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     Arte na indústria
     Por Nadia Saad, artista plástica e ceramista


         Sou ceramista há mais de trinta anos, fruto de um comen-      oportunidade sensorial maior. Elas tinham que crescer. Era
     tário nos corredores da faculdade, “Você fala muito com as        veemente o chamado. Para prosseguir com meu sonho fui em
     mãos”. O meu trabalho é bastante diverso e multifacetado,         busca de um forno maior para fazer crescer as esferas.
     várias são as vertentes. Em meu ateliê sou mais introspectiva,        Apesar de paulistana, razões pessoais e afetivas me leva-
     lá ele é impregnado de mistérios provocativos. Adoro criar        ram ao estado de Minas Gerais. Bati às portas da Cerâmica
     situações onde o resultado instiga a imaginação do obser-         Parapuan, situada em Pará de Minas. Imediatamente fui
     vador. Muitas vezes, ele, o observador, não se contenta em        arrebatada por aquela visão das manilhas e logo mudei meu
     apenas olhar, toca furtivamente, às vezes até cheira o trabalho   projeto. Interrompi a ideia das esferas enormes para eu
     na ânsia de descobrir o que é aquilo.                             mesma “mergulhar” nas manilhas. A circularidade, o dentro e
         Em uma das vertentes de meu trabalho faço esferas onde o      o fora, o escuro... Foram os conceitos que as aproximaram das
     dentro e o fora se revelam, criando meu próprio universo de       esferas, naquela visão estonteante. Iludida assim, dei início a
     planetas. Na evolução de meu processo criativo era premente       uma nova empreitada. Durante meu processo criativo sempre
     que a provocação fosse ampliada. Eu queria que o Observa-         estabeleço vários diálogos com a matéria, com o visível e o
     dor, literalmente, mergulhasse dentro das esferas; tivesse uma    invisível.



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No entanto, lá na indústria, no afã de produzir, nem dei
                            atenção a alguns fatos. As manilhas remetem a um simbolismo
                            próprio que traduzem combinações subjetivas de sentimentos
                            e pensamentos de outra instância ao mesmo tempo em que
                            podem ser associadas a formas existentes na natureza. Se vistas
                            como colunas, já foram amplamente usadas no decorrer da
                            história do homem. Sua verticalidade é pungente, a simetria
                            é absoluta! Também, desconsiderei alguns quesitos técnicos
                            como o tipo e o ciclo da queima, a qualidade da argila e a forma
                            como são fabricadas. As manilhas “nascem” para serem tratadas
                            como manilhas. Eu queria dar a elas o mesmo tratamento que
                            dava às minhas esferas, queria trilhar os mesmos caminhos.
                            Diante disso, retrocedi alguns passos e me abri, novamente, ao
                            desconhecido.
                                A atração que as manilhas me provocavam era cada vez mais
                            forte. Perguntei-me: Então, o que fazer? Diante do conflito,
                            nasceu uma inspiração. A dica era a luz. Iniciei a construção de
                            luminárias escultóricas, totens. E assim surgiu outra vertente de
                            meu trabalho, mais recente. Design em cerâmica, voltada para a
                            arquitetura e também decoração. Aos poucos, os funcionários



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da empresa Cerâmica Parapuan foram se interessando e se apro-
ximando, com muita curiosidade sobre meu trabalho. E nesse
mesmo tempo, ao andar pela fábrica, percebia que aqui e ali
havia alguns trabalhos dos funcionários. Eram bichos realizados
em formas ou modelagem, alguns utilitários como tijelas para
animais, casinhas feitas a partir de tijolos cerâmicos, pequenos
oratórios e cofrinhos para moeda. Tudo muito timidamente
realizado.
    O momento crucial foi a notícia do 3º Salão e Congresso
Nacional de Cerâmica de Curitiba-PR. Consultados os donos
da empresa e os funcionários sobre sua participação no Salão,
não houve hesitação. Formou-se o Grupo Parapuan. Desde
então, já foram enviados trabalhos dos funcionários para alguns
salões, como 3º Salão de Curitiba, Bienal Naif de Piracicaba-SP
e Grande Exposição de Arte Bunkyo na Sociedade Brasileira
de Cultura Japonesa em São Paulo. Todo o processo foi uma
surpresa. Não imaginava que seu desdobramento tocaria em
algo para além do meu trabalho e da vida dos funcionários da
fábrica: O Projeto Parapuan – Arte na Indústria. Um projeto de
inclusão social.



                                                                   TempoCeramico.com.br
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Foto: Matheus da Costa




         Ouvi depoimentos espontâneos de funcionários da empresa              e esculturas belíssimas em manilhas e tijolos. O que mais me
     Parapuan ao se depararem com o resultado do processo criativo            fascina é como o olhar efervescente de um imaginário estimu-
     no qual eles se engajaram, por conta do projeto: “- Puxa, quanta         lado é capaz de transformar um objeto projetado para ficar na
     coisa! Tantos anos aqui e nunca pensei que isso fosse possível!” “- Se   horizontal, enterrado, no escuro, úmido, esquecido, revelar sua
     não fosse por você, tudo isso ficaria escondido aqui dentro.” Nesse      nobreza e dignidade, antes invisíveis; e tudo por causa de um
     período chegou-me às mãos a frase de Yoko Ono e que Raul                 sonho, a busca de um forno maior, as manilhas foram trazidas
     Seixas também cantou: “Um sonho sonhado por um é só um sonho             à tona e iluminadas. Como diz Manoel de Barros: “... que a
     que se sonha só; um sonho sonhado por muitos é REALIDADE.”               importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com
     Caiu como uma luva. Passou-se o tempo e atualmente os alunos             balanças nem barômetros, etc… Que a importância de uma coisa
     e instrutores da Escola de Artes da Secretaria de Cultura de Pará        há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.”
     de Minas, também se juntaram ao Grupo Parapuan. São recebi-              Gramática expositiva do chão: poesia quase toda.
     dos pelos funcionários, que além de orientá-los, conjuntamente               Esse envolvimento da “Arte na Indústria” está produzindo
     desenvolvem trabalhos criativos e que surpreendem o observa-             uma leva muito interessante de produtos que podem receber
     dor. Assim nasceu o Projeto Parapuan Arte na Indústria e, agora          água, ficar ao ar livre, receber luz, como os protótipos que de-
     que transpuseram os muros da empresa e os limites da cidade,             senvolvi. Eu e os outros participantes do Projeto Parapuan nos
     o projeto ampliou suas fronteiras. Projeto Parapuan, Arte na             dispomos a desenvolver projetos de criação de outros artistas,
     Indústria: Para Além do Trabalho.                                        designers e profissionais da área de criação, tendo como suporte
         Recentemente fomos convidados a participar da 23ª Feira              as manilhas e os tijolos produzidos pela Cerâmica Parapuan.
     de Cerâmica de Belo Horizonte, realizada nos dias 29 e 30 de             Esperando que, em breve, possamos trocar algumas ideias,
     abril e 1º de maio. Os trabalhos de todos, alunos, funcionários e        gostaria de finalizar com palavras de meu Mestre Megumi
     os meus, fizeram sucesso. O Projeto ganhou visibilidade e todos          Yuasa “O artista é um agente da fé, pois ele faz o que não vê porque
     estão mais motivados a criar e desenvolver objetos de design             acredita que está lá.”



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  • 1. Foto: Matheus da Costa Arte na indústria Por Nadia Saad, artista plástica e ceramista Sou ceramista há mais de trinta anos, fruto de um comen- oportunidade sensorial maior. Elas tinham que crescer. Era tário nos corredores da faculdade, “Você fala muito com as veemente o chamado. Para prosseguir com meu sonho fui em mãos”. O meu trabalho é bastante diverso e multifacetado, busca de um forno maior para fazer crescer as esferas. várias são as vertentes. Em meu ateliê sou mais introspectiva, Apesar de paulistana, razões pessoais e afetivas me leva- lá ele é impregnado de mistérios provocativos. Adoro criar ram ao estado de Minas Gerais. Bati às portas da Cerâmica situações onde o resultado instiga a imaginação do obser- Parapuan, situada em Pará de Minas. Imediatamente fui vador. Muitas vezes, ele, o observador, não se contenta em arrebatada por aquela visão das manilhas e logo mudei meu apenas olhar, toca furtivamente, às vezes até cheira o trabalho projeto. Interrompi a ideia das esferas enormes para eu na ânsia de descobrir o que é aquilo. mesma “mergulhar” nas manilhas. A circularidade, o dentro e Em uma das vertentes de meu trabalho faço esferas onde o o fora, o escuro... Foram os conceitos que as aproximaram das dentro e o fora se revelam, criando meu próprio universo de esferas, naquela visão estonteante. Iludida assim, dei início a planetas. Na evolução de meu processo criativo era premente uma nova empreitada. Durante meu processo criativo sempre que a provocação fosse ampliada. Eu queria que o Observa- estabeleço vários diálogos com a matéria, com o visível e o dor, literalmente, mergulhasse dentro das esferas; tivesse uma invisível. TempoCeramico.com.br 24
  • 2. Foto: Matheus da Costa TempoCeramico.com.br 25
  • 3. No entanto, lá na indústria, no afã de produzir, nem dei atenção a alguns fatos. As manilhas remetem a um simbolismo próprio que traduzem combinações subjetivas de sentimentos e pensamentos de outra instância ao mesmo tempo em que podem ser associadas a formas existentes na natureza. Se vistas como colunas, já foram amplamente usadas no decorrer da história do homem. Sua verticalidade é pungente, a simetria é absoluta! Também, desconsiderei alguns quesitos técnicos como o tipo e o ciclo da queima, a qualidade da argila e a forma como são fabricadas. As manilhas “nascem” para serem tratadas como manilhas. Eu queria dar a elas o mesmo tratamento que dava às minhas esferas, queria trilhar os mesmos caminhos. Diante disso, retrocedi alguns passos e me abri, novamente, ao desconhecido. A atração que as manilhas me provocavam era cada vez mais forte. Perguntei-me: Então, o que fazer? Diante do conflito, nasceu uma inspiração. A dica era a luz. Iniciei a construção de luminárias escultóricas, totens. E assim surgiu outra vertente de meu trabalho, mais recente. Design em cerâmica, voltada para a arquitetura e também decoração. Aos poucos, os funcionários TempoCeramico.com.br 26
  • 4. Foto: Matheus da Costa da empresa Cerâmica Parapuan foram se interessando e se apro- ximando, com muita curiosidade sobre meu trabalho. E nesse mesmo tempo, ao andar pela fábrica, percebia que aqui e ali havia alguns trabalhos dos funcionários. Eram bichos realizados em formas ou modelagem, alguns utilitários como tijelas para animais, casinhas feitas a partir de tijolos cerâmicos, pequenos oratórios e cofrinhos para moeda. Tudo muito timidamente realizado. O momento crucial foi a notícia do 3º Salão e Congresso Nacional de Cerâmica de Curitiba-PR. Consultados os donos da empresa e os funcionários sobre sua participação no Salão, não houve hesitação. Formou-se o Grupo Parapuan. Desde então, já foram enviados trabalhos dos funcionários para alguns salões, como 3º Salão de Curitiba, Bienal Naif de Piracicaba-SP e Grande Exposição de Arte Bunkyo na Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa em São Paulo. Todo o processo foi uma surpresa. Não imaginava que seu desdobramento tocaria em algo para além do meu trabalho e da vida dos funcionários da fábrica: O Projeto Parapuan – Arte na Indústria. Um projeto de inclusão social. TempoCeramico.com.br 27
  • 5. Foto: Matheus da Costa Ouvi depoimentos espontâneos de funcionários da empresa e esculturas belíssimas em manilhas e tijolos. O que mais me Parapuan ao se depararem com o resultado do processo criativo fascina é como o olhar efervescente de um imaginário estimu- no qual eles se engajaram, por conta do projeto: “- Puxa, quanta lado é capaz de transformar um objeto projetado para ficar na coisa! Tantos anos aqui e nunca pensei que isso fosse possível!” “- Se horizontal, enterrado, no escuro, úmido, esquecido, revelar sua não fosse por você, tudo isso ficaria escondido aqui dentro.” Nesse nobreza e dignidade, antes invisíveis; e tudo por causa de um período chegou-me às mãos a frase de Yoko Ono e que Raul sonho, a busca de um forno maior, as manilhas foram trazidas Seixas também cantou: “Um sonho sonhado por um é só um sonho à tona e iluminadas. Como diz Manoel de Barros: “... que a que se sonha só; um sonho sonhado por muitos é REALIDADE.” importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com Caiu como uma luva. Passou-se o tempo e atualmente os alunos balanças nem barômetros, etc… Que a importância de uma coisa e instrutores da Escola de Artes da Secretaria de Cultura de Pará há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.” de Minas, também se juntaram ao Grupo Parapuan. São recebi- Gramática expositiva do chão: poesia quase toda. dos pelos funcionários, que além de orientá-los, conjuntamente Esse envolvimento da “Arte na Indústria” está produzindo desenvolvem trabalhos criativos e que surpreendem o observa- uma leva muito interessante de produtos que podem receber dor. Assim nasceu o Projeto Parapuan Arte na Indústria e, agora água, ficar ao ar livre, receber luz, como os protótipos que de- que transpuseram os muros da empresa e os limites da cidade, senvolvi. Eu e os outros participantes do Projeto Parapuan nos o projeto ampliou suas fronteiras. Projeto Parapuan, Arte na dispomos a desenvolver projetos de criação de outros artistas, Indústria: Para Além do Trabalho. designers e profissionais da área de criação, tendo como suporte Recentemente fomos convidados a participar da 23ª Feira as manilhas e os tijolos produzidos pela Cerâmica Parapuan. de Cerâmica de Belo Horizonte, realizada nos dias 29 e 30 de Esperando que, em breve, possamos trocar algumas ideias, abril e 1º de maio. Os trabalhos de todos, alunos, funcionários e gostaria de finalizar com palavras de meu Mestre Megumi os meus, fizeram sucesso. O Projeto ganhou visibilidade e todos Yuasa “O artista é um agente da fé, pois ele faz o que não vê porque estão mais motivados a criar e desenvolver objetos de design acredita que está lá.” TempoCeramico.com.br 28