Apresentação do trabalho "Por uma queerificação do Catolicismo: disputas de significado sobre fé e sexualidade em narrativas de vida de católicos gays", durante a 3ª Semana de Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Catolicismo queer: disputas sobre fé e sexualidade
1. Por uma queerificação do Catolicismo:
disputas de significado sobre fé e sexualidade em narrativas de vida de católicos gays
Murilo Silva de Araújo Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada Universidade Federal do Rio de Janeiro
2. Motivações
•“Configurações” da homofobia no Brasil
•Relação polêmica entre religiões cristãs e a questão das (homo)sexualidades.
•Trajetória pessoal
–Formação religiosa; vivência gay
–Trabalho de pastoral com jovens gays na Igreja
–Contato com o grupo Diversidade Católica
3. Panorama acadêmico
•Diversos estudos sobre movimento inclusivo protestante/evangélico
•Poucas referências à questão inclusiva no contexto católico:
–Weiss de Jesus (2010); Natividade (2008); Natividade & Oliveira (2009);
–Valéria Melki Busin (2008)
–Machado & Piccolo: Religiões e Homossexualidades (2011)
•Escassez de trabalhos com foco linguístico-discursivo.
4. Percursos de pesquisa
•Dissertação de mestrado: “O amor de Cristo nos uniu”: Construções identitárias e mudança social em narrativas de vida de gays cristãos do grupo Diversidade Católica (Araújo, 2014)
•“Projeto”: uma “queerização” da religião
–Abrir espaço para a discussão do sexo, do corpo, do prazer, da abjeção, permitindo que pessoas LGBT protagonizem a reflexão
•Recortes, desdobramentos, fluxos, repercussões...
5. Percursos de pesquisa
•Eixo de reflexão:
–Existe um processo de queerização do catolicismo; porém
–O campo aberto ainda não é aproveitado do ponto de vista da sexualidade
•Necessidades:
–Revisitar o que estamos entendendo por “queerização”
–Olhar novamente para os dados linguístico-discursivos
8. Análise de Discurso Crítica
•Vivemos em um tempo em que “nada se faz sem discurso”: estudar a linguagem para compreender a sociedade.
•ADC: ramo da Linguística consolidado nos anos 90
–Desenvolvimento de agenda política engajada e crítica no campo dos estudos linguísticos
•Chouliaraki & Fairclough (1999): questões sociais são questões sobre o discurso, e vice-versa.
9. Análise de Discurso Crítica
•Relação dialética:
–A linguagem, ao mesmo tempo em que é moldada e constrangida pela estrutura social, também tem poder de intervenção sobre essa estrutura, na medida em que constitui o mundo em significado.
–Análise social é importante porque justifica a investigação dos textos e discursos;
–Análise linguística é importante porque alimenta a crítica e possibilita compreender os problemas sociais;
10. Teoria Queer
•Movimento surgimento no início dos anos 1980, no contexto da epidemia da AIDS.
–Crítica da política de identidade do movimento de liberação homossexual dos anos 60/70;
–Necessidade de mecanismos mais radicais de atuação;
11. Teoria Queer
•Foucault: sexualidade não é apagada, mas produzida discursivamente.
•Butler: interesse nos modos como a sociedade regula a sexualidade dos sujeitos; como as noções de sexo, gênero e desejo são conformadas enquanto efeitos de determinadas estruturas de poder.
–Gênero (e identidade em sentido mais amplo), não é pré-discursivo, ou, em outro termo, “pré-formado”.
–Somos continuamente (e discursivamente) construídos como efeitos de atos de identidade que desempenhamos como per-formances.
12. Teoria Queer
•Gênero (e identidade) como performativo:
A QUESTION OF DOING, NOT A QUESTION OF BEING
(Sullivan, 2003)
“FAÇO, LOGO EXISTO”
•Não existe um “eu” fora do nível da linguagem: os sujeitos são efeitos e não causas dos seus discursos (SALIH, 2012,)
15. Diversidade Católica
•Surgimento em 2006, no Rio de Janeiro
•Julho de 2007: lançamento do site do grupo
•Frentes de atuação:
–Acolhida e acompanhamento de gays católicos
–Trabalho de publicização do debate
–Reuniões mensais
–Acompanhamento de iniciativas semelhantes no país
–Composição da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT
16. Passeata organizada com a ICM - Betel, em para protesto contra a derrubada no Kit Anti-Homofobia.
23. Isaías
Sou de berço católico, fui batizado com vinte dias de nascido. Enquanto eu morava em Niterói, aqui mesmo no estado do Rio, eu tinha uma vida católica, vamos dizer assim, ativa com a minha madrinha, porque ela sempre me levava pra procissão, festividades da semana santa, dias santos, enfim, sempre ia com ela. Muito cedo eu me mudei pra Campos, que fica aqui no norte do estado, com os meus pais, e lá eu morei dos 8 aos 18 anos. Quando eu fiz 14 anos, eu senti a necessidade de começar a frequentar a missa, tal, e fui num encontro onde eu me encontrei na verdade.
24. Isaías
Dali até agora eu continuei a seguir, participei de grupo jovem antigamente, participei de comunidades, de aliança, tal. Cheguei a ministrar muitas vezes o grupo jovem, cheguei a pregar no grupo de oração, então eu tinha uma vida ativa dos 14 até os 24 anos... muito ativa, né, pra se dizer, na Igreja.
25. Isaías
Aí eu abandonei as lideranças que eu tinha, parei de cantar na igreja, parei de pregar, parei de conduzir grupo jovem, saí da comunidade, e fiquei como apenas como assistente, aquele que vai à missa e vai pra casa.
26. Isaías
eu conheci a Igreja Cristã Contemporânea e passei a frequentar... Só que aquilo não era o que eu tava querendo, que pra mim aquilo ali era um grupo de oração, algo que eu ia toda semana, durante a semana, não me preenchia como a missa me preenche. E... aí eu fui me sentindo vazio ainda, eu ia, gostava, tal, era um momento de louvor, principalmente de encontro muito bom com Deus mas não era o que eu queria, faltava alguma coisa. (Isaías)
27. Ester
Todo domingo eu tinha que confessar, se não eu não podia comungar.
Lá em Fortaleza também eu frequento a igreja, com a minha mãe, de São Vicente. E lá eu sempre comungo também, eu ajudo na missa, faço coleta e leio.
Ezequiel
28. Pertencimento religioso
•Presença de léxico e processos ligados ao campo das práticas/performances:
–Desestabilização da vivência do catolicismo como uma pertença institucional e normativa
–Questão de FAZER, não de SER (e nem mesmo de CRER).
Esse catolicismo, em certa medida, é queer.
30. Ester
Já tinha chegado à conclusão de que definitivamente eu era gay. Eu tinha ficado com uns três ou quatro meninos com quem eu fiquei na minha vida toda... só fiquei!... E definitivamente eu sou gay. Sem sombra de dúvida. (Ester)
31. Daniel
Não tinha consciência de que eu era diferente dos outros e que eu era gay. Então eu achava que todos os meninos também sentiam essa atração e todos reprimiam, isso muito ligado à questão religiosa.
32. Tiago
Essa palavra, essa expressão, “eu ser gay”, era distante da minha prática. E isso só mudou, esse conflito só aconteceu quando eu tive o meu primeiro relacionamento de namoro. E eu encontrei uma pessoa por quem eu me apaixonei e eu não sabia que eu tinha me apaixonado, não tinha ferramentas pra expressar o meu amor.
33. Marta
Eu namorei muitos rapazes. Namorei anos, poderia ter casado. Transei muito com homens. Então nunca tive nenhum problema. Mas também sabia que talvez não fosse aquilo, não sabia o que podia ser. E eu me apaixonei. Quando eu morava aqui no Rio, eu me apaixonei, realmente, por uma mulher, e aí eu vi que esse era o meu caminho.
34. Vivência da sexualidade
•Homossexualidade como essência
•Dimensão do amor/afeto (associado a Deus)
•Ponto de negociação:
–A “consciência” da homossexualidade não pode ser flexibilizada, porque é essência;
–A norma religiosa pode, porque não é ela que configura a identidade e o pertencimento religioso.
35. Potenciais de transgressão
•Construir a pertença através das performances é valioso, porque desestabiliza a norma.
•Construir a sexualidade através da essência é perigoso, porque repercute/reconstrói a norma:
–Norma heterossexual: essencialização das identidades
–Norma religiosa: silenciamento/demonização do sexo como sistema de controle dos corpos
•Fluidez, fricção, conflito, repetição e transformação: desafio de queerizar MAIS o catolicismo.
36. Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Murilo Silva de. “O amor de Cristo nos uniu”: construções identitárias e mudança social em narrativas de vida de gays cristãos do grupo Diversidade Católica. 2014. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2014.
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BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003a [1990].
CHOULIARAKI, Lilie; FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in Late Modernity: Rethinking Critical Discourse Analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999.
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37. Referências Bibliográficas
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______. A Arqueologia do Saber. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012 [1969].
FUZER, Cristiane; CABRAL, Sara Regina Scotta (orgs.). Introdução à Gramática Sistêmico Funcional em Língua Portuguesa. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Artes e Letras, Departamento de Letras Vernáculas, Núcleo de Estudos em Língua Portuguesa, 2010.
38. Referências Bibliográficas
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LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, 2001.
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39. Referências Bibliográficas
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40. Referências Bibliográficas
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VITAL, Christina; LOPES, Paulo Victor Leite. Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Instituto de Estudos da Religião – ISER, 2013.
WEISS DE JESUS, Fátima. A Cruz e o Arco-íris: Refletindo sobre gênero e sexualidade a partir de uma “igreja inclusiva” no Brasil. Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 12, n. 12, p. 131-146, outubro de 2010.
41. Obrigado!
“corpo é alado
corpo é sentido
corpo não é pecado
corpo não é proibido
fora do corpo
não há salvação
corpo é santo
não é perdição.”