O documento discute mitos sobre a disponibilidade futura de grãos e alimentos no mundo. Apresenta gráficos mostrando que a produção de cereais e oleaginosas tem crescido principalmente devido ao aumento da produtividade, não da expansão de áreas cultivadas. Também mostra que a disponibilidade per capita de alimentos tem aumentado nos últimos 50 anos, refutando a ideia de que faltarão alimentos no futuro.
1. Grãos – Teremos o suficiente no futuro?
Contribuições à desconstrução de mitos Neo-Malthusianos
Por Osler Desouzart
osler@odconsulting.com.br
O que eu entendo de grãos para escrever artigos sobre eles? Eu diria que tão pouco, tão pouco,
que tenho o perfil quase que perfeito para ocupar o Ministério dos Grãos se o nosso governo
desejar criar o 39º, pois a presidenta já expressou que é impossível administrar com 40
ministérios. Ou seja, com 39 é perfeitamente possível, embora onde eu tenha estudado
ensinaram-me o quão complicado é gerir eficientemente uma equipe de mais de oito gestores.
O que sei de grãos? Que passei a vida acompanhando os preços do milho e do farelo de soja, pois
representavam mais de 2/3 do custo de produção dos animais que produziam as carnes e outros
produtos de origem animal que eu vendia ou, versão mais realista, eu não atrapalhava muito os
clientes quando eles queriam comprar.
Depois que passei a fazer de pensar e estudar minha vida profissional, grãos seguiram sendo um
dos meus interesses, pois as carnes entraram na minha vida em 1978 e nunca mais saíram. De
tempos em tempos, minto para mim mesmo e digo que estou procurando a porta de saída, sem
lograr, pois é difícil largar o amor de uma vida profissional.
Hoje como não tenho agendas a defender – na vida corporativa sempre tem uma ou mais – posso
permitir-me ser mais crítico, embora tal não seja nada simpático. Nessa condição vou me permitir
criticar alguns dos mitos recentes que cercam a disponibilidade de alimentos para o mundo.
O mito histórico é de que faltariam alimentos. Um exame da evolução da área cultivada,
produtividade e produção de cereais1 (Gráficos I e II) e oleaginosas2 (Gráficos IV e V) contradizem
essa crença neo-malthusiana.
No Gráfico I podemos observar a evolução anual da produção mundial, da produtividade e da área
cultivada. Observamos que esta permanece quase que estável, enquanto produção e
produtividade registram uma ascensão quase que idêntica, demonstrando que crescemos a
produção de cereais não porque ocupamos mais terras, mas porque, graças à Revolução Verde do
Professor Borlaug, logramos produzir mais com menos.
O Gráfico II com uma série quinquenal histórica e anual de 2005 a 2010 permite-nos uma visão
quantificada da afirmação anterior.
1
As estatísticas apresentadas abrangemnessacategoria: Cevada, Trigomourisco, Alpiste, Cereais, n.e., Fonio, Milho, Painço, Grãos
misturados, Aveia, Quinoa, Arroz, Cevada, Sorgo, Triticale e Trigo. Os assimchamados grãos (Coarse grains)compreendem todos
esses, menos arroz e trigo
2
As estatísticas apresentadasabrangem nessa categoria: Mamona, Coco, Caroçode algodão, Amendoins, com casca, sementes de
cânhamo, Sementes de jojoba, Frutoda sumaúma, Nozes karité, Linhaça, Sementes de melão, Sementes de mustarda, fruto do
palmiste, Olaginosasn.e.. Azeitonas, Semente oucaroçode palma, Palma, Sementes de papoula, Sementes de colza, Sementes de
cártamo, Sementesde algodão, Sementes de gergelim, Soja, Girassol, Sementesde pau-de-sebo(tallowtree seeds), Sementes de
tungue
3. Gráfico III
5
O Gráfico IV apresenta a evolução da produção mundial de oleaginosas e aí é interessante
destacar que a expansão das áreas cultivadas é mais acentuada que no caso dos cereais. Ainda
assim observa-se que a partir de meados dos anos 60 a produtividade é incrementada e dela
provém parcela importante da expansão da produção como um todo.
Gráfico IV
6
O Gráfico V apresenta essa evolução de forma quantificada e com mais facilidade se percebe a
partir dos anos 90 o grande salto no distanciamento entre a produção e as áreas cultivadas. No
período de 1990 a 2010, a produção cresceu em 112,7% enquanto a área cultivada expandiu-se
43,8%.
5 Idem #3
6 Idem#3
4. Gráfico V
7
A soja e diferentes frutos de palmeiras8 respondem por mais de 54% da produção mundial de
oleaginosas. Soja tem uma particular relevância na alimentação animal e, além disso, o Brasil é o
segundo produtor mundial dessa leguminosa, que segundo pesquisadores é a cultura que produz
significativamente mais proteínas por hectares do que qualquer outro cultivo ou uso da terrav. O
Gráfico VI apresenta o Pareto da produção mundial das quinze principais oleaginosas
Gráfico VI
7 Idem #3
8 Palm oil fruit no originalem inglês no databank da FAOSTAT. Édifícil fazer uma tradução exata para o português,pois habitualmentechamamosos
diferentes frutos das palmeiras pela expressão genérica de coquinho ouentão o nomeespecífico da palmeira queo produz, como é o caso do
dendê, açaí,babaçu, buriti,etc.
5. 9
Acredito que os dados apresentados até agora contribuem a derrubar o mito histórico de que
faltariam alimentos. Como os profetas do apocalipse alimentar renovam seus argumentos a cada
derrota que sofrem no confronto com os fatos e dados, vamos incomodá-los um pouco mais com
o Gráfico VII.
Verifiquem que os cereais e oleaginosas cresceram no mundo não pela expansão das áreas
cultivadas, mas pelo aumento da produtividade. Ou seja, estamos produzindo mais com
proporcionalmente menos recursos naturais. Missão cumprida? Não, missão começada pelo
Professor Borlaug. Cumpre a nós dar continuidade a seu trabalho e isso só o faremos com as
melhores armas do arsenal humano: ciência e tecnologia. Não o faremos voltando às técnicas de
produção dos séculos XVIII e XIX e nem obstando as conquistas que nos aportam a ciência e
tecnologia, como o fazem os neo-luddistas10vi.
Gráfico VII
9 Idem #3
10 Luddismo foi ummovimentoque ficoubastante conhecidoem1811 na Inglaterra e que pregava a condenação da mecanização
do trabalho, uma das maiores consequências da Revolução Industrial. O nome do movimento deriva de NedLudd, um de seus
líderes. Fonte:http://www.mundoeducacao.com.br/sociologia/luddismo.htm
Neo- Ludismoé uma visãode mundo pessoal contra qualquer tecnologia. Neo-ludismoinclui a análise crítica dos efeitos que a
tecnologia temsobre os indivíduos e comunidades
6. 11
Voltemos ao tema principal deste artigo – mitos cercando a disponibilidade de alimentos. E mais
recente é que o uso de grãos para a produção de energia geraria fome no mundo. Acredito que os
gráficos I e IV já desmitificaram muitas das alegações dos neo-luddistas.
A Tabela I reforça os argumentos de com ciência e tecnologia nós seremos capazes de gerar
produção suficiente para que do campo sigam saindo alimentos, componentes de rações, fibras e
combustíveis renováveis. Vemos que a disponibilidade per capita dos principais alimentos de
origem vegetal e animal aumentaram entre 1961 e 200712 (cf. Gráfico VIII), com a única exceção
residindo nos legumes secos que sofreram queda de 32% no período, indicativo de mudança da
dieta humana para ingestão de produtos mais complexos e nutricionalmente mais completos.
Tabela I – Disponibilidade de alimentos per capita a nível mundial
13
Gráfico VIII
11 Idem #3
12 As estatísticas decomposição da dieta humana contidas nas seções Food Supply e Food BalanceSheets da FAOSTAT
só cobrem até 2007. Devido à complexidadede sua elaboração por países taisdados tardammais a ficarem
disponíveis.É, entretanto um dos labores da maior relevância da Divisão deEstatísticas FAO.Disponibilidadenão deve
ser confundida comconsumo, que está sempre aquém daquela,mas ainda assimos dois sobemem paralelo.
13 Elaboradopor ODConsultingcom base em dados da FAOSTAT/FoodSupply Disponibilidade per capita produtos selecionados 61-
07.xlsx
7. 14
O setor de pecuária é um dos maiores consumidores de grãos, conforme podemos constatar na
Tabela II e já consigo ouvir o coro de protestos entoados pelos neo-luddistas, simpatizantes e afins
a protestar contra o uso de grãos para alimentação animal e seus gritos, pois nas suas visões
romântico-regressistas a pecuária ameaça o planeta com as eructações dos bovinos15 e as excretas
das demais espécies, ambos com o poder destruidor do planeta quase similar ao descrito no épico
“A Guerra dos Mundos”. E pensar que nos meus estudos no primário, vaca, frango, ovinos e
caprinos, suínos, peixe e abelhas eram classificados como “animais úteis”. A histeria ativista fez
recentemente com que olhássemos para um boi com o mesmo temor que para uma bomba
atômica.
Tabela II Média Mundial do Usode Grãos Selecionados em Rações Animais16
Cultivo % usado em rações
Trigo 18,0%
Milho 58,9%
Cevada 70,0%
Sorgo 37,4%
Soja 87,3%
O excepcional “Feed Grains Data: Yearbook”17 do Economic Research Service, USDA, apresenta
entre as suas 35 tabelas que cobrem “grãos forrageiros” uma primorosa sobre “Consumo de Grãos
14 Idem # 13
15 Progresso, pois até recentemente os NLSAacreditavamquea agressão aomeio ambiente sedevia à flatulência dos bovinos,coma célebre foto
de uma vaca com umdepósito plásticopara recolher os gases com o fito demesurar emissão,depósito esseconectado aoterminalemissor de
gases errado.
16 A tabela foi elaborada pela ODConsulting com basena média do usode grãos emrações entre2009/2010 a 2020/2021, segundo as projeções
agrícolas do USDA-ERS Projections Data: Supply and Use Tables,2011-2020. Feed Grains Projections to 2020 MainPlayers.xlsx +Soy Projections to
2020 MainPlayers.xlsx
8. por Unidade Animal”. Traduzi no Gráfico IX as melhoras que anualmente estamos experimentando
no consumo de grão por unidade animal e, parafraseando o Professor Delfim Neto, “até os cegos
de boa-vontade enxergam” os ganhos de produtividade que ciência e tecnologia nos têm
proporcionado na transformação de produtos de origem vegetal em produtos de origem animal.
Gráfico IX
18
Vamos examinar os grãos usados em alimentação animal. No Brasil, milho e soja são os principais
componentes das rações animais, com o sorgo ganhando algum espaço. Mundialmente, usas-se
milho, sorgo, cevada (cf. Tabelas III, IV e V) e aveia como principais, ainda que trigo (cf. Tabela VI)
tenha papel relevante em certas latitudes, complementado por centeio, painço e grãos mistos.
Não pretenderemos escrever tese sobre nutrição animal, até por incompetência (opa, reforço
irresistível à minha candidatura ministerial), e não abordaremos fenos, gramíneas forrageiras e
tantos outros produtos de origem vegetal usados para produzir proteínas animais.
Não deixaremos naturalmente de lado as oleaginosas, principalmente soja, e buscaremos nos
centrar nos macroelementos de rações, sem abordar as farinhas de origem animal em
alimentação, cuja rejeição na segunda metade dos anos 90 foi uma unanimidade agora
contestada. Fundamentalmente, concentraremos em milho, sorgo e soja (cf. Tabelas VII e VII),
esta tanto em grãos quanto em farelo.
Tabela III
17
http://www.ers.usda.gov/Data/FeedGrains/
18Fonte idem #17. Rações energia incluemmilho,sorgo, cevada,aveia e trigo. Rações Todas incluemademais desses
grãos,farelos de oleaginosas,componentes proteicos de origem animal,componentes proteicos de origem vegetal e
outros sobreprodutos de origem vegetal e animal. FGYearbookTables-Recent.xlsx
9. 19
Tabela IV
20
Tabela V
19Fonte: USDAAgricultural Projections for 2012-2021 InternationalAgriculturalProjections Data: SupplyandUseTables, 2011-2020.Feed Grains
Projections to2020Main Players.xlsx
20 Idem #19
11. Tabela VII
23
Tabela VIII
24
Vemos em todas essas tabelas as indicações de que o crescimento da produção mundial na
próxima década seguirá o caminho das últimas cinco décadas, o do aumento acima do
crescimento demográfico, o que significa dizer que mais alimentos estarão sendo disponibilizados
para a população mundial.
23 USDAAgricultural Projections for 2012-2021 International AgriculturalProjections Data: Supply andUseTables, 2011-2020Soy Projections to
2020 MainPlayers.xlsx
24 Idem
12. Mas estão usando milho nos Estados Unidos para fazer etanol e os brasileiros estão plantando
cana ao invés de alimentos? Vão faltar alimentos? Os preços ficarão mais caros? E outros gritos de
lobo, lobo, lobo. Há aqui, como em todas as questões, verdades e versões.
Efetivamente o valor da agricultura tende a crescer, na medida em que esta é capaz de responder
às necessidades humanas dos quatro “F” – Food, Feed, Fuel, Fiber (Alimentos, Rações,
Combustível, Fibras). Essas mesmas forças estimularão uma maior produção e busca de maior
produtividade, o que já está acontecendo. Nos últimos 15 anos a produtividade das lavouras
americanas de milho cresceu 34%, enquanto no Brasil esse ganho de produtividade foi de 49% e
estamos com 3.970 kg/ha apenas arranhando a superfície do que podemos fazer (cf.
produtividade média mundial na Tabela III).
Considere-se ainda o quanto o campo transferiu de renda para as cidades nos últimos 50 anos e
que em quase todas as latitudes a renda da área rural é muito inferior a da área urbana. Mas
milho mais caro afetará o preço das rações e as carnes e lácteos vão ficar mais caros, dirá com
toda a propriedade o produtor pecuário. É certo, mas não em nível de inviabilizar o consumo de
carnes e lácteos e favorecendo naturalmente aquelas espécies que melhor equacionarem os
aumentos de produtividade indispensáveis à sobrevivência, tanto da porteira para dentro como da
porteira para fora.
Quanto aos gritos de lobo, lobo, lobo de que vão faltar alimentos, creio que os dados estatísticos
das produções do passado como as projeções feitas por organismos internacionais sérios e
respeitados desmentem essas afirmações, por mais atraentes que sejam para se obter espaço na
mídia. Fatos e dados demonstram que haverá alimentos suficientes, ainda que fome e mortes por
inanição estejam longe de ser referência histórica superada.
Haveria ainda o que escrever sobre grãos? Muito, mas temo que se o fizer perderei as minhas
chances de me tornar Ministro dos Grãos, pois começaria a demonstrar um mínimo de
conhecimento. Além disso, este artigo ficaria tão longo e chato que o leitor, o editor e mesmo o
autor não aguentariam sequer uma página a mais.
A equação é simples. Se deixarem ciência e tecnologia atuarem e desempenharem seus papéis,
equacionaremos o desafio de produzir o suficiente para suprir o mundo de suas necessidades dos
quatro “F” anteriormente mencionados. Como podemos ajudar a que o saber humano faça seu
papel, mesmo não sendo eu ou você cientista ou tecnólogo? Simples: não nos calemos diante dos
NLSA – Neo-Luddistas, Simpatizantes e Afins, pois temos a missão de produzir mais com menos
enquanto eles vivem de seus próprios ativismos.
E agora termino para cuidar da minha candidatura ao Ministério. Só me falta conhecer alguém na
base aliada.
i "Wild grass becamemaize crop more than 8,700 years ago", National ScienceFoundation,News Release at
Eurekalert March 24, 2009 e Ranere, Anthony J., Dolores R. Piperno, Irene Holst,Ruth Dickau,José Iriarte(2009). "The
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Valley,Mexico". Proceedings of the National Academy of Sciences 106 (13): 5014–5018.
doi:10.1073/pnas.0812590106. PMC 2664064.PMID 19307573.http://www.pnas.org/content/106/13/5014.full.pdf. e
Piperno, Dolores R., Anthony J. Ranere, Irene Holst,José Iriarte,Ruth Dickau (2009). "Starch grain and phytolith
evidence for early ninth millenniumB.P. maize from the Central BalsasRiver Valley,Mexico".Proceedings of the
National Academy of Sciences 106 (13): 5019–5024.doi:10.1073/pnas.0812525106. PMC 2664021.PMID 19307570.
http://www.pnas.org/content/106/13/5019.full.pdf.
13. ii "World's 'oldest' ricefound", Dr David Whitehouse". BBC News. October 21, 2003.
http://news.bbc.co.uk/1/hi/sci/tech/3207552.stm.
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- 221, Domestication of emmer wheat and evolution of free-threshing tetraploid wheat in "A Century of Wheat
Research-From Wild Emmer Discovery to Genome Analysis", e Sue Colledge; University College, London. Institute of
Archaeology (2007). The origins and spread of domestic plants in southwest Asia and Europe. Left CoastPress.pp. 40–.
ISBN 9781598749885.
v National Soybean Research Laboratory, Soy Benefits: A soja pode produzir pelo menos o dobro de proteínas por acre
do qualquer outra cultura vegetal ou granífera, de 5 a 10 vezes mais proteínas por acre do que pastos usados para
gado leiteiro e até 15 vezes mais proteínas por acre do terra usada para pastagem de gado de corte.
http://www.nsrl.uiuc.edu/soy_benefits.html
vi Jones, Steve E. (2006). Against technology: from the Luddites to neo-Luddism. CRC Press.pp. 20. ISBN
9780415978682