O artigo discute a situação da seleção portuguesa após a Copa do Mundo e entrevista Cristiano Ronaldo. Ronaldo apoia as mudanças na federação portuguesa, mas acredita que os médicos não foram os culpados pelo desempenho da seleção. Ele admite ter arriscado sua carreira para jogar machucado, mas diz que sacrifícios são necessários. Ronaldo também comenta sobre a rivalidade saudável com Messi.
1. A BOLA
Quinta-feira
28 de agosto de 2014
03A BOLA02
Quinta-feira
28 de agosto de 2014
Cadernos velhos
e novos
trêsgrandes.Masàcircunstânciadever
trêsjogadoresnãoportugueses,oque,
só por si, evidencia a rarefacção de
atletas nacionais nos plantéis. Claro
quesepoderiacomporacapacomre-
presentantes daminoria portuguesa,
que ainda os há. Por exemplo, Ruben
Amorim,RuiPatrícioeQuaresma.
Há ainda na selecção para a capa
dos Cadernos um aspecto que é uma
novidade. Refiro-me ao facto de, não
considerando Salvio do Benfica, os
eleitosdoSportingePortoseremafi-
nal jogadores que só agora irão per-
tenceràsrespectivasequipas:Rossel
doSCPeTellodoFCP.
Estamos perante dois sinais dos
tempos: o que é nacional (não) é bom
e a primazia da mudança que, de tão
acelerada,seestáatornardisruptiva.
Ainda há representantes
da ‘minoria
portuguesa’ nos
plantéis dos grandes
Pontapé-de-saídaPor
BAGÃO FÉLIX
C
OMOtodososanos,façoaminha
digressãodeAgostopelosCA-
DERNOSDEABOLA.Umexer-
cícioondejuntoacuriosidadepelasno-
vidades com uma viagem pela minha
memória do registo do passado. Po-
rém,osCADERNOS(ediçãoempapel)
sofrem de um mal que nem sequer
podeserremediado:adesairantesdo
inexplicávelfimdoperíododetransfe-
rências.Ouseja,àmedidaqueseapro-
ximamas24badaladasdodia1deSe-
tembro, cresce a divergência entre
quem afinal ficou, saiu ou desapare-
ceunosplantéis.Porisso,emboahora,
surgiu a versão digital dos CADER-
NOSque nos possibilita uma actuali-
zação (ainda que lenta) das novida-
des.Háoutroaspectoque,esteano,me
chamouatenção.Provavelmentenem
sequer será inédito, mas é a primeira
vez que o constato tão vincadamen-
te.Refiro-meàcapa.Nãotantoàregra
deserilustradacomtrêsjogadoresdos
Nota— BagãoFélixoptaporescreveras
suas crónicasnaortografiaantiga
TEMAdoDIAj ENTREVISTA ARONALDO
Futebol internacional
TEMAdoDIA
Futebol internacional
MADRID—Ronaldore-
cebeuABOLAemcon-
trarrelógio,quelogoaseguirha-
viatreinoehojeRonaldoestará
noMónacoparasabersecon-
quistaotroféudemelhorfute-
bolistaeuropeu.Admitequefor-
çouojoelhomesmoarriscando
acarreiraesePauloBentopre-
cisarpodecontarcomelepara
pontadelança.Desistirépala-
vraquenãoconhece.
D
OIS meses depois do
Mundial são conheci-
das alterações na Fe-
deração: Paulo Bento
passa a coordenar o ga-
binete técnico e há mudanças no
departamento médico da Fede-
ração. Como capitão de equipa,
que lhe parece tudo o que foi de-
cidido?
— As mudanças fazem parte
da vida. Os culpados são todos, de
jogadores a treinadores, passan-
do pelos médicos. Coube ao pre-
sidente decidir uma mudança que
achou importante. Ele é presi-
dente, mas não julgo que sejam os
médicos os responsáveis pela in-
competência da Seleção. O dou-
tor Henrique Jones era excelen-
te, estava há muitos anos na FPF.
As mudanças têm de ser feitas,
há ciclos também para jogado-
res, treinadores, dirigentes e nes-
se sentido o doutor José Carlos
Noronha é uma mais valia, um
amigo. Se o presidente entendeu
que foi boa mudança e que é uma
mais valia, temos de apoiar. Ele
é excelente...
— Fernando Gomes também
disse publicamente que faltou
competência à Seleção no Mun-
dial. Concorda?
— Faltou competência, sim,
porque não conseguimos ultra-
passar a fase de grupos. Não é uma
mentira.
— Era mesmo difícil respirar
em Manaus e Salvador?
— Sobre isso, há que dizer que
todas as seleções passaram pelo
mesmo, não fomos os únicos.
— Fez o Europeu de 2008 com
dores num pé, jogou agora o Mun-
dial quando os médicos aconselha-
vam a paragem. No entanto, é
CRISTIANO RONALDO
j
«Médicosnãoforam
osresponsáveis
pelaincompetência
daSeleção»
cado parado já estaria bem, mas
não é fácil fazê-lo depois de uma
temporada como a que fizemos,
em que a nível pessoal as coisas
correram bem. Não queria falhar
a final da Champions e depois o
Mundial. É evidente que não es-
tava nas melhores condições, for-
cei, mas felizmente saiu bem a
nível de clube. Ganhámos a
Champions, foi a décima, um tro-
féu que todos esperávamos, e
marquei um golo na final. Na Se-
leção foi mais complicado, não
passámos a fase de grupos. As coi-
sas não correram bem, nem sem-
pre se pode estar no top. Foi
aprendizagem, mas não me arre-
pendo do que fiz. Defendi as co-
res do meu país e do Real Madrid,
que é o clube que me paga.
— Durante este tempo o que
lhe doeu mais: o joelho ou a ca-
beça, pelas coisas que ouviu?
— A cabeça, sem dúvidas! [ri-
sos]
— A dada altura houve médi-
cos que o aconselharam a parar.
Sente que em algum momento ar-
riscou mais do que devia, ou que
pode ter colocado em risco a car-
reira?
— Obviamente que sim. Na
vida não se ganha nada sem sacri-
fícios e por vezes temos de arris-
car. Numa ou noutra circunstân-
cia podia ter gerido de forma
diferente, mas envolvido em gran-
des competições como a Cham-
pions e o Mundial é mais difícil. As
coisas tinham corrido bem, ia ba-
ter recorde de golos na Cham-
pions... Nas férias descansei um
mês inteiro, não fiz nada além de
tratamentos e de cuidar do meu
corpo. Por vezes posso levar o
meu corpo ao limite, mas um atle-
ta de alta competição é assim
mesmo.
— A sua condição física conti-
nua a ser notícia. Como se sente
agora?
— Sinto-me melhor, sinto que
as coisas têm corrido bem. A pré
temporada teve altos e baixos: é
normal a tour do Real Madrid com
viagens, cansaço, jet-lag não per-
mite trabalhar bem. A outra sema-
na correu bem, mas preciso de
mais alguns dias para estar ao
mais alto nível. Em breve estarei.
Claroquearrisquei
acarreiramasnavida
nadaseganha
semsacrifícios
Entrevista de
NUNO PERESTRELO
Enviado-especial de A BOLA a Espanha
Rivalidade com Messi ainda vai
dar para rir no final da carreira
j«Cada um faz o outro ser me-
lhor», diz a propósito duma riva-
lidade que deve ser positiva
MADRID — Cobras e lagartos é
o que se diz, um pouco por todo o
Mundo, da relação entre Cristiano
Ronaldo e Messi. Fala-se muito,
mas a verdade é que nunca tinha
sido perguntado ao melhor joga-
dor português o que realmente
sente. Fala-se sempre do incómo-
dodascomparações,sim,poucodo
que o homem Cristiano sente.
«As comparações com Messi
são normais, fazem parte da minha
vida. As pessoas comparam sem-
pre os melhores, como na Fórmu-
la 1 comparam os Ferrari com os
Mercedes. Estou totalmente habi-
tuado a isto, não só destes anos to-
dos em Madrid, mas também nos
anos de Manchester United», dis-
se ontem, quando confrontado
com o assunto recorrente.
O esclarecimento vem logo de
seguida, com duas provocações de
A BOLA. Cria-se a ideia de que
Messi e Ronaldo têm má relação e
não se falam... Mentira, diz Cris-
tiano: «Não, não, não... De modo
algum. Somos companheiros, so-
mos amigos de profissão. Fora do
Mundo do futebol não temos rela-
ção,porváriosfatores,comoacon-
tece com outros jogadores. Ele é
um jogador que tenta render o má-
ximo no seu clube e na sua seleção
e há sempre uma rivalidade, entre
aspas, e isso é bom, porque cada
um faz o outro ser melhor».
Ainda faltam vários anos para o
fim da carreira de um e de outro,
mas Ronaldo não duvida que da-
qui a uns anos esta rivalidade vai
divertir os dois: «Espero que sim,
que um dia possamos rir-nos dis-
to juntos! Isto é uma diversão, é
algo que gostamos de fazer, é algo
de que as pessoas gostam. Temos
de encarar isto com espírito posi-
tivo, porque isto é algo de bom».
BEATRIZ GUZMAN
muitas vezes criticado quando as
coisas não saem bem à equipa.
Sente que o espírito de sacrifício
pela Seleção não é entendido?
— As coisas com o tempo con-
quistam-se e as pessoas são inte-
ligentes. As coisas vão melhoran-
doetêmoseutempo.Achonormal
que o povo seja crítico, não só os
portugueses como os espanhóis,
todos os povos são críticos. Há que
lidar com isso, porque o sucesso
não se constrói em dois dias, faz-
-se em 12, 13, 15 anos de carreira.
—Nosmomentosdemaiorfrus-
tração, alguma vez lhe ocorreu di-
zer basta e desistir da Seleção?
— Não, não é o momento para
isso. Como disse anteriormente,
não há carreiras eternas. Um dia
acabarei, e, espero, sairei que pela
porta grande. Este não é o mo-
mento para pensar nisso. Seja
como for, injustiças há sempre,
parece que temos de provar sem-
pre que somos melhores que os
outros, não só na Seleção mas tam-
bém no clube. Temos de saber li-
dar com isso.
—Vêm aí os primeiros jogos da
Seleção na qualificação para o
Euro-2016 e Hugo Almeida e Hél-
der Postiga, os dois pontas de
lança mais utilizados, não estão
a trabalhar. Admite jogar no cen-
tro do ataque nesta altura, ou até
a dar esse passo no futuro?
— Em dados momentos, se o
treinador quiser utilizar-me não
digo que não. No clube e na Sele-
ção estou sempre pronto para aju-
dar. Não é uma posição que me
agrade totalmente, mas se tiver de
fazê-lo farei sem qualquer proble-
ma. Como toda a gente sabe, se
joguei tantos anos na mesma po-
sição, porque hei de mudar? Re-
pito, se tiver de jogar... mas não
é a minha posição favorita.
ARRISCAR A CARREIRA
— No ano passado, depois de
rendimento espetacular, surgi-
ram problemas físicos. Ficou a
sensação de que forçou demais
para a final da Champions em Lis-
boa e para o Mundial . Concorda?
— Claro que sim. Se tivesse fi-
Ronaldo apoia decisões de Fernando Gomes mas reparte culpas na hora da responsabilidade BEATRIZ GUZMAN
Nani e o passo
atrás que pode
vir a ser bom
MADRID — Cristiano Ronaldo não finta as
perguntas nem entra em diplomacias.
Assim, sem pudores, assume com todas
as letras: Nani deu um passo atrás ao
assinar contrato com o Sporting. Não o
vê, no entanto, como um erro do amigo.
— O Nani sabe melhor que ninguém o
que é melhor para ele e eu tenho a minha
opinião sobre o assunto. Joguei dois anos
com ele e muitos anos na Seleção, mas
obviamente sair do Manchester United
para o Sporting não é uma mudança
muito boa. Com todo o respeito que
tenho pelo Sporting, estamos a falar do
Manchester, que é um clube de top no
Mundo. É um passo atrás para ele, mas
pode ser uma mais valia no futuro.
A explicação sai sem interrupções: «Nani
não se sentia útil no Manchester, não
estava feliz porque não jogava. Voltar às
origens para poder jogar, para poder
mostrar o seu talento e depois voltar ao
Manchester mais preparado a nível
psicológico e físico, será bom para ele. No
entanto, não se pode comparar o
Manchester United ao Sporting, é um dos
maiores do Mundo, é top, é sonho de
todos os jogadores jogar nesse clube.
Espero que esta seja uma reflexão com
os olhos no futuro, do que queira fazer no
futuro, para que possa voltar a ser o
jogador de top que era. Afinal, ninguém
está no top sem jogar.
jO Sporting não é o Manches-
ter, analisa, mas «ninguém está
no ‘top’» sem jogar...
Prevejoumcampeonato
portuguêscompetitivo
masgostavaqueo
Sportingfossecampeão
jDesejaqueoleãoconquisteotí-
tulo e acredita que Nani vai re-
frescar o futebol da equipa
Fé no Sporting, elogios a Jesus
mas um FC Porto tão forte...
MADRID — Estando perto de
Portugal,estálongedofutebolpor-
tuguês, mas não perde oportuni-
dade de ir acompanhando o que
se passa do lado de cá da frontei-
ra da Península Ibérica. Quando
lhe perguntamos que análise faz a
Benfica, Sporting e FC Porto, sor-
riedispara:«Tentoacompanharde
forma assídua, sempre que me é
possível. Vejo um FC Porto extre-
mamente forte, como deu para
perceber ontem [anteontem] no
jogo com o Lille. Fez muitas mu-
danças e tem um bom treinador.
Vejo também um Sporting com al-
gumas mudanças e, agora, com
uma mais valia que é o regresso do
Nani, que vai refrescar equipa. O
Benfica está como sempre. Fez
boas contratações e tem um trei-
nador muito bom. Prevejo um
campeonato muito competitivo e
se a classificação é sempre uma in-
cógnita e se gostava que o Sporting
fosse campeão, claro, desejo que
ganhe o melhor. Mas o que mais e
melhor se reforçou foi o FC Porto...
BEATRIZ GUZMAN
Craque está atento ao futebol português
Ronaldo acredita que Nani voltará em alta
BEATRIZ GUZMAN
Garante que não tem má relação com Messi e ‘agradece’ a rivalidade