Trabalho de finalização de curso. Parceria com Rodrigo Vasconcelos sobre estudos baseados na nova Classe C no Brasil e como a publicidade se comportara com a mudança econômica no cenário atual.
Coelho, teixeira. o que é indústria cultural (coleção primeiros passos)
Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE ARTES
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
OFHÉLIA RAQUEL ROMAN LEMOS
RODRIGO VASCONCELOS SANTOS
CONSUMO, PUBLICIDADE E A “NOVA CLASSE C” NO BRASIL.
VITÓRIA
2010
2. OFHÉLIA RAQUEL R. LEMOS
RODRIGO VASCONCELOS SANTOS
CONSUMO, PUBLICIDADE E A “NOVA CLASSE C” NO BRASIL.
Projeto de monografia de conclusão do
curso de graduação em Comunicação
Social com habilitação em Publicidade e
Propaganda, tendo como orientadora de
conteúdo Profª. Drª. Lygia Maria Perini.
VITÓRIA
2010
3. A todos que de maneira direta ou indireta
colaboraram com este trabalho. Aos que tiveram
a paciência de ouvir nossas reclamações
durante todo este trajeto e ainda assim
continuaram, insistiram na amizade.
4. Sumário
Introdução............................................................................................................... 01
1. O sistema de consumo na sociedade contemporânea................................... 03
1.1. O consumo como força propulsora do modelo capitalista contemporâneo.......03
1.2. Consumo, publicidade e marketing.................................................................... 10
2. O consumo no Brasil.......................................................................................... 16
2.1. Um breve histórico do consumo no Brasil.......................................................... 16
2.2. Consumo e público consumidor......................................................................... 28
2.2.1. O consumo nas classes populares....................................................... 30
2.3. A força do Varejo. .............................................................................................. 35
3. O fenômeno dos 20 milhões.............................................................................. 42
3.1. Quem são os novos consumidores brasileiros.................................................. 42
3.2. Consumindo o que?........................................................................................... 46
3.3. Publicidade e Classe C...................................................................................... 51
4. Como atingir a classe C: Um caso de sucesso no varejo de
informática.............................................................................................................. 55
4.1. Estudo de Caso: Informatizando a classe C..................................................... 55
4.2. Análises de Campanhas................................................................................... 61
4.2.1. Maga Pop............................................................................................ 61
4.2.2. A Especialista...................................................................................... 63
4.2.3. Dois Reais por Dia............................................................................... 65
6. 1
Introdução
Nosso ambiente social está em constante transformação, passando por intensas
mudanças econômicas, políticas e culturais, e a maneira como vemos e lidamos com
a nossa realidade, o que está a nossa volta, acompanha esse ritmo de mudanças. O
consumo, mesmo praticado em níveis e contextos diversos, está presente nas
crenças e nos desejos da sociedade contemporânea ocidental como um todo, assim
como nas construções que a representam. O consumo passou a fazer parte da
nossa cultura, sendo a força motriz do atual sistema de produção capitalista.
Alterações em nossas dinâmicas sociais e os constantes avanços tecnológicos
modificam nossa forma de interagir e nos comunicar, mudam completamente nossa
forma de conceber as relações interpessoais e com os objetos que nos cercam.
Neste sentido, as práticas de consumo têm grande importância nas relações
comunicacionais estabelecidas na sociedade contemporânea. Por meio destas, os
grupos sócio-culturais possuem ou desejam possuir determinados objetos que
atuam como elementos de distinção. Estes, por sua vez, dialogam com o meio em
que estão inseridos. Assim, a comunicação, através de seus inúmeros discursos,
busca transcender os valores utilitários dos produtos e refletir os valores imateriais
almejados pelos consumidores. Com o consumo superando a produção, como base
da economia capitalista, a comunicação passa a ter um papel decisivo no mercado.
Dentro deste sistema, o marketing e a publicidade, atuam como porta-vozes da
sociedade contemporânea, trabalhando na criação de significados para o consumo,
assim como, na estratificação de consumidores e na expansão de sua prática. É um
processo de decodificação que dá sentido, lugar simbólico à produção. Dessa forma,
o consumo se humaniza, e por fim se torna cultural. A relação constituída entre
compra e venda é, acima de tudo, uma troca simbólica, uma relação cultural,
As mídias de massa foram responsáveis pelo processo de relativa unificação do
campo simbólico do consumo, por meio da difusão das mercadorias consideradas
como objetos de desejo. Como defendido por Jean Baudrillard, em seus estudos
sobre consumo, o homem está inserido em um sistema de significações que o leva a
buscar satisfações simbólicas e não apenas funcionais, estabelecendo com os
7. 2
objetos uma relação que ultrapassa sua utilidade, e buscando preencher sua vida
com signos capazes de estabelecer uma relação com outras pessoas e tudo o que o
rodeia. Para o autor, é através do consumo que as pessoas se identificam e se
reconhecem uns nos outros. Os objetos se comunicam porque se tornam signos. Na
relação que criamos com os objetos, à comunicação é atribuída a função de agregar
aos objetos um conjunto de valores que os torne mais do que utilitários, mas
sinônimos de distinção. Com isso, os discursos midiáticos aproximaram os
universos dos diferentes grupos sociais, tornando-os membros do mesmo sistema
simbólico.
Os vários autores abordados neste trabalho entendem o consumo como se situando
muito além de um simples demonstrativo de poder de compra; como um processo
comunicacional que define as identidades sociais. Ele ultrapassa a questão do
acesso a bens materiais, permite o reconhecimento social, cria alicerces para a
inclusão e a ascensão social, como no caso da nova classe C brasileira.
Protagonista de um fenômeno de crescimento que nos últimos seis anos fez cerca
de 20 milhões de pessoas migrarem da base para o centro da pirâmide social. A
classe C forma, pela primeira vez, a maior parte da população do país. Diante desse
novo cenário sócio-econômico do Brasil, propomos com o presente trabalho,
mostrar, a partir de uma pesquisa exploratória, quem são esses novos
consumidores, qual é o seu papel na atual sociedade de consumo, como o mercado
se comporta para atender essa demanda, e finalmente qual é a abordagem da
publicidade diante disso, exemplificada com um breve estudo de caso ao final deste
trabalho.
CAPÍTULO I
8. 3
O sistema de consumo na sociedade contemporânea
1.1 - O consumo como força propulsora do modelo capitalista contemporâneo.
As relações entre a publicidade e o consumo vêm ganhando a apreciação
de importantes estudiosos nas últimas décadas, ultrapassando o olhar
investigativo estreito, até então dominante, de que a função da publicidade
consiste em ser, unicamente, a principal força propulsora do consumo na
sociedade capitalista.
João Carrascoza
Sociedade Capitalista é um termo que nasce com a Revolução Industrial, em
meados do século XVIII, caracterizando-se no século XIX por intensas mudanças
econômicas, políticas e culturais. Estruturada com base no pensamento iluminista,
essa sociedade viverá um novo momento, em que as máquinas surgem como
primeiro passo para o progresso econômico-tecnológico. Na esfera social, a
revolução traz transformações para o modo de vida dos países que aderem ao
industrialismo: as cidades passam a ser atraentes por concentrarem as indústrias e,
consequentemente, proporcionarem mais empregos e a esperança de melhores
condições de vida. No âmbito econômico, a revolução permitiu o aumento da
produção de bens, que neste momento deixa de ser artesanal para ser
maquinofaturada. O aumento da oferta de produtos possibilita o acesso de uma
parcela maior da população aos bens industriais, o que, por sua vez, dá margem a
mudanças progressivas nas necessidades de consumo, gerando, assim, nuanças na
maneira de se lidar com a aquisição de bens materiais.
Influenciado pela Revolução Industrial, o capitalismo do século XX acaba por tomar
outra direção, a de uma organização de produção ampliada, com uma lógica
fundada em aprimorar seus recursos e, consequentemente, as vendas e o consumo.
[...] na segunda metade do século XX, alguns autores começam a falar do
consumismo, inicialmente em tom negativo: a nova sociedade do consumo
estaria pondo fim aos valores tradicionais, aos valores morais e éticos. [...]
Em seguida, houve uma mudança, e a sociedade de consumo passou a ser
vista como algo positivo. A expansão dos serviços, abundância de bens
materiais e o ‘aburguesamento’ da classe operária seriam sinais de que
uma nova sociedade estaria nascendo: a sociedade de consumo, que iria
9. 4
substituir a sociedade baseada na produção industrial. (FREDERICO, 2008,
p. 80).
Antes do século XX não havia estudos aprofundados sobre o consumo, já que até
então ele era entendido apenas como consequência da produção. Uma
compreensão mais ampliada sobre o assunto surge na segunda metade do século
XX. A partir da Revolução Industrial, sobretudo já no século XX, a produção se
intensificou e se diversificou cada vez mais, resultando numa oferta enorme de bens,
muitos deles semelhantes, visando-se muito mais o consumo propriamente dito do
que a satisfação de necessidades. A prática do consumo em si passou a ser um
valor a se conquistar, por meio do qual as pessoas passaram a ser reconhecidas
socialmente.
Baudrillard, na obra O sistema dos Objetos (1997), observa o consumo como algo
que vai além do uso de bens e serviços. Trata-se de uma forma de relação entre as
pessoas e os objetos que as rodeiam. Destaca-o enquanto atividade social em que
o ato da compra traz embutido um poder de consumo, “no qual se funda todo nosso
sistema cultural” (1997, p.209). Diz, ainda, que o consumo pode ser entendido como
prática idealista, sistemática, ultrapassando a relação com os objetos e até mesmo a
interindividual, estendendo-se à história, à comunicação e à cultura. Sendo assim,
esse ato ultrapassaria a pura satisfação de necessidades, estendendo-se,
consequentemente, ao modo de ver o mundo e as relações sociais. Trata-se de uma
interação objetos/pessoas em que aquele representa o mediador das relações com
os outros. É através do consumo, segundo o teórico, que as pessoas se identificam
e se reconhecem um nos outros, Jean Baudrillard afirma que os objetos se
comunicam porque se tornam signos, de forma a modificarem, transformarem a si
próprios e o contexto em que se inserem:
O consumo é “a totalidade virtual de todos os objetos e mensagens
constituídos de agora então em um discurso cada vez mais coerente. O
consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação
sistemática de signos.” (2007, p.206).
Na obra A Sociedade de Consumo, Baudrillard aborda a necessidade de
transformação dos bens em signos, de modo que as relações de consumo
modificam-se, definindo-se como uma ideologia. O consumo assume uma posição
diante da relação estabelecida entre objetos, sujeitos e o mundo com uma lógica
10. 5
própria. Muito além de um simples processo de satisfação das necessidades de uso
e troca, ele seria definido pelo signo, “só a idéia que é consumida” 1. Segundo o
autor, os objetos não têm mais valor próprio na sua materialidade, mas como signos.
Para ele, o valor desses objetos não é o de apropriação nem de intimidade, mas de
informação, invenção, controle, disponibilidade contínua. Produtos, mesmo com a
mesma função, passaram a transmitir diferentes significações, são modelos criados
especificamente para um nicho de mercado, para um público específico e
geralmente com a ideia de distinção embutida em seus discursos de venda. Por
exemplo, no começo dos anos 50, aqui no Brasil, ter um aparelho de televisão
significava status; além de caros esses aparelhos ainda eram recentes no mercado.
Nos dias de hoje, com a popularização desses aparelhos, ter uma televisão LCD na
sala de estar é que significa distinção social. Alguns produtos passaram a ser
medida de diferenciação social, não só pelo valor monetário, mas pelo status que
lhes são direcionados. Nesse caso, o status está relacionado ao valor monetário,
como por exemplo, um carro de maior valor, como um Audi, em comparação com um
Uno.
Nesse sentido, Canclini (1997), assim como Baudrillard, Featherstone e Mary
Douglas analisa o consumo não somente como ligado à posse de objetos isolados,
mas também como a “apropriação coletiva” desses. O processo de consumo
consideraria relações de solidariedade e de distinção. É através de bens e
mercadorias que se satisfaz uma necessidade biológica e simbólica, servindo,
também, para enviar e receber mensagens. Ou seja, o consumo, como uma das
dimensões do processo comunicacional, interligando práticas e apropriações
culturais, dos diversos sujeitos envolvidos neste sistema. Trata-se de uma troca de
identificações: ao consumir determinado produto deixa-se transparecer a opção por
seguir certo “padrão” de consumo. Clanclini trata dessa atividade como “o conjunto
de processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos
produtos” (CANCLINI, 1997, p.77). Dessa forma, o autor explica que, se são signos,
os bens são comunicadores e, portanto, definidores de identidades sociais. Hoje, os
bens materiais representam mais do que só poder de compra, são referência
fundamental para a construção dessa identidade social que vínhamos falando.
Permite reconhecimento, não se trata só de acesso a bens materiais, se trata de
1
Citação presente na obra Sistema dos objetos, (2006, p.209).
11. 6
inclusão e da possibilidade de ascensão social, como no caso dos 20 milhões de
brasileiro que agora, por inúmeros fatores, entre eles o acesso a créditos e
incentivos governamentais, alcançou o patamar de classe média.
Ricardo Zagallo Camargo2, referindo-se ao consumo na sociedade contemporânea,
observa a dificuldade de negar que essa passou a ser a medida de classificação dos
indivíduos, ou seja, a partir da distinção entre os modelos e séries dos objetos, é que
foram estabelecidas distinções entre as classes sociais. (2007, p.136) Alguns
produtos têm neles embutido valores que são reconhecidos como representativos de
status social, como por exemplo, a televisão que citamos acima e o celular. Há
alguns anos os aparelhos de telefonia móvel eram considerados artigos de luxo; nos
últimos anos, segundo os dados da ONU, o país somou 150,6 milhões de contratos
de celulares. Cerca de 86 milhões de pessoas, ou 53,8% dos brasileiros com dez
anos de idade ou mais, tinham telefone celular para uso pessoa, em 2008, segundo
levantamento divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 3.
De acordo com essa perspectiva, Mike Featherstone, em Cultura de Consumo e
Pós-Modernismo, explica o fenômeno de acordo com o qual, na sociedade
capitalista contemporânea, os bens são consumidos de forma a criar vínculos ou
distinções sociais. Featherstone chama a atenção para uma “cultura de consumo”,
em que as mercadorias e o modo como essas se posicionam estão na base para a
compreensão dessa sociedade.
Featherstone se baseia no trabalho de Douglas e Isherwood, considerando-os
fundamentais para entender o modo como as mercadorias são usadas para
demarcar as fronteiras sociais através de “classes de consumo”. O consumo, de
acordo com os autores citados por Featherstone, carrega uma forte carga simbólica
que define práticas sociais e delimita identidades pelas semelhanças e diferenças
que estabelecem entre as pessoas e grupos sociais, uma vez que os bens são
portadores de sentidos que “traduzem relações sociais e permitem classificar coisas
2
Professor da Escola de Comunicação e Artes da USP. Doutorando em Ciências da Comunicação na
USP e coordenador-executivo do Centro de Altos de Propaganda e Marketing (CAEPM) DA ESPM,
autor que participa do livro “Hiperpublicidade: fundamentos e interfaces”, capítulo 6.
3
Informações retiradas de <http://jpcelular.wordpress.com/2009/10/26/brasil-e-o-5%C2%BA-maior-
mercado-para-celular-e-internet-no-mundo/>
12. 7
e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e grupos.” (2006, p.16) 4·.
Na discussão de Douglas e Isherwood (1980, 176ss), as classes de
consumo são definidas em relação ao consumo de três conjuntos de bens:
um conjunto de artigos de consumo geral, correspondente ao setor primário
de produção (comida, por exemplo); um conjunto tecnológico,
correspondente ao setor secundário de produção (percurso e equipamento
capital do consumidor); e um conjunto de informação, correspondente à
produção terciária (bens de informação, educação, artes, atividades
culturais e de lazer). No plano mais baixo da estrutura social, os pobres são
limitados ao conjunto de artigos de consumo geral e têm mais tempo à sua
disposição; para atingir o topo das classes de consumo é preciso não
somente um nível de renda mais elevado como também uma competência
para julgar bens e serviços de informação que proporcione o feedback
necessário do conjunto para o uso, que é em si um requisito para o uso.
Isso exige um investimento em capital cultural e simbólico durante toda a
vida e em tempo investido na manutenção de atividades de consumo.
Douglas e Isherwood (1980:180) lembram-nos ainda que a evidência
etnográfica sugere que a competição para aquisição de bens na classe de
informação cria grandes obstáculos para o acesso e técnicas eficazes de
exclusão.( FEATHERSTONE,1995, p.37)
O autor observa ainda que na sociedade contemporânea, de economia globalizada
os avanços tecnológicos propiciaram infindáveis opções de consumo e,
naturalmente, a incessante substituição de bens, o que acaba por incentivar uma
maior distinção a ser incorporada nas séries de produção. Os produtos têm que
parecer sempre diferentes, com uma nova fórmula para atrair os consumidores,
deixando sempre uma característica que revele sua diferença em relação aos
concorrentes, mesmo que se apresentem de forma parecida e com ofertas
compensatórias; trata-se de uma empreitada rumo à distinção social. Como
resultado, o mercado se fragmenta e, em decorrência disso, os indivíduos
consomem cada vez mais um número maior de produtos diversificados. Neste caso,
concordando com Baudrillard, Mike Featherstone salienta a consciência que as
pessoas têm em relação à capacidade sígnica dos objetos consumidos. Ter posse
de objetos que se destacam pelo valor monetário, do que representa prestígio,
alimenta a impressão de distinção que o indivíduo busca diante dos outros. O
consumo se torna um processo permanente na relação entre os homens e também com os
objetos consumidos.
Outro ponto de vista interessante sobre o consumo é o de Andrea Semprini 5. Para
4
DOUGLAS. Mary; ISHERWOOD. Baron. O mundo dos bens: para uma antropología do consumo.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.
5
SEMPRINI, Andrea. El marketing de la marca: uma aproximación semiótica. Barcelona-Bueno Aires-
13. 8
ele, assim como para Featherstone, a comercialização de produtos é inerente à
necessidade de comunicação para que o produto se apresente ao mercado de forma
cada vez mais “equipada”. Com isso Semprini está se referindo à necessidade de se
atribuir uma identidade aos produtos nos mercados contemporâneos, o que não
acontecia quando estes disponibilizavam ao consumidor um número muito mais
restrito de bens, momento em que atributos como preço e qualidade eram o
suficiente. O autor explica que na contemporaneidade,
[...] en un mercado cada día más difícil y peligroso, el producto no pudiera
sobrevivir con su mera presencia y sus atributos tradicionales de
distribución, precio, calidad, etc., y necesitase enriquecerse con un extra de
identidad, zambulléndose em um baño comunicacional que lo transforme
(como si e la poción mágica de Astérix se tratase) em invencible. El paso de
la simple comercialización a la comunicación y la tendencia de está última a
ganar importancia se aprecia claramente en el desarrollo que há
experimentado el mix de comunicación que acompaña hoy al producto. Un
producto que se apresente hoy en el mercado sin uma clara estratégia
comunicativa no existe como marca y, a menudo, tampoco como producto.
(SEMPRINI, 1995, p.23)6
De acordo com Andrea Semprini, por aspectos imateriais entende-se: tudo que o
produto pode evocar. Assim sendo, a comunicação trata cada vez mais dos aspectos
imateriais do produto em detrimento de suas características materiais, buscando no
campo da imaginação, da simbologia, e em tudo que se refere às características do
produto percebidas de forma subjetiva, que, aliás, devem ser comunicadas para que
sejam percebidas, uma forma de apresentá-lo ao mercado e, por conseguinte, ao
consumidor. Os aspectos materiais do produto, como características físicas e de uso
estão perdendo relevância frente aos valores subjetivos e imateriais do produto.
Neste ponto, lembramos novamente Braudrillard, quando diz que “só a ideia é
consumida”.
Direcionando nossa abordagem o objeto de estudo do trabalho em 2006 15% dos
brasileiros possuíam computador, em 2007 esse número subiu para 23%,
coincidindo com o aumento de crédito para esse segmento social. “A imensa maioria
México, Ediciones Paidós, 1995.
6
[...] Em um mercado cada dia mais difícil e perigoso, o produto não poderia sobreviver com sua
mera presença e seus atributos tradicionais de distribuição, preço, qualidade, etc.; ele precisa
enriquecer-se de identidade mergulhando em um banho comunicacional que o transforme (como se
tratasse da poção mágica de Asterix) em invencível. A passagem da simples comercialização à
comunicação e a tendência desta última de ganhar importância resulta no desenvolvimento que tem
experimentado o mix de comunicação que hoje acompanha o produto. Um produto que se apresente
hoje ao mercado sem uma clara estratégia comunicativa não existe como marca e, muitas vezes,
nem como produto. [tradução nossa]
14. 9
dos Pcs vendidos pelo varejo é financiada em 12 vezes ou mais. Em 2009 já se
podia encontrar no varejo computadores financiados em até 24 vezes” (Torreta,
2009, p. 65). O acesso a computadores não está relacionado somente ao consumo
de bens materiais, mas representa, sobretudo, inclusão social, e o acesso a meios
imateriais como cultura e educação. O computador significa acesso a um mundo
novo – o mundo digital, virtual - para essas pessoas que ascenderam à classe C. Até
então, os produtos de informática, em geral, ou mesmo os produtos de tecnologia
mais avançada tinham um público mais restrito, pertencentes a classes mais
abastadas, as quais eram o alvo da publicidade desse tipo de produto. Desde o
notório crescimento da classe C, percebe-se uma mudança predominante na forma
de abordagem das propagandas televisivas e nos meios gráficos: se antes o foco
era a tecnologia avançada, agora a forma de pagamento parece tomar conta da
mensagem principal nas divulgações dessa linha de produtos.
Para Heloisa Buarque de Almeida 7, o apelo consumista direciona a subjetividade dos
indivíduos a uma resposta mercantilizada, de compra, de busca por suprir as
ausências pelo consumo, de realizar assim sua identidade desejada. Em “Cultura do
consumo e modernidade”, Dan Slater 8 observa que os consumidores estão em
busca de personificação de desejos e necessidades, porque o sistema capitalista
exige um crescimento econômico contínuo. Para o autor, é nessa cultura material
que produtos sinalizam identidades e poder. Concordando com Rocha, Slater
discorre sobre uma cultura voltada para o ato de consumir e ao mesmo tempo da
necessidade da constante transformação da relação entre o indivíduo que consome
e o objeto consumido e, ainda, da relação daquele que consome com os outros a
sua volta. Neste ponto, Featherstone vai além, enfatizando a forma como a
sociedade contemporânea se relaciona com a economia dos bens culturais. O
acesso a esses bens é ainda mais restrito se comparado aos bens materiais, como
eletrodomésticos, por exemplo, sobretudo em países em desenvolvimento, como o
Brasil, ainda marcados por profundas diferenças sociais. Mercadorias, incluindo os
bens culturais, aparecem como pontos de distinção social: o acesso a estes se
mostra como parâmetro de qualidade distintiva. Um exemplo concreto deste aspecto
relacionado ao consumo são os parâmetros usados para a classificação das classes
7
Autora de Telenovela, consumo e gênero: “muitas mais coisas”. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
8
SLATER. Don. Cultura do consumo e modernidade. São Paulo: Nobel, 2001.
15. 10
sociais no Brasil. O Critério Brasil, Critério Padrão de Classificação Econômica no
Brasil, tem como um de seus objetivos classificar grandes grupos de acordo com sua
capacidade de consumo de produtos e serviços acessíveis a uma parte significativa
da população. O número de bens materiais, como automóveis, aparelhos de TV em
cores, por exemplo, que uma família pode consumir é parâmetro para classificá-la
socialmente.
Na sociedade contemporânea, o poder de consumo é capaz de classificar muito
mais do que indivíduos, ela pode movimentar classes inteiras e fazer com que sejam
reconhecidas. Um exemplo disso seria o recente fenômeno da Classe C em que
aproximadamente 20 milhões de brasileiros se deslocaram da base da pirâmide
social para ascender à classe média, tornando claro o acesso ao valor sígnico das
mercadorias, e assim, evidenciando e classificando um novo tipo de consumidor,
uma nova Classe C. Dessa movimentação social podemos entender que o consumo
não significa apenas o acesso a bens materiais e utilitários, mas representa
principalmente distinção com a inclusão do sujeito na sociedade, porque se firma
como referência fundamental na construção de uma identidade social, ou seja, gera
reconhecimento diante da sociedade.
1.2 Consumo, publicidade e marketing
Segundo Andrea Semprini, em “O marketing da marca: uma aproximação semiótica”,
uma comunicação competente divulga, torna apreciável e evoca o consumo de
determinado produto e/ou serviço. Sua função é melhorar os resultados de uma
empresa, ou aumentar sua cota de participação em um determinado mercado. Dito
de outra forma, a comunicação é um elemento que o produtor tem a sua disposição
para vender melhor seus produtos.
A teoria econômica clássica conceitua o mercado como um sistema essencialmente
bipolar. Em outras palavras, ele se cria pela interatividade dos atores principais: os
produtores e os consumidores. Ao lado daqueles, estaria o que se denomina
sistema da oferta, composta por uma série de produtos destinados ao outro ator
(coletivo): os consumidores. Também participa dessa interação o sistema de
16. 11
distribuição, moldando as relações entre o sistema de produção e o de consumo,
porém sem alterar a estrutura conceitual do mercado; a que nos referimos no
começo do parágrafo. Então, fica claro que a missão dos produtores é pôr seus
produtos à disposição dos consumidores. A estes, reconhece-se certo protagonismo
na hora de proporcionar o retorno necessário para que aqueles melhorem seus
produtos e afinem suas políticas de venda.
A terminologia clássica do marketing - quando aborda a taxa de penetração dos
produtos, saturação de um segmento ou revitalização de um mercado reflete uma
noção de mercado semelhante ao de um imenso container em que os produtores
enchem-no com suas ofertas e, no qual, os consumidores têm um papel meramente
passivo. Trata-se de um objeto físico que não reage e que se transforma no que os
agentes externos desejam.
Era assim que o mercado se mostrava no início das ações de marketing no mercado
global, caracterizado pelo foco no produto. Nessa época, buscou-se eliminar a pilha
de estoques gerada pela era da produção, herança da industrialização. A
necessidade de manter maior atenção no ponto de venda era crescente e se
tornaram inevitáveis ações estratégicas para alcançar o consumidor. A ideia era
encontrar clientes para estoques ainda não vendidos. Para isso, foram
desenvolvidas campanhas publicitárias promocionais no ponto de venda com o
objetivo de convencer os clientes a comprar produtos que, de outra maneira, não
iriam adquirir.
Neste momento, circulavam essencialmente produtos, percebidos pelo consumidor
como objetos físicos, materiais, e sua carga simbólica, que lhes foi atribuída pela
publicidade, só aconteceu muito tempo mais tarde. Para o estudioso Andrea
Semprini, é difícil encontrar algo mais físico do que um ato de consumo. Ao
conceituar o mercado, o autor explica que o papel da comunicação não é outro
senão o de ajudar o sistema de produção a penetrar com seus produtos no sistema
de consumo. A comunicação, através da publicidade e das ações de marketing,
serve para que o maior número possível (ao menos um número maior do que antes)
de consumidores adquira os produtos comercializados pelos produtores.
Semprini esclarece que na sociedade tradicional 9, não só o número de produtos era
9
O termo sociedade tradicional é usado por Semprini para se referir à sociedade pré-industrial.
17. 12
limitado, mas como também cada um deles era conhecido e familiar, ocupando lugar
específico na vida de um indivíduo. Muitos desses objetos eram carregados de
significados religiosos, sociais, enfim, simbólicos, através da tradição e de sua
história social. O consumo de produtos seguia um calendário preciso e,
frequentemente, era restrito a uma faixa etária, a determinados sexos e a alguns
grupos sociais. Já na sociedade contemporânea, tem-se afastado os significados
tradicionais associados a cada produto. A explicação para isso é que, em primeiro
lugar, a maior parte dos produtos de hoje nem existiam na sociedade pré-industrial;
em segundo, as infinitas variedades desses acabaram por tornar todos parecidos.
Como explica Barbosa10, “um dos pontos fortes para a efetivação da sociedade
capitalista está baseada na alta rotatividade das mercadorias” (Barbosa in Corrêa,
1995, p. 47). É exatamente neste momento que a comunicação aparece como
diferencial.
A comunicação dos produtos, considerando as características materiais e imateriais11
destes, e a complexidade e instabilidade do comportamento do consumidor, levaram
o autor a conceituar o mercado de forma diferente, como também a compreender a
comunicação como um elemento autônomo. Mas Semprini deixa claro que,
atualmente, a comunicação não pode mais ser reduzida a uma mera variável do
mercado de produtos. Se em um primeiro momento ela se restringia à função de
aumentar as vendas, com o consumo tornando-se o foco central da economia, em
detrimento da produção, como base para o desenvolvimento do modelo capitalista
de consumo, a comunicação passa a ter um papel fundamental na dinâmica
mercadológica. A oferta oferece ao produto um suporte físico e material; a
comunicação traz ingredientes imateriais e discursivos necessários para que possa
ganhar destaque no mercado. Em um contexto em que o consumo torna-se a base
da economia no mundo contemporâneo, a comunicação passa a desempenhar um
papel central nesse processo, como intermediador na relação entre o produto, o
mercado e o consumidor: “Imersos na comunicação, os produtos tendem a perder
seus aspectos materiais, sua existência fenomenológica.” (SEMPRINI, 1995, p. 30).
Semprini, assim como Mike Featherstone e outros estudiosos, afirma que os
10
BARBOSA, I. S. “Propaganda e significação: do conceito à inscrição psico-cultural”. In CORRÊA,
T.G. Comunicação para o mercado. Instituições, mercado e publicidade. São Paulo. EDICON.
1995.p.31-51.
11
Por aspectos imateriais entende-se: tudo que o produto pode evocar.
18. 13
produtos, como objetos materiais, físicos, tendem a desaparecer; convertem-se em
fenômenos comunicativos, objeto do intercâmbio cultural e não simplesmente
comercial, pois afeta diretamente a ordem simbólica, o imaginário acerca do produto.
O que se pode apontar, diante desse fato, é que os aspectos materiais do produto
(como características físicas e de funcionamento, inclusos em sua função) estão
perdendo relevância frente aos valores implícitos, subjetivos e imateriais dos
objetos. Como já discutido quando citamos Baudrillard, entre outros autores
analisados neste trabalho, o produto deixa de existir só por sua utilidade física e
passa a representar um conjunto de valores, como diferenciação no meio social, por
exemplo. Talvez essa seja a razão pela qual cada dia mais empresas direcionam
seus investimentos para a comunicação de seus produtos e serviços. Isso nos leva a
retomar a discussão iniciada na primeira parte deste capítulo: a tendência que os
produtos têm de se desmaterializar e ultrapassar suas condições utilitárias.
A atribuição de peso simbólico aos produtos é, evidentemente, uma das tarefas da
marca, tendo em vista que a extensão da carga simbólica de um produto pode ser
uma grande vantagem, se explorada na direção correta. Para tanto, a presença da
publicidade e do marketing ganham destaque em nossa discussão. O primeiro, com
seus discursos persuasivos, que trabalham a fetichização da mercadoria; o segundo,
no papel de orientador das relações das empresas com o mercado.
A publicidade, no que se refere a sua construção discursiva, se utiliza de temas e
valores com os quais o público se identifica, e se projete nos personagens
representados em suas mensagens – recurso essencial para a interação do público
com suas propostas e nos produtos anunciados. Além disso, traz embutido em suas
mensagens valores contemporâneos que substituem aqueles que antes ancoravam
a identidade (etnia, classe, gênero, etc.). Ou seja, a publicidade faz construções com
representações do cotidiano de seu público para atingi-lo de forma mais fácil. Nesta
construção, que não é necessariamente a realidade, mas sim uma representação
dela, alguns valores são estabelecidos e incorporados. Fica claro, portanto, que o
discurso publicitário tem a capacidade de incorporar novos valores que circulam na
sociedade e reforçá-los para o público consumidor, de maneira que esses se
refletem no cotidiano e na cultura; ao mesmo tempo, reproduz elementos próprios da
nossa sociedade, como o estímulo ao consumo e a valorização do novo.
19. 14
Hoje presenciamos a saturação progressiva das convenções de compra e venda, o
que demonstra uma tendência estrutural dos mercados de consumo ocidentais. A
multiplicação constante de ofertas acaba por criar uma espécie de resistência,
acumulando um número expressivo de mercadorias, como também reafirma a
importância do papel desempenhado pela publicidade e pelo marketing no mercado.
Esses voltam seu foco para a satisfação dos desejos individuais de consumo como
forma de se aproximarem cada vez mais de seu objetivo: a comercialização de bens.
Quem conhece mais seu cliente e sabe de seus hábitos, por exemplo, fica cada vez
mais próximo de conquistar sua lealdade no ato da compra.
Em um trecho do texto “Publicidade, o sonho e a realidade da produção” (2007) 12,
Carrascoza explica que nas últimas décadas, com a comoditização dos produtos, o
apelo publicitário às emoções é capaz de levar o público à identificação com um
determinado estilo de vida. Para o autor, é óbvio e até estratégico que a publicidade
contemporânea invista mais nas emoções que os produtos provocam do que no
próprio produto. Seu objetivo é levar ao público campanhas mais divertidas fazendo
com que o discurso publicitário acompanhe as tendências do desenvolvimento da
sociedade de consumo, e não poupe esforços para “posicionar” os produtos no
mercado simbólico. Dando voz a Ries e Trout 13, Carrascoza deixa claro que é
“melhor para um produto ser o primeiro na mente do cliente do que o primeiro no
mercado”; julga que “não é uma batalha de produtos, mas uma batalha de
percepção”. O marketing, através da publicidade, “tangibiliza a sua mais poderosa
ação – a de representar o produto na mente do público” (2007, p.223).
O consumo é o sistema que classifica bens e identidades, e até mesmo pessoas,
contribuindo para a noção de diferenças e semelhanças no meio social. Ao trabalhar
o consumo, a publicidade e o marketing trabalham com a construção das relações:
“os produtos falam entre si, falam conosco e falam sobre nós” (BARROS; ROCHA,
2008; cap. 12;).
12
Capítulo 14 do livro Comunicação e Culturas do Consumo.
13
RIES, Al; TROUT, Jack. As 22 consagradas leis do Marketing. São Paulo: Makron Books, 1993.
20. 15
CAPÍTULO 2
O consumo no Brasil
2.1. Um breve histórico do consumo no Brasil
Para tratarmos do consumo no Brasil, primeiramente partilharemos da divisão do
processo de industrialização brasileira feita por João Manuel Cardoso de Mello e
citado por Maria Arminda do Nascimento Arruda em “A embalagem do sistema”. A
divisão defendida pelos autores consiste em periodizar a história da indústria no
21. 16
Brasil da seguinte forma: 1888 – 1933: período do nascimento e consolidação do
capitalismo industrial; 1933 – 1955: fase de industrialização restringida; e por fim
1956 – 1961: momento caracterizado pela industrialização pesada. É importante
ressaltar que, de acordo com o conteúdo analisado para esta abordagem, o
consumo, antes do avanço do capitalismo em território nacional, não era notório no
mercado interno; é a partir da década de 1940 que o mercado consumidor começa a
ganhar volume na economia brasileira.
A primeira fase citada corresponde à etapa na qual o capital cafeeiro ainda era
dominante. Em 1920, podia-se notar a ausência de uma identidade nacional na
publicidade. O mercado de bens de consumo nessa época era muito limitado, e por
consequência, atingia um público bem reduzido.
É importante ter em mente que é a partir da economia cafeeira que se criou
condições para o surgimento do setor industrial. Primeiro porque ela gerou,
previamente, uma massa de capital monetário passível de se transformar em capital
produtivo industrial, que se concentrou, inicialmente, nas mãos de uma classe social
constituída por uma elite herdeira da aristocracia cafeeira. Em segundo lugar, porque
transformou a própria força de trabalho em mercadoria: momento em que a
população rural migra para os centros urbanos, com o objetivo de oferecer sua mão
de obra nas então nascentes indústrias brasileiras; e , por fim, promoveu, como
resultado de sua economia, a base para a criação de um mercado interno de
proporções consideráveis, se comparado com o que existia até então14.
O modelo econômico seguido pelo Brasil nessa época ainda é o da Europa, e o
consumo de muitos bens continuava a ser privilégio de poucos. Portanto, a década
de 30, assim como os anos que a antecederam, foram marcados por uma economia
fortemente influenciada pela elite agrária do país (a população das classes baixas
ainda nem era citada nas mídias da época). A publicidade, naquele momento, tinha
como público-alvo a elite econômica brasileira, ou seja, públicos A e B, conforme a
classificação socioeconômica do critério Abipeme15 na contemporaneidade. Trata-se
de uma parcela muito pequena da população, sendo representada nas grandes
14
Mello, J. M. Cardoso de. O capital tardio (contribuição à revisão crítica da formação e
desenvolvimento da economia brasileira). São Paulo: Brasiliense, 1982.
15
Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado
22. 17
mídias, em detrimento de uma maioria esquecida. (HOFF, 2008, p.173).
Boa parte da população daquela época não estava representada no discurso do
consumo, embora fossem consumidores de gêneros de primeira necessidade. Essa
população seria análoga aos públicos da Classe D e E da sociedade brasileira dos
dias de hoje. Enquanto a publicidade falava para a elite, era referência para as
relações de consumo das classes de baixa renda: “com o desenvolvimento do
discurso publicitário, mesmo sem poder de compra, as camadas populares
consumiram a produção publicitária numa possível idealização do mercado de elite.”
(HOFF, 2008, p.173).
Para Arruda, o setor industrial abriu um novo campo de investimento para o “capital
excedente” da economia cafeeira, gerada nos momentos em que os lucros eram
notórios e, ao produzir bens de consumo, garantiu também a reprodução da força de
trabalho do setor exportador. A dependência do capital industrial tinha duas faces :
por um lado estava atrelada ao aumento da capacidade de importar, concebida
naturalmente pela exportação do café ; por outro, gerava a ampliação de seu
mercado, já que a capacidade do setor exportador fazia crescer o mercado externo.
No segundo momento fixado (1933 – 1955), a acumulação acontece de forma
endógena, expressando-se, segundo Arruda, na reprodução da força de trabalho
que começou na etapa anterior e, em parte, no capital constante industrial.
Entretanto, a autora, dando voz a João Manuel Cardoso de Mello (autor de “O
capital tardio”)16, explica que as bases técnicas e financeiras da acumulação são
insuficientes para que se implante um núcleo fundamental de indústria de bens de
produção, que permitiria à capacidade produtiva crescer diante da demanda,
autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial. Embora já constante, o
capital ainda não era suficientemente capaz de superar a demanda. Este é um
período em que a indústria cultural ainda é incipiente no Brasil.
Outro ponto importante nesta periodização é o que esclarece Renato Ortiz: este é o
início da chamada era da “comunicação de massa”, momento coroado com a
utilização comercial do rádio, veiculando em 1933 os primeiros anúncios, assim
como as primeiras transmissões radiofônicas em cadeia. Segundo o autor, nos
16
Mello, J. M. Cardoso de. O capital tardio (contribuição à revisão crítica da formação e
desenvolvimento da economia brasileira). São Paulo: Brasiliense, 1982.
23. 18
primeiros anos que se sucedem aos anos 30, até os anos 50, o governo, por meio
da política do Estado Novo, estabelece uma relação direta com os meios de
comunicação de massa. Isso aconteceu porque o Estado idealizava um
departamento de propaganda cujo objetivo era atingir todas as “camadas populares”,
instrumento que deveria funcionar como um aparelho de grande alcance, forte e com
poder de irradiação e infiltração. De acordo com o governo da época o rádio teria
como função o esclarecimento, o preparo e a orientação para uma cultura de
massas.17 Com inspiração na ideologia fascista, a proposta de seu departamento de
propaganda só se materializou em 1939 com o DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda), que buscou interferir diretamente nos meios de comunicação de
grande alcance, como o cinema e o rádio. A ideia era a de transformar os meios de
comunicação, de meios de entretenimento para “aparelho pedagógico” (Ortiz, 2001,
p. 51) e assim se aproximar cada vez mais das massas.
Com o passar dos anos, a consolidação do mercado consumidor nacional passou
por mudanças de comportamento de seu público. A década de 1940 marca a
mudança na orientação dos modelos estrangeiros que nos influenciavam. Os
padrões europeus, seguidos desde a época do império, cedem lugar aos valores
americanos, transmitidos pela publicidade, cinema e pelos livros de língua inglesa,
que começam a superar quantitativamente as publicações francesas.
Para Renato Ortiz, é a partir da década de 1940 que se pode considerar uma
presença mais relevante de atividades vinculadas a uma cultura popular de massa
no Brasil. O autor aponta os anos 40 como o início de uma “sociedade de massa” no
país, porque é nesse momento que se consolida o que os sociólogos denominam de
sociedade urbano-industrial; ocasião em que a expansão da classe operária e das
camadas médias propicia um notável aumento populacional, e que o setor terciário
ganha destaque em relação ao setor agrário.
Os anos 40 são importantes ainda por serem caracterizados pela aproximação dos
Estados Unidos com a América Latina, ou pelo que foi denominado de “política da
boa vizinhança”; iniciativa que vai culminar em mudanças não só políticas, mas
17
Neste caso, entendida como um sistema produtivo que visa gerar e consumir ideias para diversos
objetivos e públicos.
24. 19
influenciará consideravelmente o mercado e o modo de consumir do brasileiro.
Essa série de fatores influencia os meios de comunicação, redefinindo imprensa,
rádio e cinema. Nos anos de 45 e 50 em diante, o cinema se tornou um bem de
consumo. Assim se consome o “american way of life”. Destaca-se aqui o cinema
americano que no pós-guerra dominou o mercado cinematográfico. É nesse
contexto, também, que a televisão ganha espaço enquanto canal de comunicação. E
o próprio marketing começa a ser direcionado para o público, em um primeiro
momento, ainda para as classes mais abastadas.
Ainda nos referindo aos anos 50, os empreendimentos se intensificam no Brasil
nessa época, mas com intenções empresariais. Ganha destaque a área publicitária,
a qual apresentava um crescente momento de dinamismo. Embora o setor
publicitário tenha sido implantado no país através das multinacionais durante a
década de 1930, só se consolidou mais tarde com o desenvolvimento do comércio
lojista, do acesso ao crediário e da comercialização dos imóveis. Com o mercado
interno se fortalecendo e se consolidando cada vez mais, a publicidade começa a
dar espaço para divulgação das mais variadas mercadorias - de alimentos
industrializados a eletrodomésticos e automóveis. O estímulo ao consumo encontra
forças no aburguesamento da classe operária, com a oferta de emprego que as
indústrias ofereceram nas décadas passadas.
Apesar do dinamismo da sociedade brasileira no pós-guerra, é perceptível que esse
desenvolvimento é bem limitado. Ortiz alerta para o fato de que o movimento de
expansão do capitalismo se realiza somente em determinados setores, não se
estendendo à totalidade da economia do país. De acordo com a perspectiva do
autor, embora as indústrias culturais buscassem expandir suas bases materiais
nessa época, os obstáculos ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil eram
muitos e colocavam limites concretos para o crescimento de uma cultura popular e
de massa. “Faltavam a elas um traço característico das indústrias da cultura, o
caráter integrador” (ORTIZ, 21, p.48). Essa característica da indústria cultural integra
as pessoas a partir do alto, colocando-se de forma autoritária, impondo uma forma
de dominação. Porém, a forma de padronização promovida “por e através dos
produtos culturais só é possível porque repousa num conjunto de mudanças sociais
que estendem as fronteiras da racionalidade capitalista para a sociedade como um
25. 20
todo” (ORTIZ, 2001, p. 49).
Até os anos 50, a exploração comercial dos mercados nacionais se fazia
regionalmente e não de forma generalizada; portanto, é perceptível esta
particularidade da sociedade brasileira dessa época, a incipiência de uma indústria
cultural e de um mercado de bens simbólicos (ORTIZ, 2001, pág.54). É com o
crescente desenvolvimento da sociedade industrial que se consolidam e se
expandem as empresas, as quais passam a gerir suas atividades a partir de uma
estratégia de cálculo que busca maximizar os ganhos a serem atingidos. A indústria
cultural nas sociedades de massa adotaria as mesmas técnicas utilizadas na
indústria fabril, o que, grosso modo, quer dizer que seria orientada pelo mesmo
objetivo desta, ou seja, pela venda de produtos. Sendo assim, Ortiz deixa claro que
é dessa forma que o espírito capitalista penetra na esfera cultural e organiza a
produção nos moldes empresariais das indústrias.
No quadro de uma sociedade industrial avançada isto significa que a
estratégia é definida a partir de um cálculo que deva levar em consideração
as forças do mercado, o que demanda todo um conhecimento a partir de
pesquisas que permitem traçar um perfil do consumidor. A indústria cultural
marcha, dessa forma, em consonância com o que Habermas chamou de
técnicas de “cientifização” da opinião pública18·. (ORTIZ, 2001, p. 55)
O terceiro e último dos períodos delimitados na introdução deste texto, que vai de
1956 a 1961 foi marcado pelo crescimento da capacidade produtiva de bens
materiais muito acima da demanda. O processo de industrialização pesada se
caracteriza por um crescimento acelerado do setor de bens de produção e do setor
de bens duráveis de consumo. Dá-se, a partir dessa etapa, o período que
comumente se chamou de momento de “modernização” da mentalidade empresarial
brasileira. É um momento que mais tarde dará base para o foco no cliente, além
disso, neste período o mercado direciona uma maior atenção à opinião pública, e
esta passa a ser vista como de suma importância para a produção publicitária e da
mídia num geral.
É em meio a essa nova forma de pensar o mercado que a televisão brasileira
começa a ganhar força. Até meados dos anos 50 a televisão ainda era vista com
desconfiança pelos anunciantes, inclusive pelas multinacionais, e os meios mais
tradicionais, como o rádio e o jornal impresso, ainda eram os mais utilizados pela
18
HABERMAS, Toward a Rational Society. Boston, Beacon Press, 1970.
26. 21
publicidade.
Para se fazer convencer enquanto um meio de comunicação eficaz, a televisão,
inicialmente, foi colocada ao consumidor como uma necessidade, através de um
discurso pedagógico que se fundamentava na necessidade da construção da
modernização da sociedade brasileira. Naquele momento a profissionalização dos
meios de comunicação de massa, como o rádio e a TV, ainda era muito precária,
enquanto a publicidade era entendida como uma técnica para a promoção de
vendas, situação que levou os publicitários a se envolverem não apenas com a
criação dos anúncios como também com a produção dos programas televisivos. Mas
isso só foi possível porque até então a concorrência entre os produtos não era
contabilizada, portanto, não havia uma preocupação excedente quanto à disputa por
mercado. Mais tarde, com a criação de complexos administrativos dentro da
concepção de televisão, houve racionalização do espaço no vídeo, fato que o
transformou em uma mídia. Ortiz cita um depoimento de Arce (Rede Globo de
Televisão) para expressar o que foi esse fato: “É precisamente nesse momento que
o tempo comercializável se torna um produto, isto é, uma marca, logotipo,
embalagem, canal de distribuição de todo o complexo de marketing”. (ORTIZ, 2001,
p. 62)
Segundo o autor, é a partir de 1958 que se iniciam as pesquisas sobre os hábitos de
consumo de programas televisivos. Até então, segundo o estudioso, a televisão não
conhecia realmente seu alcance, o que acabava por ser um problema para o
dimensionamento de sua eficácia como meio de massa. Isso, por sua vez, nos leva
a pensar se não foi este o momento em que o consumidor começou de fato a ser o
principal foco do mercado; momento em que, ao se transformar em telespectador,
ganha certo poder: o de escolher com mais facilidade o que vai consumir, já que tem
nas mãos, literalmente, o poder de decidir que canal assistir e por consequência a
que tipo de informação ter acesso. Deixemos claro que estamos generalizando esta
discussão; obviamente o assunto é mais complexo, apenas estamos pontuando que
com o advento do meio televisivo fica mais fácil se aproximar do consumidor e em
contrapartida, este pode “escolher”, dentro de uma série de conteúdo, a qual vai
aderir.
Ao comentar a ironia de nos anos 50 a televisão brasileira ter sido considerada como
27. 22
“elitista”, Ortiz observa o exagero da afirmação, já que desde sempre a totalidade da
programação do meio de comunicação de massa, que em pouco tempo se tornou o
mais popular de todos, é composta por programas populares, como shows de
auditório, programas humorísticos, música popular, telenovela, conteúdo bem
parecido com os veiculados nos dias de hoje. Naquela época a TV brasileira
recrutava a maioria de seus quadros entre os antigos profissionais do rádio, onde
esses tipos de programas já estavam consagrados como populares. A visão
definitiva da televisão como meio de massa acontece em meados de 1960.
São as décadas de 1960 e 1970 que se definem pela consolidação de um mercado
nacional de bens culturais. É nesse período que a sociedade brasileira passa por
transformações estruturais no sistema produtivo, provocadas, sobretudo, pelo golpe
militar de 64.
O Estado autoritário permite consolidar no Brasil o “capitalismo tardio”. Em
termos culturais essa reorientação econômica traz consequências
imediatas, pois, paralelamente ao crescimento do parque industrial e do
mercado interno de bens culturais, fortalece-se o parque industrial de
produção de cultura e o mercado de bens culturais. (ORTIZ, 2001, p. 114)
Ortiz deixa claro que com o golpe militar e o avanço da sociedade de consumo
ocorre um desenvolvimento e uma especialização do mercado, sem deixar de
explicar que existe uma diferença relevante entre o desenvolvimento do mercado de
bens materiais e de bens culturais. Durante esse período, por volta de 1964 a1980,
a cena cultural do país vivia sob os olhos da censura, mas esta não se define
exclusivamente pela proibição de todo produto cultural, ela age como uma espécie
de repressão seletiva que impossibilita a ocorrência de uma determinada forma de
pensar ou de uma obra artística. As críticas do Estado militar atingiam a
especificidade da obra, mas não o princípio geral da sua produção.
O movimento cultural pós-64 se caracteriza por duas vertentes que não são
excludentes: por um lado se define pela repressão ideológica e política; por
outro, é um momento da história brasileira onde mais são produzidos e
difundidos os bens culturais. Isto se deve ao fato de ser o próprio Estado
autoritário o promotor do desenvolvimento capitalista na sua forma mais
avançada. (ORTIZ, 2001, p.115)
É ainda no período de ditadura que acontece a criação de novas instituições
voltadas para a gestação de uma política cultural, como o Conselho Federal de
Cultura. É também nessa época que se reconhece a importância dos meios de
comunicação de massa e de sua capacidade de difundir ideias, de se comunicar
28. 23
diretamente com a massa e, sobretudo, a possibilidade que tem de criar estados
emocionais coletivos, de influenciar o povo. Em 1967 é criado o Ministério das
Comunicações, e uma série de ações que irão colaborar com os meios de
comunicação, em especial com a televisão.
O sistema de redes, condição essencial para o funcionamento da indústria
cultural, pressupunha um suporte que no Brasil, contrariamente dos Estados
Unidos, é resultado de um investimento do Estado. Não deixa de ser curioso
observar que o que legitima a ação dos militares no campo da
telecomunicação é a própria ideologia da Segurança Nacional. A ideia da
“integração nacional” é central para a realização desta ideologia que
impulsiona os militares a promover toda uma transformação na esfera das
comunicações. Porém, como simultaneamente este Estado atua e privilegia
a área econômica, os frutos deste investimento serão colhidos pelos grupos
empresariais televisivos. (ORTIZ, 2001, p. 118).
Os grandes empreendedores da comunicação no país, por sua vez, sempre
associavam a integração nacional ao desenvolvimento do mercado, e, por
consequência, ao aumento do consumo.
Com o investimento do Estado nas telecomunicações, os grupos privados tiveram,
finalmente, a oportunidade de concretizar seus objetivos de integração do mercado.
Dá-se neste texto, outra vez, uma atenção maior ao meio televisivo. A implantação
dessa mídia como meio de massa se consolida neste momento. Segundo Ortiz, em
1970 existiam 4 milhões 259 mil domicílios com televisão, isso significa que naquela
época 56% da população já era atingida pelo veículo 19, pulando para 15 milhões 855
mil em 1982, isso corresponde à 73% do total de domicílios existentes na época. O
autor explica que o hábito de assistir televisão se firma definitivamente nesse
período, disseminando-se por todas as classes sociais 20·. Ressalta ainda que seria
impossível considerar o advento de uma indústria cultural sem levar em conta o
avanço da publicidade. É através dela, na maioria das vezes, que todo o complexo
de comunicação se mantém.
Maria Arminda Arruda21 analisa o desenvolvimento da publicidade brasileira, entre
1970 e 1974, demonstrando como as taxas de crescimento do mercado nacional na
19
Informação retirada de Mercado Brasileiro de Comunicação, Brasília, Presidência da república,
Secretaria de Imprensa e Divulgação, 1983, p. 87. Consultar também Briefing, “Os Trinta anos da
Televisão”, op. cit.
20
Informação retirada de Mídia e Mercado, São Paulo, Lintas, 1984.
21
Autora de “A embalagem do sistema: a publicidade no capitalismo brasileiro”. Bauru, SP: Edusc,
2004.
29. 24
área superaram muitos outros países, como a Austrália, a Itália e a Holanda. O
resultado disso foi que em 1974 o Brasil se constituiu como o sétimo mercado de
propaganda do mundo. Esse crescimento na área publicitária demandou serviços
mais especializados, o espaço mercadológico passou a ser bem dimensionado,
medido segundo critérios objetivos. As agências se voltaram para as pretensões dos
clientes e a capacidade e absorção dos produtos no mercado. É um momento de
especialização que faz jus a uma imposição da indústria cultural, a qual tem a
responsabilidade de atender às demandas de um mercado onde existem faixas
econômicas diferenciadas a serem exploradas. E a ideia de “nação integrada” passa
a representar a possibilidade de interligar potenciais consumidores espalhados pelo
território nacional.
É importante ressaltar que é ainda na década de 70 que a classe média passa então
a ter acesso mais fácil a bens duráveis, como eletrodomésticos e automóveis, por
meio de cartas de créditos. O governo incentiva a poupança com grande mobilidade
na captação e no financiamento. Nelson Varón Cadena22 explica que a consequência
disso seria o surgimento de novos anunciantes no mercado, como o sistema
financeiro, bancos e cadernetas de poupanças, e o mercado imobiliário, este
impulsionado pelos recursos da caderneta.
A década de 1980 chega com o mercado em crise, o país passa por uma retração
23
econômica, consequência do fim do “milagre brasileiro” . Contrariando essa
situação, alguns setores da economia do país ganham fôlego e alcançam bons
índices de vendas - o de varejo é um exemplo, principalmente o de alimentos. São
contabilizados por Cadena mais de dez mil estabelecimentos varejistas no final da
década de 70, início de 80. Este é um período de conquistas, não só de alguns
setores da economia: a mulher representa 27% da população economicamente
ativa. Por consequência, um novo perfil de consumidora é traçado pelo mercado
publicitário, influenciando a forma de comunicar muitos produtos, direcionando cada
22
Autor de Brasil - 100 Anos de Propaganda. São Paulo: Edições Referência, 2001.
23
O "milagre econômico", ou "milagre brasileiro", foi um projeto conduzido pelo então Ministro da
Fazenda, Delfim Neto. Com a abertura do país ao capital estrangeiro, dezenas de empresas
multinacionais se instalaram no Brasil e os grandes fazendeiros passaram a produzir para
exportação. Foram atingidos altos índices de desenvolvimento econômico sob a falsa ideia de "surto
de progresso" que o país vivia. Esse milagre fazia parte do Plano Nacional de Desenvolvimento -
PND (1972-1974), que definiu as prioridades do governo Médici: crescer e desenvolver aproveitando
a conjuntura internacional favorável. Nesse período o Brasil cresceu mais depressa que os demais
mercados latino-americanos.
30. 25
vez mais as mensagens para um público-alvo mais específico. Esta é a década em
que se inicia uma abertura gradual, uma transição político-administrativa no Brasil, o
que futuramente provocará mudanças não só econômicas, como políticas e sociais.
Os anos 80 seriam de duro aprendizado, permanente estado de crise
(recessão, desemprego, queda de produção, falta de crédito e de
investimento), com a economia fragilizada e pela primeira vez, em muitos
anos, de absoluta estagnação. O PIB apresenta crescimento real negativo,
taxas de menos de 3,5% (1981), contrastando com o crescimento registrado
na década anterior. (CADENA, 2001, p.204)
De acordo com Cadena, ainda nos anos 80, enquanto os brasileiros enfrentam o
desemprego, a propaganda se empenha em estimular os grandes anunciantes a
investir na promoção do consumo. Em resposta, o mercado revela vitalidade.
Segundo o autor, o mercado reagiu à crise com promoções para incrementar as
vendas, e alguns setores crescem em meio a esse contexto de crise. O bancário,
por exemplo, se destaca partindo para a conquista de correntistas e investidores.
A década de 1980 traz ainda os reflexos da consagração do Brasil campeão na copa
do mundo de futebol dez anos antes. Muitos jogadores tornam-se garotos-
propaganda nesse período, incitando o nacionalismo no público; personagens
cativantes foram usados em campanhas publicitárias para garantir a preferência do
consumidor. A propaganda, definitivamente, assume tendências comportamentais,
de maneira que são veiculadas situações e personagens bem familiares ao público,
buscando-se a identificação do consumidor com o produto à venda.
O varejo acaba assumindo o papel da indústria de alimentos e de eletroeletrônicos.
Os anos 80 consolidam a expansão dos supermercados e shopping centers e,
assim, o ponto de venda conquista mais espaço na mídia.
A propaganda dos anos 80 e 90 descobre que a mulher já representa 41,4% da
população economicamente ativa, e que a decisão de compra do consumidor passa
também pelo ponto de venda. Após uma década de recessão, o mercado vê a
possibilidade de crescer novamente.
Fábricas de eletrodomésticos e de automóveis direcionam os seus produtos
para esse segmento e o varejo (distribuidor de eletroeletrônicos) e veículos
automotivos transformam-se nos maiores anunciantes do país. (CADENA,
2001, p.236)
É na década de 1990 que entra em vigor no país o Código do Consumidor, adaptado
da legislação americana e francesa referente ao assunto. O Código provoca de
31. 26
imediato o aparelhamento das grandes empresas com setores de Atendimento ao
Consumidor, os chamados SACs. Assim, o atendimento ao cliente passa a ser o
foco do mercado. O resultado disso é que a indústria, que na década de 80
apresentara um crescimento negativo de menos de 0,2%, em 1995 exibe índices
positivos de 2%. (CADENA, 2001, p.236)
É ainda nesta época que a internet se torna realidade no Brasil. Em meados dessa
década, o mundo já tem milhões de internautas; para se ter uma ideia concreta da
importância desse novo veículo, a partir de 1996 a Internet se fortalece com novos
grupos de comunicação, como provedores de conteúdo. Em 1998 e 1999, o varejo
direciona parcela expressiva de suas verbas para o meio digital. As possibilidades
infinitas e ao mesmo tempo desconhecidas da internet agitam o mercado.
Desencadeia-se um processo de multiplicação da variedade de produtos e,
paralelamente, uma busca incessante de mercados seguros para eles. Para a
estudiosa Rose de Melo Rocha24, por vivermos em um ambiente globalizado,
existem inúmeras possibilidades de que certos fluxos emergentes sejam capazes,
por conflito e tensionamento, de proceder à inserção de forças globais em um
movimento de baixo para cima, pressionando hegemonias adquiridas e valores
conformistas. Diante disso, Arruda deixa claro que é obvio que essa mudança
reverte, ao mesmo tempo, as diferenciações significativas existentes na sociedade
como um todo.
O impacto do consumo cotidiano de produtos e serviços define de maneira
preponderante a nossa existência, interferindo no modo como nos comunicamos,
nos afirmamos socialmente: “[...] este processo também interfere na percepção que
temos dos outros, seja daqueles que reconhecemos como iguais, seja nos que
identificamos como diferentes.”(Rocha, 2008, p.129) .
Chegando ao século XXI, uma nova visão sobre o mercado começa a ganhar
espaço, a do consumo popular. Até então, a noção de que o consumidor de baixa
renda não tinha potencial de compra imperava nas produções publicitárias. A
invisibilidade desse público é notória em detrimento do espaço ocupado pelas
24
Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, com pós-doutorado em Ciências Sociais pela
PUC-SP. É professora e pesquisadora do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de
Consumo da ESPM. Possui diversos artigos e capítulos de livros publicados e intensa participação
em congressos acadêmicos, entre outras ações acadêmicas.
32. 27
classes de alto poder aquisitivo nas produções publicitárias. Mesmo na década de
1960, momento de expansão do mercado nacional, que deu visibilidade à classe
operária, o público de baixo poder aquisitivo se viu fora dos olhares do mercado: “a
maioria das empresas ignorou o potencial de consumo da classe C/D/E,
consumidores de baixa renda” (HOFF, 2008, p.181).
Neste século, o potencial de compra das classes populares despertou o interesse
das grandes empresas. Uma série de fatores, principalmente o aumento da renda da
Classe C traz à tona um novo mercado consumidor, como analisa Herzog:
Nos últimos anos, porém, as empresas finalmente descobriram a base da
pirâmide mundial, os mais de 4 bilhões de habitantes do planeta que
sobrevivem com renda per capita anual inferior a 3 000 dólares. Agora, com
base na experiência no desbravamento do mercado popular -- e nos muitos
erros cometidos nesse processo -, os pobres finalmente estão virando peça
central na estratégia de crescimento das empresas. (HERZOG, 2007)
2.2. Consumo e público consumidor
Como já mencionado anteriormente, os estudos na área econômica se
desenvolveram, durante muito tempo, tendo como o foco a produção, sendo o
consumo visto apenas como uma conseqüência desta. Rose Melo Rocha, estudiosa
que participa como colaboradora da obra Comunicação e Cultura do Consumo
(2008)25, assim como os demais autores estudados até este momento, afirma que é
a partir da consolidação da sociedade de consumo que produtos produzidos em
série e em grande escala encontram seu público alvo, isso graças à sedução da
propaganda e das aprimoradas ações de marketing. A formação de novos
segmentos de mercado permitiu a estruturação de práticas de consumo no contexto
de outros padrões e fluxos socioculturais que foram se desenvolvendo ao longo da
história.
A passagem do capitalismo industrial para seu estágio pós-industrial é consequência
de uma queda da ênfase na produção material que vai sendo gradativamente
substituída pela da produção de bens culturais e simbólicos, que passam a
desempenhar um papel central no capitalismo simbólico, paralelamente à
25
Autora do artigo “Comunicação e Consumo: por uma leitura política dos modos de consumir”
presente na obra Comunicação e Culturas de consumo.
33. 28
sistemática perda da materialidade dos produtos, com a construção de marcas,
através da publicidade e do marketing. Se antes se comercializava “coisas”, com a
crescente desmaterialização da economia na contemporaneidade comunica-se,
sobretudo, imagens e modos de ser. Para a estudiosa Rose Melo Rocha, verifica-se
um investimento mais sutil do mercado nos próprios processos de subjetivação.
Nesse sentido, é válido afirmar que atualmente a mídia desempenha uma função
primordial na mediação de valores, atitudes e padrões de comportamentos forjados
na sociedade de consumo que podem servir de modelo para a construção de
identidades.
Ao analisarmos a história do consumo no Brasil, sob a égide do público consumidor,
teremos uma noção da importância deste para o mercado ao longo da história.
Retornando ao estudo do texto anterior, veremos que em 1920 o mercado era
incipiente e marcado por processos de manufatura e artesanato. Este é o momento
em que os produtos comercializados destinam-se a um público consumidor restrito,
a uma elite de alto poder aquisitivo.
Do início do século XX a meados dos anos 60, sobretudo sob o governo militar,
grandes investimentos são deslocados para a intensificação do consumo. Ortiz
classifica este como um momento de consolidação do mercado nacional de bens. A
indústria está em pleno desenvolvimento e a produção nacional é suficiente para
abastecer o mercado consumidor, em constante crescimento. A partir deste período,
não apenas a elite, mas também a classe média tem acesso ao consumo de bens
duráveis, passando a ter acesso mais fácil a eletroeletrônicos, e até automóveis, por
exemplo, graças ao acesso a cartões de créditos.
Os produtos são divulgados então de forma que suas utilidades e o lugar em que se
inserem na vida do consumidor apontam para outro ensinamento, bem diferente
daquele iniciado nos anos 20, quando os produtos eram divulgados de forma a
apenas explicarem sua utilidade. Tânia Hoff explica que se trata de uma disciplina
para a identificação com o produto, ou seja, a da instauração e da disseminação de
uma mentalidade de consumo e de suas práticas. Os bens materiais são cada vez
mais associados a um estilo de vida, e portanto, não representam só acesso, mas
diferenciação.
No cenário globalizado em que nosso país se insere, permite que as relações de
34. 29
consumo se transformem com rapidez, mas não de modo homogêneo. Este é um
país de grandes proporções geográficas e muitos mercados locais, obviamente,
apresentam características peculiares, principalmente em decorrência das dinâmicas
socioculturais muito distintas. Isso sem mencionar as questões de caráter social,
como desigualdade na distribuição de renda e no desenvolvimento desigual das
regiões. No mercado interno, convivem setores muito desenvolvidos e também
setores mais precários que não tem condições de corresponder às demandas da
globalização. Nas palavras de Paulo Vizentini, historiador que estuda o século XX26,
[...] a globalização é seletiva, pois visa determinadas regiões, atividades e
segmentos sociais a serem integrados mundialmente. Desta forma,
enquanto certas áreas e grupos são integrados globalmente, outros
excluídos dessa gigantesca transformação, conduzindo a uma
diversificação cada vez maior do espaço mundial e agravando ainda mais a
concentração de riqueza em termos nacionais e sociais. (VIZENTINI, 2007,
p. 178)
As grandes mudanças nas relações de mercado residem num deslocamento do foco
da produção para o consumo. Com a globalização, cresce o acirramento da
concorrência e a necessidade de identificar novos nichos de mercado (tema já
discutido no ponto 1.2 do capítulo anterior), pequenos grupos de potenciais
consumidores que se distinguem devem ser considerados nas suas especificidades.
Nesse sentido, a noção de público como massa, identificada pelo capitalismo
industrial, que tem seu alicerce na produção, começa a mudar significativamente. A
segmentação do mercado passou a ser necessária para a sua expansão. Por
exemplo, com o aumento da renda da classe popular, e por consequência o
aumento de seu potencial de compra, muitas empresas, inclusive as multinacionais,
empenharam-se em atender a esse grupo social e entender que este pode ser um
novo nicho de mercado, o do consumo popular. Baudrillard e Featherstone salientam
que as práticas do consumo acabam refletindo o “poder” de alguns grupos pelos
privilégios que lhes são reservados em termos de possibilidade de aquisição. Este
fator não se manifesta no acúmulo de objetos de consumo, mas na vantagem de
possuir bens de alta qualidade, que os distingue dos demais, é essa distinção que
torna visível o potencial de compra de indivíduos. É neste contexto que o mercado
incide ao público consumidor o papel de público-alvo e o segmenta, para entendê-lo
e se aproximar cada vez mais.
26
VIZENTINI, Paulo. História do século XX. Porto Alegre: Leitura XXI, 2007.
35. 30
2.2.1. O consumo nas classes populares
Ao longo da história da humanidade, percebemos que toda sociedade é sempre
dividida em camadas sociais e um dos termos mais frequentes para se descrever
isto é o de classe social. Esse termo funciona como denominador das camadas
socioeconômicas, isto é, dividindo a sociedade segundo renda e propriedade de
capital.
Na sociedade contemporânea, o acesso aos bens culturais e simbólicos – a
informação, produtos de entretenimento, banda larga, etc. – passou a ter, talvez,
maior importância que os bens materiais.
Para Nestor Garcia Canclini, quando vemos a proliferação de objetos e de marcas,
de redes de comunicação e de acesso ao consumo, a partir da perspectiva dos
movimentos de consumidores e de suas demandas, percebemos que as regras -
móveis - da distinção entre os grupos, da expansão educacional e das inovações
tecnológicas também intervêm nestes processos. O autor se sustenta em Manuel
Castells para afirmar que o consumo é um lugar onde os conflitos entre classes,
originados pela desigual participação na estrutura produtiva, ganham continuidade
através da distribuição e apropriação de bens 27. Para ele, consumir é participar de
um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usá-lo.
(CANCLINI, 2001,p.78). Fala ainda de uma linha de pesquisa que estuda o consumo
como lugar de diferenciação e distinção entre as classes e os grupos cujo foco está
na atenção para os aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora.
Segundo esse estudo, existe uma lógica na construção dos signos de status e nas
maneiras de comunicá-los. O estudioso explica que os textos de Pierre Bourdieu,
Arjun Appadurai e Stuart Ewen, entre outros, mostram que nas sociedades
contemporâneas boa parte da racionalidade das relações sociais se constrói, mais
do que na luta pelos meios de produção, mas, sobretudo na disputa pela
apropriação dos meios de distinção simbólica. Para Canclini, a lógica que rege a
apropriação dos bens enquanto objetos de distinção não é a da satisfação de
necessidades, mas sim a da escassez desses bens e da impossibilidade de que
outros a possuam. Como o próprio autor cita, um carro importado ou um computador
27
CASTELLS, Manuel. A questão urbana. México: Siglo XXI, 1974; apêndice à segunda edição.
36. 31
com novas funções distinguem os seus poucos proprietários à medida que quem
não pode possuí-los conhece o seu significado sociocultural. (CANCLINI, 2001,
p.80)
Para este antropólogo, vamos nos afastando da época em que as identidades se
definiam por essências a-históricas: atualmente configuram-se no consumo,
dependem daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir. De
acordo com ele, as extensivas mudanças na comunicação entre sociedades, aliadas
aos constantes avanços tecnológicos gera uma ampliação de desejos e expectativas
– tornando assim instáveis as identidades fixadas em repertórios de bens exclusivos
de uma comunidade étnica ou nacional, ou mesmo de um grupo social.
28
Partindo para uma visão mais mercadológica, Philip Kotler (1998, p.193) , explica
que “classes sociais são divisões relativamente homogêneas e duradouras de uma
sociedade, que são ordenadas hierarquicamente e cujos membros compartilham
valores, interesses e comportamentos similares”. Estas divisões refletem aspectos
sociais e culturais, sendo, em alguns casos, estabelecidas por indicadores como
renda, ocupação, nível educacional e área residencial; noutras são determinadas
pelo nascimento, com pouca ou nenhuma mobilidade social, como é o caso de
alguns países orientais.
No Brasil, a metodologia mais utilizada pelas empresas brasileiras para definir e
entender o consumidor é um sistema de classificação populacional baseado
exclusivamente em classes econômicas, o Critério de Classificação Econômica
Brasil (CCEB), comumente chamado de Critério Brasil. O objetivo é ter um sistema
de pontuação padronizado, eficiente e estimador da capacidade de consumo. Toma-
se este sistema como indicador da capacidade de acúmulo de bens materiais da
população. Embora contenha itens 29 de natureza social, como grau de escolaridade,
todos os itens do Critério são utilizados apenas como indicadores da capacidade de
consumo. Não há pretensão de atribuir a ele qualquer caráter sociológico.
É importante ressaltar que este sistema atribui pontos à posse de determinados
28
KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle.
5.ed. São Paulo: Atlas, 1998.
29
O sistema de pontuação é determinado pelas seguintes variáveis: número de automóveis, número
de aparelhos de TV em cores, número de rádios, número de banheiros na residência, número de
empregadas domésticas, posse de máquina de lavar roupa, posse de geladeira e/ou freezer, posse
de vídeo cassete ou DVD (CRITÉRIO BRASIL, 2007).
37. 32
bens, e leva em consideração o grau de instrução do chefe de família. A renda
familiar não é computada neste sistema, embora tenha sido utilizada como um
parâmetro de avaliação das variáveis e tenha, principalmente, levado o mercado a
voltar grande parte de suas ações para as particularidades dos segmentos sociais.
A principal motivação para a Classificação Brasil é discriminar (no sentido de
especificar, classificar) grandes grupos de acordo com sua capacidade de aquisição
de produtos e serviços por uma parte significativa da população, o que revela uma
determinada organização social e, por conseguinte, o lugar do consumo nessa
dinâmica.
De acordo com os objetivos do Critério Brasil, a segmentação funciona na medida
em que a partir dela identificamos corretamente um subgrupo, e, principalmente,
quando nos permite entender quais tipos de apelos encontram respaldo em seu
comportamento, através de seus hábitos de consumo. No caso da classe popular,
essa divisão significa delimitar a essência desse grupo, estabelecer limites de
exclusão e pertencimento, bem como a melhor forma de atuação da comunicação.
Esta é a parte essencial desse processo.
Historicamente, essa parcela de consumidores da classe C não ocupou papel
relevante nas projeções de mercado. Em parágrafos anteriores, discutiu-se que a
publicidade se ocupou, durante muito tempo, com um público de alto poder
aquisitivo, mas a situação econômica do Brasil possibilitou, nos últimos anos, o
aumento da parcela populacional que corresponde à classe C. Este aumento está
vinculado à diminuição das camadas mais pobres, possibilitando a denominação de
“nova classe média” a aproximadamente 50% da população do país.
Recentemente, três importantes instituições divulgaram pesquisas que
apontam o mesmo fenômeno: o surgimento de uma nova classe média no
Brasil. A Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, o IPEA e o Instituto
Ipsos falam em algo como 20 milhões de brasileiros que melhoraram seu
poder aquisitivo e somaram-se à parcela que hoje representa metade da
população brasileira30. (Revista Marketing, acesso em 06 de mai. 2009)
Se no passado as classes populares eram vistas como impertinente à sociedade de
consumo, hoje já é considerada responsável por manter a economia do país. Isso se
deve ao seu “novo” poder de compra, o qual os situou no patamar de consumidores,
30
Revista Marketing. Classe C: a verdadeira classe média brasileira. Acesso em:
http://www.revistamarketing.com.br/materia.aspx?m=52, acessado em 06/05/2009.
38. 33
de alvo de consumo de produtos e serviços específicos para essa classe. Carolina
Dantas, executiva sênior de contas da Nielsen Brasil 31, explica, em matéria ao site O
Povo Online32, que a classe C contribuiu acima de sua participação de mercado no
crescimento dos produtos ligados à praticidade. Para ela, com o aumento de renda,
as pessoas passam a consumir mais de alguns produtos básicos, como pó de café,
mas também começam a atender outras necessidades. Além desses fatores, a
executiva ainda apontou um esforço da indústria para lançar versões mais
acessíveis ou com melhor custo-benefício desse tipo de produto que a classe C
deseja consumir. "O molho de tomate pronto, por exemplo, é consumido no lugar do
extrato de tomate, que precisa ser preparado. O lançamento da embalagem do tipo
'pouch' [de plástico mole] tornou o produto mais acessível", diz Carolina Dantas. Há
ainda casos como o da multinacional Nestlé, que criou toda uma nova linha de
produtos para atingir as camadas mais populares. E a Hi tech computadores, que
tem em sua estratégia de comunicação o foco no preço reduzido para trair o público
da classe C. Como veremos ao final deste trabalho.
É justamente o que se discutiu com base em Baudrillard, com a observação de que
hoje as pessoas passaram a ser reconhecidas socialmente de acordo com seu
potencial de consumo e de que o ato de compra ultrapassaria a pura satisfação de
necessidades, estendendo-se ao nosso modo de ver o mundo e as relações sociais.
As classes populares, ao se inserirem nas relações de consumo, passam a se inserir
automaticamente na cultura de consumo. Muitos dos produtos que agora consomem
lhes atribuem destaque, distinção social. Os novos bens aos quais passam a ter
acesso definem, assim como Featherstone afirma, práticas sociais e identidades;
pois é através deles – das mercadorias-signos – que se estabelecem semelhanças e
diferenças entre as pessoas e grupos sociais.
Na sociedade contemporânea – sociedade capitalista, de consumo -, o poder de
consumir é capaz de classificar, de trazer reconhecimento; e foi, no Brasil,
impulsionado pelo aumento de renda, pela ascensão social que proporcionou a uma
emergente classe média constituir um gigante nicho de mercado. Se de um lado
temos o aumento do poder de compra, aliado ao crédito facilitado, por outro vemos
esse grande contingente populacional ocupando um novo espaço na sociedade,
31
Líder global em pesquisa de mercado, informações e ferramentas de análise.
32
<http://opovo.uol.com.br/negocios/966454.html>
39. 34
passando a ter importância estratégica para o mercado.
2.3 - A Força do Varejo
A importância do setor varejista vem aumentando consideravelmente no cenário
empresarial brasileiro. A fusão anunciada em dezembro de 2009 de dois gigantes do
setor - Pão de Açúcar e as Casas Bahia -, balançou as estruturas do mercado de
consumo do país. Juntas suas operações devem gerar uma empresa com o
faturamento de quase R$ 40 bilhões, segundo dados de ambas, referentes a 2008.33
Em função dessa magnitude abordaremos a seguir, de forma breve, o varejo
segundo suas definições, sua trajetória pós-ditadura e a sua relevância para o
consumidor de baixa renda no Brasil.
De acordo com Juracy Parente34, “varejo consiste em todas as atividades que
englobam o processo de venda de produtos e serviços para atender a uma
necessidade pessoal do consumidor final”. O varejista, que se caracteriza por
qualquer instituição cuja atividade principal consiste no varejo, desempenha o papel
de intermediário entre o produtor e o consumidor.
Os varejistas compram, recebem e estocam produtos de
fabricantes ou atacadistas para oferecer aos consumidores a
conveniência de tempo e lugar para a aquisição de produtos.
Apesar de exercerem uma função de intermediários,
assumem cada vez um papel pró-ativo na identificação das
necessidades do consumidor e na definição do que deverá
ser produzido para atender às expectativas do mercado.
(PARENTE, 2000, p. 22)
Kotler (1998) amplia essa definição defendendo que qualquer organização que
venda para consumidores finais seja ela um fabricante, distribuidor/atacadista ou
varejista está executando a atividade varejo. Para isso, não importa como os
produtos são vendidos (pessoalmente, via mala direta, por telefone, por máquinas
de vendas ou pela internet) ou onde eles são vendidos (em uma loja, na rua, na
33
FELTRIN, Ricardo. Pão de Açúcar e Casas Bahia anunciam fusão operacional. 12 dez. 2009.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u661677.shtml>. Acessado em:
20/03/2010.
34
Professor de Marketing e Coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getúlio
Vargas – São Paulo. Mestre (MBA) em Administração de Empresas pela Universidade de Cornell.
Doutor (PhD) com especialização em varejo pela Universidade de Londres.
40. 35
casa do consumidor) 35.
Porém é importante esclarecer que para este trabalho, nosso foco está nos
varejistas que impactam de forma contundente as classes emergentes de
consumidores brasileiros, tais como: mercearias, cooperativas, supermercados, lojas
de desconto, lojas de variedades, ponta de estoque e lojas de departamento. Tendo
em vista que segundo pesquisas do Boston Consulting Group (BCG), desde 2002,
os principais gastos do consumidor de baixa renda no Brasil são com alimentação,
moradia e utilidades do lar.
Segundo o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), o varejo é o mais
importante empregador formal privado do Brasil, registrando 15,2% do total da mão-
de-obra ativa do país, o que contabiliza cerca de 208 mil empregos gerados no ano
de 2009. A análise feita pelo instituto mostra ainda que o varejo formal representa
15,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, o que evidencia a importância do
setor na economia do país36.
A economia brasileira em 1985, com a volta do regime democrático após duas
décadas de ditadura militar, criou um misto de esperança e frustração na população,
visto que o índice de inflação naquele ano superou os 200%. Na tentativa de
contornar a situação, o governo lançou uma série de planos econômicos, que logo
fracassaram. A derrocada dos planos Cruzado (1986), Bresser (1987) e Verão
(1989) fez com que as taxas inflacionárias continuassem altíssimas, tornando a
década de 80 conhecida na história recente do país como a “década perdida”.
O varejo brasileiro, na década de 80, convivia com a incontrolável inflação, o que
obrigava o setor a tomar decisões tão urgentes quanto necessárias. Sua eficiência e
qualidade ficavam comprometidas com a política de remarcação de preços quase
que diária adotada por grande parte dos varejistas, que não viam naquele momento
outra saída pra manter a saúde financeira de suas empresas, embora, por outro
lado, esbarrasse com o poder de compra em queda dos brasileiros, em função de
35
KOTLER, Phillip. Administração de Marketing. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 1998.
36
Varejo mostra seu peso econômico. Disponível em: <http://www.cgimoveis.com.br/economia/varejo-
mostra-seu-peso-economico>. Acessado em: 02/05/2010. Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego que ilustram a pesquisa do IDV Disponíveis em: <http://www.mte.gov.br/caged/2010_03/>
41. 36
uma inflação crônica.
Ainda nos anos 80 o comércio varejista atuava predominantemente em nível
regional. Cadeias de médio porte atuavam regionalmente e poucas tinham projeção
nacional em meio ao conturbado contexto econômico. O setor também se
caracterizava por um nível mais baixo de profissionalização, com o predomínio da
gestão familiar.
Já na década seguinte, a economia brasileira avança com o surgimento do Plano
Collor (1990). A abertura comercial com contornos neoliberais, gerada pelo novo
plano econômico, fez entrar no mercado, especialmente de varejo, novos produtos
que despertaram em nossas empresas a necessidade de atualização em vários
aspectos de gestão.
O desenvolvimento econômico do início da década de 1990 culminou com o
surgimento do Plano Real em 1994. A nova moeda foi lançada em três fases: o
ajuste fiscal a fim de equilibrar as contas públicas; a implantação da URV, uma
unidade real de valor, que fazia a transição do Cruzeiro para a nova moeda, de
março a junho de 1994 e em julho de 1994; e a utilização da moeda Real em
definitivo, que eliminava todos os indexadores, controlando assim a inflação.
A estabilidade trazida pela nova moeda junto com o aumento do poder aquisitivo da
população brasileira resultou no aumento do consumo e conseqüente crescimento
nas vendas do varejo.
O cenário de maior segurança econômica, com inflação e taxas de juros
controladas, e o aumento da renda média do brasileiro (cerca de 25%), impulsionou
a expansão da indústria nacional, que tinha de atender a uma crescente demanda
de consumo. O varejo acompanhou esse processo de crescimento do mercado,
utilizando ferramentas estratégicas para consolidar sua posição na economia do
país.37 O setor cresceu gradativamente, no tocante à rentabilidade, capacidade de
atendimento e o foco nos incipientes nichos de consumidores.
As empresas varejistas utilizaram um planejamento estratégico para melhorar sua
37
Panorama econômico baseado em: ALMEIDA, Paulo César de. A evolução e estratégias do setor
varejista no Brasil. 22 fev. 2006. Disponível em:
<http://www.gestaouniversitaria.com.br/index.php/edicoes/56-84/261-a-evolucao-e-estrategias-do-
setor-varejista-no-brasil.html>. Acessado em: 23/02/2010.