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ISSN 1516-8085




                           bib
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
                           em Ciências Sociais
BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (ISSN 1516-8085) é uma publicação semestral da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) destinada a estimular o intercâmbio e a cooperação entre as ins-
tituições de ensino e pesquisa em Ciências Sociais no país. A BIB é editada sob orientação de um editor, uma comissão editorial e um
conselho editorial composto de profissionais vinculados a várias instituições brasileiras.

Diretoria (Gestão 2005-2006)
Presidente: Gabriel Cohn (USP); Secretário Executivo: Marcelo Ridenti (Unicamp); Secretário Adjunto: Gildo Marçal Bezerra
Brandão (USP); Diretores: Raymundo Heraldo Maués (UFPA); José Eisenberg (Iuperj); Maria Eunice de Souza Maciel (UFRGS).

Conselho Fiscal: Brasilmar Ferreira Nunes (UnB); Iracema Brandão Guimarães (UFBA); Carmen Silvia Rial (UFSC).

Coordenação: Marcelo Siqueira Ridenti (Unicamp).

Editor: João Trajano Sento-Sé (Uerj).

Comissão Editorial: César Guimarães (Iuperj); Emerson Alessandro Giumbelli (UFRJ); José Sérgio Leite Lopes (MN/UFRJ); Maria
Celi Scalon (Iuperj).

Conselho Editorial: Gustavo Lins Ribeiro (UnB); Jane Felipe Beltrão (UFPA); João Emanuel Evangelista de Oliveira (UFRN); Jorge
Zaverucha (UFPE); Lívio Sansone (UFBA); Lúcia Bógus (PUC/SP); Helena Bomeny (CPDOC-FGV/RJ); Magda Almeida Neves
(PUC/MG); Paulo Roberto Neves Costa (UFPR); Roberto Grün (UFSCar).

Edição
Assistente Editorial: Mírian da Silveira Pavanelli
Preparação/revisão de textos/copidesque: Ana Lúcia Novais
Versão/tradução de resumos: Jorge Thierry Calasans e Juris Megnis Jr.
Editoração eletrônica: Hilel Hugo Mazzoni

Produção gráfica: Edusc
____________________________________________________________________________________
Apropriate articles are abstracted/indexed in:
Hispanic American Periodicals Index; DataÍndice
____________________________________________________________________________________



                     BIB: revista brasileira de informação bibliográfica em ciências sociais / Associação Nacional
                de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. -- n. 41 (1996)- .-- São Paulo : ANPOCS, 1996-

                     Semestral
                     Resumos em português, inglês e francês
                     Título até o n. 40, 1995: BIB: Boletim informativo e bibliográfico de ciências sociais.

                     ISSN 1516-8085

                     1. Ciências Humanas 2. Ciências Sociais 3. Sociologia 4. Ciência Política 5. Antropologia
                I. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

                                                                                                            CDD 300

Associação Nacional de Pós-Graduação e
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                                                        bib
                       Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
                                                  em Ciências Sociais


Sumário

Neo-esoterismo no Brasil: Dinâmica de um Campo de Estudos                   5
Elisete Schwade

Perspectivas Teóricas sobre o Processo de Formulação                       25
de Políticas Públicas
Ana Cláudia N. Capella

“A cigarra e a formiga”: Qualificação e Competência –                      53
Um Balanço Crítico
Ana M. F. Teixeira

Modelos Espaciais na Teoria de Coalizões Internacionais:                   71
Perspectivas e Críticas
Amâncio Jorge Oliveira, Janina Onuki e Manoel Galdino Pereira Neto

A Sociologia de Norbert Elias                                              91
Tatiana Savoia Landini

Programas de Pós-Graduação e Centros de Pesquisa                          109
Filiados à Anpocs

Fontes de Pesquisa                                                        113

Trabalhos Publicados: 1975-2006                                           119




BIB, São Paulo, nº 61, 1º semestre de 2006, pp. 3-138
Colaboraram nesta edição


Elisete Schwade, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP), é
professora do Departamento de Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Suas linhas de pesquisa
são: práticas culturais urbanas, religiosidade e gênero. E-mail: schwade@digizap.com.br.

Ana Cláudia N. Capella, doutora em ciências sociais pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), é professora do Departamento de Administração Pública da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Araraquara) , onde desenvolve pesquisas na área de
ciência política e administração pública. E-mail: acapella@terra.com.br.

Ana M. F. Teixeira, doutora em ciências da educação pela Universidade Paris 8, é professora
adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana. Linhas
de pesquisa: trabalho e educação; juventude e sociedade. E-mail: a.f.Teixeira@terra.com.br.

Amâncio Jorge de Oliveira, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), é
professor do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Centro de Estudos das
Negociações Internacionais (Caeni-DCP/USP), na mesma instituição. E-mail: amancioj@usp.br.

Janina Onuki, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), é profes-
sora de Relação Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
pesquisadora do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni-DCP/USP).
E-mail: janonuki@caeni.com.br.

Manoel Galdino Pereira Neto é mestrando do Departamento de Ciência Política da
Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Estudos das Negociações
Internacionais (Caeni-DCP/USP). E-mail: manoel.galdino@caeni.com.br.

Tatiana Savoia Landini, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo. Defendeu
tese intitulada Horror, honra e direitos: a violência sexual contra crianças e adolescentes no século
XX, cujo objetivo principal era analisar a violência sexual sob a ótica da sociologia de Norbert
Elias. E-mail: tatalan@uol.com.br.
Neo-esoterismo no Brasil: Dinâmica de um Campo de Estudos*

                                                                                  Elisete Schwade




     Tendo como marcas emblemáticas duen-          tuando-se nos anos de 1990. É certo que algu-
des, bruxas, incensos, a chamada Nova Era          mas de suas características remetem a décadas
constitui-se em um fenômeno; uma onda de           anteriores, em especial a um conjunto de con-
práticas que vem caracterizando mudanças de        teúdos veiculados no contexto da “contra-cul-
comportamento, especialmente em segmen-            tura”, o que é assinalado por vários autores.2
tos médios urbanos, o que chama a atenção          No entanto, as diferentes leituras enfatizam a
de cientistas sociais desde as últimas décadas     dinâmica do fenômeno e sua complexidade,
do século XX.                                      visto que ele está relacionado ao universo da
     Pretendo, neste artigo, situar perspecti-     religiosidade, do consumo, do lazer, das novas
vas diversas de análise a respeito desse fenô-     apropriações/construções acerca do corpo,
meno (que se convencionou chamar esoteris-         entre outros.
mo, nova era, fenômeno neo-esotérico, entre
outras denominações), no Brasil, em particu-
lar. O balanço dos estudos realizados permi-       No Campo Religioso e
te produzir um mapeamento das discussões           em Outros Campos
levadas a efeito sobre o tema, considerando
os aspectos que emergem como demarcado-                 As mudanças de comportamento, forte-
res de sua especificidade e que caracterizam       mente associadas às novas buscas de cami-
suas práticas, experiências e discursos. São       nhos espirituais, foram identificadas em um
traçados de uma literatura que se encontra         primeiro momento no que diz respeito à re-
ainda em construção, desde que debruçada           lação com o sagrado.
sobre um fenômeno que tem na dinamicida-                Os autores familiarizados com estudos
de e multiplicidade de direções uma de suas        das religiões no Brasil tendem a delinear cer-
principais marcas.                                 tos aspectos acerca do universo neo-esotérico
     Situar o fenômeno neo-esotérico1 implica      no cenário brasileiro em confronto com
considerar as múltiplas possibilidades em          outras vertentes religiosas mais consolidadas,
que as ações e as representações correlatas        como o catolicismo, os cultos afro-brasilei-
emergem como manifestações presentes em            ros, o protestantismo e o espiritismo karde-
comportamentos que, no Brasil, se tornaram         cista.3 Suas análises permitem perceber que o
visíveis no decorrer da década de 1980, acen-      neo-esoterismo envolve a introdução de for-


* O presente texto retoma e amplia a revisão bibliográfica efetuada para a minha tese de doutorado
(Schwade, 2001).


BIB, São Paulo, nº 61, 1º semestre de 2006, pp. 5-24                                            5
mas inovadoras de exercício religioso, bem         vamente.5 No caso dos papers, cabe destacar
como a incorporação de representações pree-        um interesse significativo na então virada do
xistentes que influenciam o modo como              milênio que, embora agora compreenda ou-
essas novidades se apresentam. Tendo, por-         tra dinâmica, ainda se mantém.6
tanto, como objeto de análise o campo reli-             Entre os trabalhos publicados destacam-
gioso, trata-se de trabalhos fundamentais          se estudos como o de Vilhena (1990), sobre a
para se perceber tons e cores que o fenôme-        adesão à astrologia em camadas médias do
no neo-esotérico assume no Brasil, na intera-      Rio de Janeiro; Russo (1993), sobre terapias
ção e comunicação com vertentes religiosas         corporais e a trajetória dos chamados “tera-
preexistentes.4                                    peutas corporais”; os trabalhos de Amaral
     Vários são os autores que se destacam         (1994, 1998 e 1999), sobre o “trânsito reli-
por essa abordagem, entre eles Carlos Rodri-       gioso” no contexto do movimento “Nova
gues Brandão (1994), Luiz Eduardo Soares           Era”; o trabalho de Martins (1999), sobre as
(1994), José Jorge de Carvalho (1991, 1994 e       representações do corpo no contexto das tera-
2000) e Pierre Sanchis, (1995 e 1998). In-         pias alternativas em Recife; Tavares (1999 e
citados a refletir sobre as características con-   1999a), acerca da difusão do tarô e do “holis-
temporâneas do campo religioso no Brasil,          mo terapêutico”, no Rio de Janeiro; Magnani
todos eles destacam uma certa “efervescên-         (1995, 1996, 1999 e 1999a, 2000), que dis-
cia”, na qual o neo-esoterismo teria partici-      cutem as práticas neo-esotéricas como pro-
pação ativa. Outro aspecto mencionado é            dutoras de estilos de vida particulares na
o caráter difuso desse tipo de religiosidade, o    metrópole; D’Andrea (1996), que estuda a
que se coaduna com a caracterização de sua         projeciologia no Rio de Janeiro; Fortis (1997),
clientela como pouco afeita a fidelidades ins-     que focaliza a experiência iniciática na
titucionais.                                       Eubiose; Siqueira e Bandeira, (1997, 1998,
     Apesar de esses estudos terem se tornado      1998a), que versam sobre “Grupos Místico-
análises referenciais, é um segundo conjunto       Esotéricos” em Brasília; Maluf (1996), que
de leituras sobre o fenômeno que permite           trata da emergência de uma cultura terapêu-
perceber sua abrangência e ampliação na            tica “neo-espiritual ou neo-religiosa”; Stoll
atualidade e que me interessa mais especifi-       (1999), que trata das relações entre expressões
camente. Refiro-me a trabalhos que se de-          contemporâneas do Espiritismo no Brasil e a
bruçam sobre recortes empíricos e temáticos        presença de interlocuções com correntes e
mais delimitados com relação a esse univer-        conteúdos da “Nova Era” ou “neo-esotéricos”;
so, representativos do interesse que tem sus-      Reis (2000), que enfoca “novas formas de reli-
citado o fenômeno do neo-esoterismo ou             giosidade” e educação em Brasília.
movimento “Nova Era”, como alguns o de-                 Em relação aos papers, diferentes pers-
nominam. Tais trabalhos configuram uma             pectivas de enfoque enriquecem a discussão.
outra vertente de análise, presente em livros,     Eis alguns exemplos: o estudo das pré-escolas
artigos publicados em periódicos, teses e dis-     vinculadas a grupos que se relacionam com o
sertações de mestrado e também papers apre-        neo-esoterismo em Brasília (Reis, 1998); a
sentados em congressos, dos quais se desta-        investigação da presença de práticas como o
caram, no final do século XX, os eventos           tarô em um terreiro de umbanda, em São
“Jornadas sobre Alternativas Religiosas na         Paulo (Souza e Souza, 1998); análise dos con-
América Latina”, realizados em 1998 e 1999,        teúdos veiculados pela revista Planeta acerca
em São Paulo e no Rio de Janeiro, respecti-        do corpo (Albuquerque, 1998 e 1999); análi-


6
se do conceito de natureza tal como apro-             giosidade e suas manifestações plurais, entre-
priado por grupos ecológicos e místico-eso-           laçadas com práticas e conteúdos dissemina-
téricos da região de Alto Paraíso em Goiás            dos pelo neo-esoterismo, estão contempladas
(Lima, 1998), entre outros.7 Deve-se consi-           de diferentes formas nos estudos citados.
derar ainda trabalhos dedicados à análise de          Amaral (1994, 1998, 1999), direcionando seu
religiões orientais, tema presente em diferen-        enfoque sobre o trânsito religioso, seus con-
tes congressos e eventos. Práticas específicas,       teúdos e práticas, argumentam um “sincretis-
como as que caracterizam as praticantes de            mo em movimento” sustentando que,
wicca, chamadas bruxas modernas, também
têm merecido a atenção de pesquisadores                   […] mais do que um substantivo que possa
(Osório, 2004).                                           definir identidades religiosas bem demarca-
     Em síntese, enquanto as primeiras inter-             das, Nova Era é um adjetivo para práticas
pretações mencionadas detiveram-se sobre a                espirituais e religiosas diferenciadas e em com-
dinâmica do campo religioso, aí identificando             binações variadas, independente das defini-
a emergência de uma “religiosidade difusa”, a             ções e inserções religiosas de seus praticantes
valorização da espiritualidade associada a prá-           (1999, p. 48).
ticas de “cultivo da interioridade” e a constru-
ção de uma “nova visão ecológica”, o segundo               Já o estudo efetuado por Stoll (1999), em
conjunto de trabalhos concentra-se na investi-        reflexão sobre duas lideranças religiosas espíri-
gação de idéias e práticas de determinados seg-       tas que, por meio de sua história pessoal e car-
mentos do universo neo-esotérico. Dada a di-          reira religiosa, personificam modos diversos
versidade de questões propostas e perspectivas        de “ser espírita” no Brasil (os médiuns Chico
adotadas, poder-se-ia perguntar o que possibi-        Xavier e Luiz Gaspareto), refere-se à aproxi-
lita agrupá-los e considerá-los como cons-            mação do médium espírita Luiz Gasparetto
titutivos de um campo de estudos, ainda que           com algumas das expressões do universo
em construção. O conjunto desses trabalhos            neo-esotérico, o que significou a produção de
não permite, porém, a constituição de um              uma nova “síntese”, “um arranjo particular
quadro empírico ou interpretativo único. No           de idéias e práticas que tem origens em fontes
entanto, observa-se que, apesar de comporta-          diversas – religiosas e não-religiosas – reinter-
rem nuanças e recortes singulares, existem cer-       pretadas, porém, a partir da tradição religiosa
tas regularidades nesses estudos, seja no modo        de origem” (p. 236).
de recortar o campo empírico quanto à de                   Ainda em relação ao sincretismo, traba-
construção dos objetos, seja no plano da inter-       lhos apresentados na forma de papers men-
pretação, se considerarmos a preocupação              cionam, por exemplo, a incorporação de ele-
com o delineamento das representações cole-           mentos e práticas esotéricas (realizações de
tivas presentes no universo que compõem es-           palestras, cursos e meditações envolvendo es-
sas práticas.                                         tudos de técnicas terapêuticas como Reiki,
     Os estudos contemplam algumas ques-              cromoterapia etc.) em terreiros de Umbanda
tões em torno das quais se desenvolvem di-            em São Paulo (Souza e Souza, 1998), trazendo
ferentes argumentos.                                  elementos importantes para pensar desdobra-
     Uma primeira questão localiza-se em              mentos singulares do entrelaçamento de práti-
recortes circunscritos do exercício da religiosi-     cas e conteúdos do neo-esoterismo com uni-
dade, assinalando de modo especial novas for-         versos religiosos já estabelecidos no Brasil. Um
mas de expressões do sincretismo religioso. A reli-   outro estudo é o de Castro Martins (1999)


                                                                                                        7
sobre a dinâmica do doutrina do “Vale do Ama-      e das concepções de saúde/doença. Destaca-
nhecer”, assinalando uma espécie de sincretis-     se, sob esta ótica, o trabalho de Tornquist
mo entre elementos do cristianismo, do espiri-     (2002), sobre a humanização do parto, e de
tualismo e da umbanda, organizados em uma          Rachel Menezes (2004, 2005), sobre a huma-
referência efetuada na construção do espaço        nização da morte. Essas pesquisas indicam,
sagrado sede da comunidade, a elementos egíp-      ainda, usos recentes do ideário associado ao
cios, africanos, incas, maias etc. O sincretismo   neo-esoterismo, num cruzamento cada vez
é ainda alvo de reflexão sobre a construção de     mais complexo de múltiplas referências, ao
trajetórias espirituais no contexto da sociedade   qual retornarei adiante.
carioca (Carneiro, 1998), com o propósito de            Uma terceira questão é a referência a es-
pensar a busca da religiosidade, como projeto      sas práticas como produtoras de estilos de vida.
na modernidade, e também expressão da              É sobre indicadores da configuração de es-
“reflexividade” e da “destradicionalização” em     tilos de vida que se evidenciam especificida-
contexto urbano.                                   des de práticas e conteúdos, o que pode ser
      Um segundo eixo de questões contempla        percebido nos estudos de artes divinatórias,
a construção de discursos alternativos sobre o     como a astrologia (Vilhena, 1991), o tarô
corpo e a saúde. Do corpo como veículo de          (Tavares, 1999), e na abordagem das “tera-
liberação e prazer (Martins, 1999) à ênfase no     pias alternativas” (Maluf, 1996). Nas organi-
corpo nas técnicas psicoterapêuticas (Russo,       zações das práticas neo-esotéricas e sua
1993) e novas concepções nas relações doen-        implementação espacial, Magnani (1999)
ça/cura no contexto da “neo-espiritualidade”       defende o delineamento de comportamentos
e “neo-religiosidade” (Maluf, 1996). A ênfase      no interior da metrópole. A referência ao
no corpo vai ser mencionada ainda em traba-        estilo de vida verifica-se também no campo
lhos voltados para a discussão da espirituali-     da “experimentação religiosa”, envolvendo a
dade terapêutica (Tavares, 1999a) e na idéia       emergência de grupos “mísitico-esotéricos”,
de uma “cultura corporal alternativa”, que         em Brasília/DF (Siqueira e Bandeira, 1998).
ganha sentido diante da noção de “corpo civi-      É ainda o estilo de vida dos pais que, de acor-
lizado”, conforme argumenta Albuquerque            do com Reis (1998), demarca a opção por
(1998 e 1999). São diferentes abordagens que       “escolas alternativas” para os filhos, questão
remetem, de um lado, à emergência de con-          identificada em estudo envolvendo escolas
cepções sobre o corpo e sua utilização como        vinculadas a grupos místico-esotéricos, em
mecanismo de autopercepção, autoconheci-           Brasília/DF. A referência ao estilo de vida
mento individual; de outro, a processos his-       está presente também no privilégio do seg-
tóricos por meio dos quais são elaboradas          mento de adeptos ao neo-esoterismo por
diferentes ênfases no corpo, cuja reflexão         opções selecionadas de lazer (viagens, partici-
aponta alternativas para o estabelecimento da      pação em eventos, literatura, filmes, entre
condição de um corpo saudável, prazeiroso.         outros), citados com freqüência em diversos
      A referência ao corpo e à saúde vem sen-     estudos como demarcadores de comporta-
do mencionada em outra perspectiva, mais re-       mentos delineados por meio do contato e da
cente, que aponta para desdobramentos signi-       interação com o neo-esoterismo, dando visi-
ficativos do fenômeno neo-esotérico: a ênfase      bilidade a um fenômeno cujas expressões
no que se convencionou chamar de humani-           têm especial ressonância em segmentos
zação, em se tratando dos cuidados do corpo        médios urbanos.



8
No Meio Urbano: Contextualizando                  algumas interpretações acadêmicas, como
Pontos de Partida                                 concepções de bem-estar emergentes, como
                                                  alternativa à conturbada vida moderna.
     Nas grandes cidades brasileiras, observa-         Ao lado desses signos, que têm uma rela-
se a presença de signos relacionados ao neo-      ção mais direta com o consumo, menciona-se
esoterismo por meio da implementação pro-         também a insatisfação generalizada em rela-
gressiva de uma rede de produtos e serviços       ção aos sistemas de sentido estabelecidos,8
fundamentada na perspectiva de uma reorien-       atingindo mais significativamente os segmen-
tação de diversos aspectos da vida cotidiana,     tos médios urbanos. Na dimensão religiosa,
com a finalidade de orientar e promover o         no que concerne à religião como instituição
“bem-estar”. A valorização de alimentações        doutrinária reguladora e normativa;9 na orga-
específicas, denominadas naturalista, vegeta-     nização familiar, questionando os padrões de
riana, macrobiótica, cujo consumo se relacio-     organização familiar vigentes;10 nas relações
na com a concepção de que proporciona “vida       afetivas, revelando uma preocupação com a
mais saudável”, apresenta-se nos inúmeros         intimidade e propondo a aproximação, a coo-
restaurantes especializados e também em lojas     peração e o companheirismo como substitu-
que comercializam produtos associados a no-       tos da competição e do distanciamento;11 nos
vos hábitos alimentares. A utilização de te-      sistemas de intervenção terapêutica, dirigida
rapias consideradas “alternativas” – terapias     aos tratamentos convencionais, questionando
corporais, diversos tipos de massagens, ho-       seu caráter fragmentado e racionalizante, em
meopatia, acupuntura etc. – associa-se à ins-     defesa das “terapias alternativas”.
talação de clínicas que concentram profissio-          Assim, identifica-se no meio urbano a
nais especializados nessas áreas e também a       presença de inúmeros produtos, serviços e
abertura de farmácias homeopáticas. As artes      cursos, cujos conteúdos e práticas remetem ao
divinatórias despertam interesse progressivo,     universo neo-esotérico. Incorporados ao estilo
tanto na forma de uso como na importância         de vida de certos segmentos sociais, esses pro-
atribuída ao aprendizado (curso de tarô, astro-   dutos, serviços e representações expressam-se
logia etc.). Lojas de produtos esotéricos dis-    por meio da busca de novos padrões no con-
ponibilizam velas, incensos, que vão ser utili-   vívio familiar, nas relações afetivas, no cuida-
zadas nas residências com fins diversos           do com a alimentação, com o nascimento e
(decorativos, com o intuito de purificar am-      com a morte, na expectativa de cobrir todas as
bientes, na realização de meditações, nos ri-     dimensões da existência, tendo como eixo
tuais etc.). Aulas de yoga, entendidas como       uma perspectiva transformadora voltada para
um exercício alternativo que permite simulta-     o “cuidado de si”. Nesse universo, transitam
neamente cuidar do corpo e do espírito, in-       não só adeptos, como também aqueles que
corporadas nas práticas das academias de gi-      esporadicamente se utilizam das artes divina-
nástica asseguram seu espaço ao lado das          tórias, das terapias alternativas e/ou adquirem
últimas novidades em aparelhos e tecnologias      produtos, como incenso, amuletos, imagens
para manter a forma física.                       de duendes, de anjos, cds etc.
     A forma como tais signos se apresen-              Esse modo urbano de prática do neo-
tam, vinculados a diferentes estabelecimen-       esoterismo contrasta com a organização de
tos e diluídos em um amplo mercado de             “comunidades rurais alternativas”, as quais
consumo, faz com que em muitas ocasiões           também veiculam práticas e idéias do uni-
sejam referenciados, na mídia e também em         verso neo-esotérico.12 Nessas comunidades,


                                                                                                9
o questionamento da sociedade capitalista          na mídia. Trata-se de uma apropriação parti-
manifesta-se de forma mais radicalizada.           cular, que leva em conta o aprendizado do sis-
Grupos com inspirações diversas organizam          tema astrológico e seu simbolismo,14 de forma
seu cotidiano numa convivência comuni-             que a crença e a linguagem astrológicas pas-
tária, em contato com a “natureza”, tendo          sam a fazer parte da interpretação do cotidia-
como preocupação o “desenvolvimento in-            no de seus adeptos. Segundo o autor, a as-
tegral” do ser humano, o que envolve os pla-       trologia configura para seus adeptos “um
nos físico, mental e espiritual.                   mundo”como sistema de interpretação, asso-
      Apesar da diversidade e dos múltiplos        ciado a outros sistemas simbólicos, como a
direcionamentos, as práticas do neo-esote-         psicanálise, a religião e diversas expressões do
rismo apresentam alguns denominadores              esoterismo. Desse diálogo, emerge, porém,
comuns. Primeiramente, o fato de algumas           sua singularidade, o que lhe atribui um lugar
delas – como astrologia, tarô e terapias cor-      específico no conjunto mais amplo de práticas
porais – não constituírem práticas isoladas,       e representações que vêm alimentando visões
uma vez que estabelecem diálogo com dife-          de mundo e estilos de vida de certos segmen-
rentes fontes culturais. Outro aspecto é que       tos das camadas médias urbanas.
tais práticas terapêuticas, associadas a tradi-         O uso do tarô, por sua vez, foi analisado
ções culturais diversas (chinesa, japonesa,        por Tavares (1999). Neste caso, a especifici-
budista, hinduísta etc.), são freqüentemente       dade de sua apropriação pelas camadas
tonalizadas pela vivência religiosa. Impor-        médias urbanas constrói-se em tensão com
tante também é a relação das práticas neo-         outros usos da cartomancia, cuja prática
esotéricas com a dinâmica urbana, o que se         popular se volta a finalidades de ordem prá-
evidencia na estrutura arquitetônica dos           tica, ao passo que os “tarólogos” pretendem
“espaços” e no modo de constituição de suas        fazer uso das cartas como instrumento que
redes e circuitos.                                 induz ao “autoconhecimento”. O jogo, a rela-
      Tomadas em conjunto, essas práticas não      ção com o consulente e a interpretação das
caracterizam um “movimento” (“Nova Era”,           cartas têm, portanto, sentido e motivação
“New Age”, “Esotérico”), mas um fenômeno –         diversos daqueles que presidem a atividade da
neo-esotérico – que se define pelo modo de sua     cartomante nos meios populares.
constituição, dinâmica particular e vínculos            As restrições dos tarólogos às leituras efe-
que estabelece com outras expressões culturais     tuadas pelas cartomantes, segundo Tavares,
de segmentos médios urbanos. De suas carac-        dizem respeito à sua qualificação, isto é, con-
terísticas, tais como aparecem em diversos estu-   sideram a leitura desorganizada, composta de
dos efetuados, trato nos tópicos seguintes.        frases feitas, voltada para “adivinhar” o passa-
                                                   do e prever o futuro do consulente (Idem,
                                                   pp. 115-116). Em contrapartida, propõem o
A ênfase diferenciadora das práticas               uso do jogo de tarô como fator de aprendiza-
                                                   do, iniciação e instrumento de autoconheci-
     No estudo do chamado “mundo da astro-         mento, estabelecendo-se um outro padrão de
logia”, Vilhena (1990) reflete sobre as apro-      relacionamento entre consultor e consulente.
priações do sistema astrológico por um seg-             Atribui-se, portanto, à forma, ao uso e ao
mento das camadas médias urbanas do Rio de         modo de manipulação de certos tipos de co-
Janeiro.13 Salienta, assim, que não está falando   nhecimento um papel preponderante para se
dos usos da astrologia amplamente difundidos       diferenciar práticas divinatórias populares da


10
prática do tarô e/ou do uso da astrologia.          sidade de transformação do indivíduo em vá-
Distinguindo-se da prática divinitória difun-       rias dimensões de sua vida. Quando se fala
dida nos jornais15 e pelas cartomantes tradi-       em terapias alternativas, tem-se em mente
cionais, entendidas como vinculadas à deter-        uma representação que redimensiona a no-
minação e à previsão, praticantes do jogo do        ção de cura. No plano individual, a expecta-
tarô e adeptos da astrologia enfatizam esses        tiva de transformação implica intervenção
sistemas simbólicos como busca de significa-        numa situação de crise, de mal-estar,16 com
dos para eventos de sua vida cotidiana, porém       vistas à recuperação do equilíbrio – físico-
considerando a sua participação efetiva nesta       orgânico, psíquico/mental e espiritual. Além
atribuição de sentido. Esse mesmo tipo de dis-      disso, toda crise é pensada como “oportuni-
tinção pode ser observado no contraponto            dade”, como possibilidade de se desenvolver
entre o “terapeuta alternativo” e a “benzedei-      potencialidades, o que sugere ao sujeito
ra/curandeira” popular (Tavares, 1999a).            “tomar posse de si” por meio do endosso do
      O que se destaca é uma nova atribuição de     prefixo “auto”: autocura, autoconhecimento,
sentido a práticas “tradicionais” por meio do       auto-ajuda.
diálogo com outras formas de conhecimento,               Esse conceito contempla também o senti-
crenças e sistemas simbólicos, resultando nu-       do de transformação do ambiente: uma pers-
ma elaboração que as diferencia de uma cono-        pectiva holística, em que a constatação de
tação pragmática, característica da utilização      mal-estar, de crises e insatisfações se associa ao
mais convencional da cartomancia e extensiva        questionamento de padrões e valores vigentes
a outros sistemas divinatórios. Trata-se de sis-    nas relações entre os seres humanos e com a
temas simbólicos que não se fecham em si            natureza. Perspectiva que pode assumir um
mesmos, mas, ao contrário, buscam referência        viés religioso quando associada à espiritualida-
em outras fontes culturais com as quais os          de e à terapia. Embora não seja uma associa-
adeptos dessas práticas dialogam e interagem –      ção inovadora,17 no universo neo-esotérico
sistemas religiosos, áreas do conhecimento          assume tonalidades específicas: aponta para a
científico, o conhecimento tradicional das ar-      necessidade de se resgatar o lugar do ser hu-
tes divinatórias –, referências que são ressigni-   mano na criação divina, como possibilidade
ficadas, atribuindo sentido a essas práticas.       de compensar a destruição ambiental (uma
      Um dos principais resultados, almejado        visão ecológica) e a violência (valorizando as
por meio dessa atribuição de sentido, é a pos-      relações humanas). Trata-se de uma tentativa
sibilidade de utilização dos diferentes sistemas    de salvar o mundo, perspectiva que atribui à
simbólicos e seus entrecruzamentos para o           transformação uma conotação espiritual.
“conhecimento de si”. Objetivo que também                É essa dimensão ampliada que remete à
é mencionado em outras práticas do campo            transformação em escalas planetária, social e
neo-esotérico, como as que dão ênfase a uma         de valores que estão presentes na interven-
conotação terapêutica.                              ção terapêutica do meio neo-esotérico.
                                                         Os estudos sobre o tema revelam certa
                                                    dificuldade em delimitar as fronteiras do
Conotação terapêutica                               campo das chamadas “terapias alternativas”.
                                                    A começar pela abrangência das práticas
     No universo neo-esotérico, a noção de          envolvidas, como tarô, astrologia, reiki, acu-
terapia vem sendo apontada como portadora           puntura, florais etc., cujos especialistas se
de um sentido próprio, pois remete à neces-         autodenominam “terapeutas”. As classifica-


                                                                                                   11
ções propostas pelos autores variam nesse             […] afirmação de um outro tipo de consa-
sentido. Tavares (1999), por exemplo, iden-           gração, paralela, marginal, que não depende
tifica um segmento específico – a categoria           tanto de estudo, diplomas, teoria, mas sim
“terapeuta não-médico” –, que divulga uma             de “vivências”, “exercícios”, em suma, de tra-
“espiritualidade terapêutica”, cuja prática se        balho corporal (Idem, p. 193).
diferencia tanto de outras práticas da cha-
mada “nebulosa místico-esotérica” como das             Essas práticas, assim como o perfil des-
práticas médicas oficiais e/ou de cura com        ses especialistas, constroem-se, portanto,
fundamento religioso (Idem, pp.110-112).          segundo a mesma lógica observada no caso
     O estudo de Jane Russo (1993), por sua       das práticas divinatórias, isto é, por meio de
vez, chama essas mesmas práticas de “terapias     interfaces, diálogos e conflitos com outros
corporais”. Segundo a autora, elas consti-        sistemas simbólicos de cura e de crença.
tuem o entrecruzamento entre dois campos               Na análise das articulações criadas pelas
distintos – “complexo alternativo”18 e campo      práticas neo-esotéricas de cunho terapêutico
da “psi”. Ou seja, Russo enfatiza a singulari-    com um amplo espectro de “fontes” ou “tra-
dade das terapias corporais em relação à          dições”, reside a principal contribuição dos
intervenção psicológica convencional pelo         estudos voltados às “terapias alternativas”.
fato de utilizarem o “corpo como instrumen-            A contribuição de Sonia Maluf (1996,
to básico de mudança e de autoconstrução’’,       1999) a esse debate está no fato de ela quali-
em oposição à palavra. Sublinha a autora,         ficar as chamadas “terapias alternativas” como
porém, que as próprias terapias corporais do      constitutivas de “uma cultura terapêutica
“complexo alternativo” são produtoras de          neo-religiosa ou neo-espiritual”, que conside-
certo modo de vida que define os chamados         ra resultante do cruzamento entre novas e
“terapeutas corporais, de tal forma que “prá-     velhas formas de religiosidade, práticas tera-
                                                  pêuticas e experiências ecléticas vivenciadas
ticas e personagens se confundem [e] […] o
                                                  por camadas médias urbanas. Na tentativa de
ideário que sustenta a sua prática dá sentido
                                                  apreender os significados específicos dessa re-
à sua trajetória” (Idem, p. 191).
                                                  lação, Maluf (1999) enfatiza a necessidade de
     Debruçando-se especificamente sobre a
                                                  deslocar-se a perspectiva unilateral, que tem
forma como se cruzam os percursos dos tera-
                                                  caracterizado o olhar para as instituições reli-
peutas com a construção das terapias corpo-
                                                  giosas e suas doutrinas, por um lado, e as téc-
rais, Russo salienta que a oposição entre as
                                                  nicas de cura, por outro, tendo em vista que
técnicas propostas em relação às intervenções
                                                  é a experiência da articulação entre esses dife-
fundamentadas na psicologia convencional –
                                                  rentes campos que caracteriza o neo-esoteris-
o corpo contra a palavra – adquire significa-
                                                  mo. Nesse sentido, afirma: “é o sujeito porta-
dos que extrapolam o campo terapêutico.
                                                  dor de uma experiência ímpar que pode
Entre as questões desenvolvidas pela autora,
                                                  reunir experiências e doutrinas religiosas e
interessa-me ressaltar a idéia de que terapias
                                                  espirituais tão díspares e lhes dar um sentido”
corporais, como técnicas, se produzem “nas
                                                  (Idem, p. 71). Isso implica pensar como essas
margens” das instâncias legitimadas pela
                                                  diferentes referências são assimiladas e articu-
palavra, instrumento da racionalidade e da
                                                  ladas nos “itinerários terapêuticos”.
lógica escolar por excelência. As terapias cor-
                                                       Na construção desse argumento, a auto-
porais singularizam-se, portanto, pela nega-
                                                  ra destaca a importância de alguns elementos
ção da “consagração pela palavra” e pela
                                                  do universo simbólico das camadas médias,


12
entre os quais a cultura psi,19 a difusão da       possibilidade que tais práticas abrem no sen-
homeopatia e outros campos em que tais seg-        tido de uma mudança do imaginário do
mentos sociais atuam como organizações co-         corpo na sociedade ocidental. Uma vez que se
letivas voltadas à ecologia e/ou alinhadas à       veiculam, por meio das práticas terapêuticas
contra-cultura. Sublinha ainda a existência de     alternativas, novas concepções acerca do
certas continuidades, como a espiritualidade e     corpo, estas vêm se confrontar, de um lado,
a ênfase terapêutica de certos sistemas religio-   com a noção de “corpo perfeito” e, de outro,
sos. Mas, ressalta a autora, inexiste uma ver-     com a imagem do “corpo culposo”.
tente exclusiva de sustentação desse sistema –          Para além das terapias que incidem sobre
a “cultura terapêutica neo-espiritual ou neo-      o corpo, mudando a imagem que dele pos-
religiosa” tem como princípio o cruzamento         suímos, interpretações recentes de conteúdos
entre diferentes fontes, sistemas religiosos,      veiculados pelo neo-esoterismo têm ressonân-
terapias convencionais oficiais e não-oficiais.    cia em novas alternativas propostas para o
     É na ressalva do aspecto da presença de       nascer e o morrer, limites da consciência do
diferentes fontes como possibilidades e dos        humano, cunhados como humanização,
cruzamentos possíveis entre elas na efetivação     como apontam os estudos de Carmem
de experiências que reside uma das contribui-      Suzana Tornquist (2002) e Rachel Aisengart
ções mais significativas dos diversos estudos      Menezes (2204), que tratam, respectivamen-
que fazem alusão às terapias alternativas.         te, da humanização do parto e da humaniza-
Nesse contexto, o uso de artes divinatórias        ção da morte. Ambos os trabalhos sublinham
(como a astrologia e o tarô) ou a participação     a presença da noção do alternativo e o retorno
em sessões do Santo Daime são encarados            à natureza como norteadores de práticas que
como recursos que podem ser acionados em           se institucionalizam em hospitais, envolven-
processos e itinerários de busca espiritual e      do, portanto, não somente a geração conside-
“conhecimento de si”, entendidos como por-         rada alternativa, mas especialmente equipes
tadores de uma conotação terapêutica em            de profissionais (médicos, psicoterapêutas, en-
função do caráter que lhes é atribuído na          fermeiros entre outros) que integralizam suas
experiência dos sujeitos. Esses trabalhos, por-    atividades propondo tais alternativas.
tanto, sugerem que o cruzamento de diferen-             Tais imagens se difundem e são reinter-
tes referências implica uma atribuição de sen-     pretadas no processo de circulação, o que
tido a essas práticas que não está dada a          reflete uma outra característica do fenômeno
priori, mas que se organiza pela circulação de     neo-esotérico, qual seja, a tendência à imple-
pessoas, informações e da assimilação de dife-     mentação progressiva de redes e circuitos atra-
rentes saberes na interpretação das experiên-      vés dos quais circulam especialistas/terapeutas,
cias cotidianas.                                   adeptos com diferentes graus de envolvimen-
     O deslocamento do eixo de referência          to e informações sobre as práticas das diversas
das instituições e dos sistemas simbólicos para    especialidades.
o campo da experiência dos sujeitos abre tam-
bém outras possibilidades interpretativas. Por
exemplo, a discussão sobre a formulação, no        Redes, circuitos, espaços
seio das camadas médias urbanas, de novas
representações sobre corpo e saúde. O traba-            Para além da doutrina e do templo, asso-
lho de Martins (1999) é sugestivo nesse sen-       ciados à disseminação do neo-esoterismo,
tido. O argumento do autor gira em torno da        assinala-se a emergência progressiva de “espa-


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ços” cujas ações têm uma conotação que os         dos pelos seus fins específicos. Mas, há sin-
singulariza em relação a outros núcleos em        gularidades que podem ser percebidas na
que se desenvolvem práticas semelhantes.          forma de implementação e organização das
Além das práticas mencionadas – de cura e         atividades, bem como no modo de circula-
divinatórias –, esses “espaços” patrocinam        ção de pessoas.
atividades educativas (cursos, palestras, edi-         A pesquisa de Magnani (1999) em São
ção de livros), rituais (da lua cheia, de ano     Paulo caracteriza esses espaços como “pontos
novo etc.) e de lazer (projeção de filmes, via-   de referência estáveis no circuito neo-esotéri-
gens etc.), como assinala Magnani (1999)          co”, uma vez que “constituem lugares de
em estudo realizado em São Paulo. Esses           encontro e sociabilidade para pessoas cujos
espaços apresentam, portanto, regularidades       gostos, formação, preocupações espirituais
na forma de organização e nas atividades que      e estilos de vida se assemelham” (p. 34). O
desenvolvem, o que é extensivo também a           estudo concentra-se na relação das práticas
outras atividades, como a organização de          neo-esotéricas com a dinâmica da sociabili-
congressos e “feiras místicas”, que congregam     dade na metrópole e demonstra que existem
espaços holísticos, constituindo redes que ar-    articulações entre essas práticas, levando em
ticulam diversas regiões do país, bem como        consideração a distribuição espacial associada
redes de relações internacionais.                 à movimentação dos adeptos. Para caracteri-
     Assim, as práticas que conciliam, por        zar o movimento entre espaços neo-esotéri-
exemplo, espiritualidade e terapia não se         cos da cidade Magnani utiliza-se da categoria
limitam mais aos “consultórios”, lugar onde       circuito, que consiste em identificar conjun-
se estabelecem relações entre especialista e      tos de estabelecimentos que têm em comum
consulente. Progressivamente, têm-se imple-       determinada prática ou serviço no meio ur-
mentado “espaços” que, a exemplo de algu-         bano, mas que não são contíguos, e sim re-
mas clínicas, promovem diversas atividades:       conhecidos pelos usuários habituais (Idem,
consultas de tarô e/ou astrologia, massagens,     p. 68). Esta categoria permite, portanto, ob-
cursos, palestras, encontros coletivos, “vivên-   servar o conjunto de práticas, grupos e espa-
cias” e workshops. Nessa ambientação, as prá-     ços com suas diferentes orientações e propó-
ticas se cruzam, estabelecem intercâmbios de      sitos, dotados de sentido, “sem no entanto
conteúdos que lhes dão sustentação. Fato          dissolvê-los no interior de um mesmo caldei-
que pode ser observado também em “feiras          rão” (Idem, p. 41).
místicas”, congressos etc.20                           Se, por um lado, a distribuição geográ-
     Na trama da cidade, tais práticas vêm        fica dos espaços confere visibilidade ao fenô-
adquirindo visibilidade, desde que associa-       meno, por outro, é a circulação de adeptos e
das a uma rede de serviços e de consumo.          agentes entre e através deles que concretiza
Além de clínicas, consultórios e suas técnicas    as redes e os circuitos. Em outros termos, é
alternativas, de restaurantes, cujo propósito     a circulação que dá vida aos circuitos e redes,
é oferecer alternativas alimentares, nos últi-    fazendo com que as práticas adquiram
mos anos têm proliferado os espaços holísti-      “carne e osso” (Carneiro, 1998). Nessa pers-
co-alternativos, onde se atende à demanda         pectiva torna-se proeminente a análise de
por produtos e práticas e se discute os con-      trajetos, trajetórias, itinerários e processos
teúdos que as alimentam. Alguns desses            que promovem a adesão a essas práticas, a
espaços têm-se tornado pontos de referência       formação de terapeutas e a delimitação de
no circuito dos adeptos, uma vez reconheci-       especialidades. A circulação permite perce-


14
ber também que existem diferentes graus de         teúdo de mitos, de saberes vistos como tradi-
envolvimento e níveis de adesão.21                 cionais, associados ou não a diversas doutri-
                                                   nas e experiências religiosas.
                                                        Essa forma de expressão, que não con-
Caracterização do Fenômeno                         verge para a institucionalização nos moldes
                                                   de uma doutrina, de uma religião, de um
     Os estudos apresentados sugerem a exis-       partido político ou de uma disciplina, susci-
tência de um campo intermediário entre o           ta um esforço de construção de estratégias
exercício esporádico de uma prática neo-eso-       de análise que desloquem referenciais esta-
térica orientada pelos apelos do mercado de        belecidos – por exemplo, os institucionais,
consumo, de um lado, e o engajamento num           como a religião –, privilegiando o processo
ideal de sociedade que se pretende realizar nas    de construção, fluxos e movimentos.
comunidades rurais alternativas, de outro.              Nos estudos sobre o tema há duas con-
Ainda que não possua contornos e fronteiras        cepções principais: primeiro, de que o uni-
claramente definidas, esse campo intermediá-       verso neo-esotérico se torna visível para além
rio apresenta certas especificidades que se        das referências religiosas institucionais, exi-
delineiam no confronto com outras práticas e       gindo a elaboração de estratégias de análise
representações, como exemplificam estudos          que permitam a apreensão das ressonâncias
sobre a astrologia e o tarô. Também contri-        na dinâmica cultural e na mudança social;
buem para isso o modo de organização dos           segundo, estes trabalhos questionam a idéia
espaços e de suas atividades; o fluxo dos ato-     de que as ações e as representações que defi-
res sociais e o modo como eles, com base nas       nem o universo neo-esotérico simplesmente
suas experiências, atribuem sentido às práti-      espelham a fragmentação do mundo moder-
cas ditas “alternativas”; e o delineamento de      no e a tendência à proliferação de bens de
campos semânticos, como é o caso das “tera-        consumo simbólicos, cuja escolha seria indi-
pias corporais”, que definem o seu nicho no        vidual e a finalidade, a satisfação de necessi-
interior do campo mais amplo das alternati-        dades imediatas.
vas terapêuticas.                                       Entre as diferentes estratégias evidencia-
     As ações e as representações concernen-       das nos estudos citados destacam-se a ênfase
tes ao universo neo-esotérico consolidam-se        nas experiências dos sujeitos e a referência
progressivamente no meio urbano mediante           aos “espaços”, ampliando, assim, as perspec-
referências objetivas – espaços holístico/al-      tivas de apreensão do processo de difusão de
ternativos instalados nas cidades e organiza-      conhecimentos e práticas do universo neo-
ção de feiras e/ou congressos, nos quais se        esotérico. Evidencia-se também a emergên-
promovem atividades especializadas, envol-         cia de comportamentos coletivos, que sur-
vendo práticas de cura, cursos, organização        gem da troca/comunhão de experiências em
de rituais, vivências, workshops etc. Essas ati-   atividades desenvolvidas nesses “espaços”.
vidades dinamizam campos semânticos atua-               Argumenta-se freqüentemente que a de-
lizados e/ou ressignificados e mobilizam a         manda pelas intervenções terapêuticas alter-
circulação de “especialistas”. Em todas essas      nativas e outras práticas estariam associadas à
dimensões, operacionalizam-se cruzamentos          insatisfação de certos segmentos sociais (espe-
de conhecimento de origens diversificadas,         cialmente as camadas médias urbanas) em
promovendo-se diálogos com algumas áreas           relação a instituições consolidadas, como o
do conhecimento científico, o recurso a con-       sistema biomédico, a família e a religião. De-


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manda que, no entanto, não se traduz em pro-           As vivências, palestras, cursos e celebrações
postas de transformação social, uma vez que as         multiplicam-se ao longo do circuito, estabe-
transformações almejadas se circunscrevem na           lecendo relações de proximidade e de trocas
busca e promoção do bem-estar individual.22            próprias de comunidade. Não, porém, aque-
     Por seu caráter fragmentário, tais práticas       las das comunidades biológicas, instituciona-
não se organizam na forma de um “movi-                 lizadas, permanentes, mas de um tipo que se
mento” estruturado. Mas, alguns estudos                dissolve ao término da atividade, podendo
apontam para certas possibilidades organiza-           ser reeditada no próximo evento, em algum
tivas, como é o caso dos “espaços” neo-esoté-          outro ponto do circuito- com os mesmos ou
ricos, cujas formas de sociabilidade permitem          outros participantes, não importa, pois todos
momentos de partilha e o reconhecimento de             conhecem o código ou ao menos o jargão
                                                       básico (Idem, p. 134).
que há uma coletividade constituída pelos
adeptos, à medida que estes se reconhecem
como tal pelo endosso de determinadas lin-              Também Maluf (1996) sustenta que nas
guagens e no modo de partilha de suas expe-        expressões da cultura terapêutica neo-religio-
riências de busca espiritual.                      sa no Brasil há uma concepção de indivíduo
     Referindo-se à formação de uma “sensibi-      que não é mera continuidade do “individua-
lidade neo-esotérica”, a noção de comunidade       lismo” ocidental, pois muitos adeptos per-
é utilizada por Magnani (1999) para questio-       tencentes à classe média urbana ao se identi-
nar a forma pela qual convencionalmente se         ficarem com certos movimentos culturais e
tem retratado esse universo, qual seja, a idéia    políticos – como a contra-cultura, o feminis-
de indivíduos trilhando solitariamente seus        mo, o movimento ecológico, entre outros –
caminhos espirituais.23 Considerando os pro-       passam a ter uma visão crítica da sociedade,
cessos de comunicação entre essas práticas e       ainda que não organizados em torno de um
a consolidação dos “espaços”, em torno dos         movimento.
quais se definem circuitos e trajetos, Magnani          O modo de difusão predominante do
assinala a presença na metrópole de um “tipo”      fenômeno neo-esotérico contempla ordena-
de comunidade que se define por ser “efême-        mentos processados em meio à circulação de
ra, de fim de semana” (p. 108). Trata-se, por-     pessoas e de informações com a assimilação
tanto, de uma comunidade singular, que pro-        de diferentes saberes apreendidos no cotidia-
picia uma sociabilidade alimentada por troca       no. Assim, na atribuição de sentido às práticas
de pontos de vista, leituras, experiências de      e aos conteúdos veiculados, em estreita de-
viagens… “no contexto do “pedaço” de cada          pendência dos diferentes processos de difu-
um – aquele contexto onde os laços de lealda-      são, ganha destaque o movimento dos atores
de são mais fortes – mas principalmente nos        que desenvolvem participação ativa nos signi-
“circuitos”, ao longo dos quais se recortam        ficados conferidos. A abertura constante para
os “trajetos” personalizados” (Idem, ibidem).      novas práticas constitui-se parte de uma lógi-
Assim, utilizando-se da categoria “circuito”       ca de organização que pode ser observada
para caracterizar uma forma específica de arti-    buscando, não possíveis sínteses, mas o pro-
culação entre os adeptos, Magnani afirma que       cesso e a dinâmica de elaboração do sentido.
os espaços e as atividades neo-esotéricas cons-         Localizando na especificidade de sua
tituem uma forma particular de prática cultu-      manifestação os mecanismos da sua dinâmi-
ral e comportamento, permitindo a formação         ca, o universo neo-esotérico, seus conheci-
de pequenos grupos e redes:                        mentos e ações correlatas, pode ser situado


16
como um projeto em construção, cujas possi-       ordenada no decorrer de sua evidência empí-
bilidades de abrangência vêm se ampliando e       rica. É o que se observa nas diferentes e sem-
diluindo, sem perder de vista lógicas internas    pre inovadoras dimensões sugeridas pelas lei-
próprias de uma difusão não localizada, mas       turas e interpretações do fenômeno.

                                             Notas

1. No decorrer deste trabalho, refiro-me a este conjunto pelo termo neo-esotérico, seguindo
    as distinções apontadas por Magnani (1999), na expectativa de reconhecer singularidades
    e simultaneamente considerar uma ampla gama de propósitos tomados como caracterís-
    ticas do conjunto de práticas em questão.
2. Sobre as relações com a “história” da constituição dessas práticas, ver, entre outros, Heelas
    (1996), Carozzi (1999). Magnani (2000).
3. Para exemplos de diferentes direções desse debate, ver Carvalho (1991 e 1994); Brandão
    (1994), Sanchiz, (1995 e 1998), Soares (1994). Esses estudos apontam entrelaçamentos
    singulares, em que o exercício religioso, relacionado a “escolhas” e “sínteses individuais”,
    merece destaque.
4. O que não significa que sejam adaptadas de maneira simplista. Nesse sentido, é impor-
    tante a observação de Carvalho de que “não se pode passar dos búzios para a astrologia
    sem que os transformemos em outros búzios, próprios deste meta-circuito e não mais
    característico da tradição afro-brasileira” (1994, p. 95).
5. Alguns desses artigos estão publicados na coletânea organizada por Carozzi (1999), que
    contém também dois artigos sobre práticas esotéricas na Argentina.
6. As diferentes versões que assumem as práticas relacionadas ao neo-esoterismo continuam
    em evidência na programação de seminários, congressos e encontros acadêmicos. Como
    exemplo, a “XIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina”, realizada em
    Porto Alegre, em setembro de 2005. Ver o site: www.pucrs.br/eventos/xiiijornadas/.
7. Nesses congressos, além de trabalhos especificamente dedicados ao fenômeno, são fre-
    qüentes as menções ao neo-esoterismo em textos sobre a religião e a religiosidade, com
    referências ao pluralismo religioso e a novas formas de sincretismo.
8. Questão discutida por Soares (1994), que se refere ao “alternativo” e ao “experimentalis-
    mo cultural” contextualizados em um grau crescente de insatisfação em face de institui-
    ções como a religião e a família.
9. No plano da vivência religiosa e espiritual, as alternativas evidenciam a valorização da
    escolha em detrimento da afiliação em função de vínculos familiares; escolha que se carac-
    terizará também em oposição à conversão, fazendo emergir a possibilidade de novos
    arranjos de conteúdos e práticas religiosas, distanciando-se da fidelidade a uma doutrina,
    a uma instituição, a uma Igreja.
10. Refiro-me às considerações acerca da família nas camadas médias urbanas. Ver, entre
    outros autores, Salem (1989) Figueira (1985).
11. Sobre novos parâmetros nas relações afetivas, remeto o leitor à discussão de Giddens
    (1992).
12. Uma das experiências citadas com freqüência é Esalem, na Califórnia, que também se
    constitui em espaço de formação e disseminação (ver Heelas, 1996; Amaral, 1998;

                                                                                             17
Carozzi, 1999). No Brasil, essas comunidades possuem características particulares, con-
      forme sublinhado por Magnani (2000, pp. 22ss.).
13.   O autor entende a a astrologia como uma “fronteira simbólica” que influencia a formu-
      lação de estilos de vida e visões de mundo de um segmento dessas camadas, ou seja, uma
      maneira de “pensar a familiaridade e a prática da astrologia como um critério útil para
      produzir tais fronteiras” (p. 82).
14.   A noção de simbolismo foi formulada por Vilhena com base na recorrência em que apa-
      recia nas entrevistas realizadas pelo autor: “assume um papel estratégico, contribuindo
      para sua autodefinição [dos praticantes da astrologia]” (p. 135).
15.   Embora a mídia em algumas ocasiões também se preocupe em divulgar os “simbolismos”,
      como sublinha Maluf (1996) em relação à forma em que se apresenta a coluna
      “Horóscopo” da Folha de São Paulo.
16.   Como sublinha Maluf (1996), nas “narrativas terapêuticas” prefere-se falar em “mal-estar”
      e não em “doença” para se referir à crise que desencadeia a busca de processos terapêuti-
      cos singulares.
17.   Especificamente no caso brasileiro, relações entre espiritualidade e cura estão presentes
      nas diferentes versões dos cultos de origem africana, em segmentos do espiritismo e, mais
      recentemente, no movimento neo-pentecostal e carismático católico.
18.   Como “complexo alternativo”, Russo entende “uma filosofia difusa […] criando uma espé-
      cie de amálgama a partir do qual as práticas se revelam passíveis de um uso concomitante,
      tornam-se intercambiáveis ou combinam-se de diversas maneiras” (1993, p. 113).
19.   Trata-se da referência à disseminação de uma linguagem psicanalítica que teria extrapola-
      do o espaço da clínica e a relação do terapeuta com seu cliente, constituindo-se em uma
      linguagem partilhada por segmentos médios urbanos. “Cultura psi” remete às análises de
      Figueira (1985, apud Maluf, 1996).
20.   O contexto da “feira esotérica” como espaço que amplia essa relação foi sublinhado por
      Guerreiro (1998). Em relação aos Congressos,ver descrição de Amaral (1998), Schwade
      (2001); Para espaços holísticos, ver Magnani (1999) e Schwade (2001).
21.   Como exemplo, Vilhena (1990) destaca, em relação aos adeptos da astrologia, pratican-
      tes com vínculos diferenciados. Magnani (1999) classifica-os em diferentes grupos – eru-
      dito, participativo, ocasional.
22.   Nesse caso remete-se ao universo simbólico no qual as camadas médias urbanas estão inse-
      ridas, que teria no “individualismo” uma de suas principais marcas. A referência concen-
      tra-se, entre outros autores, em Dumont (1995), Giddens (1992) e Simmel (1983). A con-
      textualização sociológica contempla ainda outras questões: a ausência de instituições, de
      doutrina ou de filosofias exclusivas de referência (seja religiosa seja política); a fragmenta-
      ção do cotidiano e as inúmeras referências disponíveis, associadas a uma condição presen-
      te especialmente nas grandes cidades, algumas vezes assinalada como “pós-moderna”.
23.   Referência que o autor remete às afirmações de Russo (1993).




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• Artigo recebido em Jan/2006
• Aprovado em Jun/2006



Resumo

Neo-esoterismo no Brasil: Dinâmica de um Campo de Estudos

Este artigo faz um mapeamento das análises efetuadas acerca do fenômeno neo-esotérico, duran-
te a última década, no Brasil em particular. Situa contornos das principais referências analíticas,
apontando a disseminação do neo-esoterismo para além da sua relação com a religiosidade e
espiritualidade. Por meio da caracterização de tal fenômeno como um universo em construção,
destaca, como evidências na literatura, a abertura constante para novas possibilidades, a impor-
tância de sua conotação terapêutica e o modo urbano que assumem as suas práticas.

Palavras-chave: Neo-esoterismo; Mudanças de comportamento; Sociabilidade urbana.


Abstract

Neo-esoterism in Brazil: Dynamics of a Field of Study

This article traces the social and cultural analyses of the neo-esoteric phenomenon, particu-
larly as it has developed in Brazil within the last decade. The article outlines the main analy-
tical references, and highlights the spread of this phenomenon beyond the religious and spi-
ritual scope. As the world we live in continues to be ever more socially dynamic, this paper
stresses the constant openness for new possibilities of a neo-esoteric perspective, the impor-
tance of its therapeutic connotations, and the urban ways in which practices are adopted.

Keywords: Neo-esoteric; Behavior transformation; Urban sociability.


                                                                                                23
Résumé

Néo-ésotérisme au Brésil : Dynamique d’un Champ d’Études

Cet article fait le point sur les études qui ont été développées, particulièrement au Brésil, à
propos du phénomène néo-ésotérique au cours de la dernière décennie. Les principales réfé-
rences analytiques sont identifiées et révèlent la dissémination du néo-ésotérisme au-delà de
sa relation avec la religiosité et la spiritualité. Tout en considérant ce phénomène comme un
univers en construction, l’auteur signale, par des évidences littéraires, son ouverture vers d’au-
tres possibilités, l’importance de sa connotation thérapeutique et le mode de vie urbain assu-
mé par ses nouvelles pratiques.

Mots-clés: Néo-ésotérisme; Changements comportementaux; Sociabilité urbaine.




24
Perspectivas Teóricas sobre o Processo de
                                                          Formulação de Políticas Públicas*

                                                                          Ana Cláudia N. Capella




Introdução                                               Modelo de Multiple Streams

     Este trabalho tem como objetivo apresen-             Em Agendas, alternatives, and public poli-
tar e discutir modelos teóricos que auxiliem        cies, Kingdon procura responder à seguinte
na compreensão do processo de formulação            questão: por que alguns problemas se tornam
de políticas públicas. A análise privilegiará o     importantes para um governo? Como uma
processo de formação da agenda de políticas         idéia se insere no conjunto de preocupações
governamentais (agenda-setting), procurando         dos formuladores de políticas, transforman-
investigar de que forma uma questão específi-       do-se em uma política pública? Kingdon con-
ca se torna importante num determinado mo-          sidera as políticas públicas como um conjunto
mento, chamando a atenção do governo e              formado por quatro processos: o estabalecimento
passando a integrar sua agenda.                     de uma agenda de políticas públicas; a consi-
                                                    deração das alternativas para a formulação de
     Dois modelos, em especial, desenvolvi-
                                                    políticas públicas, a partir das quais as escolhas
dos na área de políticas públicas, destacam-
                                                    serão realizadas; a escolha dominante entre o
se por sua capacidade em explicar como as
                                                    conjunto de alternativas disponíveis e, final-
agendas governamentais são formuladas
                                                    mente, a implementação da decisão. Em seu
e alteradas: o modelo de Múltiplos Fluxos
                                                    modelo de multiple streams, o autor preocupa-
(Multiple Streams Model) desenvolvido por           se especificamente com os dois primeiros pro-
John Kingdon (2003) e o modelo de Equi-             cessos, chamados estágios pré-decisórios: a
líbrio Pontuado (Punctuated Equilibrium             formação da agenda (agenda-setting) e as alter-
Model), de Frank Baumgartner e Brian Jones          nativas para a formulação das políticas (policy
(1993).                                             formulation). A seguir, procuraremos apresen-
     Esses modelos representam importantes          tar e analisar o modelo de Kingdon, destacan-
ferramentas na análise de processos de formu-       do suas bases teóricas, benefícios potenciais
lação de políticas e de mudança na agenda           para a compreensão dos processos de forma-
governamental, reservando grande destaque à         ção da agenda governamental, bem como as
dinâmica das idéias no processo político.           principais críticas direcionadas ao modelo.



* Este trabalho foi apresentado no GT “Políticas Públicas” no 29º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu,
em outubro de 2005. Agradeço aos comentários e sugestões dos participantes do encontro e dos pare-
ceristas anônimos do BIB.


BIB, São Paulo, nº 61, 1º semestre de 2006, pp. 25-52                                              25
Dinâmica do modelo: os três fluxos                Em momentos críticos esses fluxos conver-
                                                  gem, e é precisamente neste momento que
      Inicialmente formulado para analisar as     são produzidas mudanças na agenda. Assim,
políticas públicas nas áreas de saúde e trans-    para o modelo de Kingdon, a mudança da
portes do governo federal norte-americano, o      agenda é o resultado da convergência entre
modelo de Kingdon tornou-se referência para       três fluxos: problemas (problems); soluções ou
os estudos voltados à análise da formulação de    alternativas (policies); e política. (politics).
políticas governamentais (Zahariadis, 1999).            No primeiro fluxo, o modelo busca
Baseado em um corpo extenso de dados empí-        analisar de que forma as questões são reco-
ricos, obtidos em sua maior parte por meio de     nhecidas como problemas e por que deter-
entrevistas com altos funcionários públicos, o    minados problemas passam a ocupar a agen-
modelo preocupa-se com os estágios pré-deci-      da governamental. Considerando que as
sórios da formulação de políticas. A agenda       pessoas não podem prestar atenção a todos
governamental, para Kingdon, é definida co-       os problemas durante todo tempo, Kingdon
mo o conjunto de assuntos sobre os quais o        parte do pressuposto de que esses indivíduos
governo e pessoas ligadas a ele concentram        concentrarão sua atenção em alguns deles
sua atenção num determinado momento.1             ignorando outros.
      Uma questão passa a fazer parte da agen-          Para entender o processo de seleção,
da governamental quando desperta a atenção        Kingdon estabelece uma importante dife-
e o interesse dos formuladores de políticas.      renciação entre problemas e questões (condi-
No entanto, em virtude da complexidade e          tions). Uma questão, para o autor, é uma
do volume de questões que se apresentam a         situação social percebida, mas que não des-
esses formuladores, apenas algumas delas são      perta necessariamente uma ação em contra-
realmente consideradas num determinado            partida. Esse tipo de questão configura-se
momento. Estas compõem a agenda decisio-          como problema apenas quando os formula-
nal: um subconjunto da agenda governamen-         dores de políticas acreditam que devem fazer
tal que contempla questões prontas para uma       algo a respeito. Dado o grande volume de
decisão ativa dos formuladores de políticas,      decisões e a incapacidade de lidar com todas
ou seja, prestes a se tornarem políticas (poli-   as questões ao mesmo tempo, a atenção dos
cies).2 Essa diferenciação faz-se necessária,     formuladores de políticas depende da forma
segundo o autor, porque ambas as agendas          como eles as percebem e as interpretam e,
são afetadas por processos diferentes. Existem    mais importante, da forma como elas são
ainda agendas especializadas – como aquelas       definidas como problemas.
específicas da área de saúde, transportes e             As questões transformam-se em proble-
educação –, que refletem a natureza setorial      mas ao chamar a atenção dos participantes
da formulação de políticas públicas.              de um processo decisório, despertando a
      Para compreender como algumas ques-         necessidade de ação por meio de três meca-
tões passam a ser efetivamente consideradas       nismos básicos: indicadores; eventos, crises e
pelos formuladores de políticas, Kingdon          símbolos; e feedback das ações governamen-
(2003) caracteriza o governo federal norte-       tais. Quando indicadores – custos de um
americano como uma “anarquia organizada”3,        programa, taxas de mortalidade infantil,
na qual três fluxos decisórios (streams) se-      variações na folha de pagamento de servido-
guem seu curso de forma relativamente inde-       res, evolução do déficit público, por exemplo
pendente, permeando toda a organização.           – são reunidos e apontam para a existência


26
de uma questão, esta pode ser percebida              problemas, para posteriormente alcançar a agen-
como problemática pelos formuladores de              da governamental.
políticas. Indicadores, no entanto, não deter-            Do ponto de vista da estratégia política, a
minam per si a existência concreta de um             definição do problema é fundamental. A
problema, antes são interpretações que auxi-         forma como um problema é definido, articu-
liam a demonstrar a existência de uma ques-          lado, concentrando a atenção dos formulado-
tão. Assim, contribuem para a transformação          res de política pode determinar o sucesso de
de questões em problemas, principalmente             uma questão no processo altamente competi-
quando revelam dados quantitativos, capazes          tivo de agenda-setting.
de demonstrar a existência de uma situação                No segundo fluxo – policy stream – temos
que precisa de atenção. O segundo grupo de           um conjunto de alternativas e soluções (policy
mecanismos compreende eventos (focusing              alternatives) disponíveis para os problemas, ou
events), crises e símbolos. Muitas vezes, um         “what to do ideas”5. Kingdon (2003) conside-
problema não chama a atenção apenas por              ra que as idéias geradas nesse fluxo não estão
meio de indicadores, mas por causa de even-          necessariamente relacionadas à percepção de
tos de grande magnitude, como crises, desas-         problemas específicos. Como afirma o autor:
tres ou símbolos que concentram a atenção            “As pessoas não necessariamente resolvem
num determinado assunto. Esses eventos, no           problemas. […] Em vez disso, elas geralmen-
entanto, raramente são capazes de elevar um          te criam soluções e, então, procuram proble-
assunto à agenda, e geralmente atuam no              mas para os quais possam apresentar suas
sentido de reforçar a percepção preexistente         soluções” (Idem, p. 32).6 Assim, as questões
de um problema. Finalmente, o terceiro               presentes na agenda governamental (que atrai
grupo consiste no feedback sobre programas           a atenção das pessoas dentro e fora do gover-
em desenvolvimento no governo. O monito-             no) não são geradas aos pares, com problemas
ramento dos gastos, o acompanhamento das             e soluções.
atividades de implementação, o cumprimen-                 A geração de alternativas e soluções é
to (ou não) de metas, possíveis reclamações          explicada pelo modelo de multiple streams em
de servidores ou dos cidadãos e o surgimen-          analogia ao processo biológico de seleção
to de conseqüências não-antecipadas são              natural. Da mesma forma como moléculas
mecanismos que podem trazer os problemas             flutuam no que os biólogos chamam de
para o centro das atenções dos formuladores          “caldo primitivo”, o autor entende que as
de políticas.                                        idéias a respeito de soluções são geradas em
     Mesmo que indicadores, eventos, símbolos        comunidades (policy communities) e flutuam
ou feedbacks sinalizem questões específicas, esses   em um “caldo primitivo de políticas” (policy
elementos não transformam as questões auto-          primeval soup). Neste “caldo”, algumas idéias
maticamente em problemas. Essencial para o           sobrevivem intactas, outras confrontam-se e
entendimento do modelo é compreender que             combinam-se em novas propostas, outras
problemas são construções sociais, envolvendo        ainda são descartadas. Nesse processo compe-
interpretação: “Problemas não são meramente as       titivo de seleção, as idéias que se mostram viá-
questões ou os eventos externos: há também um        veis do ponto de vista técnico e as que têm
elemento interpretativo que envolve percepção”       custos toleráveis geralmente sobrevivem,
(Kingdon, 2003, pp. 109-110, trad. nossa).4          assim como aquelas que representam valores
Portanto, as questões podem se destacar entre os     compartilhados contam com a aceitação do
formuladores de políticas, transformando-se em       público em geral e com a receptividade dos


                                                                                                  27
formuladores de políticas. Como resultado           (policy stream) produz uma lista restrita de pro-
final, partindo de um grande número de              postas, reunindo algumas idéias que sobrevive-
idéias possíveis, um pequeno conjunto de            ram ao processo de seleção. Tais idéias não
propostas é levado ao topo do “caldo primiti-       representam, necessariamente, uma visão con-
vo de políticas”, alternativas que emergem          sensual de uma comunidade política a respeito
para a efetiva consideração dos participantes       de uma proposta, mas sim o reconhecimento,
do processo decisório.                              pela comunidade, de que algumas propostas
      As comunidades geradoras de alternativas      são relevantes dentro do enorme conjunto de
(policy communities) são compostas por espe-        propostas potencialmente possíveis.
cialistas – pesquisadores, assessores parlamen-          Kingdon assegura às idéias um papel
tares, acadêmicos, funcionários públicos, ana-      importante em seu modelo, argumentando
listas pertencentes a grupos de interesses, entre   que elas são freqüentemente mais importan-
outros – que compartilham uma preocupação           tes na escolha de uma alternativa do que a
em relação a uma área (policy area). No pro-        influência de grupos de pressão, por exemplo,
cesso de seleção descrito acima, quando uma         e chama a atenção dos cientistas políticos
proposta é percebida como viável, ela é rapi-       para essa dimensão do processo decisório:
damente difundida, ampliando a consciência
dos atores sobre uma determinada idéia. Isso            Cientistas políticos estão acostumados a
não significa que todos os especialistas de uma         conceitos como poder, influência, pressão e
comunidade compartilhem das mesmas cren-                estratégia. No entanto, se tentarmos com-
ças: algumas comunidades são extremamente               preender as políticas públicas somente em
fragmentadas, abrigando pontos de vista bas-            termos desses conceitos, deixamos de enten-
tante diversificados. A difusão das idéias tam-         der muita coisa. As idéias, longe de serem
pouco se dá de forma automática, uma vez                meras desculpas ou racionalizações, são par-
que comunidades bem estruturadas apresen-               te integrais do processo decisório dentro e
tam tendência a resistirem às novas idéias. A           em torno do governo (idem, p. 125).7
difusão é descrita pelo autor como um pro-
cesso no qual indivíduos que defendem uma                Abordagens que, como o modelo de
idéia procuram levá-la a diferentes fóruns, na      multiple streams, destacam a centralidade das
tentativa de sensibilizar não apenas as comu-       idéias, das interpretações e da argumentação
nidades de políticas (policy communities), mas      no processo de formulação das políticas
também o público em geral, vinculando a             constituem um desafio à análise tradicional
audiência às propostas e construindo progres-       sobre a formulação de políticas públicas, au-
sivamente sua aceitação. Dessa forma, as            xiliando na compreensão da dimensão sim-
idéias são difundidas, basicamente, por meio        bólica desse processo.8
da persuasão. A importância desse processo               Finalmente, o terceiro fluxo é composto
de difusão – chamada de soften up pelo autor        pela dimensão da política “propriamente
– vem da constatação de que, sem essa sensi-        dita” (politics stream). Independentemente do
bilização, as propostas não serão seriamente        reconhecimento de um problema ou das al-
consideradas quando apresentadas.                   ternativas disponíveis, o fluxo político segue
      Com o processo de difusão ocorre uma          sua própria dinâmica e regras. Diferentemen-
espécie de efeito multiplicador (bandwagon),        te do fluxo de alternativas (policy stream), em
em que as idéias se espalham e ganham cada          que o consenso é construído com base na per-
vez mais adeptos. Assim, o fluxo de políticas       suasão e difusão das idéias, no fluxo político


28
(politics stream) as coalizões são construídas a    tal (turnover); mudanças de gestão; mudan-
partir de um processo de barganha e negocia-        ças na composição do Congresso; mudanças
ção política.                                       na chefia de órgãos e de empresas públicas.
     Nesse fluxo, três elementos exercem in-        Esses acontecimentos podem exercer grande
fluência sobre a agenda governamental. O pri-       influência sobre a agenda governamental ao
meiro é chamado por Kingdon de “clima” ou           desencadearem mudanças que potencializam
“humor” nacional (national moodino) e é ca-         a introdução de novos itens na agenda, ao
racterizado por uma situação na qual diversas       mesmo tempo em que podem também blo-
pessoas compartilham as mesmas questões             quear a entrada ou restringir a permanência
durante um determinado período de tempo.            de outras questões. O início de um novo go-
O “humor nacional” possibilita algo seme-           verno é, segundo Kingdon, o momento mais
lhante ao “solo fértil” para algumas idéias “ger-   propício para mudanças na agenda.
minarem”, ajudando a explicar por que algu-              Outro tipo de mudança dentro do go-
mas questões chegam à agenda enquanto               verno, com efeitos importantes sobre a agen-
outras são descartadas. A percepção, pelos par-     da, é a mudança de competência sobre uma
ticipantes do processo decisório, de um hu-         determinada questão. Cada setor dentro do
mor favorável cria incentivos para a promoção       governo, sejam agências administrativas,
de algumas questões e, em contrapartida, po-        sejam comitês parlamentares, reivindica au-
de também desestimular outras idéias.               toridade para atuar no seu campo de ativida-
     O segundo elemento do fluxo político é         de. Muitas vezes uma questão envolve áreas
composto pelas forças políticas organizadas,        distintas, gerando disputas sobre sua compe-
exercidas principalmente pelos grupos de            tência. Essas disputas podem levar a uma
pressão. O apoio ou a oposição dessas forças a      situação de imobilidade governamental, mas
uma determinada questão sinaliza consenso           também à inclusão de questões na agenda.
ou conflito numa arena política, permitindo         Parlamentares, por exemplo, podem disputar
aos formuladores de políticas avaliarem se o        os créditos por um projeto com impacto
ambiente é propício ou não a uma proposta.          popular e, nessa disputa, o assunto pode se
Quando grupos de interesses e outras forças         tornar proeminente e ganhar espaço na agen-
organizadas estão em consenso em relação a          da. Por outro lado, algumas questões podem
uma proposta, o ambiente é altamente propí-         ser sistematicamente ignoradas devido à sua
cio para uma mudança nessa direção. Mas             localização na estrutura administrativa. Pes-
quando existe conflito em um grupo, os de-          quisando a área de saúde dentro do governo
fensores de uma proposta analisam o equilí-         norte-americano, Kingdon percebeu que
brio das forças em jogo, procurando detectar        muitas questões faziam parte de agendas
setores favoráveis ou contrários à emergência       especializadas sem, no entanto, integrarem a
de uma questão na agenda. A percepção de            agenda de decisão mais ampla do setor. Isto
que uma proposta não conta com apoio de             acontecia porque o conjunto de especialistas
alguns setores não implica necessariamente no       preocupados com essas questões estava redu-
abandono de sua defesa, mas indica que have-        zido a uma área específica dentro da estrutu-
rá custos durante o processo.                       ra do Poder Executivo, restringindo a difusão
     Finalmente, o terceiro fator a afetar a        desses assuntos para outras comunidades.
agenda são as mudanças dentro do próprio                 Grupos de pressão, a opinião pública, as
governo: mudança de pessoas em posições             pressões do Legislativo e das agências admi-
estratégicas dentro da estrutura governamen-        nistrativas, os movimentos sociais, o processo


                                                                                               29
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Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais

  • 1. ISSN 1516-8085 bib Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais
  • 2. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (ISSN 1516-8085) é uma publicação semestral da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) destinada a estimular o intercâmbio e a cooperação entre as ins- tituições de ensino e pesquisa em Ciências Sociais no país. A BIB é editada sob orientação de um editor, uma comissão editorial e um conselho editorial composto de profissionais vinculados a várias instituições brasileiras. Diretoria (Gestão 2005-2006) Presidente: Gabriel Cohn (USP); Secretário Executivo: Marcelo Ridenti (Unicamp); Secretário Adjunto: Gildo Marçal Bezerra Brandão (USP); Diretores: Raymundo Heraldo Maués (UFPA); José Eisenberg (Iuperj); Maria Eunice de Souza Maciel (UFRGS). Conselho Fiscal: Brasilmar Ferreira Nunes (UnB); Iracema Brandão Guimarães (UFBA); Carmen Silvia Rial (UFSC). Coordenação: Marcelo Siqueira Ridenti (Unicamp). Editor: João Trajano Sento-Sé (Uerj). Comissão Editorial: César Guimarães (Iuperj); Emerson Alessandro Giumbelli (UFRJ); José Sérgio Leite Lopes (MN/UFRJ); Maria Celi Scalon (Iuperj). Conselho Editorial: Gustavo Lins Ribeiro (UnB); Jane Felipe Beltrão (UFPA); João Emanuel Evangelista de Oliveira (UFRN); Jorge Zaverucha (UFPE); Lívio Sansone (UFBA); Lúcia Bógus (PUC/SP); Helena Bomeny (CPDOC-FGV/RJ); Magda Almeida Neves (PUC/MG); Paulo Roberto Neves Costa (UFPR); Roberto Grün (UFSCar). Edição Assistente Editorial: Mírian da Silveira Pavanelli Preparação/revisão de textos/copidesque: Ana Lúcia Novais Versão/tradução de resumos: Jorge Thierry Calasans e Juris Megnis Jr. Editoração eletrônica: Hilel Hugo Mazzoni Produção gráfica: Edusc ____________________________________________________________________________________ Apropriate articles are abstracted/indexed in: Hispanic American Periodicals Index; DataÍndice ____________________________________________________________________________________ BIB: revista brasileira de informação bibliográfica em ciências sociais / Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. -- n. 41 (1996)- .-- São Paulo : ANPOCS, 1996- Semestral Resumos em português, inglês e francês Título até o n. 40, 1995: BIB: Boletim informativo e bibliográfico de ciências sociais. ISSN 1516-8085 1. Ciências Humanas 2. Ciências Sociais 3. Sociologia 4. Ciência Política 5. Antropologia I. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais CDD 300 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 – 1o andar Universidade de São Paulo – USP 05508-900 – São Paulo – SP Telefax.: (11) 3091-4664 / 3091-5043 e-mail: anpocs@anpocs.org.br Editora da Universidade do Sagrado Coração Rua Irmã Arminda, 10-50 17011-160 – Jardim Brasil – Bauru-SP Programa de apoio a Publicações Científicas Tel.: (14) 2107 7111 – Fax: (14) 2107 7219 e-mail: edusc@edusc.com.br MCT
  • 3. ISSN 1516-8085 bib Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais Sumário Neo-esoterismo no Brasil: Dinâmica de um Campo de Estudos 5 Elisete Schwade Perspectivas Teóricas sobre o Processo de Formulação 25 de Políticas Públicas Ana Cláudia N. Capella “A cigarra e a formiga”: Qualificação e Competência – 53 Um Balanço Crítico Ana M. F. Teixeira Modelos Espaciais na Teoria de Coalizões Internacionais: 71 Perspectivas e Críticas Amâncio Jorge Oliveira, Janina Onuki e Manoel Galdino Pereira Neto A Sociologia de Norbert Elias 91 Tatiana Savoia Landini Programas de Pós-Graduação e Centros de Pesquisa 109 Filiados à Anpocs Fontes de Pesquisa 113 Trabalhos Publicados: 1975-2006 119 BIB, São Paulo, nº 61, 1º semestre de 2006, pp. 3-138
  • 4. Colaboraram nesta edição Elisete Schwade, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP), é professora do Departamento de Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Suas linhas de pesquisa são: práticas culturais urbanas, religiosidade e gênero. E-mail: schwade@digizap.com.br. Ana Cláudia N. Capella, doutora em ciências sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é professora do Departamento de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Araraquara) , onde desenvolve pesquisas na área de ciência política e administração pública. E-mail: acapella@terra.com.br. Ana M. F. Teixeira, doutora em ciências da educação pela Universidade Paris 8, é professora adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana. Linhas de pesquisa: trabalho e educação; juventude e sociedade. E-mail: a.f.Teixeira@terra.com.br. Amâncio Jorge de Oliveira, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), é professor do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni-DCP/USP), na mesma instituição. E-mail: amancioj@usp.br. Janina Onuki, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), é profes- sora de Relação Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pesquisadora do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni-DCP/USP). E-mail: janonuki@caeni.com.br. Manoel Galdino Pereira Neto é mestrando do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni-DCP/USP). E-mail: manoel.galdino@caeni.com.br. Tatiana Savoia Landini, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo. Defendeu tese intitulada Horror, honra e direitos: a violência sexual contra crianças e adolescentes no século XX, cujo objetivo principal era analisar a violência sexual sob a ótica da sociologia de Norbert Elias. E-mail: tatalan@uol.com.br.
  • 5. Neo-esoterismo no Brasil: Dinâmica de um Campo de Estudos* Elisete Schwade Tendo como marcas emblemáticas duen- tuando-se nos anos de 1990. É certo que algu- des, bruxas, incensos, a chamada Nova Era mas de suas características remetem a décadas constitui-se em um fenômeno; uma onda de anteriores, em especial a um conjunto de con- práticas que vem caracterizando mudanças de teúdos veiculados no contexto da “contra-cul- comportamento, especialmente em segmen- tura”, o que é assinalado por vários autores.2 tos médios urbanos, o que chama a atenção No entanto, as diferentes leituras enfatizam a de cientistas sociais desde as últimas décadas dinâmica do fenômeno e sua complexidade, do século XX. visto que ele está relacionado ao universo da Pretendo, neste artigo, situar perspecti- religiosidade, do consumo, do lazer, das novas vas diversas de análise a respeito desse fenô- apropriações/construções acerca do corpo, meno (que se convencionou chamar esoteris- entre outros. mo, nova era, fenômeno neo-esotérico, entre outras denominações), no Brasil, em particu- lar. O balanço dos estudos realizados permi- No Campo Religioso e te produzir um mapeamento das discussões em Outros Campos levadas a efeito sobre o tema, considerando os aspectos que emergem como demarcado- As mudanças de comportamento, forte- res de sua especificidade e que caracterizam mente associadas às novas buscas de cami- suas práticas, experiências e discursos. São nhos espirituais, foram identificadas em um traçados de uma literatura que se encontra primeiro momento no que diz respeito à re- ainda em construção, desde que debruçada lação com o sagrado. sobre um fenômeno que tem na dinamicida- Os autores familiarizados com estudos de e multiplicidade de direções uma de suas das religiões no Brasil tendem a delinear cer- principais marcas. tos aspectos acerca do universo neo-esotérico Situar o fenômeno neo-esotérico1 implica no cenário brasileiro em confronto com considerar as múltiplas possibilidades em outras vertentes religiosas mais consolidadas, que as ações e as representações correlatas como o catolicismo, os cultos afro-brasilei- emergem como manifestações presentes em ros, o protestantismo e o espiritismo karde- comportamentos que, no Brasil, se tornaram cista.3 Suas análises permitem perceber que o visíveis no decorrer da década de 1980, acen- neo-esoterismo envolve a introdução de for- * O presente texto retoma e amplia a revisão bibliográfica efetuada para a minha tese de doutorado (Schwade, 2001). BIB, São Paulo, nº 61, 1º semestre de 2006, pp. 5-24 5
  • 6. mas inovadoras de exercício religioso, bem vamente.5 No caso dos papers, cabe destacar como a incorporação de representações pree- um interesse significativo na então virada do xistentes que influenciam o modo como milênio que, embora agora compreenda ou- essas novidades se apresentam. Tendo, por- tra dinâmica, ainda se mantém.6 tanto, como objeto de análise o campo reli- Entre os trabalhos publicados destacam- gioso, trata-se de trabalhos fundamentais se estudos como o de Vilhena (1990), sobre a para se perceber tons e cores que o fenôme- adesão à astrologia em camadas médias do no neo-esotérico assume no Brasil, na intera- Rio de Janeiro; Russo (1993), sobre terapias ção e comunicação com vertentes religiosas corporais e a trajetória dos chamados “tera- preexistentes.4 peutas corporais”; os trabalhos de Amaral Vários são os autores que se destacam (1994, 1998 e 1999), sobre o “trânsito reli- por essa abordagem, entre eles Carlos Rodri- gioso” no contexto do movimento “Nova gues Brandão (1994), Luiz Eduardo Soares Era”; o trabalho de Martins (1999), sobre as (1994), José Jorge de Carvalho (1991, 1994 e representações do corpo no contexto das tera- 2000) e Pierre Sanchis, (1995 e 1998). In- pias alternativas em Recife; Tavares (1999 e citados a refletir sobre as características con- 1999a), acerca da difusão do tarô e do “holis- temporâneas do campo religioso no Brasil, mo terapêutico”, no Rio de Janeiro; Magnani todos eles destacam uma certa “efervescên- (1995, 1996, 1999 e 1999a, 2000), que dis- cia”, na qual o neo-esoterismo teria partici- cutem as práticas neo-esotéricas como pro- pação ativa. Outro aspecto mencionado é dutoras de estilos de vida particulares na o caráter difuso desse tipo de religiosidade, o metrópole; D’Andrea (1996), que estuda a que se coaduna com a caracterização de sua projeciologia no Rio de Janeiro; Fortis (1997), clientela como pouco afeita a fidelidades ins- que focaliza a experiência iniciática na titucionais. Eubiose; Siqueira e Bandeira, (1997, 1998, Apesar de esses estudos terem se tornado 1998a), que versam sobre “Grupos Místico- análises referenciais, é um segundo conjunto Esotéricos” em Brasília; Maluf (1996), que de leituras sobre o fenômeno que permite trata da emergência de uma cultura terapêu- perceber sua abrangência e ampliação na tica “neo-espiritual ou neo-religiosa”; Stoll atualidade e que me interessa mais especifi- (1999), que trata das relações entre expressões camente. Refiro-me a trabalhos que se de- contemporâneas do Espiritismo no Brasil e a bruçam sobre recortes empíricos e temáticos presença de interlocuções com correntes e mais delimitados com relação a esse univer- conteúdos da “Nova Era” ou “neo-esotéricos”; so, representativos do interesse que tem sus- Reis (2000), que enfoca “novas formas de reli- citado o fenômeno do neo-esoterismo ou giosidade” e educação em Brasília. movimento “Nova Era”, como alguns o de- Em relação aos papers, diferentes pers- nominam. Tais trabalhos configuram uma pectivas de enfoque enriquecem a discussão. outra vertente de análise, presente em livros, Eis alguns exemplos: o estudo das pré-escolas artigos publicados em periódicos, teses e dis- vinculadas a grupos que se relacionam com o sertações de mestrado e também papers apre- neo-esoterismo em Brasília (Reis, 1998); a sentados em congressos, dos quais se desta- investigação da presença de práticas como o caram, no final do século XX, os eventos tarô em um terreiro de umbanda, em São “Jornadas sobre Alternativas Religiosas na Paulo (Souza e Souza, 1998); análise dos con- América Latina”, realizados em 1998 e 1999, teúdos veiculados pela revista Planeta acerca em São Paulo e no Rio de Janeiro, respecti- do corpo (Albuquerque, 1998 e 1999); análi- 6
  • 7. se do conceito de natureza tal como apro- giosidade e suas manifestações plurais, entre- priado por grupos ecológicos e místico-eso- laçadas com práticas e conteúdos dissemina- téricos da região de Alto Paraíso em Goiás dos pelo neo-esoterismo, estão contempladas (Lima, 1998), entre outros.7 Deve-se consi- de diferentes formas nos estudos citados. derar ainda trabalhos dedicados à análise de Amaral (1994, 1998, 1999), direcionando seu religiões orientais, tema presente em diferen- enfoque sobre o trânsito religioso, seus con- tes congressos e eventos. Práticas específicas, teúdos e práticas, argumentam um “sincretis- como as que caracterizam as praticantes de mo em movimento” sustentando que, wicca, chamadas bruxas modernas, também têm merecido a atenção de pesquisadores […] mais do que um substantivo que possa (Osório, 2004). definir identidades religiosas bem demarca- Em síntese, enquanto as primeiras inter- das, Nova Era é um adjetivo para práticas pretações mencionadas detiveram-se sobre a espirituais e religiosas diferenciadas e em com- dinâmica do campo religioso, aí identificando binações variadas, independente das defini- a emergência de uma “religiosidade difusa”, a ções e inserções religiosas de seus praticantes valorização da espiritualidade associada a prá- (1999, p. 48). ticas de “cultivo da interioridade” e a constru- ção de uma “nova visão ecológica”, o segundo Já o estudo efetuado por Stoll (1999), em conjunto de trabalhos concentra-se na investi- reflexão sobre duas lideranças religiosas espíri- gação de idéias e práticas de determinados seg- tas que, por meio de sua história pessoal e car- mentos do universo neo-esotérico. Dada a di- reira religiosa, personificam modos diversos versidade de questões propostas e perspectivas de “ser espírita” no Brasil (os médiuns Chico adotadas, poder-se-ia perguntar o que possibi- Xavier e Luiz Gaspareto), refere-se à aproxi- lita agrupá-los e considerá-los como cons- mação do médium espírita Luiz Gasparetto titutivos de um campo de estudos, ainda que com algumas das expressões do universo em construção. O conjunto desses trabalhos neo-esotérico, o que significou a produção de não permite, porém, a constituição de um uma nova “síntese”, “um arranjo particular quadro empírico ou interpretativo único. No de idéias e práticas que tem origens em fontes entanto, observa-se que, apesar de comporta- diversas – religiosas e não-religiosas – reinter- rem nuanças e recortes singulares, existem cer- pretadas, porém, a partir da tradição religiosa tas regularidades nesses estudos, seja no modo de origem” (p. 236). de recortar o campo empírico quanto à de Ainda em relação ao sincretismo, traba- construção dos objetos, seja no plano da inter- lhos apresentados na forma de papers men- pretação, se considerarmos a preocupação cionam, por exemplo, a incorporação de ele- com o delineamento das representações cole- mentos e práticas esotéricas (realizações de tivas presentes no universo que compõem es- palestras, cursos e meditações envolvendo es- sas práticas. tudos de técnicas terapêuticas como Reiki, Os estudos contemplam algumas ques- cromoterapia etc.) em terreiros de Umbanda tões em torno das quais se desenvolvem di- em São Paulo (Souza e Souza, 1998), trazendo ferentes argumentos. elementos importantes para pensar desdobra- Uma primeira questão localiza-se em mentos singulares do entrelaçamento de práti- recortes circunscritos do exercício da religiosi- cas e conteúdos do neo-esoterismo com uni- dade, assinalando de modo especial novas for- versos religiosos já estabelecidos no Brasil. Um mas de expressões do sincretismo religioso. A reli- outro estudo é o de Castro Martins (1999) 7
  • 8. sobre a dinâmica do doutrina do “Vale do Ama- e das concepções de saúde/doença. Destaca- nhecer”, assinalando uma espécie de sincretis- se, sob esta ótica, o trabalho de Tornquist mo entre elementos do cristianismo, do espiri- (2002), sobre a humanização do parto, e de tualismo e da umbanda, organizados em uma Rachel Menezes (2004, 2005), sobre a huma- referência efetuada na construção do espaço nização da morte. Essas pesquisas indicam, sagrado sede da comunidade, a elementos egíp- ainda, usos recentes do ideário associado ao cios, africanos, incas, maias etc. O sincretismo neo-esoterismo, num cruzamento cada vez é ainda alvo de reflexão sobre a construção de mais complexo de múltiplas referências, ao trajetórias espirituais no contexto da sociedade qual retornarei adiante. carioca (Carneiro, 1998), com o propósito de Uma terceira questão é a referência a es- pensar a busca da religiosidade, como projeto sas práticas como produtoras de estilos de vida. na modernidade, e também expressão da É sobre indicadores da configuração de es- “reflexividade” e da “destradicionalização” em tilos de vida que se evidenciam especificida- contexto urbano. des de práticas e conteúdos, o que pode ser Um segundo eixo de questões contempla percebido nos estudos de artes divinatórias, a construção de discursos alternativos sobre o como a astrologia (Vilhena, 1991), o tarô corpo e a saúde. Do corpo como veículo de (Tavares, 1999), e na abordagem das “tera- liberação e prazer (Martins, 1999) à ênfase no pias alternativas” (Maluf, 1996). Nas organi- corpo nas técnicas psicoterapêuticas (Russo, zações das práticas neo-esotéricas e sua 1993) e novas concepções nas relações doen- implementação espacial, Magnani (1999) ça/cura no contexto da “neo-espiritualidade” defende o delineamento de comportamentos e “neo-religiosidade” (Maluf, 1996). A ênfase no interior da metrópole. A referência ao no corpo vai ser mencionada ainda em traba- estilo de vida verifica-se também no campo lhos voltados para a discussão da espirituali- da “experimentação religiosa”, envolvendo a dade terapêutica (Tavares, 1999a) e na idéia emergência de grupos “mísitico-esotéricos”, de uma “cultura corporal alternativa”, que em Brasília/DF (Siqueira e Bandeira, 1998). ganha sentido diante da noção de “corpo civi- É ainda o estilo de vida dos pais que, de acor- lizado”, conforme argumenta Albuquerque do com Reis (1998), demarca a opção por (1998 e 1999). São diferentes abordagens que “escolas alternativas” para os filhos, questão remetem, de um lado, à emergência de con- identificada em estudo envolvendo escolas cepções sobre o corpo e sua utilização como vinculadas a grupos místico-esotéricos, em mecanismo de autopercepção, autoconheci- Brasília/DF. A referência ao estilo de vida mento individual; de outro, a processos his- está presente também no privilégio do seg- tóricos por meio dos quais são elaboradas mento de adeptos ao neo-esoterismo por diferentes ênfases no corpo, cuja reflexão opções selecionadas de lazer (viagens, partici- aponta alternativas para o estabelecimento da pação em eventos, literatura, filmes, entre condição de um corpo saudável, prazeiroso. outros), citados com freqüência em diversos A referência ao corpo e à saúde vem sen- estudos como demarcadores de comporta- do mencionada em outra perspectiva, mais re- mentos delineados por meio do contato e da cente, que aponta para desdobramentos signi- interação com o neo-esoterismo, dando visi- ficativos do fenômeno neo-esotérico: a ênfase bilidade a um fenômeno cujas expressões no que se convencionou chamar de humani- têm especial ressonância em segmentos zação, em se tratando dos cuidados do corpo médios urbanos. 8
  • 9. No Meio Urbano: Contextualizando algumas interpretações acadêmicas, como Pontos de Partida concepções de bem-estar emergentes, como alternativa à conturbada vida moderna. Nas grandes cidades brasileiras, observa- Ao lado desses signos, que têm uma rela- se a presença de signos relacionados ao neo- ção mais direta com o consumo, menciona-se esoterismo por meio da implementação pro- também a insatisfação generalizada em rela- gressiva de uma rede de produtos e serviços ção aos sistemas de sentido estabelecidos,8 fundamentada na perspectiva de uma reorien- atingindo mais significativamente os segmen- tação de diversos aspectos da vida cotidiana, tos médios urbanos. Na dimensão religiosa, com a finalidade de orientar e promover o no que concerne à religião como instituição “bem-estar”. A valorização de alimentações doutrinária reguladora e normativa;9 na orga- específicas, denominadas naturalista, vegeta- nização familiar, questionando os padrões de riana, macrobiótica, cujo consumo se relacio- organização familiar vigentes;10 nas relações na com a concepção de que proporciona “vida afetivas, revelando uma preocupação com a mais saudável”, apresenta-se nos inúmeros intimidade e propondo a aproximação, a coo- restaurantes especializados e também em lojas peração e o companheirismo como substitu- que comercializam produtos associados a no- tos da competição e do distanciamento;11 nos vos hábitos alimentares. A utilização de te- sistemas de intervenção terapêutica, dirigida rapias consideradas “alternativas” – terapias aos tratamentos convencionais, questionando corporais, diversos tipos de massagens, ho- seu caráter fragmentado e racionalizante, em meopatia, acupuntura etc. – associa-se à ins- defesa das “terapias alternativas”. talação de clínicas que concentram profissio- Assim, identifica-se no meio urbano a nais especializados nessas áreas e também a presença de inúmeros produtos, serviços e abertura de farmácias homeopáticas. As artes cursos, cujos conteúdos e práticas remetem ao divinatórias despertam interesse progressivo, universo neo-esotérico. Incorporados ao estilo tanto na forma de uso como na importância de vida de certos segmentos sociais, esses pro- atribuída ao aprendizado (curso de tarô, astro- dutos, serviços e representações expressam-se logia etc.). Lojas de produtos esotéricos dis- por meio da busca de novos padrões no con- ponibilizam velas, incensos, que vão ser utili- vívio familiar, nas relações afetivas, no cuida- zadas nas residências com fins diversos do com a alimentação, com o nascimento e (decorativos, com o intuito de purificar am- com a morte, na expectativa de cobrir todas as bientes, na realização de meditações, nos ri- dimensões da existência, tendo como eixo tuais etc.). Aulas de yoga, entendidas como uma perspectiva transformadora voltada para um exercício alternativo que permite simulta- o “cuidado de si”. Nesse universo, transitam neamente cuidar do corpo e do espírito, in- não só adeptos, como também aqueles que corporadas nas práticas das academias de gi- esporadicamente se utilizam das artes divina- nástica asseguram seu espaço ao lado das tórias, das terapias alternativas e/ou adquirem últimas novidades em aparelhos e tecnologias produtos, como incenso, amuletos, imagens para manter a forma física. de duendes, de anjos, cds etc. A forma como tais signos se apresen- Esse modo urbano de prática do neo- tam, vinculados a diferentes estabelecimen- esoterismo contrasta com a organização de tos e diluídos em um amplo mercado de “comunidades rurais alternativas”, as quais consumo, faz com que em muitas ocasiões também veiculam práticas e idéias do uni- sejam referenciados, na mídia e também em verso neo-esotérico.12 Nessas comunidades, 9
  • 10. o questionamento da sociedade capitalista na mídia. Trata-se de uma apropriação parti- manifesta-se de forma mais radicalizada. cular, que leva em conta o aprendizado do sis- Grupos com inspirações diversas organizam tema astrológico e seu simbolismo,14 de forma seu cotidiano numa convivência comuni- que a crença e a linguagem astrológicas pas- tária, em contato com a “natureza”, tendo sam a fazer parte da interpretação do cotidia- como preocupação o “desenvolvimento in- no de seus adeptos. Segundo o autor, a as- tegral” do ser humano, o que envolve os pla- trologia configura para seus adeptos “um nos físico, mental e espiritual. mundo”como sistema de interpretação, asso- Apesar da diversidade e dos múltiplos ciado a outros sistemas simbólicos, como a direcionamentos, as práticas do neo-esote- psicanálise, a religião e diversas expressões do rismo apresentam alguns denominadores esoterismo. Desse diálogo, emerge, porém, comuns. Primeiramente, o fato de algumas sua singularidade, o que lhe atribui um lugar delas – como astrologia, tarô e terapias cor- específico no conjunto mais amplo de práticas porais – não constituírem práticas isoladas, e representações que vêm alimentando visões uma vez que estabelecem diálogo com dife- de mundo e estilos de vida de certos segmen- rentes fontes culturais. Outro aspecto é que tos das camadas médias urbanas. tais práticas terapêuticas, associadas a tradi- O uso do tarô, por sua vez, foi analisado ções culturais diversas (chinesa, japonesa, por Tavares (1999). Neste caso, a especifici- budista, hinduísta etc.), são freqüentemente dade de sua apropriação pelas camadas tonalizadas pela vivência religiosa. Impor- médias urbanas constrói-se em tensão com tante também é a relação das práticas neo- outros usos da cartomancia, cuja prática esotéricas com a dinâmica urbana, o que se popular se volta a finalidades de ordem prá- evidencia na estrutura arquitetônica dos tica, ao passo que os “tarólogos” pretendem “espaços” e no modo de constituição de suas fazer uso das cartas como instrumento que redes e circuitos. induz ao “autoconhecimento”. O jogo, a rela- Tomadas em conjunto, essas práticas não ção com o consulente e a interpretação das caracterizam um “movimento” (“Nova Era”, cartas têm, portanto, sentido e motivação “New Age”, “Esotérico”), mas um fenômeno – diversos daqueles que presidem a atividade da neo-esotérico – que se define pelo modo de sua cartomante nos meios populares. constituição, dinâmica particular e vínculos As restrições dos tarólogos às leituras efe- que estabelece com outras expressões culturais tuadas pelas cartomantes, segundo Tavares, de segmentos médios urbanos. De suas carac- dizem respeito à sua qualificação, isto é, con- terísticas, tais como aparecem em diversos estu- sideram a leitura desorganizada, composta de dos efetuados, trato nos tópicos seguintes. frases feitas, voltada para “adivinhar” o passa- do e prever o futuro do consulente (Idem, pp. 115-116). Em contrapartida, propõem o A ênfase diferenciadora das práticas uso do jogo de tarô como fator de aprendiza- do, iniciação e instrumento de autoconheci- No estudo do chamado “mundo da astro- mento, estabelecendo-se um outro padrão de logia”, Vilhena (1990) reflete sobre as apro- relacionamento entre consultor e consulente. priações do sistema astrológico por um seg- Atribui-se, portanto, à forma, ao uso e ao mento das camadas médias urbanas do Rio de modo de manipulação de certos tipos de co- Janeiro.13 Salienta, assim, que não está falando nhecimento um papel preponderante para se dos usos da astrologia amplamente difundidos diferenciar práticas divinatórias populares da 10
  • 11. prática do tarô e/ou do uso da astrologia. sidade de transformação do indivíduo em vá- Distinguindo-se da prática divinitória difun- rias dimensões de sua vida. Quando se fala dida nos jornais15 e pelas cartomantes tradi- em terapias alternativas, tem-se em mente cionais, entendidas como vinculadas à deter- uma representação que redimensiona a no- minação e à previsão, praticantes do jogo do ção de cura. No plano individual, a expecta- tarô e adeptos da astrologia enfatizam esses tiva de transformação implica intervenção sistemas simbólicos como busca de significa- numa situação de crise, de mal-estar,16 com dos para eventos de sua vida cotidiana, porém vistas à recuperação do equilíbrio – físico- considerando a sua participação efetiva nesta orgânico, psíquico/mental e espiritual. Além atribuição de sentido. Esse mesmo tipo de dis- disso, toda crise é pensada como “oportuni- tinção pode ser observado no contraponto dade”, como possibilidade de se desenvolver entre o “terapeuta alternativo” e a “benzedei- potencialidades, o que sugere ao sujeito ra/curandeira” popular (Tavares, 1999a). “tomar posse de si” por meio do endosso do O que se destaca é uma nova atribuição de prefixo “auto”: autocura, autoconhecimento, sentido a práticas “tradicionais” por meio do auto-ajuda. diálogo com outras formas de conhecimento, Esse conceito contempla também o senti- crenças e sistemas simbólicos, resultando nu- do de transformação do ambiente: uma pers- ma elaboração que as diferencia de uma cono- pectiva holística, em que a constatação de tação pragmática, característica da utilização mal-estar, de crises e insatisfações se associa ao mais convencional da cartomancia e extensiva questionamento de padrões e valores vigentes a outros sistemas divinatórios. Trata-se de sis- nas relações entre os seres humanos e com a temas simbólicos que não se fecham em si natureza. Perspectiva que pode assumir um mesmos, mas, ao contrário, buscam referência viés religioso quando associada à espiritualida- em outras fontes culturais com as quais os de e à terapia. Embora não seja uma associa- adeptos dessas práticas dialogam e interagem – ção inovadora,17 no universo neo-esotérico sistemas religiosos, áreas do conhecimento assume tonalidades específicas: aponta para a científico, o conhecimento tradicional das ar- necessidade de se resgatar o lugar do ser hu- tes divinatórias –, referências que são ressigni- mano na criação divina, como possibilidade ficadas, atribuindo sentido a essas práticas. de compensar a destruição ambiental (uma Um dos principais resultados, almejado visão ecológica) e a violência (valorizando as por meio dessa atribuição de sentido, é a pos- relações humanas). Trata-se de uma tentativa sibilidade de utilização dos diferentes sistemas de salvar o mundo, perspectiva que atribui à simbólicos e seus entrecruzamentos para o transformação uma conotação espiritual. “conhecimento de si”. Objetivo que também É essa dimensão ampliada que remete à é mencionado em outras práticas do campo transformação em escalas planetária, social e neo-esotérico, como as que dão ênfase a uma de valores que estão presentes na interven- conotação terapêutica. ção terapêutica do meio neo-esotérico. Os estudos sobre o tema revelam certa dificuldade em delimitar as fronteiras do Conotação terapêutica campo das chamadas “terapias alternativas”. A começar pela abrangência das práticas No universo neo-esotérico, a noção de envolvidas, como tarô, astrologia, reiki, acu- terapia vem sendo apontada como portadora puntura, florais etc., cujos especialistas se de um sentido próprio, pois remete à neces- autodenominam “terapeutas”. As classifica- 11
  • 12. ções propostas pelos autores variam nesse […] afirmação de um outro tipo de consa- sentido. Tavares (1999), por exemplo, iden- gração, paralela, marginal, que não depende tifica um segmento específico – a categoria tanto de estudo, diplomas, teoria, mas sim “terapeuta não-médico” –, que divulga uma de “vivências”, “exercícios”, em suma, de tra- “espiritualidade terapêutica”, cuja prática se balho corporal (Idem, p. 193). diferencia tanto de outras práticas da cha- mada “nebulosa místico-esotérica” como das Essas práticas, assim como o perfil des- práticas médicas oficiais e/ou de cura com ses especialistas, constroem-se, portanto, fundamento religioso (Idem, pp.110-112). segundo a mesma lógica observada no caso O estudo de Jane Russo (1993), por sua das práticas divinatórias, isto é, por meio de vez, chama essas mesmas práticas de “terapias interfaces, diálogos e conflitos com outros corporais”. Segundo a autora, elas consti- sistemas simbólicos de cura e de crença. tuem o entrecruzamento entre dois campos Na análise das articulações criadas pelas distintos – “complexo alternativo”18 e campo práticas neo-esotéricas de cunho terapêutico da “psi”. Ou seja, Russo enfatiza a singulari- com um amplo espectro de “fontes” ou “tra- dade das terapias corporais em relação à dições”, reside a principal contribuição dos intervenção psicológica convencional pelo estudos voltados às “terapias alternativas”. fato de utilizarem o “corpo como instrumen- A contribuição de Sonia Maluf (1996, to básico de mudança e de autoconstrução’’, 1999) a esse debate está no fato de ela quali- em oposição à palavra. Sublinha a autora, ficar as chamadas “terapias alternativas” como porém, que as próprias terapias corporais do constitutivas de “uma cultura terapêutica “complexo alternativo” são produtoras de neo-religiosa ou neo-espiritual”, que conside- certo modo de vida que define os chamados ra resultante do cruzamento entre novas e “terapeutas corporais, de tal forma que “prá- velhas formas de religiosidade, práticas tera- pêuticas e experiências ecléticas vivenciadas ticas e personagens se confundem [e] […] o por camadas médias urbanas. Na tentativa de ideário que sustenta a sua prática dá sentido apreender os significados específicos dessa re- à sua trajetória” (Idem, p. 191). lação, Maluf (1999) enfatiza a necessidade de Debruçando-se especificamente sobre a deslocar-se a perspectiva unilateral, que tem forma como se cruzam os percursos dos tera- caracterizado o olhar para as instituições reli- peutas com a construção das terapias corpo- giosas e suas doutrinas, por um lado, e as téc- rais, Russo salienta que a oposição entre as nicas de cura, por outro, tendo em vista que técnicas propostas em relação às intervenções é a experiência da articulação entre esses dife- fundamentadas na psicologia convencional – rentes campos que caracteriza o neo-esoteris- o corpo contra a palavra – adquire significa- mo. Nesse sentido, afirma: “é o sujeito porta- dos que extrapolam o campo terapêutico. dor de uma experiência ímpar que pode Entre as questões desenvolvidas pela autora, reunir experiências e doutrinas religiosas e interessa-me ressaltar a idéia de que terapias espirituais tão díspares e lhes dar um sentido” corporais, como técnicas, se produzem “nas (Idem, p. 71). Isso implica pensar como essas margens” das instâncias legitimadas pela diferentes referências são assimiladas e articu- palavra, instrumento da racionalidade e da ladas nos “itinerários terapêuticos”. lógica escolar por excelência. As terapias cor- Na construção desse argumento, a auto- porais singularizam-se, portanto, pela nega- ra destaca a importância de alguns elementos ção da “consagração pela palavra” e pela do universo simbólico das camadas médias, 12
  • 13. entre os quais a cultura psi,19 a difusão da possibilidade que tais práticas abrem no sen- homeopatia e outros campos em que tais seg- tido de uma mudança do imaginário do mentos sociais atuam como organizações co- corpo na sociedade ocidental. Uma vez que se letivas voltadas à ecologia e/ou alinhadas à veiculam, por meio das práticas terapêuticas contra-cultura. Sublinha ainda a existência de alternativas, novas concepções acerca do certas continuidades, como a espiritualidade e corpo, estas vêm se confrontar, de um lado, a ênfase terapêutica de certos sistemas religio- com a noção de “corpo perfeito” e, de outro, sos. Mas, ressalta a autora, inexiste uma ver- com a imagem do “corpo culposo”. tente exclusiva de sustentação desse sistema – Para além das terapias que incidem sobre a “cultura terapêutica neo-espiritual ou neo- o corpo, mudando a imagem que dele pos- religiosa” tem como princípio o cruzamento suímos, interpretações recentes de conteúdos entre diferentes fontes, sistemas religiosos, veiculados pelo neo-esoterismo têm ressonân- terapias convencionais oficiais e não-oficiais. cia em novas alternativas propostas para o É na ressalva do aspecto da presença de nascer e o morrer, limites da consciência do diferentes fontes como possibilidades e dos humano, cunhados como humanização, cruzamentos possíveis entre elas na efetivação como apontam os estudos de Carmem de experiências que reside uma das contribui- Suzana Tornquist (2002) e Rachel Aisengart ções mais significativas dos diversos estudos Menezes (2204), que tratam, respectivamen- que fazem alusão às terapias alternativas. te, da humanização do parto e da humaniza- Nesse contexto, o uso de artes divinatórias ção da morte. Ambos os trabalhos sublinham (como a astrologia e o tarô) ou a participação a presença da noção do alternativo e o retorno em sessões do Santo Daime são encarados à natureza como norteadores de práticas que como recursos que podem ser acionados em se institucionalizam em hospitais, envolven- processos e itinerários de busca espiritual e do, portanto, não somente a geração conside- “conhecimento de si”, entendidos como por- rada alternativa, mas especialmente equipes tadores de uma conotação terapêutica em de profissionais (médicos, psicoterapêutas, en- função do caráter que lhes é atribuído na fermeiros entre outros) que integralizam suas experiência dos sujeitos. Esses trabalhos, por- atividades propondo tais alternativas. tanto, sugerem que o cruzamento de diferen- Tais imagens se difundem e são reinter- tes referências implica uma atribuição de sen- pretadas no processo de circulação, o que tido a essas práticas que não está dada a reflete uma outra característica do fenômeno priori, mas que se organiza pela circulação de neo-esotérico, qual seja, a tendência à imple- pessoas, informações e da assimilação de dife- mentação progressiva de redes e circuitos atra- rentes saberes na interpretação das experiên- vés dos quais circulam especialistas/terapeutas, cias cotidianas. adeptos com diferentes graus de envolvimen- O deslocamento do eixo de referência to e informações sobre as práticas das diversas das instituições e dos sistemas simbólicos para especialidades. o campo da experiência dos sujeitos abre tam- bém outras possibilidades interpretativas. Por exemplo, a discussão sobre a formulação, no Redes, circuitos, espaços seio das camadas médias urbanas, de novas representações sobre corpo e saúde. O traba- Para além da doutrina e do templo, asso- lho de Martins (1999) é sugestivo nesse sen- ciados à disseminação do neo-esoterismo, tido. O argumento do autor gira em torno da assinala-se a emergência progressiva de “espa- 13
  • 14. ços” cujas ações têm uma conotação que os dos pelos seus fins específicos. Mas, há sin- singulariza em relação a outros núcleos em gularidades que podem ser percebidas na que se desenvolvem práticas semelhantes. forma de implementação e organização das Além das práticas mencionadas – de cura e atividades, bem como no modo de circula- divinatórias –, esses “espaços” patrocinam ção de pessoas. atividades educativas (cursos, palestras, edi- A pesquisa de Magnani (1999) em São ção de livros), rituais (da lua cheia, de ano Paulo caracteriza esses espaços como “pontos novo etc.) e de lazer (projeção de filmes, via- de referência estáveis no circuito neo-esotéri- gens etc.), como assinala Magnani (1999) co”, uma vez que “constituem lugares de em estudo realizado em São Paulo. Esses encontro e sociabilidade para pessoas cujos espaços apresentam, portanto, regularidades gostos, formação, preocupações espirituais na forma de organização e nas atividades que e estilos de vida se assemelham” (p. 34). O desenvolvem, o que é extensivo também a estudo concentra-se na relação das práticas outras atividades, como a organização de neo-esotéricas com a dinâmica da sociabili- congressos e “feiras místicas”, que congregam dade na metrópole e demonstra que existem espaços holísticos, constituindo redes que ar- articulações entre essas práticas, levando em ticulam diversas regiões do país, bem como consideração a distribuição espacial associada redes de relações internacionais. à movimentação dos adeptos. Para caracteri- Assim, as práticas que conciliam, por zar o movimento entre espaços neo-esotéri- exemplo, espiritualidade e terapia não se cos da cidade Magnani utiliza-se da categoria limitam mais aos “consultórios”, lugar onde circuito, que consiste em identificar conjun- se estabelecem relações entre especialista e tos de estabelecimentos que têm em comum consulente. Progressivamente, têm-se imple- determinada prática ou serviço no meio ur- mentado “espaços” que, a exemplo de algu- bano, mas que não são contíguos, e sim re- mas clínicas, promovem diversas atividades: conhecidos pelos usuários habituais (Idem, consultas de tarô e/ou astrologia, massagens, p. 68). Esta categoria permite, portanto, ob- cursos, palestras, encontros coletivos, “vivên- servar o conjunto de práticas, grupos e espa- cias” e workshops. Nessa ambientação, as prá- ços com suas diferentes orientações e propó- ticas se cruzam, estabelecem intercâmbios de sitos, dotados de sentido, “sem no entanto conteúdos que lhes dão sustentação. Fato dissolvê-los no interior de um mesmo caldei- que pode ser observado também em “feiras rão” (Idem, p. 41). místicas”, congressos etc.20 Se, por um lado, a distribuição geográ- Na trama da cidade, tais práticas vêm fica dos espaços confere visibilidade ao fenô- adquirindo visibilidade, desde que associa- meno, por outro, é a circulação de adeptos e das a uma rede de serviços e de consumo. agentes entre e através deles que concretiza Além de clínicas, consultórios e suas técnicas as redes e os circuitos. Em outros termos, é alternativas, de restaurantes, cujo propósito a circulação que dá vida aos circuitos e redes, é oferecer alternativas alimentares, nos últi- fazendo com que as práticas adquiram mos anos têm proliferado os espaços holísti- “carne e osso” (Carneiro, 1998). Nessa pers- co-alternativos, onde se atende à demanda pectiva torna-se proeminente a análise de por produtos e práticas e se discute os con- trajetos, trajetórias, itinerários e processos teúdos que as alimentam. Alguns desses que promovem a adesão a essas práticas, a espaços têm-se tornado pontos de referência formação de terapeutas e a delimitação de no circuito dos adeptos, uma vez reconheci- especialidades. A circulação permite perce- 14
  • 15. ber também que existem diferentes graus de teúdo de mitos, de saberes vistos como tradi- envolvimento e níveis de adesão.21 cionais, associados ou não a diversas doutri- nas e experiências religiosas. Essa forma de expressão, que não con- Caracterização do Fenômeno verge para a institucionalização nos moldes de uma doutrina, de uma religião, de um Os estudos apresentados sugerem a exis- partido político ou de uma disciplina, susci- tência de um campo intermediário entre o ta um esforço de construção de estratégias exercício esporádico de uma prática neo-eso- de análise que desloquem referenciais esta- térica orientada pelos apelos do mercado de belecidos – por exemplo, os institucionais, consumo, de um lado, e o engajamento num como a religião –, privilegiando o processo ideal de sociedade que se pretende realizar nas de construção, fluxos e movimentos. comunidades rurais alternativas, de outro. Nos estudos sobre o tema há duas con- Ainda que não possua contornos e fronteiras cepções principais: primeiro, de que o uni- claramente definidas, esse campo intermediá- verso neo-esotérico se torna visível para além rio apresenta certas especificidades que se das referências religiosas institucionais, exi- delineiam no confronto com outras práticas e gindo a elaboração de estratégias de análise representações, como exemplificam estudos que permitam a apreensão das ressonâncias sobre a astrologia e o tarô. Também contri- na dinâmica cultural e na mudança social; buem para isso o modo de organização dos segundo, estes trabalhos questionam a idéia espaços e de suas atividades; o fluxo dos ato- de que as ações e as representações que defi- res sociais e o modo como eles, com base nas nem o universo neo-esotérico simplesmente suas experiências, atribuem sentido às práti- espelham a fragmentação do mundo moder- cas ditas “alternativas”; e o delineamento de no e a tendência à proliferação de bens de campos semânticos, como é o caso das “tera- consumo simbólicos, cuja escolha seria indi- pias corporais”, que definem o seu nicho no vidual e a finalidade, a satisfação de necessi- interior do campo mais amplo das alternati- dades imediatas. vas terapêuticas. Entre as diferentes estratégias evidencia- As ações e as representações concernen- das nos estudos citados destacam-se a ênfase tes ao universo neo-esotérico consolidam-se nas experiências dos sujeitos e a referência progressivamente no meio urbano mediante aos “espaços”, ampliando, assim, as perspec- referências objetivas – espaços holístico/al- tivas de apreensão do processo de difusão de ternativos instalados nas cidades e organiza- conhecimentos e práticas do universo neo- ção de feiras e/ou congressos, nos quais se esotérico. Evidencia-se também a emergên- promovem atividades especializadas, envol- cia de comportamentos coletivos, que sur- vendo práticas de cura, cursos, organização gem da troca/comunhão de experiências em de rituais, vivências, workshops etc. Essas ati- atividades desenvolvidas nesses “espaços”. vidades dinamizam campos semânticos atua- Argumenta-se freqüentemente que a de- lizados e/ou ressignificados e mobilizam a manda pelas intervenções terapêuticas alter- circulação de “especialistas”. Em todas essas nativas e outras práticas estariam associadas à dimensões, operacionalizam-se cruzamentos insatisfação de certos segmentos sociais (espe- de conhecimento de origens diversificadas, cialmente as camadas médias urbanas) em promovendo-se diálogos com algumas áreas relação a instituições consolidadas, como o do conhecimento científico, o recurso a con- sistema biomédico, a família e a religião. De- 15
  • 16. manda que, no entanto, não se traduz em pro- As vivências, palestras, cursos e celebrações postas de transformação social, uma vez que as multiplicam-se ao longo do circuito, estabe- transformações almejadas se circunscrevem na lecendo relações de proximidade e de trocas busca e promoção do bem-estar individual.22 próprias de comunidade. Não, porém, aque- Por seu caráter fragmentário, tais práticas las das comunidades biológicas, instituciona- não se organizam na forma de um “movi- lizadas, permanentes, mas de um tipo que se mento” estruturado. Mas, alguns estudos dissolve ao término da atividade, podendo apontam para certas possibilidades organiza- ser reeditada no próximo evento, em algum tivas, como é o caso dos “espaços” neo-esoté- outro ponto do circuito- com os mesmos ou ricos, cujas formas de sociabilidade permitem outros participantes, não importa, pois todos momentos de partilha e o reconhecimento de conhecem o código ou ao menos o jargão básico (Idem, p. 134). que há uma coletividade constituída pelos adeptos, à medida que estes se reconhecem como tal pelo endosso de determinadas lin- Também Maluf (1996) sustenta que nas guagens e no modo de partilha de suas expe- expressões da cultura terapêutica neo-religio- riências de busca espiritual. sa no Brasil há uma concepção de indivíduo Referindo-se à formação de uma “sensibi- que não é mera continuidade do “individua- lidade neo-esotérica”, a noção de comunidade lismo” ocidental, pois muitos adeptos per- é utilizada por Magnani (1999) para questio- tencentes à classe média urbana ao se identi- nar a forma pela qual convencionalmente se ficarem com certos movimentos culturais e tem retratado esse universo, qual seja, a idéia políticos – como a contra-cultura, o feminis- de indivíduos trilhando solitariamente seus mo, o movimento ecológico, entre outros – caminhos espirituais.23 Considerando os pro- passam a ter uma visão crítica da sociedade, cessos de comunicação entre essas práticas e ainda que não organizados em torno de um a consolidação dos “espaços”, em torno dos movimento. quais se definem circuitos e trajetos, Magnani O modo de difusão predominante do assinala a presença na metrópole de um “tipo” fenômeno neo-esotérico contempla ordena- de comunidade que se define por ser “efême- mentos processados em meio à circulação de ra, de fim de semana” (p. 108). Trata-se, por- pessoas e de informações com a assimilação tanto, de uma comunidade singular, que pro- de diferentes saberes apreendidos no cotidia- picia uma sociabilidade alimentada por troca no. Assim, na atribuição de sentido às práticas de pontos de vista, leituras, experiências de e aos conteúdos veiculados, em estreita de- viagens… “no contexto do “pedaço” de cada pendência dos diferentes processos de difu- um – aquele contexto onde os laços de lealda- são, ganha destaque o movimento dos atores de são mais fortes – mas principalmente nos que desenvolvem participação ativa nos signi- “circuitos”, ao longo dos quais se recortam ficados conferidos. A abertura constante para os “trajetos” personalizados” (Idem, ibidem). novas práticas constitui-se parte de uma lógi- Assim, utilizando-se da categoria “circuito” ca de organização que pode ser observada para caracterizar uma forma específica de arti- buscando, não possíveis sínteses, mas o pro- culação entre os adeptos, Magnani afirma que cesso e a dinâmica de elaboração do sentido. os espaços e as atividades neo-esotéricas cons- Localizando na especificidade de sua tituem uma forma particular de prática cultu- manifestação os mecanismos da sua dinâmi- ral e comportamento, permitindo a formação ca, o universo neo-esotérico, seus conheci- de pequenos grupos e redes: mentos e ações correlatas, pode ser situado 16
  • 17. como um projeto em construção, cujas possi- ordenada no decorrer de sua evidência empí- bilidades de abrangência vêm se ampliando e rica. É o que se observa nas diferentes e sem- diluindo, sem perder de vista lógicas internas pre inovadoras dimensões sugeridas pelas lei- próprias de uma difusão não localizada, mas turas e interpretações do fenômeno. Notas 1. No decorrer deste trabalho, refiro-me a este conjunto pelo termo neo-esotérico, seguindo as distinções apontadas por Magnani (1999), na expectativa de reconhecer singularidades e simultaneamente considerar uma ampla gama de propósitos tomados como caracterís- ticas do conjunto de práticas em questão. 2. Sobre as relações com a “história” da constituição dessas práticas, ver, entre outros, Heelas (1996), Carozzi (1999). Magnani (2000). 3. Para exemplos de diferentes direções desse debate, ver Carvalho (1991 e 1994); Brandão (1994), Sanchiz, (1995 e 1998), Soares (1994). Esses estudos apontam entrelaçamentos singulares, em que o exercício religioso, relacionado a “escolhas” e “sínteses individuais”, merece destaque. 4. O que não significa que sejam adaptadas de maneira simplista. Nesse sentido, é impor- tante a observação de Carvalho de que “não se pode passar dos búzios para a astrologia sem que os transformemos em outros búzios, próprios deste meta-circuito e não mais característico da tradição afro-brasileira” (1994, p. 95). 5. Alguns desses artigos estão publicados na coletânea organizada por Carozzi (1999), que contém também dois artigos sobre práticas esotéricas na Argentina. 6. As diferentes versões que assumem as práticas relacionadas ao neo-esoterismo continuam em evidência na programação de seminários, congressos e encontros acadêmicos. Como exemplo, a “XIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina”, realizada em Porto Alegre, em setembro de 2005. Ver o site: www.pucrs.br/eventos/xiiijornadas/. 7. Nesses congressos, além de trabalhos especificamente dedicados ao fenômeno, são fre- qüentes as menções ao neo-esoterismo em textos sobre a religião e a religiosidade, com referências ao pluralismo religioso e a novas formas de sincretismo. 8. Questão discutida por Soares (1994), que se refere ao “alternativo” e ao “experimentalis- mo cultural” contextualizados em um grau crescente de insatisfação em face de institui- ções como a religião e a família. 9. No plano da vivência religiosa e espiritual, as alternativas evidenciam a valorização da escolha em detrimento da afiliação em função de vínculos familiares; escolha que se carac- terizará também em oposição à conversão, fazendo emergir a possibilidade de novos arranjos de conteúdos e práticas religiosas, distanciando-se da fidelidade a uma doutrina, a uma instituição, a uma Igreja. 10. Refiro-me às considerações acerca da família nas camadas médias urbanas. Ver, entre outros autores, Salem (1989) Figueira (1985). 11. Sobre novos parâmetros nas relações afetivas, remeto o leitor à discussão de Giddens (1992). 12. Uma das experiências citadas com freqüência é Esalem, na Califórnia, que também se constitui em espaço de formação e disseminação (ver Heelas, 1996; Amaral, 1998; 17
  • 18. Carozzi, 1999). No Brasil, essas comunidades possuem características particulares, con- forme sublinhado por Magnani (2000, pp. 22ss.). 13. O autor entende a a astrologia como uma “fronteira simbólica” que influencia a formu- lação de estilos de vida e visões de mundo de um segmento dessas camadas, ou seja, uma maneira de “pensar a familiaridade e a prática da astrologia como um critério útil para produzir tais fronteiras” (p. 82). 14. A noção de simbolismo foi formulada por Vilhena com base na recorrência em que apa- recia nas entrevistas realizadas pelo autor: “assume um papel estratégico, contribuindo para sua autodefinição [dos praticantes da astrologia]” (p. 135). 15. Embora a mídia em algumas ocasiões também se preocupe em divulgar os “simbolismos”, como sublinha Maluf (1996) em relação à forma em que se apresenta a coluna “Horóscopo” da Folha de São Paulo. 16. Como sublinha Maluf (1996), nas “narrativas terapêuticas” prefere-se falar em “mal-estar” e não em “doença” para se referir à crise que desencadeia a busca de processos terapêuti- cos singulares. 17. Especificamente no caso brasileiro, relações entre espiritualidade e cura estão presentes nas diferentes versões dos cultos de origem africana, em segmentos do espiritismo e, mais recentemente, no movimento neo-pentecostal e carismático católico. 18. Como “complexo alternativo”, Russo entende “uma filosofia difusa […] criando uma espé- cie de amálgama a partir do qual as práticas se revelam passíveis de um uso concomitante, tornam-se intercambiáveis ou combinam-se de diversas maneiras” (1993, p. 113). 19. Trata-se da referência à disseminação de uma linguagem psicanalítica que teria extrapola- do o espaço da clínica e a relação do terapeuta com seu cliente, constituindo-se em uma linguagem partilhada por segmentos médios urbanos. “Cultura psi” remete às análises de Figueira (1985, apud Maluf, 1996). 20. O contexto da “feira esotérica” como espaço que amplia essa relação foi sublinhado por Guerreiro (1998). Em relação aos Congressos,ver descrição de Amaral (1998), Schwade (2001); Para espaços holísticos, ver Magnani (1999) e Schwade (2001). 21. Como exemplo, Vilhena (1990) destaca, em relação aos adeptos da astrologia, pratican- tes com vínculos diferenciados. Magnani (1999) classifica-os em diferentes grupos – eru- dito, participativo, ocasional. 22. Nesse caso remete-se ao universo simbólico no qual as camadas médias urbanas estão inse- ridas, que teria no “individualismo” uma de suas principais marcas. A referência concen- tra-se, entre outros autores, em Dumont (1995), Giddens (1992) e Simmel (1983). A con- textualização sociológica contempla ainda outras questões: a ausência de instituições, de doutrina ou de filosofias exclusivas de referência (seja religiosa seja política); a fragmenta- ção do cotidiano e as inúmeras referências disponíveis, associadas a uma condição presen- te especialmente nas grandes cidades, algumas vezes assinalada como “pós-moderna”. 23. Referência que o autor remete às afirmações de Russo (1993). 18
  • 19. Bibliografia ALBUQUERQUE, Leila Marach Basto. (1998), “Revista Planeta: imagens do corpo, imagens da alma”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. _________. (1999), “Orientalização e novas gestões do corpo”. Trabalho apresentado no Encontro Anual da Anpocs, Caxambu (MG), out. AMARAL, Leila. (1998), Carnaval da alma: comunidade, essência e sincretismo na Nova Era. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Rio de Janeiro. _________. (1999), “Sincretismo em movimento: o estilo Nova Era de lidar com o sagrado”, in Maria Julia Carozzi, A Nova Era no Mercosul, Petrópolis, Vozes. AMARAL, Leila et al. (1994), Nova Era: um desafio para os cristãos. São Paulo, Paulinas. BARROSO, Maria Macedo. (1998), “‘Deus é diferente mas não desigual de mim’: a produ- ção da imanência nas práticas de meditação da Siddha Yoga”. Trabalho apresenta- do nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. BELLAH, Robert N. (1986), “A nova consciência religiosa e a crise da modernidade”. Religião e Sociedade, 13 (2): 18-37, Rio de Janeiro, Iser. BIZERRIL, José. (1998), “‘Dois sentados sobre a terra’: corpo e espírito na experiência do Tao”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina. São Paulo, USP, 22-25 set. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. (1994), “A crise das instituições tradicionais produtoras de sen- tido”, in A. Moreira e R. Zicman (orgs.), Misticismo e novas religiões, Petrópolis, Vozes. CAMURÇA, Marcelo A. (1998), “Sombras na catedral: a influência New Age na Igreja Católica e o holismo da teologia de Leonardo Boff e Frei Betto”. Numen – Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, 1 (1): 85-125, Juiz de Fora, Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, jul-dez. CARDOSO, Alexandre. (1998), “Pés na terra e cabeça nas nuvens: contornos do misticismo contemporâneo”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. CARNEIRO, Sandra. (1998), “Trajetórias espirituais enquanto projeto da modernidade”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. CAROZZI, Maria Julia. (1999), “Introdução”, in _________, A Nova Era no Mercosul, Petrópolis, Vozes. CARVALHO, José Jorge. (1991), “Características do fenômeno religioso na sociedade con- temporânea”. Série Antropologia, 114: 1-46, Brasília, Universidade de Brasília. 19
  • 20. _________. (1994), “O encontro de velhas e novas religiões: esboço de uma teoria dos esti- los de espiritualidade”, in A. Moreira e R. Zicman (orgs.), Misticismo e novas reli- giões, Petrópolis, Vozes. _________. (2000), “A religião como sistema simbólico: uma atualização teórica”. Série Antropologia, 285: 1-16, Brasília, Universidade de Brasília. CASTRO MARTINS, Maria Cristina. (1999), “O amanhecer de uma nova era: uma análise do espaço sagrado e simbólico do Vale do Amanhecer”. Trabalho apresentado nas XIX Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, Rio de Janeiro, set. D’ANDREA, Anthony. (1996), O self perfeito e a nova era: individualismo e reflexividade em religiosidades pós-tradicionais. Dissertação de mestrado, Rio de Janeiro, Iuperj. DUMONT, Louis. (1993), O individualismo: uma perspectiva antropológica da antropologia moderna. Rio de Janeiro, Rocco. FIGUEIRA, Sérvulo (org.). (1985), Uma nova família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio de Janeiro, Zahar. FONSECA, Alexandre Brasil. (1998), “Nova Era evangélica, confissão positiva e o cresci- mento dos sem religião”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina. São Paulo, USP, 22-25 set. _________. (1999), “O jardim mágico brasileiro”. Trabalho apresentado no Encontro Anual da Anpocs, Caxambu (MG). FORTIS, Antônio Carlos. (1997), O buscador e o tempo: um estudo antropológico do pensamento eso- térico e da experiência iniciática da Eubiose. Dissertação de Mestrado, São Paulo, USP. GIDDENS, Anthony. (1992), As transformações da intimidade. São Paulo, Editora da Unesp. GUERREIRO, Silas. (1998), “Encontro de magia, mito e ciência na consulta aos oráculos: o espaço da feira mística”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. HEELAS, Paul. (1996), The New Age movement: the celebration of the self and the sacralization of Modernity. Oxford, Blackwell Publishers. LIMA, Ricardo Barbosa. (1998), “Nova consciência religiosa e ambientalismo: uma leitura em torno das representações da categoria natureza entre grupos místico-esotéri- cos e ambientalistas em Alto Paraíso de Goiás (GO)”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. MAGNANI, José Guilherme. (1995). “Esotéricos na cidade: os novos espaços de encontro, vivência e culto”. São Paulo em Perspectiva, 9 (2): 66-72. _________. (1996), “Quando o campo é a cidade: fazendo antropologia na metrópole”, in José G. Cantor Magnani e Lilian de Lucca Torres, Na metrópole, São Paulo, Edusp. _________. (1999), Mystica urbe. São Paulo, Studio Nobel. 20
  • 21. _________. (1999a), “O xamanismo urbano e a religiosidade contemporânea”. Religião & Sociedade, 20 (2): 113-140, Rio de Janeiro, Iser. _________. (2000), O Brasil da Nova Era. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. MALUF, Sônia Weidner. (1996), Les enfants du Verseau au pays des terreiros. Tese de doutora- do, École des Hautes Études em Sciences Sociales, Paris. _________. (1999), “Antropologia, narrativa e a busca de sentido”. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, pp.69-81. MARTINS, Paulo Henrique. (1999), “As terapias alternativas e a libertação dos corpos”, in Maria Julia Carrozi (org.), A Nova Era no Mercosul, Petrópolis, Vozes. _________. (1999a), “Onde está a alegria”. Trabalho apresentado nas XIX Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, Rio de Janeiro. MEDEIROS, Bartolomeu Tito Figueirôa. (1997), “Estratégias de militância na conspiração aquariana”. Revista Anthropológicas, 2 (2): 135-169, PPGAS/UFPE, Recife. MENEZES, Rachel Aisengart. (2004), “Dilemas de uma antropologia médica na casa da morte”. Trabalho apresentado na 24a Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, Olinda-PE. _________. (2005), “O momento da morte: interpretação familiar e religiosidade”. Trabalho apresentado no XXIX Encontro Anual da Anpocs, Caxambu (MG). OSÓRIO, Andréa. (2004), “Bruxas modernas: um estudo sobre identidade feminina entre os praticantes wicca”. Campus – Revista de Antropologia Social, 5 (2): 157-171, PPGAS/UFPR, Curitiba. PÉREZ, Lea. (1999), “Fim de século, efervescência religiosa e novas reconfigurações societá- rias”. Trabalho apresentado nas XIX Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, Rio de Janeiro, set. PEREIRA, Magda V. dos Santos. (1998), “O universo místico-religioso da obra de Paulo Coelho na ótica de seu leitor”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. REIS, Adriana. (1998), “Alternativas religiosas de educação infantil em Brasília”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. _________. (2000), “Nova religiosidade e educação em Brasília: uma nova ética em curso, in Maria Francisca Pinheiro et al. (orgs.), Política, ciência e cultura em Max Weber, Brasília, Editora da UnB. RUSSO, Jane. (1993), O corpo contra a palavra. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ. SALEM, Tânia. (1989), “O casal igualitário: princípios e impasses”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 9 (3): 24-37. 21
  • 22. SANCHIS, Pierre. (1995), “Sendeiros, atalhos e encruzilhadas: o campo religioso contempo- râneo”. Trabalho apresentado no IXX Encontro da Anpocs, Caxambu (MG). _________. (1988), “O campo religioso contemporâneo no Brasil”, in A. Oros e Carlos A. Steil (orgs.), Globalização e religião, Petrópolis, Vozes. SCHWADE, Elisete. (2001), Deusas urbanas: experiências encontros e espaços e neo-esotéricas no Nordeste. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (mimeo.). SIMMEL, Georg. (1983), “Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura e formal”, in Evaristo Moraes Filho (org.), Simmel, São Paulo, Ática. SIQUEIRA, Deis. (1998), “A construção metodológica do sujeito-objeto de investigação”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. _________. (1999), “Psicologização das religiões: religiosidade e estilo de vida”. Trabalho apresentado nas IX Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, Rio de Janeiro, set. SIQUEIRA, Deis & BANDEIRA, Lourdes et al. (1997), “O misticismo no Planalto Central: Alto Paraíso, o “chakra cardíaco do planeta”, in _________, Tristes cerrados: socie- dade e biodiversidade, Brasília/DF, Paralelo 15. _________. (1998), “O profano e o sagrado na construção da ‘Terra Prometida’”, in Brasilmar Ferreira Nunes (org.), Brasília: a construção do cotidiano, Brasília/DF, Paralelo 15. _________. (1998a), “Perfil dos adeptos e caracterização dos grupos místico-esotéricos no Distrito Federal”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. SOARES, Luiz Eduardo. (1994), “Religioso por natureza: cultura alternativa e misticismo ecológico no Brasil”, in _________, O rigor da indisciplina, Rio de Janeiro, Relume Dumará. SOUZA, André Ricardo & SOUZA, Patrícia. (1998), “A umbanda esotérica em São Paulo”. Trabalho apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, USP, 22-25 set. STOLL, Sandra Jaqueline. (1999), Entre dois mundos: espiritismo na França e no Brasil. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, USP, São Paulo. TAVARES, Fátima Regina G. (1999), “Holismo terapêutico no Rio de Janeiro”, in Maria Julia Carrozzi (org.), A Nova Era no Mercosul, Petrópolis, Vozes. _________. (1999a), “Tornando-se tarólogo: percepção “racional” versus percepção “intuiti- va” entre os iniciantes do tarot no Rio de Janeiro”. Numen – Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, 2 (1): 97-123, Juiz de Fora, Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora. 22
  • 23. _________. (1999b), “Feiras esotéricas e redes alternativas: algumas notas comparativas entre circuitos carioca e parisiense”. Trabalho apresentado nas XIX Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, Rio de Janeiro. TORNQUIST, Carmen Suzana. (2002), “Armadilhas da Nova Era: natureza e maternidade no ideário da humanização do parto”. Revista de Estudos Feministas, 10 (2): 389- 397, Florianópolis, jul./dez. VELHO, Otávio. (1998), “Ensaio herético sobre a atualidade da gnose”. Horizontes Antropológicos, ano 4 (8): 34-52, PPGAS/UFRGS, Porto Alegre. VILHENA Luiz Rodolfo. (1990), O mundo da astrologia. Rio de Janeiro, Zahar. • Artigo recebido em Jan/2006 • Aprovado em Jun/2006 Resumo Neo-esoterismo no Brasil: Dinâmica de um Campo de Estudos Este artigo faz um mapeamento das análises efetuadas acerca do fenômeno neo-esotérico, duran- te a última década, no Brasil em particular. Situa contornos das principais referências analíticas, apontando a disseminação do neo-esoterismo para além da sua relação com a religiosidade e espiritualidade. Por meio da caracterização de tal fenômeno como um universo em construção, destaca, como evidências na literatura, a abertura constante para novas possibilidades, a impor- tância de sua conotação terapêutica e o modo urbano que assumem as suas práticas. Palavras-chave: Neo-esoterismo; Mudanças de comportamento; Sociabilidade urbana. Abstract Neo-esoterism in Brazil: Dynamics of a Field of Study This article traces the social and cultural analyses of the neo-esoteric phenomenon, particu- larly as it has developed in Brazil within the last decade. The article outlines the main analy- tical references, and highlights the spread of this phenomenon beyond the religious and spi- ritual scope. As the world we live in continues to be ever more socially dynamic, this paper stresses the constant openness for new possibilities of a neo-esoteric perspective, the impor- tance of its therapeutic connotations, and the urban ways in which practices are adopted. Keywords: Neo-esoteric; Behavior transformation; Urban sociability. 23
  • 24. Résumé Néo-ésotérisme au Brésil : Dynamique d’un Champ d’Études Cet article fait le point sur les études qui ont été développées, particulièrement au Brésil, à propos du phénomène néo-ésotérique au cours de la dernière décennie. Les principales réfé- rences analytiques sont identifiées et révèlent la dissémination du néo-ésotérisme au-delà de sa relation avec la religiosité et la spiritualité. Tout en considérant ce phénomène comme un univers en construction, l’auteur signale, par des évidences littéraires, son ouverture vers d’au- tres possibilités, l’importance de sa connotation thérapeutique et le mode de vie urbain assu- mé par ses nouvelles pratiques. Mots-clés: Néo-ésotérisme; Changements comportementaux; Sociabilité urbaine. 24
  • 25. Perspectivas Teóricas sobre o Processo de Formulação de Políticas Públicas* Ana Cláudia N. Capella Introdução Modelo de Multiple Streams Este trabalho tem como objetivo apresen- Em Agendas, alternatives, and public poli- tar e discutir modelos teóricos que auxiliem cies, Kingdon procura responder à seguinte na compreensão do processo de formulação questão: por que alguns problemas se tornam de políticas públicas. A análise privilegiará o importantes para um governo? Como uma processo de formação da agenda de políticas idéia se insere no conjunto de preocupações governamentais (agenda-setting), procurando dos formuladores de políticas, transforman- investigar de que forma uma questão específi- do-se em uma política pública? Kingdon con- ca se torna importante num determinado mo- sidera as políticas públicas como um conjunto mento, chamando a atenção do governo e formado por quatro processos: o estabalecimento passando a integrar sua agenda. de uma agenda de políticas públicas; a consi- deração das alternativas para a formulação de Dois modelos, em especial, desenvolvi- políticas públicas, a partir das quais as escolhas dos na área de políticas públicas, destacam- serão realizadas; a escolha dominante entre o se por sua capacidade em explicar como as conjunto de alternativas disponíveis e, final- agendas governamentais são formuladas mente, a implementação da decisão. Em seu e alteradas: o modelo de Múltiplos Fluxos modelo de multiple streams, o autor preocupa- (Multiple Streams Model) desenvolvido por se especificamente com os dois primeiros pro- John Kingdon (2003) e o modelo de Equi- cessos, chamados estágios pré-decisórios: a líbrio Pontuado (Punctuated Equilibrium formação da agenda (agenda-setting) e as alter- Model), de Frank Baumgartner e Brian Jones nativas para a formulação das políticas (policy (1993). formulation). A seguir, procuraremos apresen- Esses modelos representam importantes tar e analisar o modelo de Kingdon, destacan- ferramentas na análise de processos de formu- do suas bases teóricas, benefícios potenciais lação de políticas e de mudança na agenda para a compreensão dos processos de forma- governamental, reservando grande destaque à ção da agenda governamental, bem como as dinâmica das idéias no processo político. principais críticas direcionadas ao modelo. * Este trabalho foi apresentado no GT “Políticas Públicas” no 29º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, em outubro de 2005. Agradeço aos comentários e sugestões dos participantes do encontro e dos pare- ceristas anônimos do BIB. BIB, São Paulo, nº 61, 1º semestre de 2006, pp. 25-52 25
  • 26. Dinâmica do modelo: os três fluxos Em momentos críticos esses fluxos conver- gem, e é precisamente neste momento que Inicialmente formulado para analisar as são produzidas mudanças na agenda. Assim, políticas públicas nas áreas de saúde e trans- para o modelo de Kingdon, a mudança da portes do governo federal norte-americano, o agenda é o resultado da convergência entre modelo de Kingdon tornou-se referência para três fluxos: problemas (problems); soluções ou os estudos voltados à análise da formulação de alternativas (policies); e política. (politics). políticas governamentais (Zahariadis, 1999). No primeiro fluxo, o modelo busca Baseado em um corpo extenso de dados empí- analisar de que forma as questões são reco- ricos, obtidos em sua maior parte por meio de nhecidas como problemas e por que deter- entrevistas com altos funcionários públicos, o minados problemas passam a ocupar a agen- modelo preocupa-se com os estágios pré-deci- da governamental. Considerando que as sórios da formulação de políticas. A agenda pessoas não podem prestar atenção a todos governamental, para Kingdon, é definida co- os problemas durante todo tempo, Kingdon mo o conjunto de assuntos sobre os quais o parte do pressuposto de que esses indivíduos governo e pessoas ligadas a ele concentram concentrarão sua atenção em alguns deles sua atenção num determinado momento.1 ignorando outros. Uma questão passa a fazer parte da agen- Para entender o processo de seleção, da governamental quando desperta a atenção Kingdon estabelece uma importante dife- e o interesse dos formuladores de políticas. renciação entre problemas e questões (condi- No entanto, em virtude da complexidade e tions). Uma questão, para o autor, é uma do volume de questões que se apresentam a situação social percebida, mas que não des- esses formuladores, apenas algumas delas são perta necessariamente uma ação em contra- realmente consideradas num determinado partida. Esse tipo de questão configura-se momento. Estas compõem a agenda decisio- como problema apenas quando os formula- nal: um subconjunto da agenda governamen- dores de políticas acreditam que devem fazer tal que contempla questões prontas para uma algo a respeito. Dado o grande volume de decisão ativa dos formuladores de políticas, decisões e a incapacidade de lidar com todas ou seja, prestes a se tornarem políticas (poli- as questões ao mesmo tempo, a atenção dos cies).2 Essa diferenciação faz-se necessária, formuladores de políticas depende da forma segundo o autor, porque ambas as agendas como eles as percebem e as interpretam e, são afetadas por processos diferentes. Existem mais importante, da forma como elas são ainda agendas especializadas – como aquelas definidas como problemas. específicas da área de saúde, transportes e As questões transformam-se em proble- educação –, que refletem a natureza setorial mas ao chamar a atenção dos participantes da formulação de políticas públicas. de um processo decisório, despertando a Para compreender como algumas ques- necessidade de ação por meio de três meca- tões passam a ser efetivamente consideradas nismos básicos: indicadores; eventos, crises e pelos formuladores de políticas, Kingdon símbolos; e feedback das ações governamen- (2003) caracteriza o governo federal norte- tais. Quando indicadores – custos de um americano como uma “anarquia organizada”3, programa, taxas de mortalidade infantil, na qual três fluxos decisórios (streams) se- variações na folha de pagamento de servido- guem seu curso de forma relativamente inde- res, evolução do déficit público, por exemplo pendente, permeando toda a organização. – são reunidos e apontam para a existência 26
  • 27. de uma questão, esta pode ser percebida problemas, para posteriormente alcançar a agen- como problemática pelos formuladores de da governamental. políticas. Indicadores, no entanto, não deter- Do ponto de vista da estratégia política, a minam per si a existência concreta de um definição do problema é fundamental. A problema, antes são interpretações que auxi- forma como um problema é definido, articu- liam a demonstrar a existência de uma ques- lado, concentrando a atenção dos formulado- tão. Assim, contribuem para a transformação res de política pode determinar o sucesso de de questões em problemas, principalmente uma questão no processo altamente competi- quando revelam dados quantitativos, capazes tivo de agenda-setting. de demonstrar a existência de uma situação No segundo fluxo – policy stream – temos que precisa de atenção. O segundo grupo de um conjunto de alternativas e soluções (policy mecanismos compreende eventos (focusing alternatives) disponíveis para os problemas, ou events), crises e símbolos. Muitas vezes, um “what to do ideas”5. Kingdon (2003) conside- problema não chama a atenção apenas por ra que as idéias geradas nesse fluxo não estão meio de indicadores, mas por causa de even- necessariamente relacionadas à percepção de tos de grande magnitude, como crises, desas- problemas específicos. Como afirma o autor: tres ou símbolos que concentram a atenção “As pessoas não necessariamente resolvem num determinado assunto. Esses eventos, no problemas. […] Em vez disso, elas geralmen- entanto, raramente são capazes de elevar um te criam soluções e, então, procuram proble- assunto à agenda, e geralmente atuam no mas para os quais possam apresentar suas sentido de reforçar a percepção preexistente soluções” (Idem, p. 32).6 Assim, as questões de um problema. Finalmente, o terceiro presentes na agenda governamental (que atrai grupo consiste no feedback sobre programas a atenção das pessoas dentro e fora do gover- em desenvolvimento no governo. O monito- no) não são geradas aos pares, com problemas ramento dos gastos, o acompanhamento das e soluções. atividades de implementação, o cumprimen- A geração de alternativas e soluções é to (ou não) de metas, possíveis reclamações explicada pelo modelo de multiple streams em de servidores ou dos cidadãos e o surgimen- analogia ao processo biológico de seleção to de conseqüências não-antecipadas são natural. Da mesma forma como moléculas mecanismos que podem trazer os problemas flutuam no que os biólogos chamam de para o centro das atenções dos formuladores “caldo primitivo”, o autor entende que as de políticas. idéias a respeito de soluções são geradas em Mesmo que indicadores, eventos, símbolos comunidades (policy communities) e flutuam ou feedbacks sinalizem questões específicas, esses em um “caldo primitivo de políticas” (policy elementos não transformam as questões auto- primeval soup). Neste “caldo”, algumas idéias maticamente em problemas. Essencial para o sobrevivem intactas, outras confrontam-se e entendimento do modelo é compreender que combinam-se em novas propostas, outras problemas são construções sociais, envolvendo ainda são descartadas. Nesse processo compe- interpretação: “Problemas não são meramente as titivo de seleção, as idéias que se mostram viá- questões ou os eventos externos: há também um veis do ponto de vista técnico e as que têm elemento interpretativo que envolve percepção” custos toleráveis geralmente sobrevivem, (Kingdon, 2003, pp. 109-110, trad. nossa).4 assim como aquelas que representam valores Portanto, as questões podem se destacar entre os compartilhados contam com a aceitação do formuladores de políticas, transformando-se em público em geral e com a receptividade dos 27
  • 28. formuladores de políticas. Como resultado (policy stream) produz uma lista restrita de pro- final, partindo de um grande número de postas, reunindo algumas idéias que sobrevive- idéias possíveis, um pequeno conjunto de ram ao processo de seleção. Tais idéias não propostas é levado ao topo do “caldo primiti- representam, necessariamente, uma visão con- vo de políticas”, alternativas que emergem sensual de uma comunidade política a respeito para a efetiva consideração dos participantes de uma proposta, mas sim o reconhecimento, do processo decisório. pela comunidade, de que algumas propostas As comunidades geradoras de alternativas são relevantes dentro do enorme conjunto de (policy communities) são compostas por espe- propostas potencialmente possíveis. cialistas – pesquisadores, assessores parlamen- Kingdon assegura às idéias um papel tares, acadêmicos, funcionários públicos, ana- importante em seu modelo, argumentando listas pertencentes a grupos de interesses, entre que elas são freqüentemente mais importan- outros – que compartilham uma preocupação tes na escolha de uma alternativa do que a em relação a uma área (policy area). No pro- influência de grupos de pressão, por exemplo, cesso de seleção descrito acima, quando uma e chama a atenção dos cientistas políticos proposta é percebida como viável, ela é rapi- para essa dimensão do processo decisório: damente difundida, ampliando a consciência dos atores sobre uma determinada idéia. Isso Cientistas políticos estão acostumados a não significa que todos os especialistas de uma conceitos como poder, influência, pressão e comunidade compartilhem das mesmas cren- estratégia. No entanto, se tentarmos com- ças: algumas comunidades são extremamente preender as políticas públicas somente em fragmentadas, abrigando pontos de vista bas- termos desses conceitos, deixamos de enten- tante diversificados. A difusão das idéias tam- der muita coisa. As idéias, longe de serem pouco se dá de forma automática, uma vez meras desculpas ou racionalizações, são par- que comunidades bem estruturadas apresen- te integrais do processo decisório dentro e tam tendência a resistirem às novas idéias. A em torno do governo (idem, p. 125).7 difusão é descrita pelo autor como um pro- cesso no qual indivíduos que defendem uma Abordagens que, como o modelo de idéia procuram levá-la a diferentes fóruns, na multiple streams, destacam a centralidade das tentativa de sensibilizar não apenas as comu- idéias, das interpretações e da argumentação nidades de políticas (policy communities), mas no processo de formulação das políticas também o público em geral, vinculando a constituem um desafio à análise tradicional audiência às propostas e construindo progres- sobre a formulação de políticas públicas, au- sivamente sua aceitação. Dessa forma, as xiliando na compreensão da dimensão sim- idéias são difundidas, basicamente, por meio bólica desse processo.8 da persuasão. A importância desse processo Finalmente, o terceiro fluxo é composto de difusão – chamada de soften up pelo autor pela dimensão da política “propriamente – vem da constatação de que, sem essa sensi- dita” (politics stream). Independentemente do bilização, as propostas não serão seriamente reconhecimento de um problema ou das al- consideradas quando apresentadas. ternativas disponíveis, o fluxo político segue Com o processo de difusão ocorre uma sua própria dinâmica e regras. Diferentemen- espécie de efeito multiplicador (bandwagon), te do fluxo de alternativas (policy stream), em em que as idéias se espalham e ganham cada que o consenso é construído com base na per- vez mais adeptos. Assim, o fluxo de políticas suasão e difusão das idéias, no fluxo político 28
  • 29. (politics stream) as coalizões são construídas a tal (turnover); mudanças de gestão; mudan- partir de um processo de barganha e negocia- ças na composição do Congresso; mudanças ção política. na chefia de órgãos e de empresas públicas. Nesse fluxo, três elementos exercem in- Esses acontecimentos podem exercer grande fluência sobre a agenda governamental. O pri- influência sobre a agenda governamental ao meiro é chamado por Kingdon de “clima” ou desencadearem mudanças que potencializam “humor” nacional (national moodino) e é ca- a introdução de novos itens na agenda, ao racterizado por uma situação na qual diversas mesmo tempo em que podem também blo- pessoas compartilham as mesmas questões quear a entrada ou restringir a permanência durante um determinado período de tempo. de outras questões. O início de um novo go- O “humor nacional” possibilita algo seme- verno é, segundo Kingdon, o momento mais lhante ao “solo fértil” para algumas idéias “ger- propício para mudanças na agenda. minarem”, ajudando a explicar por que algu- Outro tipo de mudança dentro do go- mas questões chegam à agenda enquanto verno, com efeitos importantes sobre a agen- outras são descartadas. A percepção, pelos par- da, é a mudança de competência sobre uma ticipantes do processo decisório, de um hu- determinada questão. Cada setor dentro do mor favorável cria incentivos para a promoção governo, sejam agências administrativas, de algumas questões e, em contrapartida, po- sejam comitês parlamentares, reivindica au- de também desestimular outras idéias. toridade para atuar no seu campo de ativida- O segundo elemento do fluxo político é de. Muitas vezes uma questão envolve áreas composto pelas forças políticas organizadas, distintas, gerando disputas sobre sua compe- exercidas principalmente pelos grupos de tência. Essas disputas podem levar a uma pressão. O apoio ou a oposição dessas forças a situação de imobilidade governamental, mas uma determinada questão sinaliza consenso também à inclusão de questões na agenda. ou conflito numa arena política, permitindo Parlamentares, por exemplo, podem disputar aos formuladores de políticas avaliarem se o os créditos por um projeto com impacto ambiente é propício ou não a uma proposta. popular e, nessa disputa, o assunto pode se Quando grupos de interesses e outras forças tornar proeminente e ganhar espaço na agen- organizadas estão em consenso em relação a da. Por outro lado, algumas questões podem uma proposta, o ambiente é altamente propí- ser sistematicamente ignoradas devido à sua cio para uma mudança nessa direção. Mas localização na estrutura administrativa. Pes- quando existe conflito em um grupo, os de- quisando a área de saúde dentro do governo fensores de uma proposta analisam o equilí- norte-americano, Kingdon percebeu que brio das forças em jogo, procurando detectar muitas questões faziam parte de agendas setores favoráveis ou contrários à emergência especializadas sem, no entanto, integrarem a de uma questão na agenda. A percepção de agenda de decisão mais ampla do setor. Isto que uma proposta não conta com apoio de acontecia porque o conjunto de especialistas alguns setores não implica necessariamente no preocupados com essas questões estava redu- abandono de sua defesa, mas indica que have- zido a uma área específica dentro da estrutu- rá custos durante o processo. ra do Poder Executivo, restringindo a difusão Finalmente, o terceiro fator a afetar a desses assuntos para outras comunidades. agenda são as mudanças dentro do próprio Grupos de pressão, a opinião pública, as governo: mudança de pessoas em posições pressões do Legislativo e das agências admi- estratégicas dentro da estrutura governamen- nistrativas, os movimentos sociais, o processo 29