A entrevista discute a Política Nacional de Resíduos Sólidos recém-aprovada e como ela pode ser implementada de forma efetiva. O entrevistado argumenta que mais decretos regulamentares são necessários para tratar de temas como padrões ambientais, incentivos fiscais e sistemas de informação antes que a logística reversa possa ser implementada com sucesso. Educação ambiental é fundamental para mudar comportamentos.
Entrevista sobre responsabilidade compartilhada e futuro do setor de resíduos sólidos
1. ENTrEvISTA
por rodrigo Zevzikovas
Responsabilidade compartilhada,
mas compartilhada mesmo
André Saraiva é diretor executivo
do Programa de Responsabilidade
Ambiental Compartilhada (Prac) e
diretor da área de Responsabilidade
Socioambiental da Associação
Brasileira da indústria Elétrica e
Eletrônica (Abinee), além de ser espe-
cializado em consumo responsável e
recuperação de valores ambientais.
Saraiva convidou a reportagem da
Gestão de Resíduos para falar sobre o
futuro do setor após a aprovação da
Política Nacional de Resíduos Sólidos.
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2. ENTrEvISTA
RGR – Qual a diferença entre resíduos em tecnologia verde, posicionar o equi-
eletrônicos e resíduos tecnológicos? pamento como Green, que atende as nor-
André – Essa é uma discussão que o Le- mas nacionais e internacionais, influencia
gislativo tem. Em muitos projetos de lei, o consumidor na hora de adquirir meu
nós observamos que há a terminologia produto? Como eu demonstro que isso
resíduos eletroeletrônicos. Isso vai do pen está inserido no preço? Acredito que uma
drive ao satélite. Então, o importante é grande discussão são os selos de identifi-
saber a que se referem. Muitas das vezes, cação, para fácil visualização. Por exem-
percebemos que o Legislativo quer falar plo, um selo azul sei que ele tem uma sé-
do computador, quer falar do notebook, rie de coisas, quando tiver um selo verde,
quer falar da impressora, falar do celular, tenho outra série de coisas e quando
e algumas das vezes até se refere a pilhas e tenho o selo amarelo, tenho outra série.
baterias. Na nossa visão dentro da Associa- A ausência desses selos talvez seja um aler-
ção, que é mais técnica, acreditamos que ta ao consumidor de que ele pode ter um
se fossemos levar ao pé da letra a Política nossa visão. Ponto A, todo equipamento bom preço, mas não terá garantias. Eu
Nacional de Resíduos Sólidos, teríamos tem um certo grau de obsolescência, ele acho que os selos facilmente poderão ser
mais de 120 acordos setoriais. Porque nasceu com uma vida útil. A de um com- publicados. No site do fabricante, com o
nós atuamos dentro de 1200 NCM putador, por exemplo, é em média de 4 número de série em mãos, o consumidor
[Nomenclatura Comum do Mercosul]. a 6 anos. O que acontece? O brasileiro checa se é real. É obvio que isso requer
Traduzindo isso dentro de outro escopo, tem uma característica importante. Ele um amadurecimento, uma discussão, re-
que é como nós queremos conduzir as extrapola o grau de obsolescência do quer a criação de normas técnicas, mas
discussões, dividindo por linha: branca, produto em duas ou três vezes. Então será com certeza, uma forma de indica-
marrom, verde e azul, podemos trabalhar faz esse computador durar de 12 a 14 tivo.
melhor. A partir daí podemos interpretar anos. Isso mostra que nas campanhas das
qual a maior demanda da sociedade em empresas que recebem o equipamento RGR - Como o setor eletroeletrônico
cada linha. Voltando a pergunta, acre- pós-consumo, pelas assistências técnicas, recebeu a promulgação da Política Na-
dito que dentro desta nomenclatura, po- por programas específicos, você vê equi- cional de Resíduos Sólidos?
demos navegar por uma série de coisas. pamentos sendo devolvidos, fabricados Ela nasce pra alguns após 19 anos de
O que nós queremos mostrar é que tem entre 1995 e 1999. Ninguém devolve discussões, para outros 21, para outros
de haver cuidados ao usar esta palavra. um computador 2007. Outro ponto em 20. O que importa é que esse adoles-
Temos de descer ao nível do mercado e que a sociedade mistura essa discussão cente teve a maturidade de disciplinar
perguntar do que estamos falando, qual e imputa uma sociedade equivocada um comportamento que o Brasil carecia,
produto que se quer disciplinar. A partir aos fabricantes, é que eles alegam que o teve um cunho social de inclusão, tem
daí a gente consegue criar uma linha de computador que ele compra hoje, já está um marco histórico na concepção da res-
relação. obsoleto. Isso não é uma verdade. Porque ponsabilidade no pós-consumo, ele traz
o que manda no computador mais do o conceito da responsabilidade comparti-
RGR – Cada vez mais os equipamentos que hardware, é software. E a demanda lhada, entre outros, imputa obrigações a
têm uma menor vida útil, não só pelo de software no mercado, a necessidade de vários atores desta cadeia. Porém, se eu
desgaste ou danos, mas também pelo mercado de velocidade de transmissão, tivesse de fazer um desabafo, a discussão
desenvolvimento de produtos cada vez de recepção muitas vezes está suportada do decreto jamais poderia ter sido con-
mais avançados . Como controlar este pela capacidade do software em navegar duzida como foi. A responsabilidade que
tipo de descarte? nessa velocidade, do que no próprio equi- o Governo Lula teve em se articular para
Nós temos que ampliar a nossa visão. pamento. Há uma falta de esclarecimento aprovar em sua gestão a Política Nacional
Por que a Política Nacional ela chama a da sociedade. E ai, eu faço mea culpa. A de Resíduos Sólidos, ele não poderia ter
atenção quando regulamentada através indústria talvez deveria se posicionar de atribuído a sua gestão também a responsa-
do decreto, do artigo 18, que as metas forma diferenciada, que é – na minha bilidade da formulação do decreto. Pois,
serão calculadas em cima do volume opinião – o grande desafio da próxima esse documento, a Lei 12.305 exige uma
de produção; então isso faz estender a década: Como o fabricante que investir visão mais ampla e para ser colocada em
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3. ENTrEvISTA
prática de forma efetiva não é um de- de parabéns. O que me chama a atenção é
creto que irá regulamentá-la. Nós neces- que na regulamentação da Lei, foi criado
sitamos de um decreto sobre termo de um modelo branco, foi criado o comitê
referência para planos de gerenciamento. interministerial, depois grupos técnicos
Nós não temos esse termo de referência temáticos, nos quais possivelmente a so-
e metade da lei fala de plano de geren- ciedade e as entidades de classe serão en-
ciamento. Nós não temos um sistema de volvidas. Isso me remete a repensar uma
informação sistematizado, no qual todos série de coisas, o decreto disciplinou um
os órgãos ambientais estaduais possam ou dois temas, mas deixou lacunas que
inserir rapidamente as suas informações. não temos como colocar em prática a
O cadastro técnico federal que é uma ex- logística reversa, sem discipliná-las. Eu
celente ferramenta necessita de apoio, de acredito que cinco temas devem mere-
consulta. Necessita ser harmônico com as cer um decreto antes de qualquer imple-
demais informações do Estado. Precisa- mentação de logística seja a parte de in-
mos ter um sistema homogêneo de infor- vestimentos e os planos de resíduos, que
mação, não dá para cada estado militar recebam resíduos do bairro, porque mui- tem sobre a chefia o MMA [Ministério
de forma diferente. A Política Nacional tas pessoas, que passam pela caçamba, do Meio Ambiente]. Depois, a recupera-
trouxe essa contribuição. No meu ponto costumam colocar algum tipo de resíduo. ção energética, que é uma discussão do
de vista, com certeza, existem cinco de- Por isso eu defendo um movimento de MDIC [Ministério do Desenvolvimento,
cretos que deveriam ser publicados. Nós que caçamba tem de ter tampa e só quem Indústria e Comércio Exterior], depois a
devemos discutir padrões ambientais, tem a chave da tampa é quem a contratou. desoneração e incentivos, que também
um decreto sobre padrões pós-consumo, No ato da devolução, haveria uma decla- está com o MDIC, resíduos perigosos,
não tem como imputar a indústria res- ração de que a caçamba foi entregue sem que está com o Ministério da Saúde, e o
ponsabilidade sob o volume produzido, qualquer resíduo diferente. E por último, SNIR, que é o Sistema de Informação,
como meta de recolhimento, se a titulari- não obstante, essa Política não vai colar se que está a cargo do MMA. Não dá para
dade do bem está de posse do consumidor. ela não tiver um forte apelo de educação implementar a logística reversa sem es-
Se não for devolvido, como é que eu atin- ambiental. Não tem como implementar sas cinco redes estarem informatizadas.
jo meta? Na verdade, essa discussão teria logística reversa se não educarmos a nossa Se neste momento eu tivesse de fazer um
de ser a partir da devolução. Posso ter a sociedade. Esse momento de educação apelo, seria para que os estados e municí-
responsabilidade de tratar 100% do que tem de ter uma divisão clara: como va-
for devolvido, mas a partir da devolução. mos tratar o passivo e como vamos tra-
Ai eu pergunto, de quem será a respon- tar o futuro. São duas ações diferentes,
sabilidade de tratar aquilo que não tem porque tenho de tirar esse cidadão do
pai, o mercado cinza de computadores? seu papel de apenas consciente, porque
Essa responsabilidade é do poder público? conscientes todos nós somos, para o papel
O poder público tem condições de re- de agente comprometido. É neste ponto
solver isso? O produto pirata, de quem é a que eu acho que a sociedade e a educa-
responsabilidade de tratar? Como vamos ção ambiental são partes integrantes de
fazer a inclusão do catador? Há capítulos qualquer processo de logística reversa.
que dizem que nenhum produto da logís-
tica reversa poderá ser permitida sem que RGR - Faltou participação dos agentes
ela preveja a participação das associações da sociedade na formulação da Lei?
dos catadores. Existem produtos peri- Não, eu acho que na formulação da lei
gosos, como vou prever a ação de uma fez o barulho que fez. Se ela tivesse mais
cooperativa na logística reversa de lâmpa- espaço, mais discussão, talvez não fosse
das? Como ainda posso permitir que ca- publicada no momento certo, com o
çambas que são colocadas na rua recebam amadurecimento correto. As pessoas en-
não só os resíduos da construção, mas volvidas que dirigiram esse processo estão
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4. ENTrEvISTA
pios cessassem fogo contra a indústria até realidade e ai, talvez, comece o grande
que se disciplinasse isso. Que o Ministé- processo de educação ambiental. O que
rio Público desse trégua nesse momen- a pessoa faz na empresa, consegue fazer
to, não só para a indústria, mas para os em casa e o que faz em casa, repercute
órgãos ambientais. Nós temos agora um na empresa, seja ela com três funcionários
desafio muito grande, todos os indicado- ou 200. É como você reproduz o modelo.
res promovem as mudanças, mas precisa- A nossa grande chance de sucesso, com
mos ter calma para colocá-la em prática. certeza, é mexer no modelo educacional.
Precisamos de, no mínimo, este ano de Não dá para dar educação ambiental na
2011, para discutir e implementar todas escola e a criança em casa e não ter o
essas ferramentas. Até porque na própria ambiente favorável para praticar o que
lei, está previsto que nenhuma logística aprendeu. Então nós temos de repensar o
reversa deve ser implementada sem antes atual modelo educacional.
ter publicada a sua viabilidade técnica e
econômica, o que requer estudos e nós RGR - Como deve ser feito o controle
não temos esses estudos. Nós temos que poderíamos reinserir o restante na in- dos resíduos perigosos contidos dentro
formular esses estudos, temos de ter ter- dústria novamente? Mas o medicamento dos equipamentos eletroeletrônicos?
mos de referência. Algumas cadeias já es- pode ter sido manipulado de forma erra- Hoje o Brasil está extremamente avan-
tão prontas e já podem ser implementadas da, o que impediria até a doação. O fato é çado, pelo menos as empresas filiadas
outras não. Outras requerem uma maior que cada setor tem sua particularidade. a Abinee, que abarca a linha verde e a
discussão sobre o tema. Por exemplo, Eletros, que abarca as linhas branca, mar-
medicamentos. Onde e como devolvo RGR - A educação ambiental, fun- rom e azul. Eu tenho plena convicção que
medicamentos, será que não tenho de damental para o êxito da lei, deve vir as empresas fabricantes já baniram os
fazer um sistema de harmonização da das empresas – com campanhas expli- contaminantes do seu processo produti-
consulta com o número de comprimidos cativas e de incentivo – ou do governo vos, até porque são empresas globais, que
vendidos. Muitas vezes temos de tomar federal? exportam e têm de estar em consonân-
remédio durante sete dias e a caixa vem Outro dia me perguntaram por que dentro cia com as diretivas européias. O Brasil
com dosagem para 10 dias. Espera a da lixeira de papel tem copo plástico? Eu também tem uma avalanche de diretivas
próxima doença e guarda? Será que não respondi por que simplesmente a pessoa e normas da ABNT publicadas, então
colocou as lixeiras. Quando você simples- nesse aspecto nós estamos bem. O que
mente coloca as lixeiras, corre um grande me chama atenção é como eu compro-
risco de ter o sistema alterado. Quando vo que o produto importado que entra
você não tem um sistema de coleta sele- no meu país atende a essa normativa?
tiva centralizado, implementado, você Como o consumidor sabe que o produto
desestimula os síndicos de condomínios está dentro dos padrões exigidos? Esse é
a conscientizar a sua nação, porque você o desafio, criar uma forma de comunicar
separa e depois lá embaixo junta, depois a sociedade, de fácil visualização, de que
o catador pega o que interessa, ou você aquele produto está dentro dessas nor-
separa, a coleta existe e acontece às 17h, mas. Então, temos de incluir a Fecomer-
mas o catador passou às 15h para pegar o cio, a Confederação Nacional do Comér-
que interessa, então, precisamos discutir cio nessa discussão e interpretar o novo
e comprometer as pessoas sobre isso. A modelo de gestão que se instala agora no
educação ambiental é a base. Eu tenho País, com a publicação da Lei. Até porque
plena convicção de que o Brasil hoje é ela é clara na responsabilidade comparti-
movimentado pelas grandes companhias, lhada e na responsabilidade pelo ciclo de
mas elas representam talvez 15% das em- vida do produto. A gente tem de repensar
presas, 70% das empresas no País são mé- a cadeia toda agora e atribuir a respon-
dias e pequenas, nas quais há uma outra sabilidade a cada um desses atores.
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