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Apelação Cível n. 2012.011520-5, de Lages 
Relator: Desembargador Ricardo Roesler 
APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE 
REGIONALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO DE INTERNAÇÕES 
IMPOSTAS AOS MENORES EM CONFLITO COM A LEI PENAL. 
ALEGAÇÃO, PELO ESTADO, DE INGERÊNCIA DO 
JUDICIÁRIO. IMPROPRIEDADE. DEDUÇÃO INCIDENTAL DE 
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA ORIGEM, TENDO EM CONTA 
A DISCIPLINA DOS ARTS. 308 A 310 DO CÓDIGO DE 
NORMAS DA CGJ. INAPLICABILIDADE. 
SENTENÇA QUE DETERMINA O ATENDIMENTO 
REGIONALIZADO DOS MENORES SUJEITOS À INTERNAÇÃO 
NA COMARCA DE LAGES, ALÉM DE IMPOR A SEPARAÇÃO 
DO ATENDIMENTO DE INFRATORAS (SEXO FEMININO), E A 
IMPLEMENTAÇÃO DE MAIS DEZ VAGAS. PRETENSÕES QUE 
SE DESTINAM A GARANTIR O CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS PELO MENOR EM CONFLITO COM A LEI 
PENAL PRÓXIMO DE FAMILIARES E DE SUA COMUNIDADE. 
OBSERVAÇÃO DO PRIMADO DA PROTEÇÃO INTEGRAL 
(ART. 124, VI, DO ECA E ART. 227 DA CR). DEDUÇÃO DE 
IMPOSSIBILIDADE EM FACE DA NECESSIDADE DE 
PLANEJAMENTO E DE ORÇAMENTO QUE CONFLITA COM O 
ACORDO, FIRMADO EM JUÍZO (E NÃO CUMPRIDO), PARA 
IMPLEMENTAÇÃO DAQUELAS MEDIDAS. SENTENÇA 
MANTIDA, INCLUSIVE EM RELAÇÃO À MANUTENÇÃO DOS 
EFEITOS DA TUTELA, AMPLIANDO-SE UNICAMENTE O 
PRAZO (FIXANDO-SE 60 DIAS) ÀQUELAS MEDIDAS QUE POR 
SENTENÇA SE IMPÔS O CUMPRIMENTO IMEDIATO. 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 
2012.011520-5, da comarca de Lages (Vara da Infância e Juventude), em que é 
apelante Estado de Santa Catarina, e apelado Ministério Público do Estado de Santa 
Catarina: 
A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, negar 
provimento ao recurso e, em sede de remessa, alterar parcialmente a sentença. 
Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. 
Desembargadores Rodrigo Cunha (Presidente com voto) e Júlio César Knoll. 
Florianópolis, 27 de novembro de 2014. 
Ricardo Roesler 
RELATOR 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
RELATÓRIO 
O Ministério Público propôs ação civil pública em face do Estado de 
Santa Catarina, postulando a regularização dos atendimentos de internação de 
menores em conflito com a lei penal na cidade de Lages. Da inicial consta o seguinte 
relatório: 
Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público, por sua 
Promotora, contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, qualificado, em que postula, 
via liminar, a ser confirmada na sentença, a obrigação de não fazer, consistente na 
restrição de vagas, através de internação no CASE – Centro de Atendimento 
Socioeducativo de Lages, anteriormente denominado CER – Centro de Educação 
Regional de Lages, bem como o CASEP – Centro de Atendimento Socieducativo 
Provisório de Lages, antes chamado CIP – Centro de Internação Provisória, isto é, 
em relação aos adolescentes procedentes de outras regiões do Estado de Santa 
Catarina, sob pena de multa diária no valor de um salário-mínimo por adolescente 
encaminhado. Finalmente, postula a remoção dos adolescentes proveniente de 
outras regiões do Estado, no prazo de 30 dias, igualmente sob pena de multa. 
Requer, também, a imposição da obrigação de fazer, consistente na disponibilização 
de vagas no sistema socioeducativo estadual, especificamente nos estabelecimentos 
situados em Lages, junto ao CASE e CASEP, para adolescentes infratoras, assim 
como o programa para execução da medida socioeducativa de semiliberdade. Junta 
o procedimento administrativo preliminar. 
Disserta sobre a capacidade do CASE e CASEP de Lages, para 38 e 10 
pessoas, respectivamente, bem como sobre o histórico e quadro funcional. Aduz que 
são recebidos adolescentes de todas as regiões do Estado e não existe adequada 
separação, sendo a formação cultural distinta. Sustenta que os adolescentes são 
afastados do município de origem e, consequentemente, da sua família, o que 
compromete o direito previsto na legislação. Aduz que também a segurança da 
comunidade e de outros monitores, atualmente denominados agentes 
socieducativos, está comprometida. Informa que o Estado não demonstrou interesse 
na resolução extrajudicial do problema. Finalmente, argumenta que não existia, à 
época do ajuizamento, instituição adequada para o cumprimento da medida 
socioeducativa de semiliberdade, motivo pelo qual não havia como implementá-la 
nesta região do Estado, inobstante a previsão legal. 
Realizada audiência preliminar de conciliação, restou acordada a suspensão 
da ação pelo prazo de 06 meses, a contar de 25/06/2009, elaborando-se projeto para 
readequação do espaço físico do CER (atual CASE), inclusive espaço para 
adolescentes infratoras; concluída a obra do "CIP e CER" de Itajaí, os adolescentes 
daquela região deviam ser transferidos; quanto aos adolescentes da região 
metropolitana da Capital, deviam ser "permutados" com outros que já estavam aqui; 
qualquer internação de adolescentes fora da região devia ser comunicada ao Juízo, 
com certidão de antecedentes; finalmente, fixou-se o prazo de 90 dias para o início 
do programa de semiliberdade (fl. 479). 
À fl. 486 consta ofício subscrito pelo então diretor do departamento de justiça e 
cidadania, datado de 08/12/2009, em que informa o início das atividades da casa de 
semilliberdade de Lages, bem como o início das obras de "reforma, ampliação e 
adequação do espaço físico, bem como a construção da ala feminina", prevista para 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
o início de 2010. 
O Ministério Público manifestou-se nos autos, insistindo no deferimento da 
liminar. 
O Estado foi citado (fl. 500v), mas não há notícia de resposta em tempo hábil. 
(fls. 524-525) 
Acolheu-se em parte os pedidos formulados, nestes termos: 
Pelo exposto, JULGO procedente, em parte, o pedido formulado pelo 
MINISTÉRIO PÚBLICO contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, para condenar o 
requerido ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na reserva de vagas no 
CASE/Lages do mínimo de metade para condenados ao cumprimento de medida 
socieducativa de internação por este Juízo. O restante deve ser destinado, 
prioritariamente, às demais Comarcas integrantes da região Serrana (municípios 
integrantes da AMURES) e, sucessivamente, às demais Comarcas do Estado, 
respeitada a proximidade da residência do infrator. As vagas do CASEP devem ser 
destinadas somente aos adolescentes cuja intervenção provisória foi determinada 
pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lages e das outras 
Comarcas da região Serrana (municípios integrantes da AMURES). Surgindo novas 
vagas no CASE, mediante análise de substituição da medida socioeducativa por este 
Juízo, devem ser imediatamente transferidos do CASEP os que lá se encontram em 
cumprimento de medida socieducativa de internação (não provisória), 
independentemente da reserva mínima de vagas da CASEMI – casa de 
semiliberdade também devem ser destinadas com exclusividade aos adolescentes 
da região serrana (municípios integrantes da AMURES), priorizando-se a concessão 
de vaga aos procedentes do CASE (P). Qualquer transferência de internos deve ser 
precedida de comunicação ao Juízo, em cumprimento desta decisão. E, ainda, 
condenar o requerido ao cumprimento da obrigação de não fazer, consistente na 
vedação da internação CASEP de Lages de infratores procedentes de outras 
Comarcas que não as da região Serrana (municípios integrantes da AMURES), bem 
como, vedar a internação no CASE, em relação à metade das vagas reservadas, de 
infratores procedentes de outras regiões do Estado de Santa Catarina. 
Excepcionalmente, admitir-se-á a internação provisória de adolescentes provenientes 
de outros Estados, mas o DEASE deve proceder o imediato encaminhamento ao 
município de origem, mediante requisição de vaga, sob determinação judicial. E, 
finalmente, para condenar o réu ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente 
na implementação do número mínimo de 10 (dez) vagas, em local distinto do prédio 
do CASE/CASEP, destinadas ao cumprimento da medida socieducativa de 
internação pro infratoras (sexo feminino). 
Presentes os requisitos legais, ANTECIPO A TUTELA, determinando o 
imediato cumprimento dos dispositivos da sentença, sob pena de multa diária no 
valor de R$ 1.000,00 nos termos do art. 461, § 4.º, do CPC, exceto quanto à 
implementação de vagas para infratoras, em relação ao qual fixo o prazo de 06 (seis) 
meses, a partir desta data. 
Em consequência, JULGO extinta a ação 039.09.005255-0, com fulcro no art. 
269, I, do CPC. (...). (fls. 531-533) 
Houve pedido de suspensão da tutela concedida, em parte acolhido – 
em termos práticos suspendeu-se a antecipação, em toda sua extensão (fls. 
581-587). 
Sobreveio recurso do Estado, em que deduziu, inicialmente, a 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
impossibilidade do Judiciário intervir no âmbito de gerência do Executivo, concluindo 
pela carência da ação. Ademais, mencionou que a intervenção nos centros de 
internação somente poderiam ser opostas pelo juízo de correição, nos termos dos 
arts. 308 a 310 do Código de Normas; logo, o juízo sentenciante seria incompetente. 
Em relação ao mérito, afirmou observar a legislação de proteção da criança e do 
adolescente, e que a sentença, tal qual firmada, impõe o tratamento desigual entre os 
internados. Disse que não se poderia, ademais, dispor de medidas regionalizadas, 
considerando que o serviço é uno em todo o Estado. Asseverou, ainda, atender 
minimamente as exigências legais, informando também que estão em andamento 
estudo de políticas de melhoria do sistema, mas que demandam certa logística e, 
principalmente, o aporte de receitas. Prequestionou, por fim, os dispositivos 
invocados. 
Houve contrarrazões (fls. 590-602). 
Nessa instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e 
desprovimento do apelo (fls. 610-616). Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral 
de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Sandro José Neis. 
É o relatório. 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
VOTO 
Trato de recurso interposto contra sentença que, acolhendo em parte a 
pretensão ministerial, determinou o implemento de medidas a fim de regularizar o 
trânsito de menores em conflito com a lei penal na cidade de Lages, sobretudo para 
regionalizar o atendimento dos menores naquela comarca. 
A temática inicial de defesa é recorrente; num primeiro momento o 
Estado deduziu a impossibilidade jurídica do pedido em face do primado da 
separação dos poderes. Não é o caso. 
É fácil notar que cada vez mais há a necessidade de intervenção judicial 
para a solução de políticas públicas mínimas. Daí tanto se questionar, de um lado, o 
que se rotula desavisadamente como certo ativismo judiciário indevido, e de outro a 
eventual limitação do Poder Público de fazer frente àquelas exigências por vezes 
mais elementares. 
Tenho que o Poder Judiciário está legitimado para controlar, determinar 
e formular as atividades desenvolvidas pelo Estado quando sua omissão, além de 
evidente, revela-se perniciosa. O princípio da separação dos poderes, corretamente 
interpretado no Estado Democrático de direito (que incide sobre a realidade social, 
para modificá-la), significa que o Estado, único, atribui constitucionalmente o exercício 
de suas funções a determinados órgãos, que as exercem primariamente, sem 
interferência dos outros em suas atividades, mas sobre essas atividades paira o 
controle dos atos dos demais "poderes" pelo Judiciário. Por outro lado, admite-se hoje 
o controle do Judiciário sobre o mérito de determinados atos administrativos. Não há 
mais atos discricionários que escapem do controle do Judiciário (ao menos 
formalmente). 
Essa intervenção, evidentemente, não é deliberada. E quais são essas 
circunstâncias- Em tema de políticas públicas, o Poder Judiciário pode interferir para 
implementá-las, na omissão do poder público, ou para corrigi-las, se não se 
adequarem aos objetivos constitucionais. Trata-se em última análise, de controle de 
constitucionalidade. O sistema brasileiro herdou a tendência – hoje realidade – de 
judicialização da política diretamente da judicial review norte-americana, introduzida 
em 1891 pela decisão do juiz Marshall no caso de Malbury x Madison (1803, quando 
a Suprema Corte dos EUA instituiu o controle judicial de constitucionalidade das leis – 
controle de constitucionalidade difuso – marca do constitucionalismo ocidental). E é 
oportuno lembrar que o modelo constitucional brasileiro, desde a Constituição 
Republicana inspira-se no sistema norte-americano. 
No que se refere a eventual intervenção judicial, o Supremo Tribunal 
Federal tem fixado as seguintes balizas: 1 - a o mínimo existencial (núcleo duro dos 
direitos sociais, essencial à dignidade humana), também pressuposto de sua imediata 
judicialização.; 2 – a razoabilidade do pedido (individual ou coletivo) em contraposição 
à irrazoabilidade da atuação do poder público; 3 – a reserva do possível (existência 
de verba orçamentária). O Supremo Tribunal também tem afirmado que, tratando-se 
do mínimo existencial, ele deve ser imediatamente satisfeito, independentemente da 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
existência da reserva do possível. E assim deverá ser com a educação. 
Maurice Merleau-Ponty, em preciosa monografia sobre o exercício 
dialético, lembra que o discurso político não raras vezes orienta-se por meio de 
alguma filosofia naturalista, bastante adequada, em face de sua generalidade, para 
conter elementos morais (As aventuras da dialética, Martins Fontes, 2006, p. 91 e 
segs.). Na prática, anota o autor, há alguma tentativa de propor uma retórica subjetiva 
para permitir a isenção de determinados deveres e a indulgência gratuita do cidadão, 
sem efetiva demonstração de que há direcionamento da atividade pública aos fins 
próprios ao alcance do bem comum. 
Bem porque esse tipo de retórica confere na maiora das vezes o tom do 
discurso político é que se tem admitido a intervenção do Judiciário. Nesse passo, 
embora não se possa de modo generalizado impor encargos à Administração Pública, 
é possível a intervenção de modo a assegurar a implementação sobretudo de direitos 
fundamentais. Sobre o tema, cito: 
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - 
ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - 
DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 
208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À 
EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER 
PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO 
IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional 
indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu 
desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o 
atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa 
prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta 
significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional 
de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 
'crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e 
atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se 
inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o 
integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o 
próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como 
direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de 
concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, 
nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - 
que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 
211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente 
vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da 
República, e que representa fator de limitação da discricionariedade 
político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do 
atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de 
modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera 
oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, 
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e 
executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, 
determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de 
políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento 
dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - 
mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e 
culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do 
possível'. Doutrina" (RE 410.715-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 
publicado em 03.02.06). 
Não conheço, por isso, da dedução de suposta ofensa ao art. 2.º da CR 
e do art. 32 da CE. 
O pedido, portanto, é viável, ao menos hipoteticamente. No mais é 
disciplina afeita ao mérito, e a apropriação há de ser feita em tempo e modo. 
Com relação à dedução incidental de incompetência do juízo, fundada 
nos arts. 308 a 310 do Código de Normas da CGJ, observo que, não bastasse ser ele 
tardio, é evidentemente sem propósito. O fato de se atribuir, no âmbito administrativo, 
a competência de intervenção imediata em presídios ao juiz-corregedor (é disso que 
tratam aqueles dispositivos) não justifica que se fixe a competência no âmbito judicial, 
sobretudo porque aqui nem mesmo se trata de matéria afim. Soa, bem a propósito, de 
certo modo leviano comparar instituições de recuperação de menores com presídios 
– ainda que o descaso público seja notável, reflexamente, em relação às duas 
instituições. 
Quanto ao mérito, suponho, não há retoques a serem feitos. 
O Ministério Público oficiante na comarca de Lages postulou, em suma, 
a melhoria do atendimento prestado aos menores conduzidos aos centros de 
internação daquela comarca, apontando a necessidade atendimento regionalizado, a 
fim de evitar o indiscriminado encaminhamento de menores de outras localidades; 
postulou-se, ainda, a criação de 10 novas vagas em face da demanda e o 
atendimento especializado às menores (adolescentes do sexo feminino). 
Há, na proposição, não só a expectativa de algum atendimento com 
qualidade, mas sobretudo observar com maior efetividade a vocação desses centros 
– em tese propiciar a recuperação e reinserção dos menores internados – 
permitindo que permaneçam próximo do convívio comunitário e do familiar. 
É fato bem conhecido da comunidade catarinense a carência da vagas 
também para internamento de menores em conflito com a lei penal, bem porque 
recorrentemente é noticiada na imprensa. Trata-se de um quadro bastante 
sintomático, tanto da falta de investimentos na estrutura quanto, e principalmente, na 
preocupação com políticas de prevenção. O pedido do Ministério Público, afinal, é a 
evidência desse notório desarranjo, pois na prática se propõe alguma expansão do 
atendimento – algo que a rigor deveria compor a pauta de políticas mínimas de 
investimento. 
A descortinada urgência de adequação, contudo, deve ser (sempre) 
medida com certa cautela; a necessidade de melhor adequação sobretudo do 
atendimento prestado nestes centros, creio, certamente fosse mais efetiva se 
implementada sistematicamente; o ajuste regionalizado e isolado de atendimento 
pode redundar eventualmente, inclusive, algum desajuste ainda maior, tendo em 
conta que o sistema é visivelmente disfuncional. Medidas dessa natureza são por 
isso, em regra, pouco eficazes, e sempre dependentes de algum arrojo, de certo jogo 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
de malabares que, quando mais, são apenas o exercício do possível. 
Por outro lado, penso que não se possa – não se deva – lançar mão 
de especulações como justificativa para que se evite, ou mesmo iniba, medidas mais 
incisivas de correção. Do contrário se notará, logo adiante, a inversão de valores, tal 
como a que propõe o próprio Estado, chegando ao ponto de afirmar que "a decisão 
recorrida, é certo, confere tratamento privilegiado aos menores infratores de Lages e 
Região Serrana em detrimento daqueles que terão que ser removidos para outras 
localidades, em condições desfavoráveis ou serão impedidos de serem aqui 
internados" (fl. 549). Francamente, suponho que a dedução do Estado por si 
esclareça a falta de compreensão (preocupante!) das autoridades com os menores 
que conflitam com a lei penal, pois se referir a "privilégio" em meio às deficiências já 
instaladas, e ao caos que se avizinha, releva muito mais que o simples desapego e a 
falta de sentimento de humanidade; é o retrato do completo descaso, a fina flor do 
descompromisso público. Justificar-se a manutenção das condições atuais de modo a 
não prejudicar ainda mais os menores internados é no mínimo ultrajante do ponto de 
vista humano. 
Assim, embora não se possa deliberadamente apostar em adequações 
setorizadas como forma de resolver desarranjos tão delicados, não é a partir da 
apatia e da lenidade, ou mesmo do discurso naturalista e protocolar da Administração 
Público que se justificará a inviabilidade de algum ajuste; bem porque, no caso, a 
adequação proposta não tem a amplitude que se brada e a temeridade que se 
pretende incutir. 
No mais, o próprio Estado justifica a necessidade de melhorias: em seu 
recurso é afirmado que atualmente estão disponíveis 58 vagas em todo o Estado, das 
quais 38 em Lages e 20 na regional de Chapecó (fl. 551) – isso porque à época do 
recurso um terceiro centro de internação, situado em São José, estava, veja-se, 
interditado. 
Atualmente, segundo noticia a imprensa local, o Estado conta com um 
novo centro, também em São José, que veio a suceder o antigo centro educacional 
São Lucas (interditado e adiante implodido), com capacidade, ao menos inicial, para 
abrigar 90 jovens (até o fim desse ano), ainda que a demanda inicial fosse, em junho 
passado, de mais de 160 vagas 
(http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/171613-amparo-social.html). Daí se 
percebe que aparentemente qualquer iniciativa administrativa tem invariavelmente 
demandado a prévia intervenção judicial, tal como se percebe na implementação do 
novo centro em São José. 
Remanesce, assim, considerável déficit de vagas. O Estado afirmou que 
há a pretensão de estabelecer atendimento regionalizado, com divisão do 
atendimento em 5 (cinco) macro-regiões (fl. 551). Mas ainda se transita muito plano 
das intenções; a justificativa da mora vem apoiada num surrado e bem conhecido 
discurso: falta tempo, falta planejamento e, sobretudo, orçamento. Ainda que seja 
muito difícil dialogar diante dessas proposições, no caso particular não se pode 
ignorar que o Estado chegou a formular acordo em juízo com o Ministério Público, 
ainda em junho de 2009, nos seguintes termos: 
Gabinete Des. Ricardo Roesler
CLÁUSULA PRIMEIRA – os litigantes resolvem: suspender o andamento da 
presente lide pelo prazo de 06 (seis) meses, dentro do qual será elaborado um 
projeto visando à readequação do espaço físico do Centro Educacional Regional 
(CER), buscando uma solução definitiva para alojamentos coletivos, assim como a 
eventual ocupação de espaço para a ala feminina; o Estado se compromete que 
dentro do referido prazo, uma vez concluídas as obras do CIP e CER de Itajaí, 
efetuará o remanejamento dos adolescentes internos pertencentes àquela região; no 
que diz respeito aos adolescentes oriundos da região Metropolitana da Capital, 
sempre que houver a necessidade internamento, a mesma será efetuada mediante 
permuta com outro adolescente interno da mesma região; fica estabelecido ainda 
que qualquer internação de adolescentes fora da região de abrangência do CIP e 
CER – Lages será comunicada ao Juízo com a respectiva certidão de 
antecedentes; fica estabelecido o prazo de até noventa dias para início do programa 
de semiliberdade (fl. 479) 
O que formalmente passou a compor um acordo quando mais foi 
interpretado pelo Estado como uma carta de intenções, pois não chegou a ser 
cumprido, conforme viria adiante o Ministério Público a relatar (fls. 488-490). Eis em 
síntese a solução dada pelo primeiro grau no julgamento da ação, onde cada um 
cumpriu seu papel, numa liturgia que se segue tanto odiosa quanto cotidiana: a 
Administração, com as promessas (aqui formais), e o Judiciário, com o encargo de 
fazê-las cumprir. 
Daí porque não há mais escusas, e tampouco de alguma retórica de 
maior persuasão; afinal, ainda em 2009 o Estado propôs-se a implementar o que 
pedia o Ministério Público. A supor que não se tratava de um engodo, de uma 
promessa vã, já dispunha, àquela época, de condições para implementá-las, já que 
assim declarou, voluntariamente – inclusive abstendo-se, adiante, de contestar o 
pedido inicial. 
Penso, ainda, que a tutela deva ser resguardada. Lembro que a ação 
originalmente data de 2009, ano em que se firmou o acordo adiante descumprido; a 
sentença, a seu turno, data de dezembro de 2011 (fl. 534). Houve tempo bastante 
razoável até aqui para que se cumprisse obrigações visivelmente singelas. A 
antecipação, portanto, é exigível, considerando, todavia, a suspensão incial 
determinada neste Tribunal (fl. 587), o prazo de cumprimento inicia-se com a 
publicação desta decisão, aguardando-se até 6 (seis) meses para o implemento das 
vagas, e até 60 (sessenta) dias para as demais medidas, contados da publicação. 
Isso posto, nego provimento ao recurso e, em sede de remessa oficial, 
altero a sentença tão somente para dilatar em 60 (sessenta) dias o prazo de 
cumprimento das medidas, as quais foi imposto o cumprimento imediato. 
É como voto. 
Gabinete Des. Ricardo Roesler

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  • 1. Apelação Cível n. 2012.011520-5, de Lages Relator: Desembargador Ricardo Roesler APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE REGIONALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO DE INTERNAÇÕES IMPOSTAS AOS MENORES EM CONFLITO COM A LEI PENAL. ALEGAÇÃO, PELO ESTADO, DE INGERÊNCIA DO JUDICIÁRIO. IMPROPRIEDADE. DEDUÇÃO INCIDENTAL DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA ORIGEM, TENDO EM CONTA A DISCIPLINA DOS ARTS. 308 A 310 DO CÓDIGO DE NORMAS DA CGJ. INAPLICABILIDADE. SENTENÇA QUE DETERMINA O ATENDIMENTO REGIONALIZADO DOS MENORES SUJEITOS À INTERNAÇÃO NA COMARCA DE LAGES, ALÉM DE IMPOR A SEPARAÇÃO DO ATENDIMENTO DE INFRATORAS (SEXO FEMININO), E A IMPLEMENTAÇÃO DE MAIS DEZ VAGAS. PRETENSÕES QUE SE DESTINAM A GARANTIR O CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PELO MENOR EM CONFLITO COM A LEI PENAL PRÓXIMO DE FAMILIARES E DE SUA COMUNIDADE. OBSERVAÇÃO DO PRIMADO DA PROTEÇÃO INTEGRAL (ART. 124, VI, DO ECA E ART. 227 DA CR). DEDUÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE EM FACE DA NECESSIDADE DE PLANEJAMENTO E DE ORÇAMENTO QUE CONFLITA COM O ACORDO, FIRMADO EM JUÍZO (E NÃO CUMPRIDO), PARA IMPLEMENTAÇÃO DAQUELAS MEDIDAS. SENTENÇA MANTIDA, INCLUSIVE EM RELAÇÃO À MANUTENÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, AMPLIANDO-SE UNICAMENTE O PRAZO (FIXANDO-SE 60 DIAS) ÀQUELAS MEDIDAS QUE POR SENTENÇA SE IMPÔS O CUMPRIMENTO IMEDIATO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.011520-5, da comarca de Lages (Vara da Infância e Juventude), em que é apelante Estado de Santa Catarina, e apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina: A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso e, em sede de remessa, alterar parcialmente a sentença. Custas legais.
  • 2. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Rodrigo Cunha (Presidente com voto) e Júlio César Knoll. Florianópolis, 27 de novembro de 2014. Ricardo Roesler RELATOR Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 3. RELATÓRIO O Ministério Público propôs ação civil pública em face do Estado de Santa Catarina, postulando a regularização dos atendimentos de internação de menores em conflito com a lei penal na cidade de Lages. Da inicial consta o seguinte relatório: Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público, por sua Promotora, contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, qualificado, em que postula, via liminar, a ser confirmada na sentença, a obrigação de não fazer, consistente na restrição de vagas, através de internação no CASE – Centro de Atendimento Socioeducativo de Lages, anteriormente denominado CER – Centro de Educação Regional de Lages, bem como o CASEP – Centro de Atendimento Socieducativo Provisório de Lages, antes chamado CIP – Centro de Internação Provisória, isto é, em relação aos adolescentes procedentes de outras regiões do Estado de Santa Catarina, sob pena de multa diária no valor de um salário-mínimo por adolescente encaminhado. Finalmente, postula a remoção dos adolescentes proveniente de outras regiões do Estado, no prazo de 30 dias, igualmente sob pena de multa. Requer, também, a imposição da obrigação de fazer, consistente na disponibilização de vagas no sistema socioeducativo estadual, especificamente nos estabelecimentos situados em Lages, junto ao CASE e CASEP, para adolescentes infratoras, assim como o programa para execução da medida socioeducativa de semiliberdade. Junta o procedimento administrativo preliminar. Disserta sobre a capacidade do CASE e CASEP de Lages, para 38 e 10 pessoas, respectivamente, bem como sobre o histórico e quadro funcional. Aduz que são recebidos adolescentes de todas as regiões do Estado e não existe adequada separação, sendo a formação cultural distinta. Sustenta que os adolescentes são afastados do município de origem e, consequentemente, da sua família, o que compromete o direito previsto na legislação. Aduz que também a segurança da comunidade e de outros monitores, atualmente denominados agentes socieducativos, está comprometida. Informa que o Estado não demonstrou interesse na resolução extrajudicial do problema. Finalmente, argumenta que não existia, à época do ajuizamento, instituição adequada para o cumprimento da medida socioeducativa de semiliberdade, motivo pelo qual não havia como implementá-la nesta região do Estado, inobstante a previsão legal. Realizada audiência preliminar de conciliação, restou acordada a suspensão da ação pelo prazo de 06 meses, a contar de 25/06/2009, elaborando-se projeto para readequação do espaço físico do CER (atual CASE), inclusive espaço para adolescentes infratoras; concluída a obra do "CIP e CER" de Itajaí, os adolescentes daquela região deviam ser transferidos; quanto aos adolescentes da região metropolitana da Capital, deviam ser "permutados" com outros que já estavam aqui; qualquer internação de adolescentes fora da região devia ser comunicada ao Juízo, com certidão de antecedentes; finalmente, fixou-se o prazo de 90 dias para o início do programa de semiliberdade (fl. 479). À fl. 486 consta ofício subscrito pelo então diretor do departamento de justiça e cidadania, datado de 08/12/2009, em que informa o início das atividades da casa de semilliberdade de Lages, bem como o início das obras de "reforma, ampliação e adequação do espaço físico, bem como a construção da ala feminina", prevista para Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 4. o início de 2010. O Ministério Público manifestou-se nos autos, insistindo no deferimento da liminar. O Estado foi citado (fl. 500v), mas não há notícia de resposta em tempo hábil. (fls. 524-525) Acolheu-se em parte os pedidos formulados, nestes termos: Pelo exposto, JULGO procedente, em parte, o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, para condenar o requerido ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na reserva de vagas no CASE/Lages do mínimo de metade para condenados ao cumprimento de medida socieducativa de internação por este Juízo. O restante deve ser destinado, prioritariamente, às demais Comarcas integrantes da região Serrana (municípios integrantes da AMURES) e, sucessivamente, às demais Comarcas do Estado, respeitada a proximidade da residência do infrator. As vagas do CASEP devem ser destinadas somente aos adolescentes cuja intervenção provisória foi determinada pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lages e das outras Comarcas da região Serrana (municípios integrantes da AMURES). Surgindo novas vagas no CASE, mediante análise de substituição da medida socioeducativa por este Juízo, devem ser imediatamente transferidos do CASEP os que lá se encontram em cumprimento de medida socieducativa de internação (não provisória), independentemente da reserva mínima de vagas da CASEMI – casa de semiliberdade também devem ser destinadas com exclusividade aos adolescentes da região serrana (municípios integrantes da AMURES), priorizando-se a concessão de vaga aos procedentes do CASE (P). Qualquer transferência de internos deve ser precedida de comunicação ao Juízo, em cumprimento desta decisão. E, ainda, condenar o requerido ao cumprimento da obrigação de não fazer, consistente na vedação da internação CASEP de Lages de infratores procedentes de outras Comarcas que não as da região Serrana (municípios integrantes da AMURES), bem como, vedar a internação no CASE, em relação à metade das vagas reservadas, de infratores procedentes de outras regiões do Estado de Santa Catarina. Excepcionalmente, admitir-se-á a internação provisória de adolescentes provenientes de outros Estados, mas o DEASE deve proceder o imediato encaminhamento ao município de origem, mediante requisição de vaga, sob determinação judicial. E, finalmente, para condenar o réu ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na implementação do número mínimo de 10 (dez) vagas, em local distinto do prédio do CASE/CASEP, destinadas ao cumprimento da medida socieducativa de internação pro infratoras (sexo feminino). Presentes os requisitos legais, ANTECIPO A TUTELA, determinando o imediato cumprimento dos dispositivos da sentença, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 nos termos do art. 461, § 4.º, do CPC, exceto quanto à implementação de vagas para infratoras, em relação ao qual fixo o prazo de 06 (seis) meses, a partir desta data. Em consequência, JULGO extinta a ação 039.09.005255-0, com fulcro no art. 269, I, do CPC. (...). (fls. 531-533) Houve pedido de suspensão da tutela concedida, em parte acolhido – em termos práticos suspendeu-se a antecipação, em toda sua extensão (fls. 581-587). Sobreveio recurso do Estado, em que deduziu, inicialmente, a Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 5. impossibilidade do Judiciário intervir no âmbito de gerência do Executivo, concluindo pela carência da ação. Ademais, mencionou que a intervenção nos centros de internação somente poderiam ser opostas pelo juízo de correição, nos termos dos arts. 308 a 310 do Código de Normas; logo, o juízo sentenciante seria incompetente. Em relação ao mérito, afirmou observar a legislação de proteção da criança e do adolescente, e que a sentença, tal qual firmada, impõe o tratamento desigual entre os internados. Disse que não se poderia, ademais, dispor de medidas regionalizadas, considerando que o serviço é uno em todo o Estado. Asseverou, ainda, atender minimamente as exigências legais, informando também que estão em andamento estudo de políticas de melhoria do sistema, mas que demandam certa logística e, principalmente, o aporte de receitas. Prequestionou, por fim, os dispositivos invocados. Houve contrarrazões (fls. 590-602). Nessa instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 610-616). Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Sandro José Neis. É o relatório. Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 6. VOTO Trato de recurso interposto contra sentença que, acolhendo em parte a pretensão ministerial, determinou o implemento de medidas a fim de regularizar o trânsito de menores em conflito com a lei penal na cidade de Lages, sobretudo para regionalizar o atendimento dos menores naquela comarca. A temática inicial de defesa é recorrente; num primeiro momento o Estado deduziu a impossibilidade jurídica do pedido em face do primado da separação dos poderes. Não é o caso. É fácil notar que cada vez mais há a necessidade de intervenção judicial para a solução de políticas públicas mínimas. Daí tanto se questionar, de um lado, o que se rotula desavisadamente como certo ativismo judiciário indevido, e de outro a eventual limitação do Poder Público de fazer frente àquelas exigências por vezes mais elementares. Tenho que o Poder Judiciário está legitimado para controlar, determinar e formular as atividades desenvolvidas pelo Estado quando sua omissão, além de evidente, revela-se perniciosa. O princípio da separação dos poderes, corretamente interpretado no Estado Democrático de direito (que incide sobre a realidade social, para modificá-la), significa que o Estado, único, atribui constitucionalmente o exercício de suas funções a determinados órgãos, que as exercem primariamente, sem interferência dos outros em suas atividades, mas sobre essas atividades paira o controle dos atos dos demais "poderes" pelo Judiciário. Por outro lado, admite-se hoje o controle do Judiciário sobre o mérito de determinados atos administrativos. Não há mais atos discricionários que escapem do controle do Judiciário (ao menos formalmente). Essa intervenção, evidentemente, não é deliberada. E quais são essas circunstâncias- Em tema de políticas públicas, o Poder Judiciário pode interferir para implementá-las, na omissão do poder público, ou para corrigi-las, se não se adequarem aos objetivos constitucionais. Trata-se em última análise, de controle de constitucionalidade. O sistema brasileiro herdou a tendência – hoje realidade – de judicialização da política diretamente da judicial review norte-americana, introduzida em 1891 pela decisão do juiz Marshall no caso de Malbury x Madison (1803, quando a Suprema Corte dos EUA instituiu o controle judicial de constitucionalidade das leis – controle de constitucionalidade difuso – marca do constitucionalismo ocidental). E é oportuno lembrar que o modelo constitucional brasileiro, desde a Constituição Republicana inspira-se no sistema norte-americano. No que se refere a eventual intervenção judicial, o Supremo Tribunal Federal tem fixado as seguintes balizas: 1 - a o mínimo existencial (núcleo duro dos direitos sociais, essencial à dignidade humana), também pressuposto de sua imediata judicialização.; 2 – a razoabilidade do pedido (individual ou coletivo) em contraposição à irrazoabilidade da atuação do poder público; 3 – a reserva do possível (existência de verba orçamentária). O Supremo Tribunal também tem afirmado que, tratando-se do mínimo existencial, ele deve ser imediatamente satisfeito, independentemente da Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 7. existência da reserva do possível. E assim deverá ser com a educação. Maurice Merleau-Ponty, em preciosa monografia sobre o exercício dialético, lembra que o discurso político não raras vezes orienta-se por meio de alguma filosofia naturalista, bastante adequada, em face de sua generalidade, para conter elementos morais (As aventuras da dialética, Martins Fontes, 2006, p. 91 e segs.). Na prática, anota o autor, há alguma tentativa de propor uma retórica subjetiva para permitir a isenção de determinados deveres e a indulgência gratuita do cidadão, sem efetiva demonstração de que há direcionamento da atividade pública aos fins próprios ao alcance do bem comum. Bem porque esse tipo de retórica confere na maiora das vezes o tom do discurso político é que se tem admitido a intervenção do Judiciário. Nesse passo, embora não se possa de modo generalizado impor encargos à Administração Pública, é possível a intervenção de modo a assegurar a implementação sobretudo de direitos fundamentais. Sobre o tema, cito: "RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 'crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 8. pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina" (RE 410.715-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, publicado em 03.02.06). Não conheço, por isso, da dedução de suposta ofensa ao art. 2.º da CR e do art. 32 da CE. O pedido, portanto, é viável, ao menos hipoteticamente. No mais é disciplina afeita ao mérito, e a apropriação há de ser feita em tempo e modo. Com relação à dedução incidental de incompetência do juízo, fundada nos arts. 308 a 310 do Código de Normas da CGJ, observo que, não bastasse ser ele tardio, é evidentemente sem propósito. O fato de se atribuir, no âmbito administrativo, a competência de intervenção imediata em presídios ao juiz-corregedor (é disso que tratam aqueles dispositivos) não justifica que se fixe a competência no âmbito judicial, sobretudo porque aqui nem mesmo se trata de matéria afim. Soa, bem a propósito, de certo modo leviano comparar instituições de recuperação de menores com presídios – ainda que o descaso público seja notável, reflexamente, em relação às duas instituições. Quanto ao mérito, suponho, não há retoques a serem feitos. O Ministério Público oficiante na comarca de Lages postulou, em suma, a melhoria do atendimento prestado aos menores conduzidos aos centros de internação daquela comarca, apontando a necessidade atendimento regionalizado, a fim de evitar o indiscriminado encaminhamento de menores de outras localidades; postulou-se, ainda, a criação de 10 novas vagas em face da demanda e o atendimento especializado às menores (adolescentes do sexo feminino). Há, na proposição, não só a expectativa de algum atendimento com qualidade, mas sobretudo observar com maior efetividade a vocação desses centros – em tese propiciar a recuperação e reinserção dos menores internados – permitindo que permaneçam próximo do convívio comunitário e do familiar. É fato bem conhecido da comunidade catarinense a carência da vagas também para internamento de menores em conflito com a lei penal, bem porque recorrentemente é noticiada na imprensa. Trata-se de um quadro bastante sintomático, tanto da falta de investimentos na estrutura quanto, e principalmente, na preocupação com políticas de prevenção. O pedido do Ministério Público, afinal, é a evidência desse notório desarranjo, pois na prática se propõe alguma expansão do atendimento – algo que a rigor deveria compor a pauta de políticas mínimas de investimento. A descortinada urgência de adequação, contudo, deve ser (sempre) medida com certa cautela; a necessidade de melhor adequação sobretudo do atendimento prestado nestes centros, creio, certamente fosse mais efetiva se implementada sistematicamente; o ajuste regionalizado e isolado de atendimento pode redundar eventualmente, inclusive, algum desajuste ainda maior, tendo em conta que o sistema é visivelmente disfuncional. Medidas dessa natureza são por isso, em regra, pouco eficazes, e sempre dependentes de algum arrojo, de certo jogo Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 9. de malabares que, quando mais, são apenas o exercício do possível. Por outro lado, penso que não se possa – não se deva – lançar mão de especulações como justificativa para que se evite, ou mesmo iniba, medidas mais incisivas de correção. Do contrário se notará, logo adiante, a inversão de valores, tal como a que propõe o próprio Estado, chegando ao ponto de afirmar que "a decisão recorrida, é certo, confere tratamento privilegiado aos menores infratores de Lages e Região Serrana em detrimento daqueles que terão que ser removidos para outras localidades, em condições desfavoráveis ou serão impedidos de serem aqui internados" (fl. 549). Francamente, suponho que a dedução do Estado por si esclareça a falta de compreensão (preocupante!) das autoridades com os menores que conflitam com a lei penal, pois se referir a "privilégio" em meio às deficiências já instaladas, e ao caos que se avizinha, releva muito mais que o simples desapego e a falta de sentimento de humanidade; é o retrato do completo descaso, a fina flor do descompromisso público. Justificar-se a manutenção das condições atuais de modo a não prejudicar ainda mais os menores internados é no mínimo ultrajante do ponto de vista humano. Assim, embora não se possa deliberadamente apostar em adequações setorizadas como forma de resolver desarranjos tão delicados, não é a partir da apatia e da lenidade, ou mesmo do discurso naturalista e protocolar da Administração Público que se justificará a inviabilidade de algum ajuste; bem porque, no caso, a adequação proposta não tem a amplitude que se brada e a temeridade que se pretende incutir. No mais, o próprio Estado justifica a necessidade de melhorias: em seu recurso é afirmado que atualmente estão disponíveis 58 vagas em todo o Estado, das quais 38 em Lages e 20 na regional de Chapecó (fl. 551) – isso porque à época do recurso um terceiro centro de internação, situado em São José, estava, veja-se, interditado. Atualmente, segundo noticia a imprensa local, o Estado conta com um novo centro, também em São José, que veio a suceder o antigo centro educacional São Lucas (interditado e adiante implodido), com capacidade, ao menos inicial, para abrigar 90 jovens (até o fim desse ano), ainda que a demanda inicial fosse, em junho passado, de mais de 160 vagas (http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/171613-amparo-social.html). Daí se percebe que aparentemente qualquer iniciativa administrativa tem invariavelmente demandado a prévia intervenção judicial, tal como se percebe na implementação do novo centro em São José. Remanesce, assim, considerável déficit de vagas. O Estado afirmou que há a pretensão de estabelecer atendimento regionalizado, com divisão do atendimento em 5 (cinco) macro-regiões (fl. 551). Mas ainda se transita muito plano das intenções; a justificativa da mora vem apoiada num surrado e bem conhecido discurso: falta tempo, falta planejamento e, sobretudo, orçamento. Ainda que seja muito difícil dialogar diante dessas proposições, no caso particular não se pode ignorar que o Estado chegou a formular acordo em juízo com o Ministério Público, ainda em junho de 2009, nos seguintes termos: Gabinete Des. Ricardo Roesler
  • 10. CLÁUSULA PRIMEIRA – os litigantes resolvem: suspender o andamento da presente lide pelo prazo de 06 (seis) meses, dentro do qual será elaborado um projeto visando à readequação do espaço físico do Centro Educacional Regional (CER), buscando uma solução definitiva para alojamentos coletivos, assim como a eventual ocupação de espaço para a ala feminina; o Estado se compromete que dentro do referido prazo, uma vez concluídas as obras do CIP e CER de Itajaí, efetuará o remanejamento dos adolescentes internos pertencentes àquela região; no que diz respeito aos adolescentes oriundos da região Metropolitana da Capital, sempre que houver a necessidade internamento, a mesma será efetuada mediante permuta com outro adolescente interno da mesma região; fica estabelecido ainda que qualquer internação de adolescentes fora da região de abrangência do CIP e CER – Lages será comunicada ao Juízo com a respectiva certidão de antecedentes; fica estabelecido o prazo de até noventa dias para início do programa de semiliberdade (fl. 479) O que formalmente passou a compor um acordo quando mais foi interpretado pelo Estado como uma carta de intenções, pois não chegou a ser cumprido, conforme viria adiante o Ministério Público a relatar (fls. 488-490). Eis em síntese a solução dada pelo primeiro grau no julgamento da ação, onde cada um cumpriu seu papel, numa liturgia que se segue tanto odiosa quanto cotidiana: a Administração, com as promessas (aqui formais), e o Judiciário, com o encargo de fazê-las cumprir. Daí porque não há mais escusas, e tampouco de alguma retórica de maior persuasão; afinal, ainda em 2009 o Estado propôs-se a implementar o que pedia o Ministério Público. A supor que não se tratava de um engodo, de uma promessa vã, já dispunha, àquela época, de condições para implementá-las, já que assim declarou, voluntariamente – inclusive abstendo-se, adiante, de contestar o pedido inicial. Penso, ainda, que a tutela deva ser resguardada. Lembro que a ação originalmente data de 2009, ano em que se firmou o acordo adiante descumprido; a sentença, a seu turno, data de dezembro de 2011 (fl. 534). Houve tempo bastante razoável até aqui para que se cumprisse obrigações visivelmente singelas. A antecipação, portanto, é exigível, considerando, todavia, a suspensão incial determinada neste Tribunal (fl. 587), o prazo de cumprimento inicia-se com a publicação desta decisão, aguardando-se até 6 (seis) meses para o implemento das vagas, e até 60 (sessenta) dias para as demais medidas, contados da publicação. Isso posto, nego provimento ao recurso e, em sede de remessa oficial, altero a sentença tão somente para dilatar em 60 (sessenta) dias o prazo de cumprimento das medidas, as quais foi imposto o cumprimento imediato. É como voto. Gabinete Des. Ricardo Roesler