Maio 68: A revolução estudantil que abalou a França
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REFLEXÃO
Maio de 68
A "crise" de maio de 1968 começou por ser um movimento de contestação estudantil
francesa, com reflexos ainda do movimento hippie dos Estados Unidos da América (EUA),
também devido a revoluções estudantis de uma universidade de S. Francisco, numa clara luta
contra a guerra no Vietname, do qual surgiu o lema “Faça amor e não guerra” e que teve
réplicas nos demais países desenvolvidos, desde os EUA, Inglaterra e chegando ao Japão,
tendo a sua maior representatividade em Paris, França.
Esta revolta estudantil tinha como principais protagonistas os filhos do "baby-boom"
pós-guerra que chegaram maciçamente às universidades e por conta disso, e do fenómeno da
exploração dos trabalhadores como eixo das reivindicações estudantis em que a classe
operária tinha necessidade de pôr sua força de trabalho à disposição dos proprietários dos
meios de produção e onde as perspectivas profissionais dos recém formados eram menos
atrativas do que antes, decidem assim opor-se pela contestação permanente, revoltados contra
a sociedade de consumo, o ensino tradicional, a autoridade familiar, a escassez de saídas
profissionais e as ligações estreitas entre o sindicato (Confederação Geral do Trabalho -
CGT), que deveria ter a incumbência de defender os direitos, liberdades e garantias da classe
operária, e o poder político comunista.
Uma França dominada pela ideologia política do general Charles de Gaulle, enraizado
pelo comunismo da União Soviética, com uma sociedade fechada e conservadora que vivia
sob o reflexo das perdas sofridas na Segunda Guerra Mundial e pela entrada do capitalismo na
estrutura política, social e económica francesa, o evento de maio de 1968 foi decisivo para
que se começasse abordar a questão do poder e teve um único grande tema: a recusa de uma
universidade ao serviço do capitalismo em que os estudantes recusavam-se a ser técnicos
superiores destinados a enquadrar e disciplinar a classe trabalhadora e a serem eles o
“gestores” das vidas do proletariado. Os jovens de classes privilegiadas, oriundos da
burguesia e com acesso a bens e serviços e que desfrutavam de bens materiais, preferiam
procurar uma vida comunitária, num sinal de que o consumismo da sociedade ocidental não
resolvia os problemas e aspirações humanas, perdendo, assim, totalmente a convicção num
futuro melhor e os conflitos entre a população e o poder alargam-se, porém, ao setor social,
com manifestações sindicais de milhares de trabalhadores franceses.
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Contudo, apesar do envolvimento da classe operária na revolução estudantil, a CGT, a
maior central sindical, hegemonizada pelo Partido Comunista, que era francamente oposta à
luta estudantil e a qualquer tentativa de aproximação entre estudantes e trabalhadores, e o
próprio Partido Comunista Francês adotam uma posição calculista, classificando as revoltas
estudantis e a greve geral daí resultante como um simples sinal de aventurismo e
concentrando-se apenas em reivindicações profissionais e laborais, em contraponto às
exigências de reformas estruturais dos estudantes radicais que as viam apenas como formas
anarquistas e de rebelião, tendo inclusive fechado os portões das fábricas para evitar que os
estudantes irrompessem as mesmas como fizeram com as universidades e que daí resultasse
as suas destruições e assim acabava com o garantir do sustento familiar.
Houve, acima de tudo, uma alteração das mentalidades, e, além disso, a revolução de
68 ditou a decadência e a insignificância do Partido Comunista Francês, que se opusera
frontalmente à contestação, sendo certo que houve militantes comunistas a participar
ativamente no movimento e que muitos filiados na CGT defenderam o prosseguimento da
greve e pronunciaram-se a favor dos estudantes.
Os conservadores mantinham o poder, mas a abertura a novas ideias é cada vez maior
e a práxis evoluem, com tolerância a abrir caminho na sociedade francesa, levando ao
“levantar” da voz das minorias e a uma crescente emancipação das mulheres. Inclusive o
próprio clero inicia também uma autorreflexão e o altruísmo, o humanismo, a ecologia e o
nacionalismo são alguns dos conceitos herdados de todo este movimento contestatário de 68.
Maio de 68 teve duas outras consequências a longo prazo. Por um lado, chamou a atenção dos
trabalhadores franceses, e mesmo dos trabalhadores de outros países, para as greves com
ocupação das empresas, em busca do acabar com a exploração laboral, da diminuição de
horas de trabalho e de melhores salários. As lutas foram fortemente impulsionadas por este
exemplo e têm voltado a surgir sempre que existem condições concretas para levá-las a cabo.
Aliás, as ocupações de empresas em Portugal em 1974 e 1975 podem ser analisadas nesta
perspectiva. Foi a partir das lutas quotidianas realizadas com aqueles que detinham a
hegemonia e o poder, que apareceu a necessidade de se refletir sobre a forma como esse poder
era exercido.
Esta crise de maio de 68 vai ao encontro da teoria de Gramsci, que defendia as
sociedades orgânicas como veículo de rutura do poder, substituindo os intelectuais
tradicionais por intelectuais orgânicos, ou seja, propunha que a própria classe trabalhadora se
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autoeducasse, valorizasse e emancipasse para que fossem os próprios trabalhadores a
participarem ativamente nas suas próprias qualificações e a assumir o poder nas organizações
e que os levaria à ascensão profissional e social, fazendo com que dali em diante a tal
universidade burguesa formasse intelectuais que lutassem por um bem comum entre todos e
ao lado dos trabalhadores e não contra eles. A teoria de Gramsci incidia na lógica de usar a
educação para promover a aquisição, por parte do trabalhador, de uma bagagem universal e
experiência profissional (capacidades cognitivas e práticas) ou o desenvolvimento de uma
consciência política (incorporando as experiências da classe trabalhadora na educação) como
forma de combater a hegemonia da classe burguesa e do poder do capitalismo em todo o
tecido social.
Hoje, muitos autores referem que as mudanças consideráveis na vida da sociedade
resultantes da revolução de maio de 68, aplaudidas por uns e renegadas por outros, das quais a
libertação sexual (contracepção, direito ao aborto, aceitação da homossexualidade), a
emancipação das mulheres; o questionamento do autoritarismo nas relações familiares; a
democratização de algumas instituições (na universidade por exemplo) e as novas formas
artísticas, são em muito secundárias (e perfeitamente absorvidas pelo capitalismo) diante da
manutenção da exploração, do crescimento do desemprego, da intensificação da opressão e da
incivilidade geral do mundo capitalista.
Indo ao encontro do título do vídeo “A nova libertação” e a um dos slogans de maio
de 68 "É só um começo, continuamos o combate!", penso que é nesse sentido que a sociedade
em geral deve manter o princípio da luta pelos direitos, liberdades e garantias, mostrando-se
ativa, consciente, crítica e participativa nas tomadas de decisão, rompendo com qualquer tipo
de hegemonia social e promovendo o equilíbrio e a igualdade social em busca da plena
cidadania e qualidade de vida.
Parafraseando um autor brasileiro, Ruy Barbosa1, “quem não luta pelos seus direitos
não é digno deles!”
E a luta continua… Contudo, há que não confundir liberdade com libertinagem.
Vivemos em democracia e temos de respeitar a dignidade humana e os princípios de
cidadania.
Docente: António Fragoso Discente: Ricardo da Palma, nº 43043
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Ruy Barbosa de Oliveira foi um jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador brasileiro. Um dos intelectuais mais
brilhantes do seu tempo.
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