Este documento descreve como um grupo privado de colégios (GPS) cresceu à custa de contratos públicos que desviaram alunos e financiamento das escolas públicas para as privadas, apesar de as públicas terem capacidade para mais alunos. Políticos com ligações ao grupo ajudaram a garantir estes contratos lucrativos. As escolas privadas selecionaram alunos para manter rankings elevados, enquanto as públicas ficaram subaproveitadas.
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Colégios privados gp1
1. Colégios privados GPS: uma história exemplar.
«A história que aqui vos conto, e que muitos dos leitores terão tido a oportunidade de ver na
TVI (http://www.tvi.iol.pt/videos/13754874), é a de um grupo privado que nasceu à sombra da
influência do poder político. E que, na área da educação, cresceu à custa de contratos de
associação que desviam alunos das escolas públicas para colégios privados. Sem
que tal seja necessário ou corresponda a qualquer benefício para os cidadãos.
Nas escolas públicas Raul Proença e Rafael Bordalo Pinheiro, nas Caldas da Rainha, há lugares
vagos. Mas construíram-se dois colégios privados, do influente grupo GPS: Frei Cristóvão e
Rainha Dona Leonor. Concorrência? Nem por isso. Os colégios recebem alunos que são
integralmente pagos pelo Estado. Porque as escolas públicas do concelho estão sobrelotadas?
Não. Porque não têm condições? Pelo contrário. As públicas pedem mais turmas e isso é-lhes
recusado. As privadas crescem e recebem, por decisão da DREL, muito mais turmas do que as
escolas do Estado. Os alunos são desviados do público para o privado. E o Estado paga.
No últimos cinco anos a escola pública, em Caldas da Rainha, perdeu 519 alunos. Os colégios
com contratos de associação (financiados pelos dinheiros públicos) ganharam 514. Não por
escolha dos pais, mas por escolha do Ministério da Educação. A Bordalo Pinheiro, que tem
condições invejáveis, resultado de um investimento de 10 milhões de euros, poderia ter 45
turmas. Tem 39. Os alunos em falta vão para escolas privadas, pagos por nós, com piores
condições.
Enquanto nas escolas públicas vizinhas há professores com horário zero, os professores dos
colégios do grupo GPS são intimidados para assinar declarações que os obrigam a cargas
horárias ilegais. Dão aulas a 300 ou 400 alunos. Há professores com todos os alunos do
segundo ciclo na sua disciplina. Tudo com o devido conhecimento da Associação de
Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP).
Para além das aulas, há, casos de professores a servirem almoços e cafés, a pintarem as
instalações, a fazerem limpezas, arrumações e trabalho de secretaria e contabilidade. Isto nas
várias escolas do grupo GPS, espalhadas pelo País. As inspeções do ministério a estas escolas,
testemunha um professor, têm aviso prévio. Isto, enquanto, só no concelho das Caldas da
Rainha, 140 professores das escolas do Estado chegaram a estar sem horário por falta de
alunos.
As condições das escolas do grupo privado pago quase integralmente com dinheiros do Estado
deixam muito a desejar. Portas de emergência fechadas a cadeado, falta permanente de
material indispensável, cursos financiadas PRODEP sem as instalações para o efeito e aulas a
temperaturas negativas.
Falta de dinheiro? Não parece. Manuel António Madama, diretor da Escola de São Mamede,
também do grupo, é proprietário de uma invejável frota de 80 carros. Só este ano, o grupo GPS
recebeu do Estado 25 milhões de euros. Cada turma das várias escolas do grupo recebe do
Estado 85 mil euros. Dos 3 milhões de euros vindos dos cofres públicos para, por exemplo, a
escola de Santo André, só 1,3 milhão é que foram para pagar professores. A quando das
manifestações contra a redução dos contratos de associação, decidida por José Sócrates e que
Nuno Crato anulou (enquanto fazia cortes brutais na escola pública), a presidente da
2. Associação de Pais quis saber para onde ia o dinheiro que sobrava. Ficou na ignorância.
A pressão para dar negativa a alunos que poderiam ter positiva mas, não sendo excelentes,
poderiam baixar a média nos exames que contam para o ranking, são enormes. Até ao
despedimento de professores e à alteração administrativa das notas. Os maus alunos, mesmo
em escolas privadas pagas com dinheiros públicos, são para ir para as escolas do Estado. No
agrupamento de Escolas Raul Proença há cem alunos com necessidades educativas especiais.
Na colégio vizinho da GPS, o Dona Leonor, com contrato de associação, quantos alunos destes,
pagos pelo Estado, existem? Nenhum. Dão demasiado trabalho, exigem investimento e baixam
a escola no ranking.
Como se explica o absurdo duplicar custos quando as escolas do Estado chegam e sobram para
os alunos disponíveis? De ter escolas do Estado em excelentes condições, onde foi feito um
enorme investimento, semivazias e com professores com horário zero, enquanto nestas escolas
privadas se amontoam alunos pagos pelos contribuintes, sem condições e com os professores a
serem explorados? A TVI contou, numa inatacável reportagem de Ana Leal, documentada até
ao último pormenor e com inúmeros testemunhos, a razão deste mistério.
A GPS é um poderoso grupo. 26 escolas de norte a sul do País, invariavelmente ao lado de
escolas públicas e com contratos de associação com o Estado. Em 10 anos criou mais de 50
empresas em várias áreas, do turismo às telecomunicações, do ensino ao imobiliário. António
Calvete, presidente do grupo GPS, foi deputado do PS no tempo de Guterres e membro da
Comissão parlamentar de Educação. Para o acompanhar nesta aventura empresarial chamou
antigos ministros, deputados, diretores regionais de educação. Do PS e do PSD: Domingos
Fernandes, secretário de Estado da Administração Educativa de António Guterres, Paulo Pereira
Coelho, secretário de Estado da Administração Interna de Santana Lopes e secretário de Estado
da Administração Local de Durão Barroso, José Junqueiro, deputado do PS. Todos foram
consultores do grupo GPS.
Mas entre os políticos recrutados pela GPS estão as duas principais figuras desta história: José
Manuel Canavarro, secretário de Estado da Administração Educativa de Santana Lopes, e José
Almeida, diretor Regional de Educação de Lisboa do mesmo governo. Foram eles que, em 2005,
assinaram o despacho que licenciava a construção de quatro escolas do grupo GPS com
contratos de associação para receberem alunos do Estado com financiamento público. Ainda
não tinham instalações e já tinham garantido o financiamento público dos contratos de
associação. Ou seja, havia contratos de associação com escolas que ainda não tinham
existência legal. Um despacho assinado por um governo de gestão, a cinco dias das eleições
que ditariam o fim político de Santana Lopes. Depois de saírem dos cargos públicos foram
trabalhar, como consultores, para a GPS. E nem um despacho do novo secretário de Estado,
Walter Lemos, a propor a não celebração de contratos de associação com aquelas escolas
conseguiu travar o processo.
Alguns estudos recentes falam dos custos por aluno para o Estado das escolas públicas e
privadas. Esta reportagem explica muitas coisas que os números escondem. Como se
subaproveita as capacidades da rede escolar do Estado e se selecionam estudantes,
aumentando assim os custos por aluno, para desviar dinheiro do Estado para negócios
privados. E como esses negócios se fazem. Quem ganha com eles e quem os ajuda a fazer.
Como se desperdiça dinheiro público e se mexem influências.
A reportagem da TVI não poderia ter sido mais oportuna. Quando vier de novo a lenga-lenga
da "liberdade de escolha", das vantagens das parcerias com os privados, dos co-pagamentos,
da insustentabilidade de continuar a garantir a Escola Pública, do parque escolar público ser de
luxo... vale a pena rever este trabalho jornalístico. Está lá tudo. O resumo de um poder político
que serve os interesses privados e depois nos vende a indispensável "refundação do Estado". »
Daniel Oliveira, Expresso, 5 de dezembro de 2012