prefeitura do Rio
de Janeiro, mais de um milhão de
1) Como foi o processo para in- até vir a ser fatal, pois a crise
cluir o tema saúde na Rio+20? ambiental vai se aprofundando
pessoas participou dos eventos e há um momento de “não re-
paralelos da Rio+20. Foi longo e difícil, pois começou torno”, do qual acho que esta-
Para Ary Carvalho de Miranda, ainda em novembro de 2011, mos muito perto.
quando foi divulgado o draft O documento da Rio+20 afirma
médico e pesquisador da Escola
zero do documento “O futuro que a saúde é uma pré-condição
Nacional de Saúde Pública Sérgio que queremos”, e não havia se- e um resultado importante e in-
Arouca e participante dos debates quer menção ao tema da saúde dicador da consecução dos três
sobre saúde e meio ambiente na humana. O Brasil logo se movi- pilares do desenvolvimento sus-
Cúpula dos Povos, refletir se as mentou e o tema passou a ser tentável (DS). Assume que ações
considerado para os debates em para doenças transmissíveis (en-
resoluções de encontros como a Nova York em março. A contri- tre as quais aids, tuberculose e
Rio+20 correspondem com a rea- buição brasileira foi, então, le- malária) e não transmissíveis
lidade é fundamental, pois para vada ao debate e incorporada (diabetes e hipertensão) são ne-
ele “essas conferências estão dis- como proposta do G77 – os 130 cessárias para reduzi-las e alcan-
países que compõem o Grupo çar os indicadores. Defende a
sociadas da vida real”. Segundo dos Não Alinhados. Finalmen- cobertura universal em saúde e
Ary, os interesses hegemônicos do te, o texto foi tomando corpo a cooperação internacional para
grande capital transnacional são e acabou sendo assumido pela o fortalecimento dos sistemas
os verdadeiros protagonistas da Rio+20 na versão final, com nove de saúde.
parágrafos, um dos mais longos
crise socioambiental e geram uma temas específicos do documento. 3) O debate sobre os temas re-
contradição insolúvel, pois bus-
lacionados à saúde na tenda
cam a solução para a crise criada 2) Qual é a sua leitura do que
“Saúde, Ambiente e Sustenta-
pelo próprio capital. Além de os foi incluído sobre o tema no do-
bilidade” foi produtivo?
Estados não cumprirem os com- cumento final da conferência?
promissos firmados e haver uma Como muitos, eu esperava muito Foi excepcionalmente produtivo
piora mundial nos indicadores de mais da Rio+20, com metas con- e criativo, elaborando inúmeras
fome, índices de desemprego e cretas ecompromissos explícitos propostas que agora os movi-
dos governantes. No entanto, mentos sociais deverão transfor-
acesso adequado à agua. mar em bandeiras permanentes
muitos dos países mais podero-
O Brasil saiu à frente na lide- sos do mundo estão em crise eco- nas esferas nacionais e global.
rança pela inclusão do tema saúde nômica – gerada, aliás, nos paí- O movimento social será fun-
no documento final da conferên- ses centrais do capitalismo global damental para que o legado da
pelo capital financeiro interna- Rio+20 se concretize. Sem uma
cia e nas discussões que antecede-
cional, de forma irresponsável sociedade civil forte, cobrando
ram o evento. Em março, quando – e não quiseram assumir com- dos governos e das Nações Uni-
foi divulgado o rascunho zero, o promissos que implicassem de- das, todas as promessas ficarão
tema saúde não constava e, de- sembolsos financeiros. Isso pode na retórica. É hora de ação!
vido ao esforço conjunto da Fio-
cruz, Ministério da Saúde, Orga-
nização Pan-Americana da Saúde Saiba mais
e parceiros como o Centro Brasi-
Leia o documento oficial da Rio+20, em espanhol:
leiro de Estudos de Saúde (Cebes) http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/LTD/N12/436/91/PDF/N1243691.
e a Associação Brasileira de Saúde pdf?OpenElement
Coletiva (Abrasco), o tema acabou
ocupando nove parágrafos do do-
Leia o relatório da Abrasco a respeito do uso de agrotóxicos:
cumento final. www.abrasco.org.br/UserFiles/File/ABRASCODIVULGA/2012/DossieAGT.pdf
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16. EXPERIÊNCIA
Rio Negro, amigo do idoso
EXITOSA
Texto e fotos: Déborah Proença
A
19 horas de lancha ex- tigos. É o Centro de Convivência pequena e fundamentalmente fe-
presso de Manaus, Santa do Idoso (CCI). minina. Foi quando Rogério propôs
Isabel do Rio Negro, lo- O Centro de Convivência nasceu mudança gerencial na saúde do
calizada no meio da Calha do Rio da vontade de se fazer mais, fazer município, devido à expressiva par-
Negro, impressiona. Com IDH de diferente e de melhorar o que já ticipação de idosos na formação po-
0,548 e 95% de sua população existe. Rogério de Souza Loredo, pulacional da cidade e à demanda
com origem indígena (14 etnias), um médico de Família e Comunida- diferenciada que este público exige.
no quesito saúde do idoso, Santa de acriano que adora desafios, che- “O posto estava sempre congestio-
Isabel vem desbancando muita gou a Santa Isabel em 2009. O Cen- nado. Cuidar de idoso é diferente,
cidade grande por aí. Atividade tro já existia há um ano sob a batuta requer atenção especial e paciên-
física, artesanato, educação bási- de Alzenira de Lima, a Dona Nira. cia”, lembra o médico.
ca, massagem, transporte e me- Até então, o CCI restringia-se a Assim, direcionou-se a deman-
dicamento gratuito e muito mais promover algumas atividades físi- da de cuidado da saúde dos ido-
serviços em benefício dos mais an- cas e artesanato. A frequência era sos, que era dividida entre as duas
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Revista Brasileira Saúde da Família
Revista Brasileira Saúde da Família
17. Unidades Básicas de Saúde (UBS), Dona Angelina, 54 anos. anos de idade, sofreu uma paralisia
para uma UBS construída dentro Dona Angelina, aliás, é um caso e é atendido no CCI. “Não é idoso,
do Centro de Convivência, em que, à parte. Uma das poucas usuárias mas precisa de reabilitação, então
além dos atendimentos às terças e do Centro com menos de 60 anos, vem para o CCI”, diz o médico.
quintas pela manhã, também se integra a nova estratégia de enve- Na estratégia de integralidade do
fornece medicação prescrita. lhecimento ativo, também adotada atendimento, Rogério considera a
Três vezes por semana, os ido- pelo médico. “A tendência é essa. medicina tradicional chinesa e as
sos se reúnem para praticar cami- Hoje o foco não é o envelhecimen- massagens como fundamentais.
nhada, alongamento e ginástica, to, puro e simplesmente, e sim en- Acupuntura, eletroacupuntura,
depois de um reforçado café da velhecer com saúde. Esse é o novo eletroestimulação e massoterapia
manhã. Na volta da atividade fí- paradigma. Vou esperar o paciente são algumas das técnicas utilizadas
sica, feita na praça, é dada pausa ter 60 anos com uma gastrite que para reabilitar e tratar dos idosos.
para a merenda, um verdadeiro eu poderia tratar antes? Não. Faço Dona Maria Peti, 72 anos, é um
almoço às 10h30 da manhã. De- a sondagem no posto. Quando vejo exemplo de envelhecimento ativo.
pois, quem desejar pode fazer alguém muito complicadinho, enca- É uma das poucas moradoras da
artesanato, participar das aulas minho para o CCI. Eu mesmo me en- área rural, e não perde nenhuma
de alfabetização, ser atendido carrego de trazer o fluxograma dele aula. “A atividade física dela come-
pelo médico na UBS ou ser levado pra cá, pois trabalhamos, aqui, com ça ainda em casa, quando pega a
para casa pela Kombi do CCI (que uma estratégia mais integral”. canoinha, atravessa o rio e caminha
busca e deixa todos na porta de Outra situação diferenciada são até aqui. Ela não pede o transpor-
casa). “Ah, melhorou demais. Tem os usuários que necessitam de rea- te”, conta Dona Nira. “No come-
até transporte pra gente”, conta bilitação. Vitor, com apenas quatro ço, meu marido ficava com ciúme,
Prêmio em Portugal
Pensando grande, como dizem conhecer o Centro de Convivência. para todos os idosos, inclusive os
os caboclos amazonenses, a equi- Ficaram admirados com a experi- que estão frágeis, fisicamente in-
pe do Centro de Convivência do ência”, lembra o médico Rogério. capacitados e/ou que requerem
Idoso (CCI) está sempre antenada No ano europeu do envelheci- cuidados especiais. Nesse sentido,
em oportunidades. Foi assim que mento ativo, o prêmio foi entre- as pessoas com mais de 60 anos
conquistou uma Menção Honrosa gue no 1º Congresso Internacional podem ser uma presença e partici-
no prêmio “Inovação no Envelhe- do Envelhecimento, que faz parte pação valiosa para suas famílias e
cimento”, edição 2011, promovido de uma série de ações integradas sociedade, desde que o ambiente
pela associação portuguesa “Ami- para disseminar o conceito de possibilite.
gos da Grande Idade”. A inten- que o envelhecimento precisa ser Assim, em 2005, surgiu a ideia
ção era incentivar pesquisadores encarado como uma experiência do projeto mundial “Cidade Ami-
e instituições sociais e de saúde a positiva, em que uma vida mais ga do Idoso”, desenvolvido pelos
refletirem sobre o envelhecimento longa pode ser acompanhada de médicos Alexandre Kalache e Lou-
em Portugal (especialmente) e no oportunidades contínuas de saú- ise Plouffe, com apoio da Organi-
mundo e seus possíveis projetos. de, segurança e participação nas zação Mundial da Saúde (OMS),
“Foi show lá! Nós fomos os úni- questões sociais, econômicas, cul- em 33 cidades de todo o mundo.
cos brasileiros a ganhar uma men- turais, religiosas e civis, e não so- Segundo o guia deste projeto,
ção honrosa. O diretor do Instituto mente como a capacidade de estar “em termos práticos, uma cidade
do Envelhecimento e professores fisicamente ativo ou de fazer par- amiga do idoso adapta suas es-
da Universidade de Lisboa, e os do te da força de trabalho. truturas e serviços para que sejam
Centro de Reabilitação de referên- O objetivo do envelhecimento acessíveis e promovam a inclusão
cia de Lisboa, e que atende o país ativo é aumentar a expectativa de de idosos com diferentes necessi-
todo, estão doidos para vir aqui e uma vida com saúde e qualidade dades e graus de capacidade”.
17
18. mas depois ele viu que eu melhorei, O Brasil em branco e preto envelhecer. Se você pensar, no sé-
fiquei mais feliz, voltei a rir e a con- culo passado só se conhecia um
versar. Ele é apaixonado por mim!”, Com uma população estima- dos quatro avós. Hoje, a criança
entusiasma-se Dona Peti. da em 21 milhões de pessoas com que nasce conhece os quatro”.
Para o pleno funcionamento des- mais de 60 anos, a expectativa de Com um perfil cada vez mais
vida dos brasileiros cresce a cada ativo, é preciso (re)pensar estra-
te modelo de gerenciamento espe-
geração. Se na década de 70 a tégias que abranjam as necessida-
cífico para o idoso, Rogério destaca
proporção de idoso não extrapo- des desse grupo. Acompanhando
que se devem abranger socialização esta evolução, o Ministério da
lava 4%, hoje passa de 11%. E, de
e abordagem educativa. “Essa es- acordo com projeções do IBGE, Saúde (MS) lançou, em 2003, a
tratégia é muito importante, ainda essa porcentagem crescerá para Política Nacional de Saúde do Ido-
mais pra comunidade indígena, que 18% em 2030 e 29% em 2050, ul- so, estabelecendo diretrizes para
a informação deles é mais oral”. trapassando a casa dos 60 milhões o cuidado e focando sua atua-
“Trabalho com metas e a minha de pessoas. É a faixa da popula- ção junto a Estados e municípios,
ção que mais cresce atualmente principalmente em capacitações
primeira foi fazer o modelo de ge-
no País, tanto pela expectativa de profissionais.
renciamento específico pro idoso.
vida, que aumentou, quanto pela
Um modelo de atenção para atu-
taxa de natalidade, que diminuiu. Saiba mais
ar na prevenção, no tratamento e
Karla Cristina Giacomin, presi- Do que o Ministério da Saúde faz para
na reabilitação. A gente consegue dente do Conselho Nacional dos o idoso!
fazer isso aqui. A gente previne, a Direitos do Idoso (CNDI), garante http://portal.saude.gov.br/portal/saude/
gente trata e a gente reabilita”, que essa é uma grande conquista. area.cfm?id_area=153
orgulha-se o médico. “Nunca a humanidade conseguiu
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Revista Brasileira Saúde da Família
19. Congresso Nacional Conasems
ESF EM
FOCO
XXVIII Congresso expande participação e
importância de atores do SUS
Por: Fernando Ladeira/ Fotos: Acervo Conasems
A
“Sustentabilidade do SUS” plantação do Decreto nº 7.508/2011 Durante o congresso, em acor-
foi o tema escolhido para o e a minuta de portaria das diretrizes do com o tema Sustentabilidade
XXVIII Congresso do Conse- para regulação do acesso a ações e do SUS, foram abordadas questões
lho Nacional de Secretarias Munici- serviços de saúde na implementação como a adesão e participação da
pais de Saúde (Conasems), realizado da Política Nacional de Regulação. população, a Ouvidoria, o financia-
entre 11 e 14 de junho, em Maceió O ministro da Saúde, Alexandre mento da saúde, os consórcios pú-
(AL). Evento anual de porte já con- Padilha, na cerimônia de abertu- blicos, a formação dos profissionais,
solidado, reuniu aproximadamente ra do XXVIII Congresso, agradeceu a atenção básica e as redes de aten-
4.850 pessoas entre gestores munici- aos presentes os bons resultados ção à saúde, a assistência farmacêu-
pais, estaduais e federais, represen- que vêm sendo obtidos na saúde da tica, a rede de urgência e emergên-
tantes de conselhos estaduais e mu- população. Citou, por exemplo, em
cia, a saúde na fronteira e a saúde
nicipais e pesquisadores do Sistema relação à saúde bucal, que este ano
indígena, entre tantos outros.
Único de Saúde (SUS). Eles também serão entregues pelo SUS, aproxima-
O presidente do Conasems, An-
participaram de duas realizações pa- damente, 400 mil próteses, o que re-
tônio Carlos Nardi, satisfeito ao
ralelas: o Seminário do Observatório presenta um aumento de quase 18%
final do encontro, ressaltou a im-
Internacional de Políticas e Sistemas em relação a 2011. Informou, tam-
portância da mesa que envolveu
de Saúde e o IX Congresso da Cultu- bém, que a mortalidade materna,
a Frente Nacional de Prefeitos,
ra de Paz e Não Violência. com 1.317 casos registrados entre
em que foi aprovada uma carta-
Os participantes puderam ain- janeiro e setembro de 2010, baixou
da presenciar, no dia 12, a primeira 21% no mesmo período em 2011, re- -compromisso com o SUS enquanto
reunião da Comissão Intergestores gistrando 1.038 mortes. E a dengue, bandeira perene dos municípios.
Tripartite (CIT) – formada por repre- que nos quatro primeiros meses de Segundo Nardi, “a cada congresso,
sentantes do Ministério da Saúde 2010 provocou 467 mortes pelo País, temos mostrado que o evento dei-
(7), Conselho Nacional de Secretá- além de 11.845 casos notificados, xou de ser exclusivo de Secretarias
rios de Saúde (Conass, 7) e do Co- caiu no mesmo período de 2012 para Municipais de Saúde para tornar-se
nasems (7), fora de Brasília após seu 74 mortes e 1.083 casos registrados. um congresso do Sistema Único de
reconhecimento e institucionaliza- Outros agradecimentos foram feitos Saúde, de todos que lutam por uma
ção pela Lei nº 12.466/2011. Entre os pelas ações em cirurgias eletivas e saúde de acesso e qualidade, equi-
tópicos da pauta apreciada, estavam a ampliação de cuidados pela Rede dade e decência, que são os pilares
a situação atual do processo de im- Cegonha, entre outros. de sustentação do SUS”.
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20. PNSSP – o SUS para quem não tem liberdade
BRASIL
Por: Fernando Ladeira / Fotos: Radilson Carlos Gomes e Déborah Proença
A
população carcerária do Brasil é estimada sentenciada com a perda da liberdade estão sen-
em 520 mil habitantes, equivalente a de do implementadas no formato de Unidades Bá-
uma capital como Porto Velho (RO) ou às sicas de Saúde, que ofertam ações e serviços de
populações de municípios de grande porte como atenção básica. Assim, hoje, 159.588 homens e
Juiz de Fora (MG) e Londrina (PR). Homens repre- mulheres encarcerados, 30,69% do total, já estão
sentam 93% desse universo, e as mulheres ape- sob os cuidados do Sistema Único de Saúde (SUS)
nas 7%, mas os tempos mudam e o crescimento em 25 Estados (Quadro 1).
demográfico anual feminino em penitenciárias, Até então, a Lei de Execução Penal (LEP nº
presídios, colônias agrícolas e hospitais de custó- 7.210/1984), anterior à Constituição Federal de
dia é duas vezes maior que o masculino. 1988, regeu o acesso à saúde para os cidadãos
Desde setembro de 2003, quando foi institu- privados de liberdade, e foram criados departa-
ído o Plano Nacional de Saúde no Sistema Pe- mentos ou coordenações de saúde nas Secreta-
nitenciário (PNSSP), as estruturas de saúde es- rias Estaduais de Administração Penitenciária, de
taduais criadas para atender essa população Segurança ou de Justiça.
20
Revista Brasileira Saúde da Família
21. 1 – Estados qualificados ao PNSSP
Critérios de
qualificação (PNSSP)
Para um Estado se qualificar ao Pla-
no Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário, são necessários:
• Enviar ao Ministério da Saúde o
termo de adesão assinado pelos
secretários estaduais de Saúde e
de Justiça (ou correspondentes);
• Apresentar, para aprovação, o Cadastro Nacional de Estabeleci- Se os municípios assumirem as ações
Plano Operativo Estadual (POE) mentos de Saúde (CNES); e serviços de saúde no sistema pe-
no Conselho Estadual de Saúde e nitenciário, por meio de pacto com
na Comissão Intergestores Bipar- • Encaminhar a documentação para
tite, e enviar as respectivas reso- que Estados e municípios recebam os Estados, conforme o §2º do art.
luções e o Plano Operativo para o o Incentivo para Atenção à Saúde 2º da Portaria Interministerial nº
Ministério da Saúde apreciar; no Sistema Penitenciário; 1.777/2003, é necessária a anuência
do Conselho Municipal de Saúde,
• Registrar os estabelecimentos e • Aguardar a publicação no Diário
os profissionais de saúde das uni- Oficial da União da portaria de expressa em ata, e envio desta ao
dades prisionais no Sistema de qualificação. Ministério da Saúde.
Depois de lançado o Plano, 242 estabelecimentos prisionais, Marden Marques, a política pre-
por meio do Decreto Intermi- dos 1.211 existentes no País. tende ampliar os recursos des-
nisterial nº 1.777/2003, o acesso Até o final do ano, a Área tinados aos Estados e municí-
dos encarcerados ao SUS se deu Técnica de Saúde no Sistema Pri- pios e se ajustará ao Decreto nº
por meio de equipes multipro- sional (SISP), do Departamento 7.508/2011, que instituiu – entre
fissionais (médico, enfermeiro, de Ações Programáticas Estraté- outros – as regiões de saúde e o
psicólogo, assistente social, den- gicas (DAPES/SAS/MS), pretende Contrato Organizativo de Ação
tista e técnico de enfermagem), aprovar pela Comissão Interges- Pública (COAP), que funcionam
substituindo, aos poucos, o for- tores Tripartite (CIT) uma políti- sob a ótica de relação interfede-
mato médico-centrado em vigor ca nacional de saúde prisional rativa, com o compromisso legal
na LEP. De 2004 para cá (Quadro que dê amplitude e maleabili- firmado entre União, Estados e
2), já trabalham 269 equipes de dade ao PNSSP. Segundo o co- municípios.
saúde penitenciária (EPEN) em ordenador da SISP, o psicólogo Atualmente, na medida em
21
22. que os estabelecimentos e as pessoas presas têm atendimento lecimentos penitenciários para
equipes se registram no Cadas- mínimo da equipe de saúde de instituir um observatório epide-
tro Nacional de Estabelecimen- quatro horas semanais. Acima miológico em saúde prisional.
tos de Saúde (CNES), os Ministé- de 100 presos, têm carga horária Com isso, poderá direcionar me-
rios da Justiça (MJ) e da Saúde de 20 horas semanais. Para cada lhor os recursos e definir metas
(MS) repassam os incentivos para 500 presos, é definida pelo me- de redução de agravos à saúde
o custeio das ações que desen- nos uma equipe. necessárias para ação das equi-
volvem junto à população car- O Ministério da Saúde está pes e atendimento aos usuários
cerária. Unidades com até 100 realizando pesquisa nos estabe- encarcerados.
2 – Saúde no Sistema Penitenciário
Evolução do número de equipes
cadastradas no Plano
2004 76
2005 171
2006/7 174
2008 199
2009 215
2010 247
2011 269
Número de unidades penitenciárias com equipes: 242.
O presídio estadual
de Três Passos
Texto e foto: Déborah Proença
Em funcionamento desde 15 de setembro
de 2011, a Unidade Básica de Saúde Prisional
era uma demanda urgente para os detentos
de Três Passos, município do noroeste do Rio
Grande do Sul. Com média de 10 a 11 presos
em cada uma das 25 celas (a capacidade é para,
no máximo, quatro), o Presídio Estadual de Três
Passos recebe homens e mulheres de todos os
21 municípios que compõem a região celeiro.
Todavia, grande parte dos 230 presos (cerca de
60%) é de Três Passos e apresenta diferença no-
tória para a equipe de saúde.
“Os detentos do próprio município já esta-
vam em tratamento ou receberam atendimento
nas unidades, são diferenciados. Os demais, mui-
tas vezes, nunca receberam qualquer tipo de as-
sistência em saúde quando estavam vivendo na
sociedade”, afirma Moisés Scherer, dentista da
UBS, membro da equipe e também funcionário
da Superintendência dos Serviços Penitenciários
(Susep). Diego, um dos detentos, é natural de
22
Revista Brasileira Saúde da Família
23. Direitos humanos
Segundo Marden, o Ministério da
Saúde tem como propósito alcançar
a cobertura total da população car-
cerária, os 520 mil cidadãos que es-
tão sentenciados, ou são provisórios,
e perderam o direito à liberdade,
mas não perderam o de acesso à saú-
de, à alimentação e à educação, en-
tre outros. As equipes de saúde exe-
cutam ações de atenção básica que
transversalizam temas como racismo
institucional, gênero, identidade de
gênero, orientação sexual, além das
voltadas a gestantes.
Quando questionados, os dire-
tores informam que nos estabeleci-
mentos prisionais os maiores agravos
à saúde são: 1) Saúde mental (proble-
mas vinculados à depressão devido
ao confinamento); 2) Tuberculose; 3)
DSTs e hepatites virais; 4) Dermato-
ses; e 5) Hipertensão e diabetes.
Portela, outro município, e diz que levantamento da situação da saúde. das 269 equipes de saúde peni-
ficou impressionado com a saúde Antes da inauguração da unidade, tenciária (EPENs) que atendem a
de Três Passos. “Estou com 31 anos não era possível fazer, e hoje é pro- população carcerária brasileira em
e nunca fui ao médico. Aqui, tenho tocolo”, conta o médico Ivo Weis. 242 unidades prisionais que aderi-
recebido acompanhamento”. Eliza- O apoio psicológico e da assis- ram ao Plano. A unidade prisional
beth, por sua vez, detida há quatro tência social, agora inseridos inte- possibilita o atendimento dentro
meses por tráfico de drogas e natu- gralmente no presídio, são funda- da carceragem, com todos os dis-
ral de Três Passos, sempre teve acom- mentais, pois, embora as infecções positivos para segurança da equipe
panhamento pelas eSF do município. e problemas respiratórios sejam de saúde e dos agentes penitenciá-
No Presídio não sentiu diferença al- muito frequentes, a depressão é o rios. Além disso, Marden Marques,
guma no tratamento, “não fui tra- maior problema, principalmente coordenador nacional do Plano
tada de forma diferente por estar entre as mulheres. A maior queixa é Nacional de Saúde no Sistema Pri-
presa”, diz ela. a insônia. “A fala ‘doutor, não con- sional (PNSSP), informa que a cons-
Com a inauguração da unidade sigo dormir’ é muito comum”, afir- trução de uma unidade de saúde
dentro do perímetro de segurança, ma o médico. dentro do presídio tem menos des-
o trabalho em saúde foi reestrutu- Vinculada ao Sistema Único de pesas, pois diminui os gastos com
rado e organizado para atender a Saúde, a Unidade Básica de Saúde o acompanhamento armado dos
todos os detentos, e não somente à Prisional (UBS-P) é regulada pelo detentos às unidades de saúde fora
demanda espontânea. Todas as mu- município tal qual as outras UBS, da detenção. “Gasta-se menos com
lheres, então, realizaram exame pre- com o mesmo padrão de atendimen- escolta, pois diminui-se a quantida-
ventivo; e a triagem e a anamnese to e qualidade. Resulta de uma par- de, lá fora, de presos e de agentes.
de novos presos são feitas rigorosa- ceria entre o município, o Estado e a O constrangimento é amenizado
mente no dia seguinte à detenção. União na medida em que cada um com os policiais e os presos dentro
“Os que entram ficam numa cela dá a sua contrapartida, tanto pela das unidades e, com uma boa aten-
provisória, na primeira noite, e no Secretaria de Saúde quanto pela ção básica, reduzem-se os gastos
dia seguinte seguem para avaliação Saúde da Segurança Pública. com referência e contrarreferência
do médico e do dentista, para um Hoje, Três Passos detém uma para média e alta complexidade”.
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24. Daiani de Bem Borges
Por: Luciana Melo Fotos: D. Borges
A adolescente que gostava de química na escola e ficava se pergun-
tando por que tal medicamento aliviava a dor, ou por que a bombinha de
asma diminuía a falta de ar, é hoje uma atuante farmacêutica do Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF), no Distrito Sanitário Sul de Florianópolis.
Daiani de Bem Borges é natural de Criciúma (SC), mas foi para Florianópolis
estudar e nunca mais voltou. Formou-se em Farmácia, em 2004, e fez mes-
trado na mesma área, em 2006, na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Foi no mestrado que Daiani decidiu tornar-se uma profissional atu-
ante na área: “Eu queria saber como é ser farmacêutica na prática!”, e
em 2007 obteve seu primeiro trabalho na Prefeitura de Florianópolis. No
mesmo ano, fez a especialização multiprofissional em Saúde da Família, na
UFSC, o que ampliou ainda mais seu interesse pela atenção básica.
Em outubro de 2010, Daiani começou a atuar no NASF e viu a oportu-
nidade de desenvolver um trabalho diferente do que vinha fazendo. Ficou
fascinada por trabalhar a saúde na perspectiva do cuidado integral, conhe-
cer o usuário em seu território, estabelecer vínculo e trabalhar com a edu-
cação em saúde.
Fora do trabalho, Daiani gosta mesmo é de estar com a família, cozi-
nhar, viajar, escutar uma boa música e ler. Estar em contato com a natureza
e andar de bicicleta também são obrigatórios para o bem-estar dessa far-
macêutica de Criciúma que adora desafios!
RBSF: Como e quando desco- as atividades que desenvolvo, estão conclusão de curso em uma UBS,
briu sua vocação profissional? a participação mensal nas reuniões onde tive o primeiro contato com
Daiani Borges: Sempre gostei de de equipes de Saúde da Família; as equipes de Saúde da Família
lidar com pessoas e, por isso, de- atendimentos individuais, na UBS (eSF). Antes de começar a trabalhar
cidi fazer o curso de Farmácia. No ou em visita domiciliar e intercon- no NASF, eu era farmacêutica res-
início, minha inclinação era mais sultas. Também participo do apoio ponsável técnica pela farmácia de
pela manipulação, mas no final à gestão das farmácias locais; de referência do Distrito Sanitário Sul,
da graduação tive a oportunidade atividades coletivas, tais como gru- onde são dispensados os medica-
de participar de várias discussões pos de hipertensos, diabéticos, mentos sujeitos a controle especial.
sobre saúde pública e assistência adolescentes e de usuários de me- Na época, em função da grande
farmacêutica, temas que na época dicamentos controlados; e oficinas demanda, eu não tinha tempo para
eram recentes e, simplesmente, me de boas práticas em farmácia com conversar com o usuário e explicar
encantei. Outro universo se abriu os técnicos de enfermagem. Além todas as orientações para o trata-
diante de mim! disso, estou envolvida no projeto mento prescrito. Muitas vezes me
RBSF: Fale um pouco sobre seu Horta na Escola, em que, além de sentia uma mera entregadora de
ambiente de trabalho e da práti- verduras e leguminosas, introduzi- medicamentos, e isso me angustia-
ca profissional. mos algumas plantas medicinais. va muito. Daí, em 2008, foi publica-
Daiani Borges: Eu matricio 14 RBSF: O que a levou à Saúde da da a portaria que instituiu o NASF e
equipes, distribuídas em oito Unida- Família? eu a vi como uma oportunidade de
des Básicas de Saúde (UBS). Entre Daiani Borges: Fiz meu estágio de contribuir para a promoção do uso
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Revista Brasileira Saúde da Família
25. racional de medicamentos. Acredito etc.) junto às equipes SF possibilita
que, quando uma pessoa tem co- a ampliação das ações de saúde na
nhecimento a respeito de sua doen- “...o farmacêutico atenção básica, por meio de uma
ça, e sabe por que e para que toma rede de cuidados. O último motivo,
os medicamentos prescritos, pode pode ajudar no mas não menos importante, é que
reforçar sua adesão e colaborar na aumento da adesão para mim o trabalho multiprofissio-
resolutividade do seu tratamento. nal é desafiador e enriquecedor.
RBSF: Foi uma opção mais ra-
aotratamento, dobramentos. Hoje, mesmo tendo
cional ou emocional? tornandoas ações de descoberto outra doença grave e
Daiani Borges: Foram as duas coi- apresentando outro prolapso, agora
sas. Não tem como negar que ter es-
saúde na vaginal, ela está comprometida com
tabilidade financeira somada à pos- atenção básica os tratamentos, diminuiu o uso de
sibilidade de maior reconhecimento álcool e estabeleceu residência fixa
mais amplas
profissional foram importantes. No ao conseguir um quarto em uma
entanto, a oportunidade de realizar e resolutivas...” ocupação.
um trabalho diferente daquele que RBSF: Qual a importância do far-
vinha fazendo foi o grande desafio macêutico na equipe do NASF?
que me motivou. Daiani Borges: O profissional far-
RBSF: Dê três motivos para ser dito que os profissionais do Núcleo macêutico, ao trabalhar com orien-
uma profissional do NASF? dão um “plus” às eSF. A presença tação ao usuário, com educação
Daiani Borges: A possibilidade de dos profissionais do NASF (farma- em saúde e com educação perma-
trabalhar a saúde na perspectiva do cêutico, nutricionista, psicólogo, nente, pode ajudar no aumento da
cuidado integral. Eu também acre- educador físico, assistente social adesão ao tratamento, tornando as
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