2. Editorial
“If you have ideas, you have the main asset you need, and there isn’t any limit to what
you can do with your business and your life. Ideas are any man’s greatest asset.”
Harvey S. Firestone
Sim, temos de escrever sempre um editorial mas nunca crescer em quantidade e qualidade. Com os nossos novos
sabemos o que escrever. Decidimos, então, bater o paleio membros, Guilherme Simões de Eng. Informática e da nova
do costume (NOT!). Já repararam mas os cantos da revista caloirinha Catarina Oliveira de Eng. Biomédica, as nossas
foram alterados: sim o nosso logótipo mudou, tal como é áreas de incisão estão a aumentar, sendo os temas abordados
visível na capa. E se estiveram na festa de lançamento de cada vez mais diversificados. Qualquer coisa já sabem,
quinta-feira já se devem ter apercebido que a revista está a comuniquem:
resistancemag@gmail.com
facebook.com/resistancemag
Table of contents
2_”TEDX”. Sérgio Pinto
3_”Biomédica, curso do futuro”. Ana Cortez Ficha técnica:
5_”Um olhar...DFUC”.Miguel Morgado, Ph.D
7_”À grande e à fracesa”. Carlos Moreira
8_”Caminhos do cinema português”. Fred Borges
9_”Entrevista”. Maria Constança Editores:
Providência Santarém e Costa Joana Faria, Frederico Borges, Pedro Silva
12_”Se divertindo em Genebra”. Edson Ferreira
13_”Estado estacionário”. João Borba Colaboradores:
14_”Estado excitado”.Pierre Barroca Karen Duarte, Patrícia Silva, Ana Telma
15_”16 fps”. Santos, Rui Nunes, André Silva, Guilherme
17_”78 rpm”. Simões e Catarina Oliveira
19_”Stanford e Milgram”. Pedro Cunha
21_”Alfazema amarela”. Catarina Oliveira Revisão:
22_”Pensamentos ao acaso”. Bernardo Fabrica Ângela Dinis
23_”Crónicas”
25_”Mãe, afinal sei cozinhar”. Nuno Balhau Capa e Design
26_”A gamer (re)view” Rui Nunes e Pedro Silva
1 Dezembro 2011 RESISTANCE
3. Sérgio Pinto
– João Ramalho Santos – Porque às vezes a investigação
TEDx Coimbra tem destas coisas, nem tudo está escrito como numa receita,
nem tudo é fácil, às vezes é preciso inovar, à bom português
15 de Outubro de 2011 é preciso “desenrascar”, esta palestra foi o mais puro
exemplo disso, como conseguir investigar o que não pode ser
investigado, aliando o tema com a à-vontade demonstrada pelo
O grupo TED foi fundado em 1984 e a primeira conferência orador, temos a receita para uma excelente TED talk. “Uma
aconteceu em 1990. Poderia começar por tentar explicar o que nova era na imagem digital”: André Boto – Quem não tem
é o conceito de uma TED talk, mas certamente nada melhor um fundo daqueles todos “futuristas” como wallpapper do
do que dar um exemplo, numa altura em que possivelmente PC? Mas será que sabemos como é feito? O André primou
se perdeu o melhor orador que alguma vez fez uma TED talk por mostrar o resultado final mas acima de tudo fazer algo que
mesmo não tendo sido num evento oficial, estou a falar de nunca tinha visto que é a evolução como pegar numa imagem
Steve Jobs e do seu discurso em Stanford, uma TED talk é de um Castelo, uma pedra e uma correntes e provar que é
apenas uma conversa, uma conversa para “dar assas aos possível fazer um castelo levitar ao ponto de ter de estar preso
pensamentos”. Atualmente um evento TED aborda as mais por correntes... Afinal muitas das vezes para poder apreciar
amplas temáticas, quase todos os aspectos de ciência e cultura a complexidade de uma imagem era bom poder ver como
podendo até ser apenas uma conversa moral, uma história, começou, como evoluiu até chegar ao resultado final...Ficção
um retrato de vida...possivelmente é por ser isto tudo que os Digital na sua mais pura essência. “Voluntariado”: Fernanda
eventos TED conseguem ter o sucesso global que possuem. Freitas – Talvez um tema que muitas pudessem achar que
Passando ao evento TEDx Coimbra, este começou por estaria desenquadrado de uma TED talk, ficou provado que
prestar 2 homenagens, 2 homenagens mais que merecidas, todos os temas têm espaço nestes eventos, simplesmente
homenagens devidas. Falo de 2 TED talkers que faleceram fabulosa a interação com a plateia, suficiente para que todos
recentemente, Steve Jobs, mais que um visionário, um se levantassem e aplaudissem (quem lá esteve percebe melhor
exemplo de sucesso e de entrega e de Diogo Vasconcelos, um esta). Não me posso alongar muito mais, deixo uma sugestão
dos melhores empreendedores que existia em Portugal e que não percam a próxima edição e deixem os vossos pensamentos
tinha confirmado presença neste evento...Cada um diferente voar!
mas ao mesmo tempo referencias, mais que oradores, eram
inspiradores! Com estas homenagens iniciou-se o TEDx
Coimbra, de seguida passamos a uma velocidade estonteante
por todas as palestras, cada uma diferente da anterior e da
seguinte, cada uma única. Não vou falar de todas, apenas
de algumas, daquelas que a mim me surpreenderam ou pela
temática ou pelo próprio orador:
“Ossos”: Eugénia Cunha – E não é que afinal a série “Bones”
não é ficção? Pois é, realmente tudo aquilo é verdade, é
possível e mais que isso é passado, costuma-se dizer que os
olhos são o espelho da alma, pois então agora digo então os
ossos são o espelho de uma história de vida.
“Estratégias para investigar o que não pode ser investigado”
RESISTANCE Dezembro 2011 2
4. Biomédica
Curso do futuro
Ana Cortez
“Foi em tempo de adversidade que os portugueses
souberam realizar os seus maiores feitos”
Começo esta breve “reflexão” com uma bom estado. Para isso tem de haver suficientes preparados para esse efeito.
análise prática dos acontecimentos que mecânicos. Para o investigador se Das dez categorias previstas, oito dizem
acomodam a sociedade em que vivemos poder alimentar tem de haver pão, por respeito à saúde ou cuidados médicos,
e influenciamos. De facto, todos os dias isso tem de existir o padeiro. Para o uma a serviços financeiros e a última
fazemos parte de uma História, que investigador dividir trabalho, tem de ter ao campo da tecnologia. Contudo, um
apesar de um passado e de um presente uma secretária. Para a rua estar limpa e outro alerta é salientado pela mesma
cheio de acontecimentos marcantes e evitar a propagação de doenças tem de entidade, o facto de estas serem as áreas
evolutivos, não esquece nunca o futuro haver o “homem do lixo”. De facto, para com maior oferta e com maior índice
e os novos passos que ficarão de crescimento nos próximos
marcados pelo significado anos, tal não significa que todos
profissional, pessoal e científico os interessados tenham um
daqui a alguns anos. O caminho emprego, já que estas exigem
adoptado pela sociedade actual muito tempo e muitas áreas
não é totalmente correcto, ou será de formação. Em 17 de Abril
que hoje em dia e no futuro, todos deste ano, o The New York
os cidadãos deverão ter uma Times publicou a lista dos dez
formação académica superior? empregos mais promissores,
A questão é controversa. Mas de intitulada de Top 10 List:
facto, a evolução da humanidade Where the Jobs Are. Com base
é baseada nas descobertas que no juízo crítico que apresentei
todos os dias são potenciadas anteriormente, o Engenheiro
nas mais diversas áreas e, dessa Biomédico surge em primeiro
forma, os efeitos da inovação têm haver conhecimento e inovação, tem lugar, com um crescimento de 72%, ou
uma forte influência nos costumes e de existir uma sinergia de funções na seja, 12 000 novos empregos em 2018.
comportamentos das sociedades. Assim, sociedade, isto é, nas profissões. Apesar A descrição feita acerca das funções de
será que amanhã ainda existirão pessoas desta realidade, deve-se ainda partir um Engenheiro Biomédico é cada vez
para desempenharem as funções para “o outro lado da moeda”. À medida mais clara, passando por áreas muito
mais básicas da nossa sociedade? A que a sociedade muda, existem outras abrangentes, desde os Biomateriais até
resposta é óbvia, mas não tanto como necessidades e dessa forma é imperativa aos Componentes Electrónicos com
há vinte anos atrás, em especial em a adaptação dos sujeitos e das profissões especial destaque na inovação e até nas
Portugal. O exemplo é muito fácil, a essas mesmas modificações. Segundo adaptações de técnicas já existentes. O
para um investigador poder fazer o o Bureau of Labor Statistics’ list of the principal objectivo de um profissional
seu trabalho tem de se deslocar para o fastest-growing occupations prevê-se o nesta área visa criar técnicas mais
local do laboratório, por exemplo, para surgimento de mais de um milhão de rápidas, eficientes e não invasivas
isso é necessário que o seu veículo novos empregos até 2018, mas o mesmo para diagnóstico e tratamento médico,
de transporte esteja disponível e em não significa que existam profissionais com vista à melhoria da qualidade de
3 Dezembro 2011 RESISTANCE
5. vida da sociedade. Obviamente para mudar de rumo para nos sentirmos relatos de que os talentos portugueses
isso, os profissionais desta área devem realizados profissionalmente. É neste “fogem” para o estrangeiro em busca
passar por uma formação académica contexto que nasce o conceito de de melhores oportunidades. Na minha
muito intensiva nas mais diversas Empreendedorismo! As funções de um opinião, é em busca de melhores
áreas da Matemática, Física, Química, Engenheiro Biomédico exigem-lhe que salários, já que em Portugal existem
Medicina e Engenharia, sem nunca seja empreendedor na aplicação prática locais de instituições de prestígio
pôr de parte o espírito de inovação e e nas ideias de negócio. Isto é, não basta para a divulgação científica de novos
empreendedorismo. Na minha opinião, ter a ideia brilhante e pôr um dispositivo trabalhos, mas os financiamentos ainda
os gostos profissionais na sociedade em prática, é necessário levá-lo a não são os suficientes. No mês passado
passam por ciclos, consoante a área conhecer ao mercado de trabalho e foi apresentada uma nova plataforma
que oferece emprego e confere estatuto. fundar um negócio próprio inovador e que mostra toda a investigação que está
Infelizmente, existem sujeitos que obviamente sustentável. Nos tempos a ser produzida em Portugal na área
exercem uma dada profissão para a actuais, a conjuntura aconselha à das ciências da Saúde. O projecto dá a
conhecer os projectos de Health Cluster
...o The New York Times publicou a lista dos Portugal, salientando a importância
dez empregos mais promissores (…) o Engenheiro da retenção dos talentos nacionais
nesta grande área para uma ajuda na
Biomédico surge em primeiro lugar recuperação económica do nosso país.
qual não tem aptidão porque sabiam prudência, mas não ao marasmo. Foi em A maior ligação dos jovens talentos
que após a sua formação teriam um tempo de adversidade que os portugueses entre a investigação e as empresas
emprego garantido e/ou porque a sua souberam realizar os seus maiores feitos. poderia evitar essa fuga e ajudar a criar
influência na sociedade lhes confere O universo empresarial não é excepção. melhores condições de trabalho de modo
importância e altos salários. No nosso Com riscos e investimentos mais a produzir mais riqueza para a ciência
país essa é uma realidade, infelizmente. controlados é possível empreender em e para Portugal, já que actualmente
Assim, olhando à condição sócio- Portugal, desafiando todas as barreiras 24% dos investigadores trabalham em
económica de Portugal, e até mesmo do (in Expresso – Emprego 22 de Outubro empresas e 76% em Universidades.
Mundo, existem profissões sobrelotadas de 2011). A ideia final que pretendo Para terem ideia, nos EUA acontece o
e desgastadas, pelo que é necessário partilhar é que existem cada vez mais contrário.
RESISTANCE Dezembro 2011 4
6. Um olhar sobre os cursos de
Engenharia no DFUC
Miguel Morgado, Ph.D
Não sei precisar a data, mas em Setembro fazia sentido e era contrária à missão do primeiro computador português. Apesar de
passaram 27 anos desde o dia em que um DFUC. Ensinar um curso de Engenharia todos os constrangimentos, o curso de EF
grupo de 20 alunos, no qual me orgulho de era visto como algo que desvirtuava a prosperou. Se olharmos para os primeiros
estar incluído, iniciava as primeiras aulas pureza do ensino da Física. Recordo bem o 10 anos da sua existência, verificamos que
da Licenciatura em Engenharia Física da cartoon, da autoria de um professor, com o curso conseguiu sempre atrair alunos,
Universidade de Coimbra (UC). Com isso que a nova licenciatura e os seus alunos muitos deles de elevada qualidade. Quando
começava também a coordenação de cursos foram mimados. Importa notar que o em 1989 os licenciados começaram a sair
de Engenharia no Departamento de Física DFUC assumia a tarefa de coordenar o para o mercado de trabalho beneficiaram
(DFUC). Estávamos no ano lectivo de curso de EF sem que nele existisse qualquer de um forte crescimento económico e, em
1984/1985. Hoje, setenta por cento dos cultura de engenharia. Não havia particular, da expansão da rede de ensino
alunos inscritos nos cursos coordenados praticamente contactos entre o DFUC e o superior e de investigação científica. Entre
pelo DFUC são alunos de cursos de tecido empresarial. Dos seus professores 1989 e 1994, o curso teve 37 licenciados.
Engenharia. A criação do curso de em 1984, apenas 3 eram detentores de uma Destes, apenas 10 tiveram o seu primeiro
Engenharia Física (EF) foi impulsionada licenciatura em Engenharia. O principal emprego fora do sistema científico. Na
por um conjunto de professores do DFUC, argumento para tal coordenação era a forte minha opinião, e algo paradoxalmente, o
dos quais é justo destacar o Prof. Carlos componente de investigação em Física sucesso na atracção de alunos de qualidade
Nabais Conde. Contudo, conforme Tecnológica, particularmente em (54% dos licenciados entre 1989 e 1994
rapidamente me vim a aperceber, o novo instrumentação, testemunhada pelas vieram a doutorar-se) acabou por ser
curso não foi bem visto por toda a diversas publicações relacionadas com prejudicial para o curso. Não existindo
comunidade do DFUC. Uma parte detectores de radiação ou com electrónica relações entre o sector empresarial e o
significativa dos docentes achava que a nuclear e pela participação em projectos DFUC, também não houve a preocupação
existência de um curso de Engenharia não como o desenvolvimento do ENER1000, o de as criar. Afinal o curso ia suprindo as
necessidades dos centros de investigação
do DFUC e isso era considerado como
indicador de que tudo estava bem. Quase
que poderíamos dizer que ao DFUC
bastava que o curso cumprisse esta função.
E com este conforto nunca houve a
preocupação em criar relações com o
mundo empresarial. Claro que as
consequências surgiram. Apesar de o
número de recém-licenciados com primeiro
emprego fora do sistema científico ter
aumentado a partir do meio da década de
90, uma boa parte destes empregos
correspondiam a funções de docência no
Ensino Secundário e em Formação
Profissional. Nem o facto de a designação
“Engenharia Física” ter adquirido maior
visibilidade junto dos empregadores obstou
a que se criasse a ideia, na minha opinião
injusta, de que o curso, além de ser difícil,
não dava emprego. As candidaturas
5 Dezembro 2011 RESISTANCE
7. incentivadas com o programa de Estágios empresários no DFUC, particularmente
de Verão, que já envolveu 71 alunos. Qual aquelas que promovam uma cultura
é o panorama actual? Desde há uns anos, o empreendedora. Mas não pode fazer tudo.
DFUC encarou o problema do recrutamento Há limitações institucionais que dificultam
de alunos para os seus cursos, adoptou uma a promoção dos cursos e dos seus
atitude proactiva e realizou um trabalho diplomados. A solução passa, na minha
notável de divulgação junto das Escolas opinião, pela criação de Associações de
Secundárias que foi crucial para se atingir o Apoio aos cursos do DFUC, iniciativa que
estado actual em que todas as vagas de EF deverá partir necessariamente dos antigos e
e EB são preenchidas na 1ª fase. No entanto actuais alunos. Sei que está na forja uma
muito está ainda por fazer. Os próximos associação de apoio ao curso de EB. Penso
anos vão ser de grande exigência em termos que há lugar para outras associações, em
de colocação dos nossos Engenheiros no particular para a EF. Elas podem captar
mercado. Quer por condicionantes externas recursos financeiros e ter instrumentos de
como a crise económica, quer pelo maior promoção que não estão ao alcance do
número de finalistas que resulta DFUC. Um simples site web de divulgação
inevitavelmente do sucesso no recrutamento dos perfis dos alunos finalistas, dos
de alunos. E o DFUC não pode esquecer projectos que eles realizam, dos seus CVs,
que a empregabilidade dos seus cursos é o das carreiras daqueles que já acabaram o
melhor argumento para esse recrutamento. curso, foi algo que nunca foi possível fazer
Ainda são poucos os empresários que se dentro dos limites impostos pelos recursos
lembram do DFUC quando querem recrutar do DFUC e pela imagem institucional da
diminuíram, as vagas de acesso deixaram um engenheiro. Os que se lembram são UC. E isto é apenas uma ideia relativamente
de ser preenchidas. O DFUC demorou a basicamente sempre os mesmos. É raro ver óbvia. Terminada uma primeira fase de
reagir. Muitas vezes ouvi dizer que não um empresário no DFUC a dar uma consolidação do curso de EB e de
havia problema. As vagas não eram palestra. Menos ainda a leccionar um recuperação do curso de EF, é urgente
preenchidas mas os alunos que vinham módulo numa cadeira ou a avaliar um trabalhar para um novo patamar. É
eram muito bons… Em 2002 entrava em curso. Se exceptuarmos a Blueworks e a fundamental que seja criada, na comunidade
funcionamento o segundo curso de jeKnowledge, nos últimos 15 anos pouco empresarial, a percepção de que o DFUC é
engenharia coordenado pelo DFUC: a há a assinalar em termos de também uma escola de engenharia. Tal
então Licenciatura, hoje Mestrado empreendedorismo. Apesar do sucesso do exige um esforço considerável para tornar
Integrado, em Engenharia Biomédica (EB). curso, 50% dos diplomados de EB estão o DFUC um lugar que os empresários se
A sua criação inseriu-se numa vaga colocados no sector de investigação habituem a frequentar. É tarefa do DFUC
nacional de cursos de Engenharia científica, um número muito superior ao iniciar e promover esse esforço mas a sua
Biomédica, quase todos criados no seio de desejável (cerca de 20%). O número de total realização implica a criação de
departamentos de Física. E se é verdade empresas que colabora com o curso de EB organizações onde actuais e antigos alunos
que estes departamentos já realizavam estagnou nos últimos anos. Diria que os se possam congregar no apoio e promoção
investigação biomédica, nomeadamente cursos de Engenharia do DFUC estão a deles próprios e dos seus cursos.
nas áreas da imagem e da instrumentação, precisar de um novo
também o é que a criação destes cursos abanão. E há urgência em
resultou essencialmente da conjugação de fazê-lo. O DFUC pode e
dois factores: a falta de alunos nos cursos tem que fazer mais. Pode
oferecidos por esses departamentos, com fazer um esforço adicional
consequências no seu financiamento, e o para aumentar o número de
elevado número de alunos de grande empresas que proporcionam
qualidade que ficavam de fora dos cursos estágios e projectos e para
de Medicina. Com o curso de EB, o DFUC alargar a base geográfica
procurou não repetir erros passados. A dessas empresas. Pode criar
convivência com o curso de EF e o evoluir estruturas de avaliação e
dos tempos tinham alterado aconselhamento dos seus
substancialmente a forma de encarar a cursos que integrem
presença de cursos de Engenharia. Os elementos externos à UC.
alunos foram incentivados a realizar o Pode abrir a leccionação de
Projecto final fora da Universidade: dos matérias de cariz
184 projectos já concluídos, 41% foram tecnológico a especialistas
totalmente realizados em empresas ou de empresas. Pode, em
instituições externas à UC e outros 16% colaboração com o NEDF,
resultaram de colaborações entre criar iniciativas que
instituições externas e a UC. As ligações ao resultem na presença de
mundo empresarial foram ainda
RESISTANCE Dezembro 2011 6
8. À grande e à francesa
Carlos Moreira
Pode-se dizer que esta expressão é levada à letra pela que a organização tentou atrair assim mais espectadores.
indústria cinematográfica Francesa. Com um dos mais Resultou comigo. Ainda assim, não me vi a comprar mais
prestigiados festivais de cinema do Mundo, a França tem bilhetes para além do passe, como no ano passado. Talvez a
habituado ávidos cinéfilos a obras da sétima arte que tocam crise tenha chegado, não à minha carteira, mas à organização
os píncaros da excelência. Pela 12ª vez, Portugal partilhou do festival. Isto porque, desta vez, nem a inauguração teve
de obras cinematográficas Francesas “novinhas em folha”, tanta pompa nem os organizadores falaram bem português.
do mais “audaz” e “eclético” que por lá se fez, “delirantes”, Ah! E não houve macarrons… Pena. A escolhida para abrir
“corrosivas”, “magistrais” e mais qualquer coisa de causar a festa foi a fita Poupoupidou de Hustache-Mathieu, mas sem
“pele de galinha”. Na verdade, aqui por Coimbra, o festival a presença da protagonista Sophie Quinton, que deu o ar de
passou nos dias 2 aa 8 de Novembro, mais uma vez, pelo sua graça na abertura em Lisboa. Um filme premiado e com
Teatro Académico de Gil Vicente e os óptimas criticas, conta uma historia
anfitriões deste evento não se pouparam incomum ao estilo inimitável do
nos elogios na sessão de inauguração. realizador. Mas nada comparável ao
O sucesso deste festival por terras inesquecível L’Arnacoeur que abriu
lusitanas parece ser crescente ao por estes lados o festival passado. Vi
longo das sucessivas edições e não há que este acontecimento teve o apoio
dúvidas de que veio para ficar. Como de tudo o que se possa imaginar,
nos anos anteriores, a Festa do Cinema incluindo a Universidade, mas por
Francês trouxe estreias que ainda não Coimbra isso não se notou assim
saíram comercialmente, comédias e tanto. Até as legendas dos filmes
dramas bem ao estilo europeu e até tiravam folgas por momentos, o que
animações para os amantes de cinefilia irritava sobretudo naquela comédia
mais novinhos. E, para meu agrado, onde a única pessoa a rir-se era o
acrescentou novamente este ano estudante francês sentado na fila da
vários clássicos recuperados e inovou frente. Nem a madrinha do festival,
com a nova categoria de homenagem. a excepcional Carole Bouquet cá
Também para festejar o 50º aniversário pôs os pés, ficando-se também pela
da Semana da Crítica do Festival capital.Mas esquisitices à parte, há
de Cannes, foi possível fazer uma que concordar que iniciativas destas
pequena retrospectiva ao melhor são muito bem-vindas. Pela minha
cinema feito até hoje. Mas nem tudo parte, até podiam fazer festas do
foi perfeito como me fizeram acreditar, cinema de outras origens quaisquer,
com alguns trabalhos de fazer contar os já que, no fim de contas, vi bons
minutos no relógio e outros que intrigam e põem em causa a filmes, excelentes histórias e grandes actores. Os bilhetes são
suposta criatividade do realizador. Sim, porque, por detrás de relativamente baratos e o TAGV tem excelentes condições. E
películas de me levar às lágrimas tanto de rir às gargalhadas, agora, vestindo a pele daqueles críticos de cinema mas sem as
como de chorar discretamente, há outras que me fizeram levar expressões carregadas de palavras difíceis que impressionam,
as mãos à cabeça, tanto de pasmo por tantas cenas ocas e mas que ninguém percebe muito bem, acho que resumo esta
sem nexo todas juntas como de revolta pelo investimento experiência como uma oportunidade única para admirar
de 3,5€ numas horinhas de consecutivos bocejos e reflexões o espantoso trabalho que nesta velha Europa se faz. Uma
sobre as leis do Universo.Com a possibilidade de adquirir viagem à cultura gaulesa sem ir muito longe, numa magnífica
um passe para 5 filmes num valor mais em conta, suspeito ocasião que deve ser partilhada.
7 Dezembro 2011 RESISTANCE
9. Caminhos do cinema português
“Porque não gostam os portugueses do cinema
português?
— Ninguém gosta de se ver ao espelho!”
Manoel de Oliveira
Frederico Borges
Manoel de Oliveira, um realizador (heroínas?) num Portugal que desejamos das histórias esquecidas em Portugal.
português com 103 anos, responde com fingir que não existe. Vencedor de 4 Nas curtas-metragens vemos os novos
uma frase genial à relação dos portugueses prémios, incluindo o grande prémio grandes realizadores a crescer para
com a cultura. Nós não gostamos de nos do júri, realizador, argumento original assegurarem um futuro brilhante ao
ver ao espelho. Preferimos, ver, ouvir e actriz principal. Mas o que fez do cinema português. Nuno Piloto (vencedor
ou ler histórias fantásticas sobre seres Festival uma experiêancia a não perder do prémio da melhor curta) e André
que têm as vidas que gostaríamos de Badalo são exemplos disso. No entanto é
ter. Contam-nos as histórias dos nossos nas longas-metragens que o cinema chega
sonhos e brincam com as nossas emoções à sua essência. Com “Viagem a Portugal”,
de forma a terem a maior receita possível. vencedor da melhor longa-metragem
Mas a arte não é isso. Como disse o Woody e com uma representação assombrosa
Allen no seu último filme, o objectivo de Maria de Medeiros, e “América”,
da arte é procurar um antídoto para a a grande revelação do festival, ambos
insignificância da vida. “Caminhos do abordando o tema da imigração em
Cinema Português” mostram as diversas Portugal. “O Barão”, um remake de um
tentativas dos nossos realizadores para filme destruído pelo Estado Novo com
chegar a esse mesmo antídoto. Por isso, uma montagem e fotografia memorável ,
e “Quinze Pontos na Alma”. Estes filmes
ficaram com os prémios do “Caminhos”.
Contam-nos as O grande perdedor foi “A Morte de
Carlos Gardel”, numa adaptação de um
histórias dos nossos livro do António Lobo Xavier. Deverá
sonhos e brincam com as ter ficado em segundo lugar em muitas
categorias, tais como, melhor realizador
nossas emoções de forma e melhor longa-metragem. Também tenho
a terem a maior receita de referir a não atribuição do prémio de
melhor actor secundário a Nuno Melo
possível. por “Sangue do Meu Sangue” como uma
foi a diversidade e quantidade de bons enorme surpresa negativa. Nuno Melo
no TAGV não houve efeitos especiais, filmes. Grandes documentários como encheu a tela com esta representação.
nem filmes em 3D, explosões ruidosas “José e Pilar” (Melhor documentário e Este festival proporcionou cerca de 50
ou perseguições de carros. Só houve Prémio do Público), “Chamo-me António horas de Cinema Português oferecendo
Amor. Amor pelo Cinema. E que melhor da Cunha Teles” (sobre a nova vaga uma experiência fantástica a todos os que
filme para demonstrar esse amor, que o do cinema português), “Meio Metro participaram. Durante uma semana vimos
grande vencedor do festival. “Sangue de Pedra” (história do rock português) o verdadeiro Portugal e as suas tristezas e
do Meu Sangue” de João Canijo. Com ou “Éden” (Amor dos cabo-verdianos felicidades. Já é altura de nos começarmos
grandes interpretações das três mulheres pelo Cinema), exploram a realidade a ver ao espelho, não??
RESISTANCE Dezembro 2011 8
10. Entrevista
Maria Constança Providência Santarém e Costa
Profª Catedrática da FCTUC
texto_Rui Nunes
Quando despertou o seu interesse pelas desafiaram-me para integrar o cortejo altura, logo após a licenciatura houve um
ciências exactas, ou mais concretamente, e fui com uma cartola, não como agora, concurso para vários lugares, de modo que
para a física? que a cartola na altura era preta, mas fui. fiquei colocada. Agora não é tão fácil… Eu
Eu sempre gostei muito de Matemática, Apesar disso nunca fiquei muito ligada às também não vejo tão mal o que agora se
mas a Matemática só por si acho que é tradições e às vezes acho que há muitos passa no que diz respeito à possibilidade
um pouco abstracta, e a Física completa-a excessos. Se calhar porque nunca vivi de, depois de terminarmos um mestrado,
porque temos que usar a matemática as tradições como têm sido vividas aqui, podemos ter facilmente uma bolsa e
para descrever o mundo que nos rodeia. mas eu, quando fui fazer doutoramento tirar um doutoramento, porque também
Eu não tinha ideia nenhuma em mente em Inglaterra, fui considerada caloira, quebrava (a continuidade). Depois de
para outra carreira, mas sempre gostei de ou “fresher”, e os caloiros lá também terminar o mestrado, tínhamos sempre
Matemática e de Física, portanto foi um são muito bem tratados. Não como aqui: que dar aulas e só depois podíamos ter
percurso natural. No final do secundário lá são convidados para todos os clubes, uma possibilidade de dispensa para
tive muito bons resultados também a fazer um doutoramento. Quebrava a
Biologia e disse à professora de Biologia continuidade do estudo e uma pessoa, nos
que estava indecisa se havia de ir para anos em que é mais activa e pode produzir
Física ou para Biologia e ela disse que mais, ficava parada e tinha que dar aulas.
Biologia não, que devia apostar na Física Conseguia conciliar, mas não com aquela
(risos). A partir daí não tive mais nenhum dedicação que devia acontecer. Eu acho
ponto de interrogação sobre o que deveria que nos primeiros anos nós devíamos ter
seleccionar. a possibilidade de ficarmos especialistas
numa área de modo a tornarmo-nos
Apesar de ter nascido em Birmingham, independentes para podermos fazer a
tem nacionalidade Portuguesa e veio nossa própria investigação. Se não há
a Licenciar-se pela Universidade de aquele empurrão naqueles anos, depois é
Coimbra. Como era estudar em Coimbra mais difícil e as coisas vão estender-se no
nesse tempo? Quão diferente era do que o para todas as associações e instituições tempo.
que observa agora? que estão ligadas à vida académica ou à
Eu nasci em Inglaterra mas só fiquei lá vida cultural… à vida da cidade. Portanto, Mais tarde, após o mestrado, doutorou-
um ano. O meu pai estava lá a estudar, aquele primeiro trimestre é um trimestre se em Oxford. O que a levou a voltar a
nasci lá e quando regressei tinha um ano, de ir tomar o “port wine”, de integração. Inglaterra?
portanto os estudos foram todos feitos Ficamos a conhecer bem a oferta e eu Na altura em que terminei o mestrado
cá em Portugal. Estudar em Coimbra acabei por fazer parte da equipa feminina tive uma bolsa Alemã, por 2 meses, para
nesse tempo não era muito diferente de dos barcos de 8 (remo). Isto só foi ir discutir o meu tema de mestrado com
agora. Bem, não havia barulho… (risos) possível porque os estudantes que chegam um professor e a experiência que eu tive
Eu acabei a minha licenciatura, que na todos os anos são integrados e acho que na Alemanha foi má. A comunicação
altura eram 5 anos, em 1981. A tradição a integração é importante. Coimbra tem era a seguinte: tudo o que dizia respeito
académica foi reposta em 1980, ano essa vida académica: tem uma Associação à Física, discutia-se em Inglês, mas não
em que houve já cortejo da Queima das Académica muito forte, uma vida cultural havia nada para além disso. Portanto,
Fitas… no qual eu não participei. e desportiva com uma oferta muito variada durante dois meses eu vivi como uma
e eu acho que é importante integrar os ermita. Discutia Física mas não havia
Algum motivo pessoal? estudantes, mas às vezes há excessos. vida própria. Infelizmente, fui para
Tenho a impressão que foi uma questão de uma Universidade não muito grande,
não ter crescido com a tradição e portanto Começou a dar aulas logo após a que ficava num meio industrial, sem
não me dizia nada de especial. No ano licenciatura… vida cultural e eu senti isolamento. Lá
seguinte, em 1981, os meus colegas E na altura foi mais fácil do que agora. Na está, não houve integração. O grupo era
9 Dezembro 2011 RESISTANCE
11. disciplina. Tínhamos que fazer três
disciplinas por trimestre e os trimestres Como investigadora, faz parte do Centro
tinham 8 semanas, sem feriados. Podia de Física Computacional. Que tipo de
haver feriados na cidade, que eram sempre trabalho é desenvolvido?
à segunda-feira, mas a Universidade O Centro de Física Computacional está
não tinha feriados. Exigia trabalho dividido em cinco grupos: o grupo a que
dos alunos, tinham as aulas teóricas, eu pertenço dedica-se a problemas do
chamadas lectures, e aulas tutoriais, onde núcleo ou de muitos corpos. O meu tema
se discutiam todos os problemas que de investigação é as estrelas compactas
tinham sido resolvidos. Isso obrigava a e a equação de estado de matéria
um trabalho permanente… mas também assimétrica. Uma estrela compacta é
havia festa. Dava tempo para tudo. aquilo que é conhecido por uma estrela de
neutrões com muitos neutrões e poucos
Como eram os momentos de lazer? protões. Isso permite explorar a matéria
As pessoas encontravam-se nos colégios nuclear numa região do espaço que não
pequeno, e talvez esse tivesse sido outro
uns dos outros. Vivíamos em colégios, e era conhecida e que agora, com os novos
motivo que dificultou… Aí eu logo pensei
encontrávamo-nos no bar de cada colégio. equipamentos nos laboratórios, vai sendo
“Alemanha, não”. Como o Inglês era uma
O bar não ficava aberto até às 5h da possível obter resultados experimentais.
língua que eu conhecia, pois tinha nascido
manhã… (risos) No máximo até à 1h ou Há também um conjunto de pessoas que
em Inglaterra e tinha vontade de voltar ao
2h da manhã. Também havia saídas, ia-se estão mais ligadas a modelos de quarks
país, fui trabalhar com um Professor de
ouvir um concerto, ver uma peça de teatro, ou mesões. Há um segundo grupo que
Física, David Brink [1], em Oxford. Ele
idas até Londres ver um espectáculo também está ligado a esta vertente, a
era muito boa pessoa do ponto de vista
e havia um grande envolvimento no matéria hadrónica, um terceiro grupo que
científico e também muito agradável do
desporto: todos os colégios tinham campos tem como tema de investigação tanto a
ponto de vista humano. Conjuguei essas
de ténis, campos de squash… Mesmo que Astrofísica como a Geofísica e há ainda
duas coisas: voltar a Inglaterra e trabalhar
não fossemos peritos, pegávamos numa um quarto grupo que está relacionado
com uma pessoa de quem eu gostava e
raquete e jogávamos, e tudo isso eram com a história, o ensino da Física e a
que já conhecia.
momentos de encontro. divulgação da Física, que tem sido sempre
uma vertente forte deste Centro. Há ainda
Que diferença notou no método Britânico?
Em que incidiu a sua tese de outro grupo muito activo, coordenado
A investigação, neste momento, é feita
Doutoramento? pelo Professor Fernando Nogueira, que
em todos os lados segundo os mesmos
Naquela altura era um problema que presentemente se tem dedicado ao estudo
parâmetros. Mas claro, se estamos num
estava a ser discutido em meados dos anos da resposta de nano-partículas incluindo
meio que tem um grande número de
’80: a produção de piões, ou de fotões biomoléculas complexas a perturbações
pessoas a fazer investigação em temas
muito energéticos, em colisões de iões exteriores.
de fronteira é muito mais fácil ficar a
pesados com energias intermédias (por
conhecer os novos campos, os novos
volta de 50 MeV/partícula). Numa colisão Para o futuro, tanto próximo/distante:
temas, e de estabelecer ligações para
de carbono em carbono, ia haver um Alguma descoberta importante eminente?
futuras colaborações, o que torna tudo
núcleo com 12 x 50 = 600 MeV de energia Tem algum(s) projecto (s) em vista?
muito mais rico. Além disso, uma saída
cinética que ia incidir no alvo. O que se Numa estrela compacta, uma estrela de
do país é sempre importante porque
verificava é que era possível produzir neutrões por exemplo, um objecto de
nos mostra que o país é pequeno, que
piões com uma massa de 140 MeV. Ora 12km (de diâmetro), toda a informação
há muito para lá das nossas fronteiras.
uma só partícula, resultante da colisão de que nos chega, atravessa a crosta que tem
É algo sempre vantajoso, mesmo que
uma partícula com outra, não era possível 1 km. Enquanto o interior é composto,
a experiência não seja 100% positiva,
produzir esse pião. A única maneira era mais ou menos, por matéria homogénea, a
porque nos dá outra perspectiva. Ali, no
juntar a energia de parte dos nucleões crosta não é homogénea. Neste momento
Departamento de Física Teórica, que
para conseguir produzir essa partícula, o tenho-me dedicado mais às propriedades
estava também próximo do Departamento
que significava que tinha que haver um da crosta, e perceber coisas como como
de Física Nuclear e do “Rutherford
movimento colectivo que possibilitasse é que se propagam as excitações e as
Laboratory”, as pessoas encontravam-
a sua produção. Chamava-se a isso “a ondas, e quais as propriedades dos
se e falava-se dos vários temas, o que é
produção de piões abaixo do limiar”,
muito enriquecedor. Relativamente às
ou seja, abaixo do limiar nucleão-
aulas, tive que frequentar cursos durante
nucleão. Tratava-se de um problema
dois trimestres, obrigatoriamente, mais
núcleo-núcleo e o meu trabalho
um trimestre optativo, e tínhamos que
desenvolveu-se de modo a tentar
resolver problemas. Todas as semanas
perceber se um certo mecanismo
tínhamos uma folha de problemas para
podia explicar essa produção de
resolver, alternadamente, ou seja, na
piões, ou de fotões muito energéticos,
mesma semana não tínhamos de outra
que é o mesmo tipo de problema.
RESISTANCE Dezembro 2011 10
12. materiais da crosta (viscosidade, etc.). e dá aso à imaginação.
Tudo isto é importante para perceber
o sinal que recebemos dessas estrelas Será que a Professora está a lançar um
e é a perceber este sinal que podemos desafio aos estudantes do Departamento?
ficar a saber mais sobre a matéria dos Eu acho que isso era uma boa ideia! Em
núcleos. Este objecto é como um só primeiro lugar, estão mais próximos:
núcleo enorme, com 10km diâmetro e as crianças gostam muito e reagem
com uma matéria muito densa, enquanto muito bem a ter visitas na sala de aula,
que o campo magnético da terra é 0,5 G, principalmente para abordar este tipo de
lá pode ser 1015 G à superfície. Neste temas. O meu método era partir de uma
momento estou envolvida na descoberta pergunta, por exemplo “quantas cores
das propriedades internas destes objectos tem a tua caneta preta?”, algo em que com quem possamos dialogar de modo a
e é um tema que me atrai. eles nunca tinham pensado. Fazíamos encontrar as funções que sejam as mais
primeiro uma discussão, via-se o que é adequadas. O trabalho de presidir, ou
Também já esteve ligada a projectos de que eles sabiam ou não sobre o tema, dirigir, uma instituição é simplesmente
divulgação e ensino da Física… o que é que eles já tinham pensado e um trabalho de pôr as pessoas a falar e
Estive ligada a vários projectos da por vezes perguntava-lhes como é que a chegar a soluções para os problemas
Ciência Viva porque, à medida que podiam testar alguma ideia que já tivesse que se levantam na instituição. Na altura,
as minhas filhas foram crescendo, surgido. Se não tivesse ideias, propunha- naqueles dois anos, já se tinha feito toda
eu fui acompanhando as escolas e as e eles realizavam a experiência, a transformação de “Bolonha”, já tinham
desenvolvendo algumas actividades interpretávamo-la e discutíamos. sido aprovados os primeiro e segundo
nas escolas delas, que acabei por juntar É um percurso que acho que todos ciclos, de Física e de Engenharia Física,
em livros. Penso que a maneira como podiam desenvolver, nomeadamente e o curso de Engenharia Biomédica já
as ciências são abordadas no 1º, 2º e 3º aperceberem-se que há questões para havia sido formulado como mestrado
Ciclos em Portugal não é como podia ser: as quais não temos respostas, mas integrado. Foram os anos em que foi
o programa permite que se faça mais mas podemos tentar encontrar uma resposta preciso pôr a funcionar esses novos
os professores não têm essa preparação. e tentar perceber o que se está a passar. currículos e criar os terceiros ciclos.
Acho que o essencial é o diálogo e ter-
Mas vocês, estudantes, já sabem: se precisarem se bons colaboradores. Tem que se ver
de alguma coisa é só virem ter comigo e falarmos, quais são as actividades que é importante
desenvolver, e responsabilizar pessoas
estou à vossa disposição para diálogo. para essas actividades. Isso é bom para
a instituição, porque temos o ponto de
Os professores têm medo de fazer Descobrir que podemos pensar sobre um vista de outras pessoas, que é sempre
experiências. Isso era um campo em que problema e chegar a algo que leve a uma enriquecedor, e é bom para a pessoa,
vocês, como estudantes, podiam ganhar solução, que não é magia, e que as coisas porque se ganha experiência em algo que
experiência: obriga a pessoa a ganhar que estão nos livros é porque alguém as talvez ainda não se tenha feito, e isso é
vocabulário, a conseguir exprimir ideias testou e alguém as experimentou. sempre importante.
complexas de uma maneira simples,
ajuda a saber relacionar-se com os outros Foi presidente do Conselho Científico Quais são as suas espectativas para a
do Departamento de Física desde 2007 Direcção do Departamento de Física?
a 2009. Como consegue conciliar tantas Para já não tenho espectativas nenhumas
actividades? Quais são as principais porque foi inesperado… (risos) Para já,
funções desempenhadas neste Conselho? ainda não estou bem inteirada e ainda
Essa experiência terminou mas já vai nem estudei bem os problemas que o
recomeçar brevemente pois acabei de Departamento possivelmente tenha como
ser eleita Directora do Departamento Instituição. Sempre estive envolvida
de Física. Eu acho que temos que ser mais na parte científica, mas logo que
organizados e é necessário colaborar. Ser tome posse como Directora ficarei a
Directora do Departamento ainda não sei saber quais são os problemas que terei
bem o que é mas rapidamente saberei que resolver. Mas vocês, estudantes, já
(risos). Como presidente do Conselho sabem: se precisarem de alguma coisa é
Científico tinha que resolver problemas só virem ter comigo e falarmos, estou à
do âmbito científico do Departamento vossa disposição para diálogo.
e os problemas são problemas de um
Departamento, de um conjunto de 1 Prof. David Brink, Ph.D. é um dos
pessoas que vivem num Departamento. fundadores da Física Teórica Nuclear,
É preciso perceber o que é que se passa membro da Royal Society e galardoado
e é preciso ter colaboradores com quem com a Rutheford Medal do Institute of
trabalhemos bem, em quem confiemos e Physics, Reino Unido.
11 Dezembro 2011 RESISTANCE
13. Se divertindo em Genebra
Edson Ferreira
15,0 franco suíço se procurar algo um andando. A descida foi bem divertida, a
pouco mais elaborada o preço sobe chão estava um pouco molhado, resultado
exponencialmente. Se paga bem mais a muitas pessoas escorregaram, nada
qualidade dos produtos é excelente, por séria, mas suficiente para ser motivo de
isso os relógios e os canivetes suíços muita graça. Descobri que levo jeito para
são conhecidos mundialmente pela sua descer montanha, e que isto pode ser uma
excelência. Não fica só nisto, até os atividade muito interessante. Perdemo-
biscoitos considerados mais baratos são nos durante a descida, mas conhecemos
deliciosos! Em relação à diversificação um pequeno povoado muito bonito e em
cultural encontram-se pessoas vindas de que os moradores eram bem simpáticos.
várias partes do planeta. Nota-se uma Depois de algumas voltas encontramos
grande concentração de árabe, chinês, novamente o caminho, toda esta aventura
português etc. A Suíça possui vários levou cerca de três horas e meia. A
idiomas entres eles: alemão, francês e descida em si valeu muito a pena. Outro
A viagem foi fantástica, pois a cidade italiano. O idioma oficial de Genebra lugar interessante que visitamos foi o
de Genebra é linda, muito organizada e é o francês, mas quase toda gente fala Museu de História Natural, que é um
as pessoas são simpáticas. Basicamente também o inglês, e desta forma não prédio com cerca de cinco andares. Em
toda a cidade de Genebra é plana, este tivemos problemas com o idioma. Fomos que cada andar ficava com uma classe
é uns dos motivos pelos quais grande visitar o CERN, o maior acelerador de animal como: mamíferos, repteis etc.
parte da população andam de bicicleta. de partículas do planeta, não deu para Além disso, possuía uma sessão destinada
É interessante e até engraçado você ver muita coisa, pois os aceleradores aos minérios possuindo rochas e cristais
esta caminhado pela cidade e vê muitas estavam em funcionamento. Mas deu de varias partes do planeta.Visitamos
pessoas várias delas com terno indo para conhecer o seu funcionamento, também o Jardim botânico que tinha
trabalhar de bicicleta, e as crianças visitar a estação onde são processadas cerca de 30 hectares, o interessante além
andam de patinete. Uma coisa que me as informações de um dos aceleradores de ser a paisagem que possuía espécies
chamou muito a atenção é a organização que é o Atlas, conhecemos também um de vários países, eram as estufas por
dos suíços, é espetacular! Eles possuem enorme armazém onde são construídos e eles construídas. Estas estufas buscava
um sistema de transporte bem eficiente, testados os equipados que serão utilizados representar as varias características
composta de autocarro (ônibus), trem nos aceleradores, deu para ver vários como pressão, umidade, temperatura
e pequenas embarcações. Que para os equipamentos de perto, foi fantástico! etc. De diversos ambientes diferentes.
visitantes é gratuito, isto mesmo desde Por fim visitamos o microcosmo que é Conhecemos também o Museu Ariana,
o aeroporto e durante toda a sua estadia uma exposição permanente de divulgação que é um museu de artes cerâmica,
em Genebra os transportes públicos são científica que por sinal foi muito que possuía uma grande coleção de
gratuito. Quando você está caminhando interessante. Por Genebra ser toda plana porcelanas das diferentes regiões e
pelas ruas e fecha o sinal de transito, a estratégia utilizada para conhecê-la épocas históricas. Como era fantásticos
mesmo que não esteja vindo nenhum melhor foi à caminhada visitamos quase os detalhes empregados na construção
carro ninguém atravessa a faixa. Genebra todos os principais pontos andando. das peças, algo realmente digno de
é um dos centros mais importantes da Visitamos a ONU (Organização das admiração. Como não podia deixar de
diplomacia internacional, sendo sede Nações Unidas), foi uma visita guiada ser visitamos três igrejas: uma cristã,
de vários órgãos de cooperação, como com uma senhora muito simpática, uma protestante e uma russa. Cada
a ONU, a Cruz Vermelha, OMC, OIT, conhecemos a estrutura da organização, uma com suas diferentes arquiteturas e
CERN etc. Sendo por isso conhecida um pouco da sua história e deu para entrar peculiaridade.
como a Capital da Paz. Genebra também e sentar nas cadeiras dos representantes
se destaca como um dos principais dos vários países, foi bem divertido!
centros financeiros do mundo. Em várias Demos um pulinho em França para subir
partes da cidade você encontra enormes uma de suas montanhas de teleférico,
bancos internacionais. Este é uns dos chegamos ao ponto mais alto que era 1
motivos pelos quais os preços dos 100 m de altitude em cinco minutos. A
produtos em Genebra são considerados vista lá de cima era descomunal, dava
bem elevados em relação a grande parte para ver toda Genebra e uma parte da
da Europa. Geralmente uma refeição França. Para tornar o passeio um pouco
simples fica no mínimo entre 12,5 e mais interessante decidimos descer
RESISTANCE Dezembro 2011 12
14. Estado estacionário
Ilha Terceira
João Borba
É algures entre os EUA e Portugal Continental, no meio do qualquer ilha
Oceano Atlântico, que se situa a minha terra natal. Sendo uma dos Açores) é,
das mais carismáticas ilhas do arquipélago dos Açores, a Ilha obviamente, no Verão.
Terceira apresenta no mapa uma forma praticamente elíptica, e Primeiro, porque é
tem um perímetro de 90 kms e uma área de cerca de 402,2 km2. Verão, e apesar do
Estes números já me valeram as mais diversas piadas durante clima ameno e húmido
os meus seis anos em Coimbra, que vão desde “Lá onde vives predominar durante
sais de casa, dás um passo errado e cais ao mar!” ou “Quando os doze meses de
as crianças vão para o infantário levam sempre braçadeiras para cada ano, a humidade
o caso de acontecer algo de errado!” ou até “Lá nos Açores, os é menor durante o
carros têm duas mudanças…a primeira e a segunda! A mudança Verão, o que permite
para fazer recuo não é precisa, dá-se a volta à Ilha!”, entre a existência de ondas
outras anedotas que até já me valeram algumas risadas. Por de calor. E segundo,
vezes, porque tiveram mesmo piada, outras vezes porque são porque a ilha Terceira,
o auge da ignorância. E aviso desde já: nós, os Terceirenses, durante o Verão (e
somos pessoas bastante protectoras do seu território e qualquer fazendo uma analogia
piada semelhante poderá não ser respondida da forma mais com Coimbra),
agradável. No entanto, e não querendo afugentar qualquer resume-se a festa atrás de festa. Nós até costumamos dizer
turista, nós somos, por norma, pessoas extremamente em jeito de piada que os Açores têm oito ilhas e um parque de
acolhedoras, humildes, e divertidas. Comunicamos entre nós diversões! Desde Junho a inícios de Outubro que a festa não
num dialecto extremamente peculiar (e que não tem nada pára, tendo como exemplos maioritários as míticas Sanjoaninas
a ver com o dialecto de São Miguel, como muitos julgam), e as sempre esperadas Festas da Praia. De salientar também
onde falamos extremamente rápido, não acabamos as sílabas e a cultura taurina da ilha Terceira. Se um dia estiver nalguma
adicionamos “Is” antes de certas palavras. Para nós “Escada”, rua e esta ficar vedada ao trânsito, não estranhem. É apenas
dito é “Esquiada”, ou “Vamos Embora” é “Vamos Embiora”, uma das maiores atracções da nossa Ilha, as touradas à corda!
uma ‘Sagres Mini’ é uma ‘Fresca’, ou quando estamos Nestas, um touro é amarrado com uma corda pelo pescoço que
impressionados com algo, usamos uma variância do termo “É, é segurada por 6 homens (os denominados ‘pastores’). O touro
Homem!”, que é “É, uóme!” para exprimir o nosso espanto. é então, largado na rua que tinha ficado vedada, e alguns mais
Existem diversos locais onde este dialecto é mais forte, corajosos saem à rua para correr com ele. As outras pessoas
principalmente nas freguesias onde habitam menos pessoas. juntam-se nas casas e convidam os amigos e conhecidos para
A melhor altura para vir visitar a ilha Terceira (bem como entrarem para comer e beber enquanto vislumbram a tourada da
varanda ou da entrada da casa. Não se preocupem se perderem
uma tourada! É raro o dia de Verão em que não haja pelo menos
uma toirada à corda em algum local, é só estar informado sobre
qual será o próximo sítio! Não menos importante será referir
que Angra do Heroísmo (uma das duas cidades da Ilha Terceira,
sendo a outra a Praia da Vitória) é considerada Património
Mundial pela UNESCO, e que temos, num território pequeno,
uma beleza natural praticamente inigualável no Mundo [1]. O
único senão para se deslocarem aos Açores poderá ser os preços
das passagens. Devido à monopolização da parceria SATA/TAP,
90% das passagens ida e volta rondam os 300 euros por pessoa
de Lisboa para qualquer ilha, um valor que não é certamente
suportável por grande parte dos Portugueses, e ainda mais em
época de crise. No entanto, será um crime ir deste Mundo sem
nunca ter visitado os Açores, e principalmente, sem nunca ter
passado umas belas semanas no seu parque de diversões, a Ilha
Terceira!
[1] Relativamente a esta afirmação, falo em nome dos Açores.
13 Dezembro 2011 RESISTANCE
15. Estado exitado
Ser Estudante em Uppsala:
viajar é aprender
Pierre Barroca
“SÓ viajas, SÓ viajas”, dizem uns; “SÓ vida boa, não fazes nenhum”, dizem
outros.
Em parte é verdade mas não é SÓ Nações que são mini-associações estudantes e até uma sala dedicada aos
isso. Tenho tido o privilégio de de estudantes que representam os estudantes de muçulmanos poderem
viajar por alguns países com estatuto estudantes cujos associados podem dar rezar na paz de Alá. Não se cobra
diferente de mero turista e é difícil entrada nos bares a custo zero. Não qualquer tipo de propina para além
passar esta ideia para o outro lado. sendo associado paga-se um pequeno de se garantir quase imediatamente
Mais que visitar a cidade, esforço- valor de entrada onde a cerveja é uma bolsa de no mínimo 200euros
me em aprendê-la e, nessa medida, baratíssima! Baratíssima em Uppsala para ajudar os estudantes a suportar
considero-me mais um Estudante é sinónimo de 3,50eur no mínimo por custos de alojamento em residências
Viajante que um mero Turista. Em garrafinha de 33cl de birra!! Depois universitárias.No que resulta tudo isto?
Abril deste ano tive a sorte de ser de dar entrada é dá-se lugar à festa até Conforto, sem dúvida mas não só.
aceite como ajudante na organização máximo dos máximos 2h da manhã. Entre estudantes sentia-me um primata
de um curso para estudantes europeus Agora fora a vida noturna, que Uppsala durante discussões sem qualquer tipo
na cidade universitária de Uppsala, não se resume só a combeber, tenho de atropelo lógico, na pontualidade
Suécia. Em Uppsala podem encontrar a referir que o modo de vida Sueco e na forma de interpretar algumas
umas das universidades mais antigas é totalmente diferente do que estava questões. Dou como exemplo uma
da Europa, fundada em 1477 e à noite, habituado. O meio de transporte das maiores lições que vem de uma
ruas recheadas de estudantes em festa! número um de todo e qualquer história de um grande amigo meu que
À semelhança de Coimbra, são os estudante é a bicicleta. Mesmo vivendo estudou em Uppsala que irei tentar
estudantes que fazem da cidade de a 30 min da sua Faculdade. Perdi transcrever. “Estava eu a meio de um
Uppsala uma cidade cheia de vida, todos os dias, no mínimo, 1h30min de exame quando vários suecos saem
no entanto Caros conterrâneos, não bicicleta a percorrer as ruas achatadas subitamente da sala com o professor
esperem sentir-se em casa por terras da cidade. Fiquei impressionado com presente. Passado algum tempo voltam
escadinavas! Esqueçam saídas à noite a capacidade física de meninas de e retomam o exame. Depois do exame
a partir da 1h, esqueçam escandaleira cabelo amarelo e dos velhotes.Indo acabado perguntei o que tinham ido
nas ruas, esqueçam cerveja a 50cent, a uma cidade maravilhosa como esta fazer fora da sala, no que eles me
esqueçam aquele xixi orgásmico podemos darmo-nos conta daquilo dizem com toda a calma do mundo que
nos recantos das ruelas ou no meio que é realmente o resultado de um tinham ido a casa de banho. Chocado,
de arbustos, esqueçam fazer lixo, sistema de Educação que funciona. perguntei como podia o professor
ESQUEÇAM! 20h de quarta-feira O sistema sueco ultrapassa qualquer aceitar tal coisa visto assim ser fácil
(melhor noite em Uppsala a par de coisa que alguma vez pude imaginar. copiar, no que eles me respondem:
sexta) e já se viam fileiras a seguir Desde infraestruturas super cuidadas “Copiar, como assim? Se copiares não
ordeiramente rua fora toneladas de e com tecnologia recente, serviços aprendes!”. “ Posto isto o meu amigo
meninas bonitas bem vestidas (reitero, competentes, todo o tipo de serviços calou-se, acenou educadamente e
TONELADAS) e meia dúzia de seres oferecidos aos alunos dentro do refugiou-se na vergonha em que a sua
humanos do sexo masculino. Perante próprio edifício da faculdade como pergunta, aparentemente ridícula, o
isto, pensava eu: “Toda a gente a jantar chuveiros acessíveis a qualquer hora deixou. Esta é parte da realidade que se
fora? Rica vida!”. Mas NÃO! Eles já do dia, salas comuns com equipamento vive numa cidade de estudantes sueca
se estavam a preparar para mais uma de cozinha recente para fazermos que só um Estudante terá oportunidade
noite boémia. Em Uppsala os bares as nossas próprias refeições, salas de viver e que eu recomendo a todos
alvo estão divididos pelas chamadas de estudo para pequenos grupos de experimentarem.
RESISTANCE Dezembro 2011 14
16. 16 frames por segundo
“Jamaica Inn” (1939)
Um dos filmes mais esquecidos e injustiçados de Hitchcock - um caso sério de afecto. Por volta
de 1800, na Cornualha, um bando de contrabandistas liderados discretamente por Sir Humphrey
Pengallan, o juiz local, provoca naufrágios na costa marítima, saqueando os navios. O seu “quartel-
general” é a “Pousada da Jamaica”, gerida pelo casal Merlyn, que acolhe Mary Yellan, uma sobrinha
órfã que vai alterar o estado das coisas. Última fita britânica de Hitchcock antes do rumo à América,
A Pousada da Jamaica é uma surpreendente obra que não merece o desprezo a que foi votada. Tem
um preto-e-branco apaixonante, com a fotografia contendo uma saudável “sujidadezita” que emana na
perfeição aquela pureza dos filmes antigos consideravelmente estilizados. E que estilo tem Hitchcock!
Aproveita com uma perícia insuperável o céu, os navios, os cenários naturais exteriores, os close-ups
e até a indumentária dos actores para projectar planos de um deslumbramento visual arrebatador. É
sim um filme de cenas marcantes, mas acima de tudo, é um filme de sentimento estético marcante.
Charles Laughton dá um autêntico show interpretativo como Pengallan, com um egocentrismo
destacável mas com uma classe assombrosa. É um imponente e requintado vilão que só deixa boas
recordações. Já Maureen O’Hara, faz aqui a sua estreia ao encarnar a protagonista feminina, e fá-lo em
grande, demonstrando um carácter forte e um empenho não menos sentido, intervindo exemplarmente
num bom leque de cenas de puro fascínio superiormente filmadas. Quanto à cena final do filme, que
obviamente não revelarei, e que poderá parecer algo estranha, não prima por uma surpresa estonteante,
mas sim por uma afinada inteligência que proporciona um adequamento superior à obra. Não há
dúvidas: a fase britânica de Sir Alfred merece mais.
Artur Almeida
“Peaceful Warrior” (2006)
Filme de 2006, realizado por Victor Salva e baseado no livro “pseudo-auto-biográfico” motivacional,
The Way of The Peaceful Warrior. A história contada é a de Dan Millman (Scott Mechlowicz),
um estudante universitário e ginasta que sonha representar o seu país nas olimpíadas. E apesar de
aparentemente ter tudo o que deseja, o arrogante Dan parece não conseguir preencher um vazio no
campo da felicidade. Até que conhece Socrates (o veterano Nick Nolte), e se aventura por estradas
que ainda não tinha percorrido. As performances dos dois actores principais estão dentro do aceitável
tendo em conta o guião, que em muitos momentos se revela demasiado surreal. Aceitando que este
se baseia numa história verídica, e que o ponto forte do filme é a sua mensagem, de crença na força
do espírito humano, seria de esperar um argumento que reflectisse melhor a realidade. Que não desse
azo a que o espectador sinta que tudo não passa de mais uma historia banal e figurada de esperança.
Ainda assim, não deixa de ser uma historia inspiradora, que relembra ao espectador que mesmo nas
alturas mais difíceis, o Homem dá a volta ao mais improvável rumo dos acontecimentos. No final fica
a sensação que o filme perde credibilidade na transmissão do seu significado, e com isso, valor. Mas
se o espectador conseguir abstrair-se de alguns momentos menos credíveis, encontrando o verdadeiro
significado do filme, então não são (de todo!) duas horas perdidas.
Gonçalo Louzada
15 Dezembro 2011 RESISTANCE
17. 16 frames por segundo
“Submarine” (2010)
Oliver Tate (Craig Roberts) é um jovem de 15 anos que vive problemas com as duas mulheres da
sua vida. De um lado, a sua depressiva mãe (Sally Hawkins) que vive um aborrecido e monótono
casamento com o seu ainda mais depressivo pai (Noah Taylor). As coisas ainda ficam piores com a
presença de um ex-namorado (Paddy Considine) de longa data da sua mãe na vizinhança. De outro
lado Jordana (Yasmin Paige), a sua recente namorada, e cuja relação entre ambos aparenta ser o oposto
do tradicional romance. O realizador Richard Ayoade retrata um Oliver que vive as ansiedades da
juventude (romance, sexualidade, pais, escola, colegas…) com um sentido de humor cru e por vezes
cruel, enriquecendo a história alegoricamente, fugindo à monotonia e linearidade. Num filme povoado
de pessoas aparentemente tristes, Ayoade evita o foco nessa tristeza, levando a viagem para o modo
como Oliver e companhia encaram a sua realidade. Os porquês são subjectivos, o tempo não pára e
Oliver segue caminho, perseguido pelas questões tão comuns da idade: Crescer? Viver? Fugir? Mas
desengane-se quem pensa que este é um filme comum. A banda sonora, composta pelo génio britânico
de Alex Turner, parece sempre encaixar perfeitamente nos momentos chave do filme. Nesses instantes,
a música fala pelas personagens. A peça que faltava a este puzzle. Uma comédia delicada, por vezes
negra, agridoce, que vive da sua continuidade enquanto história. A bela sensação de estar na mente
do alguém com 15 anos é real. Oliver pode não ser feliz para sempre. Mas por agora, o sempre não é
assim tão importante.
Gonçalo Louzada
“Atonement” (2007)
Expiação. Castigo. Pena. Penitência. Termos que a nossa mente não reconhece, na medida em que,
na sua perspectiva, tudo se trata da realidade; e o que é real é autêntico, não havendo forma de ser
revertido. Deste modo, é sempre uma tarefa árdua incutir-lhe não a realidade, pois ela própria constrói
uma sua, mas sim instigar-lhe a interpretação correcta do mundo exterior. Para isso, é necessário um
treino quase transcendental do nosso entendimento. E que o diga a pequena Briony, que, vitimada
por uma versão errónea dos factos que a sua mente lhe terá apresentado, despedaçara o afortunado
futuro da sua irmã, Cecilia, ao lado do seu eterno amado, Robbie, um simples filho de um caseiro.
Tudo terá sucedido no dia mais quente do Verão de 1935 que, apesar dos banhos refrescantes nas
mais paradisíacas lagoas; das roupas frescas e leves a “voluptuarem-se” sobre os corpos tórridos; dos
passeios no éden de jardins verdejantes; um balde de gelo precipitava-se sobre Inglaterra, vaticinando
a terrífica 2ª Guerra Mundial. Com 13 anos, uma vida luxuosa e oponente, e influenciada pelas piores
atitudes das pessoas menos indicadas, que se erguiam à sua volta, a pobre Briony terá iniciado a sua
própria guerra… um confronto invencível com a sua própria mente, com a conquista da paz interior.
Uma sequência de mal-entendidos, cenários irreais postos em causa, mentiras, e o velho problema do
“timing” errado, aniquila assim qualquer possibilidade de Robbie e Cecilia resistirem às atrocidades
hitlerianas. Um filme fantástico, arrepiante, emocionante e, acima de tudo, purificante; sim, porque
nos dá leveza à alma, porque nos obriga a rever-nos na personagem da pequena Briony e relembrar
todas as situações em que poderemos ter colocado a felicidade de alguém em causa, vitimizados pela
nossa mente frágil e adúltera e; paralelamente, a encontrarmos a paz interior. Sim, porque a realidade
verdadeira, aquela que não é falsificada pelo nosso intelecto, passa por nós a sorrir; nós é que não lhe
retribuímos o gesto, preferindo abraçar o espírito esvoaçante de um propósito egoísta sem retribuição
definida. Resta ver, para gratificar a realidade “concreta” pelo gesto tão simpático.
Joana Paiva
RESISTANCE Dezembro 2011 16
18. 78 rotações por minuto
Foals
Florence + The Machine
Antidotes
Ceremonials
Desengane-se quem pensa que Oxford é só Universidade.
Depois de construírem uma sólida comunidade de fãs, com
singles como Hummer ou Mathletics, e com loucas festas que Devido a um primeiro álbum de enorme qualidade (Lungs,
protagonizaram pelo meio, os Foals lançam Antidotes em 2008. 2009), a uma atitude carismática fora e dentro do palco, e a
Produzido originalmente por Dave Sitek (guitarrista de TV espectáculos ao vivo emocionantes e intimistas, Florence Welch
on The Radio), os próprios Foals refizeram esse trabalho em e a sua ‘máquina’ ganhou rapidamente uma fanbase fiel e elitista,
Londres depois de não ficarem totalmente satisfeitos. Antidotes sem deixar de conseguir chegar ser mainstream num ou noutro
é um álbum revigorante em que é impossível ser absorvido momento (principalmente com a tão conhecida “You Got The
pelas agudas guitarras de Yannis (também vocalista) e Jimmy, Love”). Ceremonials é o sophomore effort de Florence, e foi
que tão bem se completam e conjugam durante 44 minutos. lançado no dia 31 de Outubro. Acaba por ser difícil descrever
The French Open dá as boas vindas da melhor maneira, Ceremonials. Florence deu asas à imaginação, e sempre frágil
conseguindo transmitir várias das sensações que o álbum vai mas confiante, exprime-se ainda mais do que se julgava possível.
explorar. Depois da solene abertura, Cassius estala o verniz, Florence explora novos caminhos, algures entre o soul e o gospel,
está na hora de dançar. Red Socks Pugie é reconhecida pela sua o que resulta num álbum com um clima bastante sombrio. Esses
inconfundível e enérgica bateria mas no final dá espaço para ambientes mais negros estão exemplarmente expressos na faixa
Olympic Airways estabelecer o ambiente perfeito à entrada de inicial “Only If For The Night”, na misteriosa “Seven Devils” e
Electric Bloom. Sublime e bela na sua simplicidade, dura quase na honesta “Never Let Me Go”. E para não destoar, “What The
5 minutos, ainda assim demasiado efémeros. Balloons volta Water Gave Me” e “Breaking Down” juntam ambientes pseudo
a subir o ritmo e as tímidas Heavy Water e Two Steps Twice – progressivos aos coros de igreja. Pelo meio, Florence continua
guardam o melhor para o seu fim. Inatamente alegre é Big Big com uma facilidade notável em fabricar hinos atrás de hinos
Love (Fig. 2), leve e serena. No final, um mergulho em Like (“Shake It Out”, “No Light, No Light”) e em saber construir
Swimming e Tron, que tal como o filme homónimo nos leva músicas poderosas, capazes de mandar uma casa abaixo como
ao virtual e nos deixa por lá. Uma fusão da energia do “Dance- “Heartlines” ou “Spectrum” (provavelmente a melhor faixa
Rock”, a complexidade do “Math-Rock” e aquele toque único do álbum). “Leave My Body” é também uma forma perfeita
de “Brit-Indie-Rock”, tornam este álbum um misto de emoções de acabar um álbum emotivo: com um estrondo (e com uma
e energia, um antídoto para a monotonia musical que se vive fantástica performance vocal de Florence Welch). Ceremonials
cada vez mais no mundo artístico. é uma investida extremamente bem-sucedida por caminhos
bastante perigosos. Durante as dozes músicas, dá sempre a
sensação que Florence canta os seus temas com o anjo e o diabo
Gonçalo Louzada em cada mão. O resultado é misto gritante de emoções à flor da
pele. Ceremonials é violento, poderoso, intenso, humano. Um
dos álbuns do ano!
João Borba
17 Dezembro 2011 RESISTANCE
19. 78 rotações por minuto
Noel Gallagher High Flying Birds
Noel Gallagher’s High Flying Birds
João Borba
Oasis. É difícil não reconhecer pelo menos uma/duas músicas de uma das
bandas mais icónicas da infância/adolescência da tão injustamente afamada
geração “à rasca”. Apesar deste sucesso a nível mundial, era certo e sabido que
o ambiente dentro da banda nunca foi o melhor e que as brigas dos orgulhosos
irmãos Gallagher iriam, eventualmente, levar ao fim da banda. Há dois anos, esse final foi uma realidade, e cada irmão seguiu o seu
caminho. Liam Gallagher segurou os elementos dos Oasis e criou a banda Beady Eye logo após o término dos Oasis. Já com um
álbum lançado, a banda atingiu algum sucesso no Reino Unido. Já Noel preparou algo que há muito pretendia: a sua carreira a solo.
E assim nasceu Noel Gallagher’s High Flying Birds, cujo álbum homónimo foi lançado no dia 17 de Outubro em território europeu.
O álbum abre com “Everybody’s On The Run”, que ou muito me engano, ou estará na lista de melhores músicas de 2011. A mistura
de elementos clássicos com uma vontade auspiciosa de gritar a cantar está magistral. É também possível vislumbrar que a chama
dos Oasis ainda não se apagou no coração de Noel. “Dream On” e “If I Had A Gun” são cheesy brit pop, “The Death Of You And
Me” parece uma “The Importance Of Being Idle” (Oasis - Don’t Believe The Truth, 2005) limada até à perfeição, e “I Wanna Live
A Dream (In My Record Machine)” faz lembrar os bons psicadelismos de certos álbuns. E se julgavam que não é possível dançar
num álbum de Noel, serão surpreendidos por “AKA…What a Life!”, onde um piano triunfante dita um ritmo irresistível. Destaque
ainda para a polémica “Stop The Clocks”, uma música que estaria prevista para sair num dos álbuns do Oasis, mas que nunca chegou
a ver a luz do dia. É brilhante, e extremamente pessoal a produção que Noel colocou nesta música. Perdão, obra-prima! Foi Noel
quem decidiu colocar um ponto final nos Oasis. Terá sido a melhor decisão, em termos de fazer a sua música chegar às massas?
Claramente, não. Terá sido a melhor decisão a nível musical? Provavelmente. O prólogo do livro de Noel Gallagher tem um começo
mais auspicioso que o do seu irmão. Seguem-se os próximos capítulos…
Umphrey’s McGee
Anchor Drops
Rui Nunes
Desta vez trago-vos uma banda originária de Chicago; pouco conhecida no
panorama Americano, muito menos internacionalmente. O primeiro contacto que
tive com a música deles foi em Abril de 2007, no dia da Terra, num concerto
gratuito (e genial), ao ar livre, no Millennium Park, em Chicago. Os Umphrey’s
McGee tocaram literalmente do início ao fim, com sessões de jamming e solos
de guitarra e bateria unindo as músicas (enquanto um dos elementos da banda descansava, à vez). Devo dizer que ouvir este
álbum é uma experiência musical, mas vê-los ao vivo é algo único. A energia e a versatilidade dos Umphrey’s McGee, banda
preferencialmente de Rock Progressivo, é claramente audível neste álbum com muitas músicas criadas a partir de jam sessions (a
arte de improvisar em conjunto, seguindo ou não um dos elementos da banda). Anchor Drops foi o terceiro álbum da banda e une
as raízes de rock progressivo com outras linhas de influência, desde electrónicas (como por exemplo, em “Robot World”) ao folk
americano (em “Bullhead City”). Pessoalmente, a minha música preferida é a terceira, “In the Kitchen”, por começar com uma
gravação da voz ouvida no metro de Chicago anunciando “This is Chicago. Doors Closing” (ouve-se no final da música anterior)
e por retratar o rigoroso inverno de Chicago, transportando-me para uma noite de Janeiro, a nevar lá fora. Dou uma classificação
de 5 estrelas a este álbum, pela sua versatilidade e textura, que explora vários ritmos e instrumentos, em fusões pouco comuns ao
ouvido. É de destacar a qualidade do baterista, que tanto consegue criar aberturas explosivas (“Mulche’s Odyssey”) como de criar
um ambiente jazzy e reconfortante (trechos iniciais de “13 days”).
RESISTANCE Dezembro 2011 18