1. EDUCAÇÃO DO CAMPO NA AMAZÕNIA:
retratos de realidade das Escolas Multisseriadas no Pará.
2. Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) –
Bernadete Costa de Oliveira – CRB-2/1045
Educação do campo na Amazônia: retratos de realidade das escolas
multisseriadas no Pará / Salomão Mufarrej Hage (Org.). - Belém:
Grafica e Editora Gutemberg Ltda, 2005.
Inclui bibliografias
ISBN 85905322 1-6
1. Educação rural – Pará. 2. Educação multicultural – Pará. 3.
Universidade Federal do Pará. Centro de Educação. Grupo de
Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia. I. Hage,
Salomão Mufarrej, Org.
CDD - 21. ed.: 370.193468115
3. Salomão Mufarrej Hage (Org.)
EDUCAÇÃO DO CAMPO NA AMAZÔNIA:
Retratos de realidade das escolas multisseriadas no Pará.
1ª edição
BELÉM
Gráfica e Editora Gutemberg Ltda.
2005
4.
5. “De tudo ficaram três coisas:
a certeza de que estava sempre começando,
a certeza de que era preciso continuar e
a certeza de que seria interrompido
antes de terminar.
Fazer da interrupção um caminho novo,
Fazer da queda um passo de dança,
Do medo uma escada,
do sonho uma ponte,
da procura um encontro”.
(Fernando Pessoa)
6.
7. SUMÁRIO
Agradecimentos - 11
Prefácio - 13
Marcelo Mazzolli
Prefácio: Os vários desenhos da multissérie - 15
Maria do Socorro Dias Pinheiro
Introdução - 19
GEPERUAZ: Aspectos significativos de sua criação, identidade e
abrangência - 22
Salomão Mufarrej Hage
Mística: As vozes silenciadas das professoras e professores das
classes multisseriadas - 31
Sérgio Roberto Moraes Corrêa
Mística “Amazônia: Uma imensa pororoca multicultural” - 35
GEPERUAZ
Carta: A realidade do multisseriado em uma cidade paraense - 38
Professor José Luiz
Carta: Meu dia-a-dia no multisseriado - 40
José Antônio M. Oliveira
Classes Multisseriadas: Desafios da educação rural no estado do
Pará/ Região Amazônica - 44
Salomão Mufarrej Hage
8. Educação na Amazônia: Identificando singularidades e suas
implicações para a construção de propostas
e políticas educativas e curriculares - 61
Salomão Mufarrej Hage
Ensino de Ciências em Classes Multisseriadas: Um estudo de caso
numa escola ribeirinha - 69
Maria Natalina Mendes Freitas
Lições Da Educação do Campo: Um enfoque nas classes
multisseriadas - 85
Ana Claudia da Silva Pereira
Educação Rural Ribeirinha Marajoara: Desafios no contexto das
escolas multisseriadas - 114
Ana Claudia Peixoto de Cristo; Francisco Costa Leite Neto; Jeovani
de Jesus Couto.
A Organização Do Trabalho Pedagógico das Escolas
Multisseriadas: Indicativos de Saberes Pedagógicos de Resistência
Educacional no Campo - 132
Oscar Ferreira Barros
“Currículos” e Saberes: Caminhos para uma educação do campo
multicultural na Amazônia - 163
Sérgio Roberto Moraes Corrêa
Currículo e Docência em Classes Multisseriadas na Amazônia
Paraense: O Projeto Escola Ativa em foco - 196
Jacqueline Cunha da Serra Freire
A (In)Viabilidade da Metodologia da Escola Ativa como Prática
Curricular para Ensinar e Aprender no Campo - 212
Wiama de Jesus Freitas Lopes
8
9. Assentamentos do Estado do Pará: Retratos desse palco de luta
pela terra, pela vida e pela educação. - 230
Luciane Soares Almeida.
Territórios Quilombolas do Pará: Os saberes das ciências das
comunidades negras. - 261
Gillys Vieira da Silva; Jacinto Pedro Pinto Leão
ANEXOS
Anexo 1. Parecer do CNPq sobre a pesquisa concluída
Anexo 2- Tabela 1. Escolas Rurais Multisseriadas: número de escolas
e matrícula por município - 2002
Anexo 3 - Tabela 2. Escolas Rurais Multisseriadas: Movimento e
Rendimento Escolar por município – 2002
Anexo 4 - Tabela 3. Estado do Pará - Escolas Rurais Multisseriadas:
Movimento e Rendimento Escolar no Ensino Fundamental -
classificação segundo a Comunidade – 2002
Anexo 5 - Tabela 4. Número de Funções Docentes na Educação Básica
- por nível de ensino - 2002
10.
11. AGRADECIMENTOS
A publicação desse livro só foi possível com o apoio e a colabora-
ção de um conjunto de instituições, entidades e sujeitos com os quais
temos nos relacionado desde 2002, nessa ampla jornada de produção de
conhecimento e de intervenção militante que configura a trajetória do
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia
(GEPERUAZ), e que nesse momento, numa atitude de reconhecimento
e gratidão, passaremos a explicitar.
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), Universidade Federal do Pará (UFPA) e a suas unidades acadê-
micas: Centro de Educação, Campus de Breves, Campus de Cametá e
Campus de Santarém. Universidade do Estado do Pará. Coordenação
Nacional e do Estado do Pará do Programa Escola Ativa. Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Coordenação de Educação
do Campo do MEC. União Nacional dos Dirigentes Municipais de Edu-
cação (UNDIME/ PARÀ). Fórum Paraense de Educação do Campo. Pro-
grama EDUCAmazônia. Secretaria Executiva de Educação do Estado
do Pará. Secretaria Municipal de Educação de Breves. Secretaria Muni-
cipal de Educação de Cametá. Secretaria Municipal de Educação de Mojú.
Secretaria Municipal de Educação de Santarém. Secretaria Municipal de
Educação de Barcarena. Secretaria Municipal de Educação de Marabá.
Secretaria Municipal de Educação de Benevides. Grupo de Estudo e Pes-
quisa em Educação do Campo da Ilha de Marajó (GEPERIM). Grupo de
Estudo e Pesquisa em Educação do Campo da Região Tocantina
(GEPECART).
Técnicos e técnicas das SEMEDs que colaboraram com a pesquisa.
Professores, professoras e estudantes das escolas multisseriadas, pais,
mães e lideranças das comunidades rurais que ficam em vilas e comuni-
dades ribeirinhas, em ramais, na colônia, nas estradas e BR’s, pelas suas
contribuições a este trabalho na forma de relatos e entrevistas que inspi-
ram para buscar os retratos da realidade educacional das escolas do cam-
11
12. po no Pará. Juarez Galvão, Maria José Marques, Maria José Maia e João
Monteiro (apoio aos integrantes do grupo em Santarém). Carlos Élvio,
Socorro Cunha, Fabiane do Nacimento, Eliane Costa, Claybe Fernando
Furtado Cirino, Domingos Gonçalves Martins, Graça Barros, Genésio
Jorge de Oliveira Pena, Isabel, Lilia Maria de Nogueira Fernandes,
Luzimeire Santos do Nascimento, Lina Graça, Neide, Paulo Cícero
Pantoja dos Santos, Ronan Luz do Amaral e Socorro Miranda (apoio aos
integrantes do grupo em Breves). Eliete Rodrigues Guimarães e Aurelice
Lopes Queiroz, Evandro Medeiros, Marizete e Mara Rita Duarte de Oli-
veira (apoio aos integrantes do grupo em Marabá). Maria do Socorro
Dias Pinheiro, Odilena Barbosa, Silviane Marileuza Baía
Corrêa, Marivaldo Praseres Araújo, Vergiliana Santos Corrêa (apoio aos
integrantes do grupo em Cametá). Elis C, Crizolita S., Udinéia P., Roseli,
José Mary Maués, Maria Lima, Luziane Martins da Conceição, Dulcelina
do Espirito Santo, Kênia Cunha (apoio aos integrantes do grupo em Mojú).
Ieda Mendes, Carlos Cravo, América Furtado, Vanilda da Poça, Vera
dias, Nilciane Moraes (apoio aos integrantes do grupo em Barcarena).
Cláudio Reis (apoio na coleta dos dados estatísticos sobre as escolas
multisseriadas). Lucélia Tavares Guimarães (análise e revisão dos arti-
gos do livro). Cândido Antônio Freitas Áreas (produção da Homepage
do GEPERUAZ). Fause Chelala (apoio na prestação de contas da pes-
quisa). Antônio Munarim (divulgação do resultado da pesquisa). Fabíola
Aparecida Ferreira Damacena (apoio na publicação do livro).
12
13. PREFÁCIO
A companheira ou companheiro leitor que está tendo o privilégio
de ter contato com o primeiro livro do GEPERUAZ “Educação do Cam-
po na Amazônia –Retratos de realidade das escolas multisseriadas no
Pará”, esteja convocado a participar da construção de uma nova e
transformadora página da história da educação pública da Amazônia
Paraense.
Assim, não se surpreenda se durante sua leitura, você seja assalta-
do por uma comovente e compulsiva vontade de embarcar no próximo
barco, de tomar o próximo ônibus ou de embarcar no próximo avião,
rumo ao interior do Pará. Compreendemos sua emoção por que também
a compartilhamos.
Ir ao encontro dessa gente cabocla, que faz das adversidades cotidi-
anas a base real da reinvenção da escola das crianças e adolescentes da
Amazônia, é do que se trata este livro convocatória.
Como educador, cidadão e trabalhador do Unicef, também fui con-
vocado pela razão e emoção para compartilhar com a equipe do
GEPERUAZ desta decisiva aventura pedagógica que é a de restituir o
direito a educação, o direito de aprender e de ser feliz na escola, das
milhares de crianças, adolescentes, jovens, famílias e comunidades do
interior do Pará.
Mas, acalme-se! Esta não é e nem quer ser uma viagem curta. Ao
contrário, é uma longa jornada que, iniciada em 2002, não tem data para
acabar.
É uma viagem que tem a ambição de ao longo do seu caminho,
produzir uma melhor qualidade de ensino, energizando de competência
técnica, solidariedade política e energia educativa os atores(as) e
autores(as) que fazem a escola do nosso interior.
O livro relata experiências concretas de pesquisa-ação, de educa-
ção em ato, entre produtores de uma nova cultura de direitos humanos,
que vêem na escola e na Amazônia não urbana, um espaço de realização
individual e coletiva de uma nova cidadania, comprometida com os di-
13
14. reitos das nossas crianças e adolescentes, índios, quilombolas, caboclos,
migrantes, irmãos amazônicos detentores de direitos que reivindicam
políticas publicas cultural e socialmente contextualizadas.
Mas como disse ainda há pouco, o livro também é uma convocatória,
um vem com a gente fazer historia.
A multiculturalidade, a sócio-diversidade de nossa gente, a urgên-
cia de felicidade e a emergência de uma consciência de direitos entre e
de nossa gente cabocla, não permite dês-compromisso, desânimo ou de-
sinteresse de quem quer que seja. Que tal então amiga, amigo leitor?
A escola publica da Amazônia, a escola indígena, inter-cultural-
bilingue, ambientalmente responsável, cabocla e generosa, quer te trans-
formar de educador curioso em educador cidadão. Apura-te que temos
pressa, vem com a gente!
Boa e comprometida leitura.
Marcelo Mazzoli
Oficial de Educação
Unicef México
14
15. PREFÁCIO
Os vários desenhos da multissérie
Por conta de uma série de mudanças ocorridas no campo educacio-
nal nos últimos anos, gritos ecoam no campo. Surge no meio das popula-
ções rurais organizadas diversas bandeira de lutas, entre elas, a luta pela
reforma agrária e por uma educação pautada nos valores culturais e hu-
manos dessa realidade. Isso se materializa na sociedade brasileira, quan-
do acontece a I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Cam-
po.
Esse acontecimento sensibilizou muitos intelectuais, movimentos
sociais organizados, a Igreja entre outros, gerando um grande movimen-
to nacional por uma educação básica do campo, e nessa trajetória encon-
tramos com o grupo GEPERUAZ. Eu estava há apenas um ano, assu-
mindo a Coordenação do Ensino Fundamental da Secretaria Municipal
de Educação de Cametá, a convite do Secretário Municipal de Educa-
ção, Raimundo Epifânio, quando o destino nos aproximou de um grupo
de pesquisa voltado para o que denominei de maior desafio encontrado
encaminha função de coordenação — as classes multisseriadas.
O nosso primeiro encontro com o Oscar Barros (integrante do
GEPERUAZ) numa oficina sobre classes multisseriadas num evento de
formação ocorrido no município de Cametá e depois com o coordenador
do grupo o professor Salomão Hage, permitiu um diálogo aberto em
busca de entender melhor a realidade das classes multisseriadas também
em outros municípios do Estado, no Brasil e no mundo. Por meio desse
diálogo, portas e janelas se abriram permitindo o acesso desses pesqui-
sadores ao município. Durante a pesquisa, surgiram muitas descobertas
que foram compartilhadas em diferentes momentos, sendo alguns com o
coletivo, ou seja, com os educadores de classes multisseriadas, e outros,
com a equipe da educação infantil, fundamental e os pesquisadores.
Junto aos educadores realizamos diferentes ações voltadas para a forma-
ção e outras direcionadas à prática em sala de aula, no intuito de tentar-
15
16. mos conhecer melhor e assessorar o trabalho pedagógico dos educado-
res de classes multisseriadas.
Além disso, a presente pesquisa apresenta contribuições importan-
tes para área educacional não somente por oferecer informações da rea-
lidade da multissérie, mas também por fornecer informações importan-
tes sobre os sujeitos que vivem no meio rural, dos quais os órgãos gover-
namentais podem se apropriar desse instrumento para refletir e avaliar
melhor as políticas públicas de educação implementadas nos municípios
paraenses que são sem sombra de dúvida, resultado de uma política de
educação nacional excludente, marginalizadora e neoliberal, que há dé-
cadas tem expulsado o homem do campo para a cidade ao invés de lhe
oferecer melhores oportunidades na terra, onde ele reside. Essa é uma
realidade de muitos municípios e as comunidades distantes necessitam
de educação, afinal a Constituição Brasileira e a própria LDB garante
esse direito. O problema não está em ofertar a educação somente, está na
condição de funcionamento. Todos reconhecem o direito garantido pela
legislação, mas pouco foi feito no que se refere às condições da oferta
para que as populações rurais tenham acesso a uma educação de qualida-
de. Há de se questionar sobre o que o Ministério da Educação tem feito
pela educação em comunidades rurais geograficamente “isoladas”? O
Brasil precisa rever sua história, para escrevê-la a partir de novos olha-
res, de outras perspectivas. “Não se pode deixar passar a oportunidade
de cobrar uma divida histórica para com a população do campo. Não se
pode pensar uma educação para a liberdade quando o povo é privado de
seus direitos.” (Kolling ).
Por outro lado, essa pesquisa pode também contribuir para que os
educadores, reflitam melhor sua prática e procure se qualificar pois como
dizia Paulo Freire: “ ensinar exige pesquisa, exige do sujeito que ensina
e aprende uma relação mútua, apropriação da realidade e dos conheci-
mentos” um educador que se acomoda, que espera que os outros resol-
vam suas dificuldades dificilmente será o protagonista do conhecimen-
to, se não o mero reprodutor de idéias e práticas alheias.
16
17. Sendo assim, compreendo que o livro que está sendo ofertado pelo
GEPERUAZ contribuirá bastante para que os movimentos sociais cons-
tituídos, que acreditam na educação como uma bandeira de luta dos su-
jeitos do campo, possam estar demarcando outro espaço que está na base
educacional do povo do campo, um ensino infantil e fundamental de
melhor qualidade e com profissionais bem mais preparados.
Portanto, caro leitor, neste livro, você não encontrará somente o
resultado de uma pesquisa, mas, terá a oportunidade de viajar numa rea-
lidade de inúmeros desafios, em caminhos pouco explorados no mundo
da pesquisa educacional, seja ela de cunho quantitativo ou qualitativo. E
durante o desfolhar de cada página se encontrará não um único desenho,
mais vários desenhos, do que se constitui ou que vem sendo feito e
construído dentro e com as classes multisseriadas, durante toda uma his-
tória onde tem sido desenvolvido o conhecimento e a aprendizagem de
muitas comunidades rurais sem muitos registros na história oficial, mas,
com certeza, as classes multisseriadas de Cametá e do Estado do Pará,
marcarão sua presença nas linhas escritas que se seguem.
Cametá, 14 de dezembro de 2004.
Maria do Socorro Dias Pinheiro
Mestranda em Educação da Linha de Currículo e Formação de Professo-
res - CED/ UFPA.
Atuou no período como Coordenadora do Ensino Fundamental da Se-
cretaria Municipal de Educação de Cametá
17
19. INTRODUÇÃO
É com muita satisfação que o Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação do Campo na Amazônia - GEPERUAZ - disponibiliza à
comunidade acadêmica e educacional, às instituições governamentais e
não governamentais, aos movimentos sociais populares do campo e à
população em geral o seu primeiro livro com a temática “Educação do
Campo na Amazônia – Retratos de realidade das escolas
multisseriadas no Pará”.
Esse livro foi produzido como resultado da realização da pesquisa
“Classes Multisseriadas: Desafios da educação rural no Estado do
Pará/ Região Amazônica”, financiada pelo CNPq na chamada de Fo-
mento à Pesquisa/ Programa Norte de Pesquisa e Pós-Graduação –
PNOPG (01/2001), e desenvolvida no biênio 2002-2004. A referida pes-
quisa apresentou como resultado um diagnóstico da realidade educacio-
nal do campo no Pará, focalizando as escolas multisseriadas; com desta-
que para as dificuldades que os educadores e educandos enfrentam no
processo de ensino-aprendizagem.
O livro expressa o acúmulo teórico que o GEPERUAZ tem adqui-
rido nos primeiros cinco anos de sua existência com a realização de inú-
meras atividades no campo da pesquisa, do ensino e da extensão, desen-
volvidas no âmbito da Amazônia paraense, atividades essas que têm con-
figurado a inserção militante dos integrantes do grupo no Fórum
Paraense de Educação do Campo para construir e fortalecer o Movi-
mento Paraense Por uma Educação do Campo.
Em cada uma das atividades desenvolvidas, enquanto professores e
estudantes participantes direta ou indiretamente do Centro de Educação
da UFPA, temos compartilhado sonhos, angústias e esperanças com edu-
cadores, educandos e gestores, pais e lideranças dos movimentos sociais
populares do campo, que são agricultores familiares, assentados, ribeiri-
nhos, quilombolas, pescadores, extrativistas; na expectativa de que por
meio desse diálogo fraterno, tenso e apaixonadamente, possamos estar
19
20. contribuindo significativamente para com a construção de uma Amazô-
nia auto-sustentável, onde sua diversidade ambiental, energética, produ-
tiva e sociocultural seja entendida e utilizada como instrumento de pro-
dução da riqueza, satisfação e felicidade de todas as crianças, adolescen-
tes, jovens e adultos do campo e da cidade.
Ao longo de todo o livro, podem ser encontradas algumas cartas,
místicas e artigos resultantes da produção acadêmica dos integrantes do
Grupo, a maior parte desse material, versa sobre os resultados da pesqui-
sa mencionada anteriormente, que diagnosticou a realidade das escolas
multisseriadas frente às singularidades da Amazônia Paraense como é o
caso dos textos de Hage, Salomão M.; Correa, Sérgio Roberto M.; Bar-
ros, Oscar; Pereira, Ana Claudia da Silva; e Cristo, Ana Claudia Peixoto
de; Neto, Francisco Costa Leite; e Couto, Jeovani de Jesus.
Os artigos de Freire, Jacqueline e Lopes, Wiama de Jesus Freitas
socializam os estudos que os mesmos vem fazendo sobre o Projeto Es-
cola Ativa e suas repercussões frente à realidade das escolas multisseriadas
no Pará. Os artigos de Freitas, Maria Natalina Mendes e de Leão, Jacinto
Pedro Pinto, esse último elaborado em co-autoria com Silva, Gillys Vieira
da; retratam os resultados de estudos realizados no âmbito do Programa
de Pós-graduação em Educação Matemática, ofertado pelo NPADC/
UFPA, e de uma interface, no caso do segundo trabalho, com o Progra-
ma de Iniciação Cientifica da UFPA, financiado pelo CNPq. Eles abor-
dam respectivamente a questão do ensino de ciências que se efetiva nas
escolas multisseriadas ribeirinhas e a questão dos saberes das ciências
das comunidades remanescentes de quilombos. O artigo de Almeida,
Luciane Soares, analisa retratos de realidade dos assentamentos do Esta-
do do Pará, focalizando a luta pela terra, pela vida e pela educação dos
assentados.
Nos anexos, estão disponibilizados: o documento que apresenta o
parecer do CNPq sobre os resultados da pesquisa, quatro tabelas com
dados estatísticos de 2002, que fazem parte do banco de Dados construído
durante a pesquisa e que revelam: o número de escolas rurais
20
21. multisseriadas e matrícula por município; o movimento e rendimento
nas escolas rurais multisseriadas por município; o movimento e rendi-
mento escolar nas escolas multisseriadas - classificação segundo a Co-
munidade; e o número de funções docentes na Educação Básica, por
nível de ensino.
Esperamos que todo o material disponibilizado no livro seja de gran-
de utilidade e relevância para que possamos em um futuro próximo, trans-
gredir o paradigma seriado urbano de ensino que impõe às escolas do
campo um modelo de ensino precário e des-sintonizado com as grandes
questões que configuram a vida, o trabalho e as culturas das populações
da Amazônia paraense.
21
22. GEPERUAZ: Aspectos significativos de sua criação,
identidade e abrangência
Salomão Mufarrej Hage1
O Gruo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazô-
nia – GEPERUAZ pertence ao Centro de Educação da UFPA, é cadas-
trado no Diretório de Pesquisa do CNPq, e desde 2002 vem realizando
estudos sobre a realidade da educação do campo no Estado do Pará e na
Região Amazônica.
A criação do grupo remonta a aprovação em 2001 de sua primeira
pesquisa, financiada através do Edital do Programa Norte de Pesquisa e
Pós-Graduação - PNPPG/ CNPq - denominada “Classes Multisseriadas:
Desafios da educação rural no Estado do Pará/ Amazônia”. Essa pes-
quisa foi desenvolvida no biênio 2002-2004, diagnosticou a realidade
educacional do meio rural no Estado do Pará, tomando como foco de
estudo as classes multisseriadas e as dificuldades que os educadores e
educandos enfrentam no cotidiano de suas atividades educativas. Ela
teve como intenção, de apresentar indicadores que possam referenciar
a elaboração e implementação de políticas educacionais que garantam o
sucesso escolar no espaço rural da Região Amazônica.
A aprovação dessa pesquisa oportunizou ao GEPERUAZ partici-
par da Rede de Pesquisa “Povos Amazônicos: História, identidades e
educação”, criada em 2001, através do Seminário organizado pelo CNPq
em Belém, onde se reuniram todos os pesquisadores com projetos apro-
vados para financiamento pelo edital do Programa Norte de Pesquisa e
Pós-Graduação/ PNOPG 2001. No período mais recente, a Rede tem
buscado articular pesquisadores de várias universidades da Região Ama-
zônica que se encontram envolvidos com a educação das populações do
1
Doutor em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Reali-
zou Doutorado Sanduiche na Universidade de Wisconsin-Madison, sob a orientação do Prof. Dr. Michael
W. Apple, com o apoio da CAPES/ Comissão Fulbright (1998-1999). Professor do Centro de Educa-
ção da Universidade Federal do Pará, coordenador do GEPERUAZ e integrante da coordenação do
Programa EducAmazônia.
22
23. campo, com destaque para a participação da Universidade Federal do
Amazonas, da Universidade Federal do Pará e da Universidade do Esta-
do do Pará.
O desenvolvimento da pesquisa sobre a realidade das escolas
multisseriadas no Pará oportunizou, ainda, ao GEPERUAZ contribuir
com a criação do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo
da Ilha de Marajó (GEPERIM) e do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação do Campo na Região Tocantina (GEPECART). O GEPERIM
é constituído por docentes, ex-docentes, discentes e egressos do Campus
Universitário de Breves/ UFPA e foi criado com o objetivo de desenvol-
ver estudo e pesquisa em educação do campo na meso-região Marajó,
com a perspectiva de diagnosticar e problematizar a realidade da educa-
ção no meio rural, buscando envolver entidades, segmentos educacio-
nais, governamentais, não-governamentais e movimentos sociais, para a
construção coletiva de ações inclusivas, que promovam o desenvolvi-
mentos de políticas públicas educacionais e melhorem a qualidade de
vida e o ensino ofertado à população marajoara.
O Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo na Região
Tocantina - GEPECART - constitui uma iniciativa desenvolvida por
alunos, ex-alunos e professores da Universidade Federal do Pará do
Campus Universitário do Tocantins/ Cametá que apresentam em comum
o interesse em investigar a Educação do Campo na Amazônia, tendo a
Região Tocantina como lócus de pesquisa. O grupo intenciona sensibili-
zar diferentes atores sociais, a comunidade científica e a população
tocantina a respeito da riqueza e diversidade de conhecimentos presen-
tes na região; e firmar experiências educativas transformadoras, qualifi-
cando as iniciativas locais, com vistas ao fortalecimento do desenvolvi-
mento sustentável, respeitando a biodiversidade da região e possibilitan-
do uma melhor qualidade de vida de suas populações.
No início de 2005, para continuidade às ações de investigação, o
GEPERUAZ aprovado através do Edital Universal do CNPq, o Proje-
to de Pesquisa “Currículo e Inovação Educacional: Transgredindo o
23
24. Paradigma Multisseriado nas Escolas do Campo na Amazônia” com o
objetivo de realizar um inventário de boas práticas educacionais em de-
senvolvimento no meio rural da Amazônia Paraense e elaborar uma pro-
posta de intervenção pedagógica que se apresente como possibilidade de
transgredir à “precarização do modelo seriado urbano” que constitui o
traço identitário dominante das escolas multisseriadas.
Na UFPA, as atividades do GEPERUAZ integram o Programa de
Pós-Graduação em Educação, com a vinculação de docentes e discentes
através da produção de suas teses e dissertações que focalizam diversas
problemáticas relacionadas à educação do campo no estado do Pará e na
Amazônia, bem como nas atividades de pesquisa de bolsistas de inicia-
ção científica que investigam esse campo temático. No campo do ensi-
no, o GEPERUAZ tem coordenado as atividades do Núcleo Eletivo de
Educação de Jovens e Adultos do Curso de Pedagogia do Centro de Edu-
cação da UFPA, com o objetivo de ampliar as reflexões sobre o campo
da EJA no ensino de graduação ofertado pelo Centro de Educação, pos-
sibilitando aos discentes de conhecimentos teóricos e práticos sobre essa
temática.
O GEPERUAZ é formado por uma ampla equipe de pesquisadores
e estudantes que participam do Programa “Educação Cidadã na
Transamazônica”, que desde 2002 vem coordenando projetos de alfabe-
tização e a escolarização de jovens e adultos a nível fundamental e mé-
dio, em assentamentos de reforma agrária da região da Transamazônica,
financiado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA). Esse Programa se insere nas atividades de extensão da
UFPA, envolvendo o Centro de Educação, através do GEPERUAZ; o
Centro Socioeconômico através da Incubadora Tecnológica de Coopera-
tivas Populares e Empreendimentos Solidários – ITCPES/
UNITRABALHO, o Campus de Altamira, o Núcleo Pedagógico Inte-
grado e Núcleo Universitário de Itaituba; em parceria com o movimento
social da Região da Transamazônica (Fundação Viver, Produzir e Pre-
servar, o Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu
24
25. – MDTX, o Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade – MMCC e
os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais – STR’s), e o Ministério do De-
senvolvimento Agrário, através do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA e da Comissão Pedagógica Nacional do
PRONERA. A ação educativa realizada pelo Programa Educação Cida-
dã na Transamazônica envolve jovens e adultos de 52 Projetos de Assen-
tamentos e acampamentos presentes em 11 Municípios da Região da
Transamazônica no Oeste do Pará, são eles: Altamira, Anapú, Aveiro,
Brasil Novo, Itaituba, Pacajá, Medicilândia, Senador José Porfírio,
Uruará, Trairão e Vitória do Xingu.
O GEPERUAZ participa ativamente das atividades do Fórum
Paraense de Educação do Campo, movimento que aglutina entidades da
sociedade civil, movimentos sociais, instituições de ensino, pesquisa,
órgãos governamentais de fomento ao desenvolvimento e da área educa-
cional da sociedade paraense, que compartilhando princípios, valores e
concepções político -pedagógicas buscam defender, implementar, apoi-
ar e fortalecer políticas públicas, estratégias e experiências de educação
do campo e desenvolvimento rural com qualidade social para todos/as
cidadãos/ãs paraenses, sobretudo para as populações do campo, aqui
entendidas como: agricultores/as familiares, indígenas, quilombolas,
extrativistas, ribeirinhos e pescadores. (FPECDR, 2004).
25
26. Entidades participantes do Fórum Paraense
de Educação do Campo
Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM), Associação dos Municípios
do Araguaia Tocantins (AMAT), Associação dos Municípios da Transamazônica (AMUT),
Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Pará (ARCAFAR-PA), CÁRITAS,
Centro de Defesa do Negro no Pará (CEDENPA), Escola Agrotécnica Federal de Castanhal
(EAFC), ECRAMA/ Santa Luzia do Pará, Empresa de Assistência Técnica Rural do Estado
(EMATER/COTEC), Escola Densa/ Nova Amafrutas, Fundação Sócio Ambiental do
Nordeste Paraense (FANEP), Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) - GT de Juventude,
Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAGRI), Federação dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar (FETRAF), Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/ PRONERA), Instituto AMAS,
Instituto Ajuri, ISSAR, Ministério da Educação (MEC/ SECAD), Movimento de Mulheres
do Nordeste Paraense (MMNEPA), Movimento dos Sem Terra (MST), Pastoral da Juventude
Rural (PJR), Programa Educamazônia, Programa Educação Cidadã, Programa Saberes
da Terra da Amazônia Paraense, Secretaria Estadual de Agricultura (SAGRI), Secretaria
Estadual de Educação do Pará (SEDUC), Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública
no Pará (SINTEPP), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade do Estado do
Pará (UEPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) União Nacional de
Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF).
Através do Fórum, tem-se feito um grande esforço no sentido de
construir e consolidar o Movimento Paraense por uma Educação do
Campo, que se expressa com muita significância através de seminários
sobre Educação do Campo realizados em âmbito do Estado; do Progra-
ma EducAmazônia: construindo ações inclusivas e multiculturais no cam-
po e do Programa Saberes da Terra da Amazônia Paraense.
Entre os marcos importantes dessa caminhada são destaques o I e o
II Seminário Estadual de Educação do Campo, realizados respectiva-
mente, na Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA - em feve-
reiro de 2004, e no Seminário Pio X em junho de 2005, reunindo cada
um desses eventos mais de 600 participantes envolvidos com a Educa-
ção do Campo em nosso Estado; como também, os 11 eventos prepara-
tórios ao II Seminário Estadual de Educação do Campo, abaixo relacio-
nados, que envolveram a participação de 40 municípios e mais de 1.550
participantes, constituindo-se numa ação efetiva de enraizar o Fórum
nas várias Meso-regiões do Estado.
26
27. A realização desses eventos tem reunido e mobilizado um número
cada vez mais abrangente de sujeitos, instituições públicas, entidades
não governamentais e movimentos sociais nos processos de definição e
implementação de políticas públicas sintonizadas com a realidade do
campo, apresentando seus depoimentos, insatisfações, aspirações e rei-
vindicações com relação à educação que gostariam de ver concretizada
nas escolas do campo; e evidenciando o protagonismo de educadores e
educandos, gestores, líderes de comunidades rurais, sindicalistas, assen-
tados, agricultores e agricultoras, ribeirinhos, quilombolas e indígenas
de nosso Estado.
O GEPERUAZ em conjunto com outras entidades que participam
do Fórum Paraense de Educação do Campo, entre elas: o Museu Paraense
Emílio Goeldi (MPEG), a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Uni-
versidade do Estado do Pará (UEPA), e a Secretaria de Educação do
Estado do Pará (SEDUC), com o apoio do UNICEf, integra a coordena-
ção do Programa “EDUCAmazônia: Construindo Ações Inclusivas e
Multiculturais no Campo”, visando a efetivação de ações de intervenção
que possam contribuir com a melhoria das condições de ensino ofereci-
das nas escolas do campo presentes na Amazônia Paraense.
27
28. O Programa EDUCAmazônia busca atender os 143 municípios do
Estado do Pará com ações de mobilização, sensibilização e informação
sobre a problemática da Educação do Campo, e realiza uma intervenção
mais intensa nos seguintes municípios: Breves e Portel (Meso-região do
Marajó), Cametá (Meso-região Baixo Tocantins), São Domingos do
Capim (Meso-região do Nordeste Paraense), Santarém e Belterra (Meso-
região do Baixo Amazonas).O EDUCAmazônia oportuniza ações
educativas que busque a construção e efetivação de políticas (educacio-
nais emancipatória) dos sujeitos que vivem no meio rural do Estado do
Pará.
O GEPERUAZ também participa do Programa Saberes da Terra
da Amazônia Paraense, articulado e construído no âmbito do Fórum
Paraense de Educação do Campo (em 2005), através das seguintes insti-
tuições: UFPA (Campus de Belém, Marabá, Altamira, Castanhal e
Bragança; NPI; Grupos de Pesquisa do Centro de Educação: GEPERUAZ,
GEPEJURSE e GESTAMAZON); UFRA; UEPA (NEP); EAFC e
UNDIME. O Programa é uma iniciativa do Ministério da Educação em
articulação com o Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério do
Desenvolvimento Agrário, apoiado ainda pelo Ministério do Meio Am-
biente e Ministério da Cultura; com o objetivo de formar jovens agricul-
tores em nível de educação fundamental e qualificação profissional. O
Programa também atua na formação de educadores do campo que for-
mam os jovens agricultores.
No Estado do Pará o Programa atende 760 Jovens Agricultores de
15 a 29 anos na Modalidade EJA - Ensino Fundamental completo com
qualificação social e profissional inicial para atuar junto as suas comuni-
dades; encontrando-se implantado em 15 municípios paraenses: Juruti,
Concórdia do Pará, Ipixuna do Pará, Santa Luzia, Paragominas, Viseu,
28
29. Breves, Portel, São Sebastião da Boa Vista, Igarapé-Miri, Moju, Marabá,
Xinguara, Medicilândia e Uruará.
A partir da criação do GEPERUAZ e sua intervenção militante nos
campos da pesquisa, ensino e extensão explicitada anteriormente, temos
fortalecido nossa identidade amazônica e redimensionado nosso modo
de pensar, sentir e agir sobre a Amazônia e sobre a realidade que
vivenciamos na região, especialmente com o contato mais próximo com
professores, gestores, estudantes, pais e integrantes das comunidades
envolvidos com as escolas multisseriadas de vários municípios do Pará e
a experiência acumulada com a ação educativa realizada com os jovens
e adultos trabalhadores rurais dos assentamentos da reforma agrária.
Parte de toda essa experiência acumulada, encontra-se
disponibilizada no endereço eletrônico do GEPERUZ: http://
www.ufpa.br/ce/geperuaz/ ; como resultado de um esforço conjunto de
seus integrantes por democratizar as informações reunidas através dos
inúmeros estudos, pesquisas e intervenções realizadas nesses poucos anos
de existência; esforço esse que tem se ampliado, no diálogo com todas as
instituições e entidades participantes do Fórum Paraense de Educação
do Campo, traduzindo-se na criação recentemente, do Portal da Educa-
ção do Campo do Estado do Pará, disponível no seguinte endereço: http:/
/www.educampoparaense.org/ .
O convívio com a diversidade de sujeitos que vivem no meio rural
da região, conhecendo melhor seus saberes, culturas, tradições, suas his-
tórias, e as precárias condições de trabalho, de saúde e de educação que
eles vivenciam; aliado ao conhecimento de ecossistemas tão diferentes
em termos de paisagem, clima, vegetação e animais, que conferem à
Amazônia a característica de ser um dos ambientes que possui a mais
rica biodiversidade do planeta; tem nos colocado muitos questionamentos
a serem respondidos com os estudos e ações que temos efetivado, entre
os quais destacamos:
Como pensar a educação, a escola e o currículo de nosso próprio
lugar? Que propostas e políticas educacionais e curriculares apresentar
29
30. que tenham a nossa cara, o nosso jeito de ser, de sentir, de agir e de viver
Amazônico? E como elaborar propostas e políticas educativas e
curriculares para a Amazônia considerando o contexto nacional e inter-
nacional contemporâneo?
Com os artigos que compõem esse livro, esperamos contribuir com
a resposta a esses questionamentos, suscitando o engajamento e o com-
promisso de todos nessa emocionante jornada.
30
31. As vozes silenciadas das professoras
e professores das classes multisseriadas2
Vozes que têm vida
Meio rural marginal,
Educação rural marginal,
Classes multisseriadas marginalizadas,
Vozes do professor e da professora de classes multisseriadas silenciadas
e negadas,
Quando se pergunta às professoras e professores sobre “O que re-
presenta para vocês a zona rural?” Elas e eles respondem:
• “A zona rural representa muita dificuldade”;
• “A zona rural representa meio de sustentação mundial”;
• “A zona rural representa vida”;
• “A zona rural representa um lugar tranqüilo, mas cheio de necessida-
des”;
• “A zona rural representa paz no dia-dia”;
• “A zona rural é carente e precisa ser valorizada”;
• “A zona rural representa trabalho, união e meio de sobrevivência”;
• “A zona rural representa mudança para a zona urbana”;
• “A zona rural representa vida útil para o desenvolvimento; para agri-
cultura”;
• “A zona rural representa pouco desenvolvimento”;
• “A zona rural representa comunidade agrícola e ambiental”.
Quando se pergunta às professoras e professores sobre “O que re-
presenta para vocês a educação rural?” Elas e Eles respondem:
• “A educação rural representa sofrimento”;
• “A educação rural representa problema”;
• “A educação rural representa a oportunidade de se ter mais conheci-
mento”;
2
O texto dessa mística foi produzido a partir das falas levantadas de professoras e professores das
classes multisseriadas, durante a realização de um mini-curso ministrado por Sérgio Roberto M.Corrêa
no município de Cachoeira do Piriá – PA, em julho de 2003, através do Programa Campus Avançado
da Universidade do Estado do Pará-UEPA.
31
32. • “A educação rural representa para mim caminho para o conhecimen-
to”;
• “A educação rural representa o início de uma formalidade”;
• “A educação rural representa esperança no futuro”;
• “A educação rural representa um sonho realizado para muitas pesso-
as”;
• “A educação rural representa troca de conhecimento”;
• “A educação rural representa conscientização”;
Quando se pergunta às professoras e professores sobre “O que re-
presenta para vocês as classes multisseriadas?” Elas e eles respon-
dem:
• As classes multisseriadas são um problema para mim, porque não sei
nem o que estou ensinando. Me sinto perdida. São crianças desde a
pré-escola até a 4ª série junto com jovens e adultos numa mesma sala
de aula.
• Nas classes multisseriadas as disciplinas são trabalhadas com dificul-
dade, porque existem várias crianças com séries e idades diferentes. O
que nós fazemos é dividir a turma para poder trabalhar.
• Nas classes multisseriadas existe muito trabalho e pouco aproveita-
mento na aprendizagem.
•A classe multisseriada é ruim para o aluno, pois ele tem pouco aprendi-
zado. Nós não podemos lhe dar atenção, porque chega um daqui, che-
ga um de lá, acabamos que não damos atenção necessária ao aluno”.
• A classe multisseriada é um atraso muito grande para a turma, porque
uns ficam sem fazer nada, quando a atividade se realiza com uma
série. Muitos alunos dizem ‘Professora, eu já sei isso!’. Enquanto ou-
tros não sabem o conteúdo que está sendo trabalhado com as séries
mais avançadas.
• A escola com classes multisseriadas é um problema, porque trabalha-
mos sem uma estrutura escolar adequada; um número elevado de alu-
nos; com diferentes idades; diferentes séries; sem merenda escolar,
sem condições de transporte e grandes distâncias por nós percorridas.
32
33. Viajo dois dias de barco para chegar à escola onde trabalho.
• A escola com classes multisseriadas é complicada. Nenhum quadro
grande existe para poder dividir e trabalhar com as várias séries.
• A classe multisseriada é uma dificuldade até porque nós não temos o
apoio da Secretaria. Eles, os técnicos da Secretaria, só fazem cobrar,
mas dar apoio que é bom, nada.
• A classe multisseriada significa luta de ambas as partes, tanto dos pro-
fessores quanto dos alunos. É preciso dedicação dos dois e dos pais,
que muitas vezes não ajudam no trabalho. Reclamam, dizem que o
filho não está aprendendo nada, mas muitos deles são analfabetos e
também levam o filho para a roça. Por isso, eles são culpados por esse
fracasso.
• Trabalhar nas classes multisseriadas é saber lidar com as diferenças de
idade, de classe social, de mentalidade. Eu tenho alunos que vão des-
calços para a escola e uns que vão com fome’’.
• A classe multisseriada significa uma forma de não deixar o aluno sem
estudar.
• A classe multisseriada significa uma dificuldade como uma outra sala
de aula qualquer, sendo que nela existem mais dificuldades em relação
à escola seriada da cidade.
• A classe multisseriada é um grande desafio. Nós temos que procurar
integrar os alunos. Como é que nós vamos trabalhar os conteúdos com
essas séries juntas? Fica difícil. A solução é dividir a turma para traba-
lhar.
• A classe multisseriada é uma série de problemas: os maiores já trazem
os menores e ficam juntos’’.
• A classe multisseriada é um grande problema. Nós seguimos, fazemos
de acordo com a formalidade, com as normas da Secretaria, mas a
aprendizagem é um fracasso.
• O calendário escolar da classe multisseriada é um problema, porque os
alunos trabalham com os pais na roça e a turma esvazia.
Vozes que têm vida,
33
34. Vozes de angustia e de esperança,
Esperança de uma Educação com vida vivida dignamente
Essa é a voz de um sujeito social,
Que não quer calar
Que não quer parar de cantar a esperança
de uma educação humana,
de um meio rural humano,
de uma Amazônia humana,
de um Brasil humano,
de um mundo humano.
Vozes que têm vida.
34
35. Amazônia: Uma imensa pororoca multicultural3
A presente mística trata da sociodiversidade existente na região
amazônica, enfocando, principalmente, o espaço do campo desta região,
no qual os seus vários grupos sociais: comunidades indígenas, remanes-
centes de quilombos, ribeirinhas, camponesas, extrativistas, migrantes;
formam uma imensa “pororoca multicultural”, a qual desenha uma pai-
sagem amazônica singular, multifacetada, constituída, historicamente em
bases de relações de poder, conflitualidade e antagonismos. As reflexões
e desafios que essa mística apresenta se sustentam na urgente necessida-
de da construção de um projeto amazônico e de um projeto de educação
do campo amazônico includentes, enraizados na sócio e biodiverdade
da região e na participação direta de seus sujeitos sociais, culturais e
políticos.
Amazônia da Pajelança.
Pajelança de Mitos e Ritos da esperança,
Onde a natureza é um deus que rima com o temor e com a bonança;
Amazônia da branquitude.
Branquitude da dita-maldita “civilização”.
Civilização da Imposição da europeização e da transfiguração,
Feita à luz do fogo e da cruz da escravidão.
Amazônia da Casa-Grande-e-Senzala,
Espaço da escravização do corpo e da alma.
Amazônia dos Quilombos,
A dentro da floresta, terras, corpo-e-alma de resistência,
Cultivando a liberdade da renascença.
Amazônia, índia, branca, negra e cabocla.
3
O texto dessa mística foi produzido pelos componentes do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação
Rural na Amazônia – GEPERUAZ, que desenvolve a Pesquisa “Classes Multisseriadas: Desafios da
Educação Rural no Estado do Pará/ Região Amazônica”, financiado pelo PNOPG/ CNPq.
35
36. Amazônia de imaginários e representações várias.
De lutas e esperanças várias.
Agora, Amazônias várias, de identidades e culturas várias.
Identidades e Culturas várias que formam uma imensa pororoca
multicultural que se espraia.
Pororoca multicultural que se espraia por entre aldeias e comunidades.
Aldeias e comunidades quilombolas e ribeirinhas,
Aldeias e comunidades extrativistas e camponesas,
Aldeias e comunidades tapajônico-marajoaras.
Caminhando e lutando por entre aldeias e comunidades quilombolas,
ribeirinhas, camponesas e extrativistas da Amazônia rural,
Construindo uma imensa pororoca multicultural.
Agora, Amazônias várias, de identidades e culturas várias.
Identidades e Culturas várias que formam uma imensa pororoca
multicultural,
Que se espraia nos campos, florestas, rios, igarapés e lagos tapajônico-
marajoaras.
Caminhando e lutando por entre campos e florestas,
Rios, igarapés e lagos da Amazônia rural,
Construindo Uma imensa pororoca multicultural.
No reconhecimento de nossa multi-espacialidade urbano-rural,
Somos todos e todas iguais e diferentes.
No reconhecimento de nossa multi-espacialidade rural, entre aldeias,
comunidades quilombolas, ribeirinhas, camponesas e extrativistas,
Somos todos e todas iguais e diferentes.
36
37. No reconhecimento de nossa multi-facetagem identitária entre índios,
brancos, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, extrativistas e migrantes,
Somos todos e todas iguais e diferentes.
No reconhecimento de nossa pluralidade multicultural,
Somos todos e todas iguais e diferentes.
Vem vamos embora as identidades amazônicas reconhecer,
No diálogo, na luta e na esperança de unidos conviver.
Vem vamos embora as identidades amazônicas reconhecer,
Fazendo da convivência inter-identitárias uma pororoca multicultural
acontecer.
37
38. A realidade do multisseriado em uma cidade paraense
Caros amigos como vocês perceberam sou professor de classes
multisseriadas e meu maior problema com as turmas multisseriadas não
se limita somente em ter o controle de turma, mas nos seguintes aspec-
tos:
• Merenda escolar;
• Apoio dos governantes;
• Falta de material didático;
• Super lotação;
• Espaço físico;
• A falta de secretário, diretora, supervisor;
• Deslocamento da cidade para a escola.
O mais engraçado é que somos, sem medo de falar “tudo” na esco-
la, trabalho como pai, mãe, psicólogo, diretor, servente, merendeiro, como
disse anteriormente somos tudo.
É muito difícil conciliar minha prática na sala de aula, tendo uma
turma super lotada, fazendo merenda, pagando fretes da merenda, e ati-
rando as formalidades impostas pela secretaria de educação, a qual não
conhece nem um pouco a realidade do professor, mas impõe suas regras
sem nenhum fundamento.
E mais, assim que começa o ano letivo somos agredidos verbal-
mente e devemos dar presença a alunos que não freqüentam a aula, e ter
muito cuidado em não reprovar a metade de uma turma, ou seja, o aluno
tem que ser aprovado sem saber o suficiente para mudar de série.
“Não trabalho apenas com quatro séries e sim com cinco: alfabeti-
zação e de primeira à quarta série, isso só em uma turma, com seis disci-
plinas que neste ano foram impostas pela secretaria de educação”:
- Português
- Matemática
- Estudos Sociais
- Ciências
- Ensino Religioso
38
39. - Educação Artística
Isso é uma falta de respeito para com o educador.
Profº. José Luiz
Educador de escola multisseriadas em um dos 143 municípios do Estado
do Pará.
15 de Junho de 2004
39
40. Meu dia-a-dia no Multisseriado
O trabalho é intenso, só agüenta quem tem paixão pelo trabalho e
compromisso com a sociedade. Tudo começa quando o educador é con-
tratado pela Secretaria Municipal para trabalhar na zona rural no
multisseriado. Assim aconteceu comigo, trabalhei na escolinha da co-
munidade onde moro, eu tinha 26 crianças de pré-escola a 4 série.
No início senti muitas dificuldades, porque eu trabalhava num úni-
co horário e as disciplinas eram 8 (oito) Português, Ensino das Artes,
Matemática, Ciências, História, Geografia, Educação Física e Educação
Religiosa, e a cada dia eu trabalhava uma matéria de acordo com cada
série.
O ano letivo é dividido em 4(quatro) bimestres e 2 (dois) bimestres,
no final de cada semestre uma recuperação se o aluno não conseguir a
média necessária que é (5,0).
Eu tinha que planejar aula para cada matéria de acordo com cada
série.
O Diário de classe era preenchido da seguinte maneira: a data, o
resumo da matéria (dos conteúdos), e a matéria, e também a freqüência
do aluno.
No livro de Ocorrência Diária eu registrava tudo o que acontecia
no dia-a-dia, da quantidade de aluno a merenda que era servida.
No livro de Freqüência Diária eu registrava a quantidade de aluno
por série. Também era minha obrigação conferir a merenda recebida do
Departamento da Merenda Escolar (DEMAS), e prestar contas com o
mesmo. Também era eu quem cuidava da limpeza da escola e preparava
a merenda.
Bem, como eu trabalhava multisseriado foi difícil, muito difícil! O
planejamento ocupava quase todo o meu tempo, pois (ao todo) a cada
dia eu tinha que trabalhar uma matéria de acordo com cada série.
Na primeira semana de aula percebi a dificuldade dos alunos, de
leitura e de escrita. Pra mim foi o maior desespero, como eu iria passar
uma prova de avaliações se os alunos não sabiam ler e nem escrever? E
40
41. o processo avaliativo estava no currículo, corri desesperado para a Se-
cretaria de Educação e recorri à coordenadora pedagógica e fiz a seguin-
te pergunta: Como eu vou fazer uma prova com um aluno que não sabe
ler? Porque tem aluno da 3ª e 4ª série que não consegue nem copiar nem
ler o conteúdo de suas séries.
Foi um momento de reflexão; e começamos a dialogar e chegamos
a uma conclusão: primeiro dividir as turmas, segundo, trabalhar somente
alfabetização com todos os alunos de pré-escola a 4ª série na medida
necessária.
E a avaliação? perguntei: - Infelizmente está no currículo!
Trabalhei 4 meses alfabetizando e a avaliação era de forma contí-
nua, tivemos um avanço e na medida necessária retomamos a trabalhar
seguindo o currículo normal do multisseriado.
Esta experiência para mim foi muito marcante porque eu achava
que os alunos do multisseriado sentiam mais dificuldade por causa do
professor, mais depois de sentir na própria pele percebi que não é culpa
do professor, é do sistema. Imagine só, um professor em uma sala de
aula com alunos de pré-escola a 4ª série, tudo num único horário, séries
e conteúdos diferente...
Claro, as crianças aprendem, é bom, mas sempre fica a desejar... e
por mais que o professor se esforce, a culpa fica somente no professor.
Quando o índice de reprovação é maior do que o de aprovação os
pais e a comunidade acham que a culpa é somente do professor, até mes-
mo a equipe pedagógica pensa assim.
Mas eu acredito que todos os professores do multisseriado dão o
melhor de si, até mesmo porque se o professor não tiver bom desempe-
nho, ele corre o risco de não ser contratado no ano seguinte.
José Antônio M. Oliveira
Professor de escola multisseriada do município da Altamira. Assentado
da reforma agrária e estudante do Curso de Magistério da Terra, financi-
ado pelo PRONERA na Região da Transamazônica.
41
42. Classes Multisseriadas: Desafios da educação rural
no Estado do Pará/Região Amazônica
Salomão Mufarrej Hage4
Este texto apresenta uma síntese dos resultados da pesquisa que
investigou a realidade vivenciada por educadores e educandos nas esco-
las multisseriadas no Estado do Pará, situação em que se reúnem estu-
dantes de várias séries na mesma sala de aula com apenas uma professo-
ra. A pesquisa envolveu investigação bibliográfica, documental e de cam-
po na construção de um Banco de Dados que explicita com detalhamento
e sistematicidade a realidade dramática que enfrentam educadores e
educandos no cotidiano das atividades educativas vivenciadas nas esco-
las multisseriadas.
Nesse artigo socializamos os aspectos mais significativos do banco
de dados mencionado, que em sua íntegra, disponibiliza dados estatísti-
cos levantados junto aos órgãos oficiais: MEC, INEP, SAEB e SEDUC/
PA, referentes às escolas multisseriadas em cada um dos municípios do
Estado do Pará, tomando como referência o ano de 2002; e apresenta
informações que revelam particularidades do processo de ensino-apren-
dizagem realizado nessas escolas, identificadas durante a realização de
uma pesquisa qualitativa que envolveu estudantes, professores, pais, mães,
membros das comunidades locais e gestores das secretarias municipais
de educação envolvidos com as escolas multisseriadas de seis municípi-
os do Estado do Pará, selecionados em função de pertencerem às dife-
rentes Meso-Regiões do Estado e possuírem o maior número de escolas
multisseriadas em sua rede de ensino; são eles: o município de Breves,
Santarém, Cametá, Mojú, Marabá e Barcarena.
4
Doutor em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Reali-
zou Doutorado Sanduiche na Universidade de Wisconsin-Madison, sob a orientação do Prof. Dr. Michael
W. Apple, com o apoio da CAPES/ Comissão Fulbright (1998-1999). Professor do Centro de Educa-
ção da Universidade Federal do Pará, coordenador do GEPERUAZ e integrante da coordenação do
Programa EducAmazônia.
42
43. Fonte - GEPERUAZ (200)
Além dos municípios envolvidos diretamente na pesquisa; o
GEPERUAZ, através de atividades como palestras, conferências, ofici-
nas e mini-cursos, dialogou com professores, gestores, pais e estudantes
das escolas do campo de muitos outros municípios do Pará, comunican-
do os resultados parciais da investigação e/ou coletando informações
sobre a realidade das ações pedagógicas que envolvem as escolas do
meio rural, entre os quais destacamos: Benevides, Nova Ipixuna, Augusto
Corrêa, Cachoeira do Piriá, São Domingos do Capim, Conceição do
Araguaia, Eldorado dos Carajás, Capitão Poço, Baião, Abel Figueiredo,
Goianésia do Pará, Castanhal, Santa Bárbara, São Miguel, Capanema,
Acará, Abaetetuba, Paragominas, Portel e Melgaço.
Retratos de realidade das escolas multisseriadas na Amazônia
Paraense
A realidade vivenciada pelos sujeitos nas escolas existentes no cam-
po denuncia grandes desafios a serem enfrentados para que sejam cum-
pridos os marcos operacionais anunciados nas legislações educacionais
que definem os parâmetros de qualidade do ensino público conquistados
43
44. com as lutas dos movimentos sociais populares do campo.
Dados oficiais do INEP, do censo escolar de 2002, mostram que no
meio rural brasileiro, 28% dos jovens acima de 15 anos no campo ainda
são analfabetos; e 3,4 anos é a média de anos de estudo nessa mesma
faixa etária; a distorção idade-série atinge 65% dos estudantes matricu-
lados; e somente 25% das crianças de 4 a 6 anos são atendidas.
Apesar de concentrar mais da metade das escolas brasileiras, 97
mil de 169 mil existentes, a metade das escolas do campo ainda é de uma
sala e 64% são multisseriadas. Em relação aos professores, boa parte dos
que ensinam no campo tem formação carente; e apenas 9% completaram
o ensino superior.
Pará: Número de Funções Docentes
na Multissérie, no ano de 2002.
Fonte: PARÁ - SEDUC/2003.
No caso da Amazônia, lócus ampliado da pesquisa realizada, a situ-
ação no campo é preocupante, pois 29,9% da população adulta é analfa-
beta; 3,3 anos é a média de anos de escolarização dessa população; e
71,7% das escolas que oferecem o ensino fundamental nas séries iniciais
são exclusivamente multisseriadas, atendendo 46,6% dos estudantes em
condições precárias e com pouco aproveitamento na aprendizagem.
44
45. No Pará, Estado que constitui o lócus específico onde o estudo se
desenvolveu, os dados apresentados no relatório de pesquisa ao CNPq,
revelaram um quadro alarmante em que as escolas multisseriadas cons-
tituem a modalidade predominante de oferta do primeiro segmento do
ensino fundamental no campo, atendendo 97,45% da matrícula nessa
etapa escolar. Nessas escolas, a taxa de distorção idade-série é de 81,2%,
chegando a 90,51% das crianças matriculadas na 4ª série; e a taxa de
reprovação equivale a 23,36%, atingindo um índice de 36,27% na 1ª
série. (GEPERUAZ, 2004)
Dados do Censo Escolar de 2003 indicam o Estado do Pará é o
segundo maior em número de escolas multisseriadas do país, 8.675 es-
colas, perdendo somente para a Bahia, que tem 14.705 escolas; o mesmo
se repetindo em relação às turmas multisseriadas, que totalizam 11.231
turmas e perde para a Bahia, que tem 21.451 (INEP, 2003). Frente a essa
realidade, a única política pública direcionada às escolas multisseriadas
é o “Projeto Escola Ativa”, que atende um percentual de 9,4% das esco-
las multisseriadas do Pará.
Fonte: MEC/ INEP/ Censo escolar
Para além dos indicadores quantitativos apresentados, a precarização
das escolas multisseriadas se faz notar por um conjunto de particularida-
des que comprometem o processo de ensino-aprendizagem, as quais fo-
ram identificadas durante a realização da pesquisa e serão explicitadas a
45
46. seguir, com a utilização de depoimentos dos próprios sujeitos do campo
envolvidos com essa realidade.
1. Em relação à visão dos sujeitos do campo sobre a existência da
escola multisseriada, a pesquisa identificou aspectos positivos e nega-
tivos no depoimento dos sujeitos entrevistados:
A escola multisseriada é boa por uma parte e por ou-
tra não. É boa porque pelo menos as crianças estão
aprendendo. Todo dia a minha filha pode ir para a
escola. Mas, eu acho que essa escola está precisando
de ajuda, precisando de apoio. O fato negativo que eu
vejo é que não há cada um na sua série. Cada um na
sua sala seria melhor. Eles estudam todos juntos, eu
acho que isso não é certo, mas a precisão está obri-
gando”. (Mãe e participante da comunidade R.F.N.)
“Deveria ter uma escola onde tivesse séries separa-
das e uma professora para cada série. Não é muito
boa uma escola assim, com várias séries juntas, por-
que o aluno tem muita precisão de aprender e desse
jeito é difícil” (Mãe O.F.A.)
Entre os aspectos positivos relacionados à existência das escolas
multisseriadas evidenciados nos depoimentos, identificamos o fato dos
estudantes terem acesso à escolarização na própria comunidade em que
vivem como um fator importante e os deslocamentos envolvendo longas
distâncias, causam-lhes grandes transtornos e preocupação aos pais, pois
em sua maioria são crianças e adolescentes. Além disso, a multissérie
oportuniza o apoio mútuo e a aprendizagem compartilhada, a partir da
convivência mais próxima estabelecida entre estudantes de várias séries
na mesma sala de aula, o que em determinados aspectos é considerado
salutar. Por outro lado, há posicionamentos que expressam insatisfação
com relação à existência dessas escolas, considerando-as um “proble-
ma”, por causar prejuízos ao processo de aprendizagem. Em muitos ca-
sos, os sujeitos se referem a essas escolas como “um mal necessário” e
estabelecem muitas comparações entre elas e as turmas seriadas, ao abor-
darem o ensino-aprendizagem que ofertam, manifestando a expectativa
de que as escolas multisseriadas se transformem em seriadas, como al-
46
47. ternativa para que o sucesso na aprendizagem se efetive.
2.Sobre as condições existenciais das escolas multisseriadas, um dos
fatores cruciais, que comprometem a positividade do processo ensino-
aprendizagem nessas escolas, os sujeitos envolvidos com a pesquisa,
assim se manifestaram:
A situação é muito séria. O lugar é muito pequeno,
não é apropriado, ele é da comunidade. Se chover,
molha. É arriscado para a própria criança pegar uma
doença, porque ela vem direto para o chão e aqui passa
bicho, rato, lagarto e cachorro. (Prof° J.M.)
Nós trabalhamos com até 3 ou 4 crianças numa car-
teira. Isso complica o nosso trabalho, porque a gente
está explicando para um, o outro já está ‘professora
meu colega está sacudindo a cadeira e não deixa eu
copiar direito’. Como é que vamos resolver isso, três
crianças sentadas numa carteira? A questão da lousa
melhorou, porque a gente conseguiu outras. Mas, an-
tigamente era só uma lousa para três, quatro séries, a
gente dividia um pedacinho para cada uma. (Profa.
K.A.D.)
Eu venho de casco para a escola e às vezes eu tenho
que vir contra a maré e fico muito cansada. Às vezes
tem muita maresia e quando chove muito, eu não ve-
nho para a escola. (aluna R.C.S.)
A maioria dos alunos vem andando para a escola, a
distância é grande, são 8 km ou mais, mas, eles já
estão acostumados. Além do mais, eles vêm brincan-
do uns com os outros. O problema é só porque eles
chegam muito suados e agitados. Então eu tenho que
esperar um pouquinho para começar a aula.(Profa.
R.C.)
No momento não tem merenda. Quando tem, a dife-
rença é muito grande na sala de aula e não falta ne-
nhum aluno. No interior, o dia-a-dia, é muito traba-
lhoso, há criança que sai de sua casa e não toma nem
café e vem pensando chegar na escola e merendar um
pouquinho. (Prof aK.A.D.)
Os depoimentos revelam, que a precariedade da estrutura física das
escolas; as dificuldades dos professores e estudantes em relação ao trans-
47
48. porte e às longas distâncias percorridas e a oferta irregular da merenda,
são fatores que provocam a infrequência e a evasão e prejudicam a ob-
tenção de resultados positivos no processo ensino-aprendizagem, sendo,
portanto, responsáveis em grande medida, pelo fracasso escolar que se
evidencia na experiência educativa da multissérie.
De fato, estudar nessas condições desfavoráveis, não estimula os
professore e os estudantes a permanecer na escola, ou sentir orgulho de
estudar em sua própria comunidade, fortalecendo ainda mais o estigma
da escolarização empobrecida que tem sido ofertada no meio rural, e
incentivando as populações do campo a buscar alternativas de estudar na
cidade, como solução dos problemas enfrentados.
Imagens de Escolas Multisseriadas
Fonte: GEPERUAZ
3. Com relação ao trabalho docente e o acompanhamento das Secre-
tarias de Educação à ação pedagógica que se efetiva nas escolas
multisseriadas, as informações obtidas dos sujeitos entrevistados fo-
ram as seguintes:
48
49. Na escola multisseriada, normalmente é um professor
só e ele tem que ser servente, fazer e servir a meren-
da, ser tudo. Além da dificuldade de atuar em várias
séries ao mesmo tempo, existe a dificuldade extraclasse
que é de: cuidar da escola, de tudo. Essa é a grande
dificuldade que o professor enfrenta, porque ele não
fica só cuidando do plano de aula. Ele pensa no todo
da escola. Ele tem que resolver todos os problemas
pendentes da classe na secretaria de educação. Eu
acho que tudo isso prejudica o ensino. (Profº. R. V. A)
As dificuldades que envolvem os professores das es-
colas multisseriadas são muitas porque o quadro maior
é de contratados e isso é muito influenciado por ques-
tões políticas. A cada ano troca, aqueles que estão
lecionando saem, muda o quadro de professores e há
uma ruptura no processo. (Técnica da SEMED J.C.M.)
A presença da Secretaria em nossa comunidade é au-
sente, pois durante eu morar nesse local, há mais de
30, anos eu desconheço a presença da Secretaria de
Educação em nossa comunidade (Mãe e Integrante
da comunidade A.M.N.S.)
A Secretaria fornece o barco, óleo, alimentação e o
motorista, mas ainda assim tenho grande dificuldade
para fazer o assessoramento pedagógico por causa
da distância. A escola mais próxima fica a oito horas
de barco da cidade, temos que sair às 5h da manhã e
passamos 3, 4 ou 5 dias para lá e nem conseguimos
visitar todas as escolas. (Técnica da SEMED I.C.S.)
É um pouco difícil a relação com a Secretaria de Edu-
cação porque eles têm algumas restrições. Professor
do interior fala com a Secretaria só tal dia, e isso fica
meio difícil, para a gente ir daqui e chegar lá, porque
perdemos aula. Nos sentimos em 2º plano na hora de
ser atendido, primeiro as escolas seriadas da cidade,
depois as escolas do interior. Eu acho que a escola da
cidade é a vitrine para a sociedade. A sociedade or-
ganizada está lá, então, eles procuram colocar o que
há de melhor na vitrine, e depois vem o interior, pois
aqui não tem ninguém vendo e não vai interessar po-
liticamente para eles. (Profº. R. V. )
Todas as vezes que tem algum tipo de formação as
professoras da zona rural sempre cobram uma for-
mação específica para quem trabalha com as classes
multisseriadas, mas o pessoal da Secretaria sempre
49
50. diz que não faz diferença entre as multisseriadas e as
seriadas, que não existe preferência. Até porque a
qualquer momento o professor que está aqui pode es-
tar lá e vice-versa. (Profa. R. S.)
Identificamos através dos depoimentos explicitados que as condi-
ções adversas presentes no cotidiano das escolas multisseriadas, impõe
aos professores uma sobrecarga de trabalho, forçando-os a assumir um
conjunto de outras funções, para além da docência na escola. Entre as
funções diagnosticadas na investigação, encontram-se as de faxineiro,
líder comunitário, diretor, secretário, merendeiro, agricultor, agente de
saúde, parteiro, etc. Nessas escolas, o trabalho docente tem pouca auto-
nomia em face das questões políticas que envolvem o poder local e inter-
ferem na dinâmica das secretarias de educação, submetendo os profes-
sores a uma grande rotatividade (mudança constante de escola) em fun-
ção de sua instabilidade no emprego.
Além dessas particularidades, os professores, pais e integrantes das
comunidades envolvidos com as escolas multisseriadas se ressentem do
apoio que as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação deveriam
dispensar às escolas do campo e afirmam ser estas discriminadas em
50
51. relação às escolas da cidade, que têm prioridade em relação ao acompa-
nhamento pedagógico e formação dos docentes. No entendimento des-
ses sujeitos, essa situação advém do descaso dessas instâncias governa-
mentais para com as escolas multisseriadas. Por parte do pessoal que
atua nas secretarias de educação, as justificativas em relação à falta de
acompanhamento pedagógico advém da falta de estrutura e pessoal sufi-
ciente, conforme indicam em seus depoimentos.
4. Em relação ao planejamento do currículo e das atividades
educativas e suas implicações quanto ao aproveitamento dos estu-
dantes nas escolas multisseriadas, os sujeitos investigados manifesta-
ram as seguintes opiniões:
O planejamento não está dando para fazer escrito no
papel, porque é multisseriado e eu teria que realizar
um para cada série, e isso leva muito tempo, e eu não
estou tendo esse tempo. Então a gente trabalha base-
ado no livro didático. (Profº. D.C.)
Faço o planejamento por série. Eu pego o livro didá-
tico e tem muita coisa nele que é baseado mais para
os alunos da cidade. A gente muda muita coisa.
(Profa E. S.)
Eu trabalho só num período, de 7 às 11h, com seis
séries. Eu organizo o trabalho na sala de aula assim:
todo dia, eu levo os cadernos dos menores (jardim II e
III) para casa. Lá eu passo as atividades para eles.
Chegando aqui, eu dou o caderno para eles e depois
vou passar as atividades para a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª série.
Quando uma está terminando, eu mando aguardar um
pouquinho, enquanto atendo a outra que já acabou.
Eu procuro ao máximo me esforçar para cumprir as
atividades, usando os três quadros, apesar de ser difí-
cil cumprir os conteúdos, devido serem muitas séries.
Eu sinto dificuldade para pôr em prática o planeja-
mento. São seis turmas, o tempo que estou explicando
para uma, as outras crianças já estão dizendo: ‘pro-
fessora, já acabou minha atividade; a senhora ainda
não vem explicar para mim?’. A gente tem que ter
aquele fôlego, para reparar todas as turmas.
(Profa. K.A.D.)
51
52. Uma das maiores dificuldades no multisseriado é a
leitura. Existem crianças na 2ª, 3ª e até 4ª série que
não sabem ler. Isso dificulta muito o trabalho, porque
elas estão numa série, mas não acompanham aquele
nível. (Profa. C. M. S.)
A gente prefere reprovar porque vemos a necessidade
do aluno obter a aprendizagem. A Secretaria cobra
da gente passar o aluno, mas não podemos aprovar
se não há aprendizagem. Isso acontece mais na 1ª e 2ª
séries. (Profº. J. M.)
Já reprovei muitas vezes, faz tempo, eu estudava junto
com a 3ª e 4ª série e ficava ruim, a professora passava
mais trabalhos para eles. Ela dava uma coisa para a
gente e ficávamos esperando ela passar para os ou-
tros. Já desisti de estudar por causa do trabalho com
meu pai, ele trabalha no mato e na serraria.
(Aluno A.J.F.)
A evasão e a repetência existe mais por causa das fal-
tas. Tem o período de plantar na roça em que eles
passam uma semana para plantar e faltam na escola.
Também, tem muitos pais que não tem um lugar fixo,
passam um mês aqui e vão para outro lugar traba-
lhar, vão e voltam, causando a repetência e a evasão.
(Profº. A. L.)
Os depoimentos revelam que os professores enfrentam dificulda-
des em realizar o planejamento nas escolas multisseriadas, porque traba-
lham com muitas séries ao mesmo tempo e a faixa etária, o interesse e o
nível de aprendizagem dos estudantes são muito variado. A alternativa
mais utilizada para viabilizar o planejamento tem sido seguir as indica-
ções do livro didático, sem atentar com clareza para as implicações
curriculares resultantes dessa atitude, uma vez que esses materiais didá-
ticos têm imposto a definição de um currículo deslocado da realidade e
da cultura das populações do campo da região.
Identificamos ainda as angústias sentidas pelos professores ao con-
duzir o processo pedagógico justamente porque assumem a visão da
multissérie enquanto “junção de várias séries ao mesmo tempo e num
mesmo espaço”, passando a elaborar tantos planos de ensino e estratégi-
as de avaliação da aprendizagem diferenciados quanto forem as séries
52
53. presentes em sua turma. Como resultado, os professores se sentem ansi-
osos ao pretender realizar o trabalho da melhor forma possível e ao mes-
mo tempo perdidos, carecendo de apoio para organizar o tempo escolar,
numa situação em que atua em várias séries concomitantemente. Eles
também se sentem pressionados pelo fato de as secretarias de educação
definirem encaminhamentos padronizados de horário do funcionamento
das turmas, de planejamento e listagem de conteúdos, reagindo de forma
a utilizar sua experiência acumulada e criatividade para organizar o tra-
balho pedagógico adotando medidas diferenciadas em face das
especificidades das turmas.
No entanto, o acúmulo de funções e de tarefas que assumem nas
escolas multisseriadas, dificulta aos professores realizar o atendimento
necessário aos estudantes que não dominam a leitura e a escrita, impli-
cando na elevação das taxas de reprovação e defasagem idade série nas
turmas. Por outro lado, essa situação se torna problemática, porque os
professores têm sido pressionados pelas secretarias de educação a apro-
var o maior número de estudantes possível no final do ano letivo, como
forma de relativizar os índices elevados de fracasso escolar.
Além de todos esses fatores, muitos estudantes ainda são obrigados
a abandonar a escola para realizar atividades produtivas, ou acompanhar
os pais em atividades de trabalho itinerantes, de pouca rentabilidade,
prejudiciais à saúde e sem condições de segurança, em face das precárias
condições de vida que enfrentam os sujeitos no campo, corroborando
para intensificar o fracasso escolar nas escolas multisseriadas.
53
54. Apontando indicadores que possam referenciar políticas e práticas
educacionais emancipatórias para o campo na Amazônia e no país
Após a identificação das principais mazelas referentes à ação
educativa que se desenvolve nas escolas multisseriadas discutiremos os
indicadores que possam referenciar práticas e políticas educacionais
emancipatórias para o campo na Amazônia e no país, apresentando um
conjunto de reflexões que estimulem o debate sobre a realidade das es-
colas multisseriadas e seus desafios para garantir às populações do cam-
po o direito à educação de qualidade na primeira etapa do ensino funda-
mental.
1 – As escolas multisseriadas devem sair do anonimato e ser inclu-
ídas na agenda das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, do
Ministério da Educação, das universidades e centros de pesquisa, e dos
movimentos sociais do campo. Elas não podem continuar sendo tratadas
como se não existissem, excluídas inclusive das estatísticas do censo
escolar oficial. Não há justificativa para tamanha desconsideração do
poder público e da sociedade civil para com os graves problemas de
infra-estrutura e de condições de trabalho e aprendizagem que enfrentam
os professores e estudantes das escolas multisseriadas, que em geral en-
54
55. contram-se abandonadas às situações contingentes próprias das comuni-
dades em que se localizam, afinal, delas depende atualmente a iniciação
escolar da maioria das crianças, adolescentes e jovens do campo.
2 – O enfrentamento dos graves problemas que envolvem as esco-
las multisseriadas para ser efetivo deve considerar os desafios mais
abrangentes que envolvem a realidade sócio-econômica-política-
ambiental-cultural e educacional do campo na sociedade brasileira con-
temporânea. Entre esses desafios, destacamos por um lado, a degrada-
ção das condições de vida dos homens e das mulheres que vivem no
campo, que resulta numa expansão acelerada da migração campo-cida-
de; e o fortalecimento de uma concepção urbano-cêntrica de mundo que
dissemina um entendimento generalizado de que o espaço urbano é su-
perior ao campo, de que a vida na cidade oferece o acesso a todos os
bens e serviços públicos, de que a cidade é o lugar do desenvolvimento,
da tecnologia e do futuro enquanto o campo é entendido como o lugar do
atraso, da ignorância, da pobreza e da falta de condições mínimas de
sobrevivência.
3 – As escolas multisseriadas têm constituído sua identidade
referenciada na “precarização do modelo urbano seriado de ensino” e
para que essas escolas ofereçam um processo educativo de qualidade se
faz necessário a transgressão desse padrão de organização do ensino,
que tem se constituído enquanto empecilho em face da rigidez com que
trata o tempo escolar, impondo a fragmentação em séries anuais e sub-
metendo os estudantes a um processo contínuo de provas e testes, como
requisito para que sejam aprovados e possam progredir no interior do
sistema educacional. Ao mesmo tempo, o modelo seriado se pauta por
uma lógica “transmissiva”, que organiza todos os tempos e espaços dos
professores e dos alunos, em torno dos “conteúdos” a serem transmiti-
dos e aprendidos, transformando os conteúdos no eixo vertebrador da
organização dos graus, séries, disciplinas, grades, avaliações, recupera-
ções, aprovações ou reprovações (SEF/ MEC, 1994). Miguel Arroyo
(1999) analisando essa problemática afirma que os índices alarmantes
55
56. de fracasso escolar em muito se devem à escola seriada “peneiradora”,
seletiva e excludente que é a própria negação da escola como direito de
todos, universal.
4 – As escolas multisseriadas têm assumido um currículo desloca-
do da cultura das populações do campo, situação que precisa ser supera-
da caso se pretenda enfrentar o fracasso escolar e afirmar as identidades
culturais das populações do campo. Reconhecemos que ainda predomi-
nam em nossos sistemas de ensino compreensões universalizantes de
currículo, orientadas por perspectivas homogeneizadoras que sobre-va-
lorizam concepções mercadológicas e urbano-cêntricas de vida e desen-
volvimento, e desvalorizam as identidades culturais das populações que
vivem e são do campo, interferindo em sua auto-estima. Não obstante, o
enfrentamento dessa situação desastrosa no contexto da educação do
campo pode ser alcançado através da construção coletiva de um currícu-
lo que valorize as diferentes experiências, saberes, valores e
especificidades culturais das populações do campo da Amazônia. Sinali-
zamos ainda à concretização de um processo de educação dialógica que
inter-relacione sujeitos, saberes e intencionalidades, superando a predo-
minância de uma educação bancária de forte tradição disciplinar, pois
entendemos que os saberes da experiência cotidiana no diálogo com os
conhecimentos selecionados pela escola propiciam o avanço na constru-
ção e apropriação do conhecimento por parte dos educandos e dos edu-
cadores.
Fonte GEPERUAZ
56
57. 5 – As escolas multisseriadas oportunizam às populações do campo
terem acesso à escolarização no lugar em que vivem, em sua própria
comunidade, fator que poderia contribuir significativamente para a per-
manência dos sujeitos no campo e para a afirmação de suas identidades
culturais, não fossem todas as mazelas que envolvem a dinâmica educativa
efetivada nessas escolas, detalhadas anteriormente. Essa é uma questão
importante a ser considerada, pois entre as reivindicações dos movimen-
tos sociais populares do campo, encontra-se a afirmação do direito
inalienável que todos os sujeitos têm de serem educados no próprio lu-
gar em que vivem e convivem com seu grupo social, o qual constitui pré-
requisito fundamental para o fortalecimento dos laços de pertencimentos
dos sujeitos e para a afirmação das identidades culturais das populações
do campo. A escola localizada no próprio espaço em que vivem e convi-
vem os sujeitos do campo pode constituir-se num centro de desenvolvi-
mento cultural da comunidade, envolvendo a todos, sem exceção: crian-
ças, adolescentes, jovens e adultos, estudantes, pais, lideranças e mem-
bros da comunidade nos processos de apropriação do conhecimento e de
mobilização e participação coletiva na construção de uma sociedade in-
clusiva, democrática e plural.
6 – As escolas multisseriadas são espaços marcados predominante-
mente pela heterogeneidade ao reunir grupos com diferenças de série, de
sexo, de idade, de interesses, de domínio de conhecimentos, de níveis de
aproveitamento, etc. Essa heterogeneidade inerente ao processo educativo
da multissérie, articulada a particularidades identitárias relacionadas a
fatores geográficos, ambientais, produtivos, culturais, etc; são elemen-
tos imprescindíveis na composição das políticas e práticas educativas a
serem elaboradas para a Região Norte e para o país. Essa prerrogativa
referencia nossa intencionalidade de pensar a educação do lugar dos su-
jeitos do campo; o que significa que se temos por pretensão elaborar
políticas e práticas educativas includentes para as escolas do campo, é
fundamental reconhecer e legitimar as diferenças existentes entre os su-
jeitos, entre os ecossistemas e entre os processos culturais, produtivos e
57
58. ambientais cultivados pelos seres humanos nos diversos espaços sociais
em que se inserem. Não obstante, não podemos desconsiderar a visão
dos sujeitos envolvidos com a multissérie que consideram toda essa
heterogeneidade mencionada como um fator que dificulta o trabalho pe-
dagógico, fundamentalmente porque se tem generalizado na sociedade
que as “classes homogêneas” são o parâmetro de melhor aproveitamento
escolar e conseqüentemente, de educação de qualidade. Contudo, os fun-
damentos teóricos que orientaram a realização da pesquisa realizada,
apontaram justamente o contrário, indicando ser a heterogeneidade um
elemento potencializador da aprendizagem e que poderia ser melhor apro-
veitado na experiência educativa que se efetiva na multissérie, carecen-
do no entanto, de muitos estudos e investigações sobre a organização do
trabalho pedagógico, sobre o planejamento e a construção do currículo e
de metodologias que atendam às peculiaridades de vida e de trabalho das
populações do campo, o que de forma nenhuma significa a perpetuação
da experiência precarizada de educação que se efetiva nas escolas
multisseriadas tal qual identificamos nesse estudo.
58
59. Referências
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VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano
do que se calcula. São Paulo: Campinas, Editora Autores Associados.
2003.
60
61. Educação na Amazônia: Identificando singularidades e suas
implicações para a construção de propostas e
políticas educativas e curriculares
Salomão Mufarrej Hage5
Com o propósito de apresentar indicadores que possam contribuir
para a elaboração de propostas educativas e curriculares de nosso pró-
prio lugar, afirmando as identidades culturais próprias de nossa região,
iniciamos nossa reflexão ressaltando que a Amazônia apresenta como
uma de suas características fundamentais a “heterogeneidade”, que se
expressa de forma bastante significativa no cotidiano da vida, do traba-
lho e das relações sociais, culturais e educacionais dos sujeitos que nela
habitam, heterogeneidade essa, que deve ser valorizada e incorporada
nos processos e espaços de elaboração e implementação de políticas e
propostas educacionais para a região.
Em face dos limites de alcance da pesquisa realizada, destacamos
nesse artigo somente alguns dos traços mais marcantes da heterogeneidade
amazônica, focalizando aspectos relacionados ao campo produtivo,
ambiental e sócio-cultural da região.
No que concerne às peculiaridades inerentes ao campo produtivo, a
Amazônia apresenta uma estrutura muito peculiar, com elevado grau de
complexidade, muito diferente de outras regiões do país, uma vez que
convivem em um mesmo espaço, de forma contraditória e conflitual,
economias extrativistas tradicionais, com processos de trabalho de
tecnologias simples e atividades industriais e grandes empreendimentos
que usam modernas tecnologias.6 Toda essa complexidade se materiali-
za de forma muito diversa, em que por um lado, temos a existência do
agronegócio, com a soja em franca expansão em direção à floresta; as
5
Doutor em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Reali-
zou Doutorado Sanduiche na Universidade de Wisconsin-Madison, sob a orientação do Prof. Dr. Michael
W. Apple, com o apoio da CAPES/ Comissão Fulbright (1998-1999). Professor do Centro de Educa-
ção da Universidade Federal do Pará, coordenador do GEPERUAZ e integrante da coordenação do
Programa EducAmazônia.
6
CASTRO, M. da C. A, 2002.
61
62. grandes fazendas que praticam a pecuária extensiva na criação de bovi-
nos e bubalinos; a exploração madeireira do Mogno, Angelim, Ipê, Jatobá,
Cupiúba. Maçaranduba, Andiroba, etc; e as atividades de garimpo do
ouro e diamantes.
Nessa mesma perspectiva, temos ainda os Grandes Projetos, entre
os quais incluem-se: o Projeto Manganês, o Projeto Jarí, o Programa
Grande Carajás – Projeto Ferro Carajás, Projeto Trombetas, Projeto
ALBRÁS–ALUNORTE, Projeto ALUMAR e a Usina Hidrelétrica de
Tucuruí; temos o extrativismo vegetal da borracha, da castanha, do açaí,
do urucum, etc; a produção agrícola da mandioca, cacau, guaraná, juta,
pimenta do reino, coco, etc; e a produção industrial envolvendo o Pólo
Industrial e a Zona Franca de Manaus e indústrias diversas de óleos,
sorvetes, fósforos, bebidas, papel e papelão, cimento, móveis compen-
sados, laminados e lambris, olarias, processamento de leite, indústria
farmacêutica e de perfumaria; incluindo também a pesca artesanal e
empresarial.7
Por outro lado, Temos a agricultura familiar com um contingente
de 750 mil pequenos agricultores, que no cultivo da “roça” envolvem
todos os componentes da família, incluindo os idosos e as crianças pe-
quenas, na garantia da subsistência. Esse segmento representa 85,4% do
total de estabelecimentos rurais da região, os quais ocupam 37,5% do
total da área regional, produzindo 58,3% do valor bruto da produção
agropecuária na região, ao mesmo tempo em que recebe somente 38,6%
do financiamento aplicado na região, tomando como referência a safra
do ano 1995/96.8
Com relação às especificidades ambientais, a Amazônia possui a
mais rica biodiversidade do planeta com aproximadamente 30 milhões
de espécies animais e vegetais, onde se destacam plantas medicinais,
aromáticas, alimentícias, corantes, oleaginosas e fibrosas. A região re-
presenta aproximadamente 61% do território nacional e possui a maior
7
MONTEIRO, Alcidema et. all, 1997.
8
MDA. 2002.
62
63. área preservada de floresta tropical do planeta, com 250 milhões de hec-
tares de floresta onde estão estocadas aproximadamente 14 bilhões de
m³ de madeira comercializável. Em apenas um hectare de floresta pode-
mos encontrar de 100 a 300 espécies diferentes de árvores.9
A heterogeneidade da região também se faz notar pela complexida-
de de seu ecossistema que inclui ecossistemas florestais, com floresta de
terra firme, floresta de várzea e floresta de igapó; e ecossistemas não-
florestais com cerrados, campos e vegetação litorânea.
Quanto à composição dos solos da Amazônia, temos a terra firme
(98%) e a várzea (rica em sedimentos, que cobrem 2% da bacia amazô-
nica). Não há como ignorar, contudo, que 78% dos solos da terra firme
da Amazônia são ácidos e de baixa fertilidade natural, encontrando-se
sujeitos à erosão ocasionada pelas chuvas, sendo que a vegetação é que
protege e alimenta os solos amazônicos.10
A região possui ainda, o maior reservatório de água doce existente
na terra, com uma extensão de 4,8 milhões de Km², que representam
cerca de 17% de toda a água líquida e 70% da água doce do planeta. A
grande maioria dos rios amazônicos é navegável, são vinte mil quilôme-
tros de via fluvial que pode servir ao transporte em qualquer época do
ano. Esses rios são diferentes entre si, uns são de “águas brancas”, ou-
tros de “águas pretas” e outros de “águas claras”, e em conjunto, abri-
gam cerca de 1.700 espécies de peixes.11
Quando focalizamos as singularidades no campo sócio-cultural,
identificamos que a Amazônia é marcada por uma ampla sócio-diversi-
dade, composta por populações que vivem no espaço urbano (62%) e no
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As raízes das árvores são pouco profundas.A alimentação que recebem vem de uma espécie de tapete
composto por galhos secos, frutos, folhas e animais mortos, que constituem o húmus. È justamente
esse húmus que possibilita o processo de reciclagem de material orgânico no qual tudo o que cai sobre
no solo é reaproveitado, sem desperdícios. Disponível em:http://www.amazonlife/conteudo, acesso
em setembro de 2004.
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MONTEIRO, Alcidema et. Al, 1997.
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Disponível em: http://www.amazonlife/conteudo, acesso em setembro de 2004.
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