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PARTICULARIDADES DA EXECUÇÃO DE HIPOTECA 
1. Apresentação. 
Propomos falar nesta comunicação da execução para pagamento de quantia 
certa em que os créditos do exequente se encontram garantidos por hipoteca. 
Uma reforma da acção executiva tem de articular-se com a reforma do direito 
material civil e fiscal, como, aliás, é referido no relatório que se discute na 
presente conferência. Por isso, não podemos esquecer algumas situações 
jurídicas substantivas que, eventualmente, contribuem para o entorpecimento 
nestas execuções. 
A execução hipotecária tem como característica o facto de o crédito exequendo 
ser mais forte que um crédito comum, na medida em que se encontra 
guarnecido de hipoteca e baseiam-se num título executivo que é um documento 
revestido da força probatória plena a escritura pública. Acresce que na maior 
parte das vezes o valor do bem hipotecado é suficiente para o pagamento da 
dívida. O que pomos à consideração é a simplificação destes processos, por 
hipótese através da aplicação das regras de processo sumário, na linha aliás das 
propostas apresentadas no relatório, sempre tendo em conta os interesses em 
jogo. A celeridade não pode ser obtida a qualquer preço, nem podem ser 
comprometidos os direitos e garantias dos cidadãos. E se há garantias mínimas 
que não podem ser postergadas num Estado de direito, deve procurar-se a 
simplificação das matérias que revistam menor complexidade, como é o caso 
das execuções hipotecárias. 
De facto, de um lado, temos os interesses da instituição bancária que financiou a 
aquisição da habitação em causa e que, verificado o incumprimento por parte do 
devedor, pretende assegurar coactivamente a satisfação do seu direito; do outro 
lado, pretende-se assegurar a tutela do interesse do particular, que tem um 
direito à habitação constitucionalmente reconhecido . 
Este painel é dedicado à experiência do Direito Comparado pelo que cabe fazer 
especial referência a algumas ordens jurídicas estrangeiras no que toca à 
execução para pagamento de quantia garantida por hipoteca. 
Feitas as apresentações passemos, pois, à reflexão proposta. 
2. Algumas especialidades da execução de hipoteca. 
O mecanismo de efectivação da hipoteca é o processo judicial, não havendo 
possibilidade de o credor se apropriar de forma particular dos bens hipotecados 
- . A doutrina entende que a necessidade de recorrer à via judicial para que o 
titular da garantia possa fazer valer o seu interesse constitui um meio de 
resguardar o devedor contra os abusos a que poderia dar origem a alienação do 
objecto da garantia, se ao credor fosse permitido realizá-la directamente. Com o 
mesmo objectivo (proteger o devedor) se proíbe, como é sabido, a convenção 
que atribua ao credor o direito de fazer sua a coisa onerada no caso de o devedor 
não cumprir . Ou seja, não se permite, tal como sucedia no direito romano, a 
actio hypothecaria, em que o credor se apoderava da coisa, podendo vendê-la 
extrajudicialmente para pagar o seu crédito à custa do seu valor . 
Da mesma forma, em ordens jurídicas estrangeiras próximas da nossa, à 
excepção de Espanha, o procedimento para efectivar o direito de hipoteca é a via 
judicial ou, como dizem os alemães, a execução forçada . Veja-se, por exemplo, o 
que se passa em Itália, em que o regime da hipoteca é muito próximo do nosso
o credor adquire com a hipoteca o direito de executar, ainda que contra um 
terceiro adquirente, os bens vinculados à garantia . 
Não existe também, entre nós, um procedimento especial da venda da coisa 
hipotecada, a execução hipotecária como processo autónomo foi abolida com o 
Código do Processo Civil em 1939. Para executar uma dívida garantida por 
hipoteca, tem de seguir-se o processo executivo ordinário. 
A primeira das razões que podemos apontar para a desburocratização das 
execuções hipotecárias é que, nestas, o título executivo é uma escritura pública 
de mútuo com hipoteca - , ou seja, trata-se de um título executivo revestido da 
máxima força probatória já que é um documento autêntico exarado pelo notário 
com uma carga de solenidade muito superior a qualquer outros enumerados no 
artigo 46º do Código de Processo Civil. 
Por outro lado, a penhora da coisa hipotecada começa, independentemente de 
nomeação, pelos bens sobre que incide a garantia e só pode recair sobre outros 
bens quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da 
execução . A ratio da norma é evitar abusos por parte do credor preferente e 
também dimensionar o objecto do processo executivo ao efectivo interesse de 
satisfazer . Assim, o efeito da penhora não é conferir preferência ao credor 
exequente que já goza em virtude da existência da hipoteca . Nas execuções 
hipotecárias, não ocorre o vulgar empobrecimento repentino do executado, 
perante a pendência da execução e antes da penhora que vai pondo os seus bens 
a salvo desviando-os do seu património para que não possam ser atingidos por 
estarem integrados em património de terceiro . Na verdade, já antes da acção 
judicial tais actos eram ineficazes em relação ao credor hipotecário o que nos 
permite concluir que os efeitos da penhora são praticamente nulos. 
O passo seguinte é como em todas as execuções a convocação de credores, a 
partir daqui a execução hipotecária segue os mesmos termos da acção executiva 
ordinária. São chamados a reclamar os seus créditos todos os credores com 
garantia real e os credores privilegiados, pois, nos termos do artigo 824º , nº 2, 
do Código Civil, os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os 
oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao 
de qualquer arresto, penhora ou garantia . 
Refira-se, no entanto, que mesmo havendo hipoteca anterior o executado não 
podendo dissipar os bens hipotecados pode furtar-se à execução através de 
outros expedientes que tornam a venda e a satisfação do direito do credor uma 
pura utopia. Estou a pensar em concreto no caso do arrendamento da coisa 
hipotecada ou penhorada, que alguma jurisprudência tem entendido a nosso ver 
erradamente que não caduca com a venda judicial, ainda que constituído 
posteriormente à garantia. 
3. Comparação com o sistema espanhol. 
Em Espanha, desde sempre, existiu um procedimento especial de execução 
hipotecária. Tratava-se de um procedimento judicial sumário com algumas 
particularidades. Com a promulgação da nova lei processual civil , o processo 
para execução de hipoteca, não sendo verdadeiramente autónomo, tem alguns 
desvios ao regime geral em virtude da natureza particular do direito exercido, 
sendo os seus trâmites mais simplificados. No fundo, a recente reforma do 
processo civil espanhol pouco alterou o regime da execução hipotecária. 
Não querendo fazer uma descrição pormenorizada do processo de execução de 
hipoteca, obviamente por limites de tempo, ressaltem-se as notas mais 
importantes. Começa a lei por estabelecer que a acção executiva destinada a
exigir o pagamento de dívidas garantidas por penhor ou por hipoteca, poderá 
exercer-se directamente contra os bens dados em penhor ou hipotecados , 
determinando-se que tal procedimento especial só tem lugar quando a execução 
se dirige exclusivamente contra esses bens. Isto quer dizer que quando o credor 
pretenda exercer o seu direito de acção contra outros bens do devedor, deverá 
recorrer ao procedimento comum . 
Como requisitos cumulativos de aplicação deste processo, que aliás, já existiam 
no regime anterior, estabelece-se que na escritura de constituição de hipoteca 
esteja fixado o preço que as partes atribuem ao imóvel, para que sirva de base à 
venda judicial; na mesma escritura deve fixar-se um domicílio do devedor para 
a prática de requerimentos e notificações ; por fim, no registo da hipoteca 
devem constar os dois requisitos referidos . No despacho que ordena o 
prosseguimento da execução, o juiz notifica o devedor ou o terceiro 
proprietário dos bens para pagar, no domicílio convencionalmente fixado e que 
consta do registo. 
As formalidades subsequentes, designadamente a junção da certidão de ónus e 
encargos, citação de credores com garantia real e reclamação de créditos, são 
muito semelhantes ao nosso procedimento. Refira-se que os prazos, neste tipo 
de execução, são mais curtos: trinta dias depois de o devedor ser notificado 
para pagar terá lugar a venda judicial do bem, cuja data será devidamente 
publicitada e notificada ao devedor. Admite-se também a venda por negociação 
particular . Por outro lado, são diminutas as possibilidades de oposição à 
execução. Conforme se afirma no preâmbulo do diploma espanhol, a lei 
estabelece um sistema equilibrado que permite uma tutela eficaz do direito do 
credor exequente, através de um elenco limitado e taxativo de causas de 
oposição e suspensão da execução, como sejam a extinção da hipoteca ou a 
desconformidade da quantia exequenda peticionada com a quantia devida, não 
se privando o devedor executado dos essenciais meios de defesa. 
A justificação deste tratamento autónomo da execução hipotecária está, segundo 
a doutrina espanhola, na natureza real do direito de hipoteca : o credor 
hipotecário tem uma garantia mais forte do que o credor comum, que apenas 
pode contar com o património geral do devedor não dispondo de um direito 
oponível a terceiros. Pelo contrário, o direito ao valor da coisa hipotecada faz 
parte da essência da garantia, na medida em que o credor, em caso de 
incumprimento, pode executar a coisa e pagar-se com o produto da venda, com 
preferência sobre os demais credores, mesmo se a coisa pertencer a terceiros. 
De notar, que o entendimento da hipoteca como um direito real é comunmente 
partilhado pelas doutrinas portuguesa , italiana , francesa e alemã , pelo que o 
problema da realidade não se põe actualmente. E o que caracteriza o direito real 
é, precisamente, a possibilidade de o credor poder agir sobre a coisa: não no 
sentido de conferir ao seu titular o uso e fruição da coisa, mas o poder de, 
mediante um acto de disposição (a venda judicial), realizar à custa desta ( ) 
determinado valor . 
Cumpre fazer especial enfoque à execução extrajudicial da hipoteca no direito 
espanhol. Com efeito, existe um procedimento específico para o exercício 
extrajudicial do direito de hipoteca: permite-se que na escritura pública de 
constituição da garantia se convencione a execução extrajudicial levada a cabo 
perante o notário . Não se descura a necessidade de acautelar a alienação da 
coisa contra eventuais abusos por parte do credor, submetendo-se o controle da 
venda do bem a uma entidade não judicial e idónea como é o notário. Repare-se
que, em Espanha, a figura do notário tem uma importância que não tem entre 
nós. 
O fundamento que a doutrina espanhola encontra para o procedimento 
extrajudicial está na própria definição da hipoteca que, segundo o Código Civil 
espanhol, sujeita directa e imediatamente os bens sobre que incide, qualquer 
que seja o seu possuidor, ao cumprimento da obrigação para cuja segurança foi 
constituída . Trata-se de um puro processo de execução não havendo, no 
entanto, verdadeira cognição por um órgão jurisdicional. A submissão ao regime 
da venda extrajudicial é convencionada entre as partes na escritura e os trâmites 
do procedimento estão fixados pormenorizadamente na lei, não podendo as 
partes em caso algum desviar-se dessas regras. 
Como outros requisitos, refira-se que o preço atribuído ao imóvel tem que estar 
fixado na escritura de forma a que sirva de base para venda, à semelhança do 
que sucede no processo judicial espanhol propriamente dito. As partes têm que 
convencionar um domicílio para a prática de actos e, na escritura de 
constituição da hipoteca, deve ser ainda designada a pessoa que há-de outorgar 
a escritura de compra e venda da coisa hipotecada em lugar do hipotecante, 
podendo ser designado o próprio credor. 
A tramitação do procedimento é similar ao procedimento judicial sumário 
espanhol : o processo inicia-se com um requerimento que é dirigido ao notário. 
Este aprecia o requerimento e os documentos que o acompanham , 
designadamente no que toca à certeza e exigibilidade da obrigação, aplicando-se 
os mesmos princípios do processo executivo judicial. Aqui a função do notário 
aproxima-se bastante da função do juiz . Terminada esta primeira apreciação, o 
notário lavra acta notarial, donde constam os elementos substantivos do 
procedimento e, em seguida, pede uma certidão do registo predial e notifica o 
devedor para pagar no domicílio convencionado, com a indicação de que se não 
o fizer serão executados os bens. 
Dez dias após a notificação do devedor, notifica-se o proprietário do bem, se for 
distinto do devedor, e os titulares de direitos inscritos sobre o imóvel . Então 
inicia-se a fase da venda, devidamente anunciada e publicitada, tal como nos 
processos judiciais . A alienação do bem é feita por meio de hasta pública, ou 
melhor, por meio de leilão realizado no cartório notarial. Verificada a 
arrematação do bem ou a adjudicação e o depósito do preço, o processo finaliza 
com a elaboração da acta e a outorga da escritura de transmissão, em que se 
farão constar as diligências essenciais efectuadas no processo . A escritura é 
título bastante para o registo da aquisição e cancelamento de todos os direitos 
inscritos sobre o imóvel posteriormente à hipoteca executada. O adquirente dos 
bens, no caso de estes não lhe serem entregues, pode pedir a posse judicial dos 
mesmos , mas então terá que recorrer a um processo para o efeito, que correrá 
nos tribunais. Refira-se, por último, que o processo notarial apenas poderá ser 
suspenso quando se faça prova documental da pendência de um procedimento 
criminal por falsidade do titulo hipotecário. 
Pensamos que esta modalidade de procedimento executivo extrajudicial não é 
concebível no actual direito português. É verdade, como dizem alguns autores 
espanhóis, que um procedimento executivo por vezes não implica 
verdadeiramente uma decisão judicial no sentido de resolver questões jurídicas 
aplicando o direito material a situações concretas. Contudo, há fases do 
processo executivo português que têm manifesto carácter jurisdicional e que 
não dispensam uma apreciação pelo juiz e, por outro lado, a apreensão de bens 
em processo executivo é um acto de carácetr público que reclama, por isso, a
intervenção do tribunal. A admitir-se um tal procedimento teria de se eliminar a 
fase de reclamação de créditos passando o procedimento notarial a ser uma 
execução singular stricto sensu, o que não é de aceitar. 
4. Algumas medidas de simplificação. 
Uma primeira advertência: do nosso ponto de vista, a desburucratização da 
execução hipotecária deverá ocorrer, à semelhança do que ocorre em Espanha, 
para as hipotecas convencionais, isto é, as resultantes de contrato, sendo o caso 
paradigmático o crédito à habitação . Por uma razão: estas hipotecas são 
constituídas por escritura pública e, como acima ficou dito, é este documento 
que vai servir de base à execução. Só a segurança e certeza oferecida por um 
documento revestido de tal solenidade pode justificar o desvio as regras gerais 
da acção executiva. Por outro lado, dentro das hipotecas convencionais, deverá 
aplicar-se o procedimento simplificado apenas para aquelas em que a dívida 
garantida está determinada ab initio, isto é, excluem-se as vulgarmente 
designadas hipotecas genéricas ou hipotecas omnibus , habituais na prática 
bancária, porque nestas a dívida a garantir não está à partida determinada, 
embora seja determinável. 
Somos de opinião que à execução de hipoteca deverão estender-se as 
disposições do processo sumário. Porém, são muito limitados os desvios 
estabelecidos nos artigos 924º a 927º da lei processual para as execuções 
sumárias . As diferenças dizem respeito à penhora prévia à citação. Fora disso, 
tudo se reduz ao encurtamento do prazo para o executado deduzir embargos ou 
oposição à penhora. A solução é, pois, do nosso ponto de vista, simplificar o 
processo sumário e estendê-lo às execuções de hipoteca. 
Não vemos qualquer inconveniente a que se lhes aplique a penhora prévia à 
citação. Na execução de dívidas com garantia real, a penhora começa, 
independentemente de nomeação, pelos bens garantidos. Assim, numa 
execução hipotecária, far-se-á menção no requerimento inicial da existência da 
hipoteca, sendo o bem a coisa sobre que incide a garantia. Feita a penhora, o 
executado será notificado (leia-se, citado) do requerimento executivo, do 
despacho determinativo da penhora e da realização desta, altura em que, de 
acordo com os trâmites normais, se poderá opor ou deduzir embargos. Dada a 
garantia real existente, o executado não poderá requerer a substituição dos bens 
penhorados, conforme se estabelece no artigo 926º, nº 2 do Código. 
As vantagens da penhora prévia à citação são mais visíveis numa execução 
normal: nas execuções hipotecárias, como dissemos acima, não ocorre a 
frequente dissipação dos bens, após a proposição da execução. Mas mesmo 
assim, ganha-se em celeridade, sem grandes prejuízos para as garantias do 
executado. 
Segue-se a convocação de credores e reclamação de créditos. Esta etapa só 
poderia ser suprimida se se alargasse à execução hipotecária a dispensa de 
citação de credores, não existindo razões para suspeitar que incidem sobre eles 
direitos reais de garantia, o que é dificilmente concbível estando em causa um 
bem imóvel, em regra, de valor elevado . A fase poderia, porém, ser abreviada e 
com prazos mais curtos. 
Como é sabido, a execução, em Portugal, à semelhança das ordens jurídicas 
europeias, tendencialmente singular ou mista : são admitidos a reclamar os seus 
créditos alguns credores, que dispõem de garantia real ou de privilégio 
creditório. A convocação de credores é feita de duas formas: os credores
conhecidos (constantes do registo) são citados pessoalmente; para os credores 
desconhecidos (os que têm privilégios), a citação é edital - . 
Em Itália, por exemplo, cabe ao exequente proceder à notificação dos credores 
preferentes: é o credor que tem o ónus de advertir os credores preferentes de 
que, no âmbito de um processo executivo, foram penhorados os bens sujeitos à 
garantia e a falta de prova dessa notificação impede o juiz de prosseguir com a 
execução, designadamente com a venda dos bens . Para o exequente será fácil 
promover a citação ou notificação dos credores com garantia real que estão 
inscritos no registo. Quanto aos credores desconhecidos, ou se eliminam os 
privilégios, criando-se em seu lugar hipotecas legais, ou então para a 
convocação dos credores o regime terá de permanecer. Do nosso ponto de vista, 
e ao contrário do que se refere no Relatório, o exequente trabalha mais 
rapidamente que o tribunal. Recorde-se que a cominação estabelecida no artigo 
51º, nº 2 do Código das Custas Judiciais funciona apenas para o exequente, pelo 
que a acção não deverá ficar parada por mais de três meses. 
Relativamente à fase da venda, concordamos, genericamente, com as propostas 
formuladas, concretamente com a possibilidade de a venda poder ser feita 
através de entidades ou instituições especializadas, como as imobiliárias, o que 
permite rentabilizar a venda, com evidentes vantagens para o exequente e até 
para o próprio executado, evitando-se a fraude na avaliação do bem. 
5. Os privilégios creditórios. 
Passaríamos agora e muito brevemente, para a apreciação crítica aos privilégios 
creditórios. Como se diz no relatório, que a reforma da acção executiva tem de 
ser pensada com a necessária articulação com outros ramos do direito, 
nomeadamente com o direito civil e com o direito fiscal. Por essa razão, 
defendemos a substituição dos privilégios creditórios por hipotecas legais. É 
claro que é uma proposta provocatória, mas é a única forma de assegurar o 
efectivo conhecimento pelos demais interessados, designadamente pelo credor 
hipotecário, da existência de outras garantias incidentes sobre a coisa. 
A existência dos privilégios é, desde logo, bastante discutível porque tais 
garantias, sendo entendidas como garantias reais e como tais oponíveis erga 
omnes, não são todavia registadas. Aliás, essa é a razão pela qual tal garantia 
não é conhecida no direito alemão. Dessa forma, um terceiro que adquira um 
imóvel ou constitua um qualquer direito real sobre ele, poderá ver-se 
confrontado com a existência dos privilégios creditórios sobre o bem. A 
hierarquia entre os vários privilégios e entre estes e as outras garantias é 
pautada pelas regras substantivas constantes dos artigos 746º a 751º do Código 
Civil. 
Por outro lado, existem no nosso ordenamento privilégios a mais . Repare-se 
que VAZ SERRA , autor do anteprojecto do Código Civil em matéria de 
privilégios creditórios, pretendeu reduzi-los apenas àqueles cuja manutenção se 
justificasse imperiosamente. Após a promulgação do Código Civil vigente, 
criaram-se em leis avulsas mais de meia dúzia de privilégios creditórios para 
além dos admitidos no Código Civil , não se mantendo os bons propósitos do 
legislador. 
Tornou-se cada vez mais precária e insegura a situação do credor hipotecário, 
sujeito, como se sabe, a ver reduzida a sua garantia ao limite zero . A enorme 
importância dos privilégios no domínio do crédito real, permite compreender o 
cuidado com que o assunto foi encarado pelo legislador de 1966 e o melindre 
que reveste para o tráfico jurídico qualquer alteração no regime dos privilégios
que vise a sua ampliação ou reforço. Contra o argumento de que os bancos são 
instituições economicamente poderosas e, por isso, aptas a arcar com os riscos 
da existência dos privilégios, sublinhe-se que nem sempre o exequente é uma 
instituição financeira, podendo acontecer que se trate de uma pessoa singular. 
Na opinião de LEBRE DE FREITAS , o legislador, obedecendo a uma 
preocupação de tutela dos interesses do Estado e de outras pessoas colectivas 
públicas em detrimento dos credores particulares tem vindo a criar numerosos 
privilégios para garantia das dívidas de impostos e de contribuições para a 
segurança social, que subvertem a finalidade do processo executivo, desviado da 
sua função de realização coactiva do crédito do exequente para a de cobrança, 
mediante o aproveitamento da actividade deste, desses créditos fiscais e para-fiscais 
. E continua, por lei graduado à frente do exequente, o credor 
privilegiado, cujo crédito é normalmente desconhecido quando a execução é 
instaurada, acaba frequentemente por ser o único a ser pago pelo produto da 
venda dos bens penhorados, enquanto que o exequente não consegue encontrar 
no património do devedor bens que lhe permitam a satisfação do seu direito . 
Sustenta, ainda, que esta subversão constitui violação do direito fundamental de 
acesso à justiça, pois possibilita a retirada ao exequente da tutela judiciária 
assegurada pela acção executiva. 
Acresce que, embora o nº 3 do artigo 735º do Código Civil estabeleça que os 
privilégios imobiliários são sempre especiais, há que referir que essa legislação 
posterior ao Código Civil veio consagrar alguns privilégios imobiliários gerais. 
Por exemplo, os privilégios creditórios da segurança social, porque incidentes 
sobre todos os bens imóveis que se encontrem no património das entidades 
patronais devedoras, devem ser qualificados como privilégios imobiliários 
gerais , o que põe em causa o perfil dogmático com que foram concebidos os 
privilégios, acabando por ser instituído um amplo quadro de preferências, 
capaz de abalar a confiança dos investidores na garantia hipotecária, de longe a 
mais significativa no tráfico creditício . 
A intenção do legislador ao considerar privilegiados os créditos da previdência 
compreende-se: pretendeu-se assegurar o efectivo pagamento desses créditos e 
obstar ao enorme crescimento das respectivas dívidas. Apesar disso, tendo 
presente a matriz em que se inspirou o Código Civil, afigura-se-nos condenável. 
Com efeito, os privilégios imobiliários encontram a sua fundamentação na 
ligação específica do crédito privilegiado ao imóvel em questão . A natureza 
geral dos privilégios consagrados em diplomas avulsos e a inexistência de 
qualquer conexão entre o crédito e o imóvel, faz cair por terra (passe a 
expressão) toda a sua justificação doutrinal . 
ALMEIDA COSTA afirma mesmo que os privilégios imobiliários gerais não 
devem qualificar-se como autênticas garantias reais das obrigações, não 
podendo, por isso, prevalecer sobre outras garantias reais . Note-se que, 
conforme se estabelece no artigo 686º do Código Civil, a hipoteca confere ao 
credor preferência sobre os demais que não gozem de privilégio especial. E, 
nesta medida, não cede perante os privilégios gerais. 
Segundo o artigo 751º do Código Civil, os privilégios especiais são oponíveis a 
terceiros e preferem em relação a outras garantias, ainda que anteriores. E 
apesar de ser discutível a existência dos privilégios imobiliários especiais, 
explicando-se apenas pelo facto de estes privilégios respeitarem a créditos de 
impostos, facilmente detectáveis nos livros das Repartições de Finanças, não se 
justifica nem se compreende o alargamento da sua aplicação aos privilégios 
imobiliários gerais, recentemente criados, sobre os quais o controlo de credores
com garantia real se torna impossível - . Compreende-se a doutrina do artigo 
751º para os privilégios imobiliários especiais que na sua reduzida expressão 
estavam presentes no espírito do legislador ao redigir o preceito (...); mas já não 
se compreende a extensão de tal doutrina a todo o património do devedor, com 
prejuízo dos direitos de terceiro. Os terceiros têm, efectivamente, uma posição 
jurídica respeitável, que não pode ser postergada sem uma imposição legal 
inequívoca, que no caso não se verifica . 
A orientação da jurisprudência maioritária tem sido no sentido de atender ao 
privilégio imobiliário geral da segurança social, independentemente da data da 
constituição do crédito, preferindo a outras garantias, de acordo com o 
argumento literal retirado do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80 . 
Recentemente, porém, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu um acórdão 
considerando materialmente inconstitucional o privilégio da segurança social 
por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito e 
do princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 2º e 18º , nº 2 da 
Constituição . Entre outras considerações, diz-se no referido acórdão que o 
privilégio creditório da segurança social é uma solução desproporcionada, pois 
pode lesar gravemente terceiros de boa fé, sobretudo se pensarmos que a 
segurança social dispõe de hipoteca legal sobre os bens do devedor e basta 
registá-la para possuir uma garantia real publicitada e oponível, por isso, a 
terceiros. 
Acrescentamos nós: nada justifica privilegiar a segurança social e outros 
credores privilegiados em detrimento de terceiros de boa fé, quando, possuindo 
hipoteca legal, não foram suficientemente diligentes e não registaram a tempo a 
sua garantia. O Estado e a segurança social, como quaisquer agentes 
económicos, têm a obrigação de ser diligentes e, se dispõem de hipoteca legal, 
deverão proceder ao registo da sua garantia, de forma a que possam fazer valer 
o seu direito preferencial face a terceiros, com a publicidade assegurada pelo 
registo. Nada justifica o tratamento diferenciado em relação aos demais 
credores. Claro que a substituição por hipoteca legal, significa a perda da 
preferência em relação aos credores com hipoteca primeiramente registada, 
mas, apesar de tudo é uma solução mais equilibrada do que continuar a admitir 
as garantias ocultas com evidentes prejuízos para a segurança e certeza 
jurídicas que se requerem a um Estado de direito. 
Os únicos privilégios cuja subsistência se poderíamos são os créditos dos 
trabalhadores por salários em atraso: é que estes credores dificilmente disporão 
de uma estrutura organizada ou informação suficiente que lhes permita registar 
atempadamente a hipoteca legal. Quanto ao Estado e à segurança social, que se 
apressem a registar a garantia de que dispõem. 
Por último, refira-se que o Tribunal Constitucional proferiu acórdão, de 22 de 
Março de 2000 , em que apreciou a constitucionalidade do artigo 11º do 
Decreto-Lei nº 103/ 80, de 9 de Maio, no que se refere à preferência em relação 
à hipoteca, decidindo-se pela inconstitucionalidade da norma por violação do 
princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, 
consagrado no artigo 2º da Constituição. E baseou-se no seguinte: o privilégio 
creditório funciona à margem do registo e sacrifica os demais direitos reais de 
garantia; tal não pode, porém, ser aplicado ao privilégios imobiliários gerais. 
Com efeito, o princípio da protecção da confiança, postula um mínimo de 
certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente 
criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente 
onerosas com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar . Por outro
lado, invoca-se a finalidade prioritária do registo que radica na ideia de 
segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos (e a existência dos 
privilégios frustra a fiabilidade do registo), o princípio da confidencialidade 
tributária que impossibilita os particulares de previamente indagarem se as 
entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado e à segurança 
social, a inexistência de limites temporais para os privilégios e o seu âmbito 
geral, não existindo qualquer conexão com o imóvel e o facto que gerou a dívida, 
o que implica uma lesão desproporcionada do comércio jurídico. 
Concluindo, somos de opinião que a reforma da acção executiva deve passar 
pela supressão dos privilégios imobiliários e sua substituição por hipotecas 
legais. Só assim se poderá assegurar a efectiva tutela dos interesses dos 
particulares. 
Penso que já estou a exceder o meu tempo. Tinha previsto falar, ainda, sobre a 
questão do arrendamento da coisa penhorada ou hipotecada, mas talvez seja 
melhor concluir por aqui. Muito obrigada pela atenção. 
Isabel Menéres Campos

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  • 1. PARTICULARIDADES DA EXECUÇÃO DE HIPOTECA 1. Apresentação. Propomos falar nesta comunicação da execução para pagamento de quantia certa em que os créditos do exequente se encontram garantidos por hipoteca. Uma reforma da acção executiva tem de articular-se com a reforma do direito material civil e fiscal, como, aliás, é referido no relatório que se discute na presente conferência. Por isso, não podemos esquecer algumas situações jurídicas substantivas que, eventualmente, contribuem para o entorpecimento nestas execuções. A execução hipotecária tem como característica o facto de o crédito exequendo ser mais forte que um crédito comum, na medida em que se encontra guarnecido de hipoteca e baseiam-se num título executivo que é um documento revestido da força probatória plena a escritura pública. Acresce que na maior parte das vezes o valor do bem hipotecado é suficiente para o pagamento da dívida. O que pomos à consideração é a simplificação destes processos, por hipótese através da aplicação das regras de processo sumário, na linha aliás das propostas apresentadas no relatório, sempre tendo em conta os interesses em jogo. A celeridade não pode ser obtida a qualquer preço, nem podem ser comprometidos os direitos e garantias dos cidadãos. E se há garantias mínimas que não podem ser postergadas num Estado de direito, deve procurar-se a simplificação das matérias que revistam menor complexidade, como é o caso das execuções hipotecárias. De facto, de um lado, temos os interesses da instituição bancária que financiou a aquisição da habitação em causa e que, verificado o incumprimento por parte do devedor, pretende assegurar coactivamente a satisfação do seu direito; do outro lado, pretende-se assegurar a tutela do interesse do particular, que tem um direito à habitação constitucionalmente reconhecido . Este painel é dedicado à experiência do Direito Comparado pelo que cabe fazer especial referência a algumas ordens jurídicas estrangeiras no que toca à execução para pagamento de quantia garantida por hipoteca. Feitas as apresentações passemos, pois, à reflexão proposta. 2. Algumas especialidades da execução de hipoteca. O mecanismo de efectivação da hipoteca é o processo judicial, não havendo possibilidade de o credor se apropriar de forma particular dos bens hipotecados - . A doutrina entende que a necessidade de recorrer à via judicial para que o titular da garantia possa fazer valer o seu interesse constitui um meio de resguardar o devedor contra os abusos a que poderia dar origem a alienação do objecto da garantia, se ao credor fosse permitido realizá-la directamente. Com o mesmo objectivo (proteger o devedor) se proíbe, como é sabido, a convenção que atribua ao credor o direito de fazer sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir . Ou seja, não se permite, tal como sucedia no direito romano, a actio hypothecaria, em que o credor se apoderava da coisa, podendo vendê-la extrajudicialmente para pagar o seu crédito à custa do seu valor . Da mesma forma, em ordens jurídicas estrangeiras próximas da nossa, à excepção de Espanha, o procedimento para efectivar o direito de hipoteca é a via judicial ou, como dizem os alemães, a execução forçada . Veja-se, por exemplo, o que se passa em Itália, em que o regime da hipoteca é muito próximo do nosso
  • 2. o credor adquire com a hipoteca o direito de executar, ainda que contra um terceiro adquirente, os bens vinculados à garantia . Não existe também, entre nós, um procedimento especial da venda da coisa hipotecada, a execução hipotecária como processo autónomo foi abolida com o Código do Processo Civil em 1939. Para executar uma dívida garantida por hipoteca, tem de seguir-se o processo executivo ordinário. A primeira das razões que podemos apontar para a desburocratização das execuções hipotecárias é que, nestas, o título executivo é uma escritura pública de mútuo com hipoteca - , ou seja, trata-se de um título executivo revestido da máxima força probatória já que é um documento autêntico exarado pelo notário com uma carga de solenidade muito superior a qualquer outros enumerados no artigo 46º do Código de Processo Civil. Por outro lado, a penhora da coisa hipotecada começa, independentemente de nomeação, pelos bens sobre que incide a garantia e só pode recair sobre outros bens quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução . A ratio da norma é evitar abusos por parte do credor preferente e também dimensionar o objecto do processo executivo ao efectivo interesse de satisfazer . Assim, o efeito da penhora não é conferir preferência ao credor exequente que já goza em virtude da existência da hipoteca . Nas execuções hipotecárias, não ocorre o vulgar empobrecimento repentino do executado, perante a pendência da execução e antes da penhora que vai pondo os seus bens a salvo desviando-os do seu património para que não possam ser atingidos por estarem integrados em património de terceiro . Na verdade, já antes da acção judicial tais actos eram ineficazes em relação ao credor hipotecário o que nos permite concluir que os efeitos da penhora são praticamente nulos. O passo seguinte é como em todas as execuções a convocação de credores, a partir daqui a execução hipotecária segue os mesmos termos da acção executiva ordinária. São chamados a reclamar os seus créditos todos os credores com garantia real e os credores privilegiados, pois, nos termos do artigo 824º , nº 2, do Código Civil, os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia . Refira-se, no entanto, que mesmo havendo hipoteca anterior o executado não podendo dissipar os bens hipotecados pode furtar-se à execução através de outros expedientes que tornam a venda e a satisfação do direito do credor uma pura utopia. Estou a pensar em concreto no caso do arrendamento da coisa hipotecada ou penhorada, que alguma jurisprudência tem entendido a nosso ver erradamente que não caduca com a venda judicial, ainda que constituído posteriormente à garantia. 3. Comparação com o sistema espanhol. Em Espanha, desde sempre, existiu um procedimento especial de execução hipotecária. Tratava-se de um procedimento judicial sumário com algumas particularidades. Com a promulgação da nova lei processual civil , o processo para execução de hipoteca, não sendo verdadeiramente autónomo, tem alguns desvios ao regime geral em virtude da natureza particular do direito exercido, sendo os seus trâmites mais simplificados. No fundo, a recente reforma do processo civil espanhol pouco alterou o regime da execução hipotecária. Não querendo fazer uma descrição pormenorizada do processo de execução de hipoteca, obviamente por limites de tempo, ressaltem-se as notas mais importantes. Começa a lei por estabelecer que a acção executiva destinada a
  • 3. exigir o pagamento de dívidas garantidas por penhor ou por hipoteca, poderá exercer-se directamente contra os bens dados em penhor ou hipotecados , determinando-se que tal procedimento especial só tem lugar quando a execução se dirige exclusivamente contra esses bens. Isto quer dizer que quando o credor pretenda exercer o seu direito de acção contra outros bens do devedor, deverá recorrer ao procedimento comum . Como requisitos cumulativos de aplicação deste processo, que aliás, já existiam no regime anterior, estabelece-se que na escritura de constituição de hipoteca esteja fixado o preço que as partes atribuem ao imóvel, para que sirva de base à venda judicial; na mesma escritura deve fixar-se um domicílio do devedor para a prática de requerimentos e notificações ; por fim, no registo da hipoteca devem constar os dois requisitos referidos . No despacho que ordena o prosseguimento da execução, o juiz notifica o devedor ou o terceiro proprietário dos bens para pagar, no domicílio convencionalmente fixado e que consta do registo. As formalidades subsequentes, designadamente a junção da certidão de ónus e encargos, citação de credores com garantia real e reclamação de créditos, são muito semelhantes ao nosso procedimento. Refira-se que os prazos, neste tipo de execução, são mais curtos: trinta dias depois de o devedor ser notificado para pagar terá lugar a venda judicial do bem, cuja data será devidamente publicitada e notificada ao devedor. Admite-se também a venda por negociação particular . Por outro lado, são diminutas as possibilidades de oposição à execução. Conforme se afirma no preâmbulo do diploma espanhol, a lei estabelece um sistema equilibrado que permite uma tutela eficaz do direito do credor exequente, através de um elenco limitado e taxativo de causas de oposição e suspensão da execução, como sejam a extinção da hipoteca ou a desconformidade da quantia exequenda peticionada com a quantia devida, não se privando o devedor executado dos essenciais meios de defesa. A justificação deste tratamento autónomo da execução hipotecária está, segundo a doutrina espanhola, na natureza real do direito de hipoteca : o credor hipotecário tem uma garantia mais forte do que o credor comum, que apenas pode contar com o património geral do devedor não dispondo de um direito oponível a terceiros. Pelo contrário, o direito ao valor da coisa hipotecada faz parte da essência da garantia, na medida em que o credor, em caso de incumprimento, pode executar a coisa e pagar-se com o produto da venda, com preferência sobre os demais credores, mesmo se a coisa pertencer a terceiros. De notar, que o entendimento da hipoteca como um direito real é comunmente partilhado pelas doutrinas portuguesa , italiana , francesa e alemã , pelo que o problema da realidade não se põe actualmente. E o que caracteriza o direito real é, precisamente, a possibilidade de o credor poder agir sobre a coisa: não no sentido de conferir ao seu titular o uso e fruição da coisa, mas o poder de, mediante um acto de disposição (a venda judicial), realizar à custa desta ( ) determinado valor . Cumpre fazer especial enfoque à execução extrajudicial da hipoteca no direito espanhol. Com efeito, existe um procedimento específico para o exercício extrajudicial do direito de hipoteca: permite-se que na escritura pública de constituição da garantia se convencione a execução extrajudicial levada a cabo perante o notário . Não se descura a necessidade de acautelar a alienação da coisa contra eventuais abusos por parte do credor, submetendo-se o controle da venda do bem a uma entidade não judicial e idónea como é o notário. Repare-se
  • 4. que, em Espanha, a figura do notário tem uma importância que não tem entre nós. O fundamento que a doutrina espanhola encontra para o procedimento extrajudicial está na própria definição da hipoteca que, segundo o Código Civil espanhol, sujeita directa e imediatamente os bens sobre que incide, qualquer que seja o seu possuidor, ao cumprimento da obrigação para cuja segurança foi constituída . Trata-se de um puro processo de execução não havendo, no entanto, verdadeira cognição por um órgão jurisdicional. A submissão ao regime da venda extrajudicial é convencionada entre as partes na escritura e os trâmites do procedimento estão fixados pormenorizadamente na lei, não podendo as partes em caso algum desviar-se dessas regras. Como outros requisitos, refira-se que o preço atribuído ao imóvel tem que estar fixado na escritura de forma a que sirva de base para venda, à semelhança do que sucede no processo judicial espanhol propriamente dito. As partes têm que convencionar um domicílio para a prática de actos e, na escritura de constituição da hipoteca, deve ser ainda designada a pessoa que há-de outorgar a escritura de compra e venda da coisa hipotecada em lugar do hipotecante, podendo ser designado o próprio credor. A tramitação do procedimento é similar ao procedimento judicial sumário espanhol : o processo inicia-se com um requerimento que é dirigido ao notário. Este aprecia o requerimento e os documentos que o acompanham , designadamente no que toca à certeza e exigibilidade da obrigação, aplicando-se os mesmos princípios do processo executivo judicial. Aqui a função do notário aproxima-se bastante da função do juiz . Terminada esta primeira apreciação, o notário lavra acta notarial, donde constam os elementos substantivos do procedimento e, em seguida, pede uma certidão do registo predial e notifica o devedor para pagar no domicílio convencionado, com a indicação de que se não o fizer serão executados os bens. Dez dias após a notificação do devedor, notifica-se o proprietário do bem, se for distinto do devedor, e os titulares de direitos inscritos sobre o imóvel . Então inicia-se a fase da venda, devidamente anunciada e publicitada, tal como nos processos judiciais . A alienação do bem é feita por meio de hasta pública, ou melhor, por meio de leilão realizado no cartório notarial. Verificada a arrematação do bem ou a adjudicação e o depósito do preço, o processo finaliza com a elaboração da acta e a outorga da escritura de transmissão, em que se farão constar as diligências essenciais efectuadas no processo . A escritura é título bastante para o registo da aquisição e cancelamento de todos os direitos inscritos sobre o imóvel posteriormente à hipoteca executada. O adquirente dos bens, no caso de estes não lhe serem entregues, pode pedir a posse judicial dos mesmos , mas então terá que recorrer a um processo para o efeito, que correrá nos tribunais. Refira-se, por último, que o processo notarial apenas poderá ser suspenso quando se faça prova documental da pendência de um procedimento criminal por falsidade do titulo hipotecário. Pensamos que esta modalidade de procedimento executivo extrajudicial não é concebível no actual direito português. É verdade, como dizem alguns autores espanhóis, que um procedimento executivo por vezes não implica verdadeiramente uma decisão judicial no sentido de resolver questões jurídicas aplicando o direito material a situações concretas. Contudo, há fases do processo executivo português que têm manifesto carácter jurisdicional e que não dispensam uma apreciação pelo juiz e, por outro lado, a apreensão de bens em processo executivo é um acto de carácetr público que reclama, por isso, a
  • 5. intervenção do tribunal. A admitir-se um tal procedimento teria de se eliminar a fase de reclamação de créditos passando o procedimento notarial a ser uma execução singular stricto sensu, o que não é de aceitar. 4. Algumas medidas de simplificação. Uma primeira advertência: do nosso ponto de vista, a desburucratização da execução hipotecária deverá ocorrer, à semelhança do que ocorre em Espanha, para as hipotecas convencionais, isto é, as resultantes de contrato, sendo o caso paradigmático o crédito à habitação . Por uma razão: estas hipotecas são constituídas por escritura pública e, como acima ficou dito, é este documento que vai servir de base à execução. Só a segurança e certeza oferecida por um documento revestido de tal solenidade pode justificar o desvio as regras gerais da acção executiva. Por outro lado, dentro das hipotecas convencionais, deverá aplicar-se o procedimento simplificado apenas para aquelas em que a dívida garantida está determinada ab initio, isto é, excluem-se as vulgarmente designadas hipotecas genéricas ou hipotecas omnibus , habituais na prática bancária, porque nestas a dívida a garantir não está à partida determinada, embora seja determinável. Somos de opinião que à execução de hipoteca deverão estender-se as disposições do processo sumário. Porém, são muito limitados os desvios estabelecidos nos artigos 924º a 927º da lei processual para as execuções sumárias . As diferenças dizem respeito à penhora prévia à citação. Fora disso, tudo se reduz ao encurtamento do prazo para o executado deduzir embargos ou oposição à penhora. A solução é, pois, do nosso ponto de vista, simplificar o processo sumário e estendê-lo às execuções de hipoteca. Não vemos qualquer inconveniente a que se lhes aplique a penhora prévia à citação. Na execução de dívidas com garantia real, a penhora começa, independentemente de nomeação, pelos bens garantidos. Assim, numa execução hipotecária, far-se-á menção no requerimento inicial da existência da hipoteca, sendo o bem a coisa sobre que incide a garantia. Feita a penhora, o executado será notificado (leia-se, citado) do requerimento executivo, do despacho determinativo da penhora e da realização desta, altura em que, de acordo com os trâmites normais, se poderá opor ou deduzir embargos. Dada a garantia real existente, o executado não poderá requerer a substituição dos bens penhorados, conforme se estabelece no artigo 926º, nº 2 do Código. As vantagens da penhora prévia à citação são mais visíveis numa execução normal: nas execuções hipotecárias, como dissemos acima, não ocorre a frequente dissipação dos bens, após a proposição da execução. Mas mesmo assim, ganha-se em celeridade, sem grandes prejuízos para as garantias do executado. Segue-se a convocação de credores e reclamação de créditos. Esta etapa só poderia ser suprimida se se alargasse à execução hipotecária a dispensa de citação de credores, não existindo razões para suspeitar que incidem sobre eles direitos reais de garantia, o que é dificilmente concbível estando em causa um bem imóvel, em regra, de valor elevado . A fase poderia, porém, ser abreviada e com prazos mais curtos. Como é sabido, a execução, em Portugal, à semelhança das ordens jurídicas europeias, tendencialmente singular ou mista : são admitidos a reclamar os seus créditos alguns credores, que dispõem de garantia real ou de privilégio creditório. A convocação de credores é feita de duas formas: os credores
  • 6. conhecidos (constantes do registo) são citados pessoalmente; para os credores desconhecidos (os que têm privilégios), a citação é edital - . Em Itália, por exemplo, cabe ao exequente proceder à notificação dos credores preferentes: é o credor que tem o ónus de advertir os credores preferentes de que, no âmbito de um processo executivo, foram penhorados os bens sujeitos à garantia e a falta de prova dessa notificação impede o juiz de prosseguir com a execução, designadamente com a venda dos bens . Para o exequente será fácil promover a citação ou notificação dos credores com garantia real que estão inscritos no registo. Quanto aos credores desconhecidos, ou se eliminam os privilégios, criando-se em seu lugar hipotecas legais, ou então para a convocação dos credores o regime terá de permanecer. Do nosso ponto de vista, e ao contrário do que se refere no Relatório, o exequente trabalha mais rapidamente que o tribunal. Recorde-se que a cominação estabelecida no artigo 51º, nº 2 do Código das Custas Judiciais funciona apenas para o exequente, pelo que a acção não deverá ficar parada por mais de três meses. Relativamente à fase da venda, concordamos, genericamente, com as propostas formuladas, concretamente com a possibilidade de a venda poder ser feita através de entidades ou instituições especializadas, como as imobiliárias, o que permite rentabilizar a venda, com evidentes vantagens para o exequente e até para o próprio executado, evitando-se a fraude na avaliação do bem. 5. Os privilégios creditórios. Passaríamos agora e muito brevemente, para a apreciação crítica aos privilégios creditórios. Como se diz no relatório, que a reforma da acção executiva tem de ser pensada com a necessária articulação com outros ramos do direito, nomeadamente com o direito civil e com o direito fiscal. Por essa razão, defendemos a substituição dos privilégios creditórios por hipotecas legais. É claro que é uma proposta provocatória, mas é a única forma de assegurar o efectivo conhecimento pelos demais interessados, designadamente pelo credor hipotecário, da existência de outras garantias incidentes sobre a coisa. A existência dos privilégios é, desde logo, bastante discutível porque tais garantias, sendo entendidas como garantias reais e como tais oponíveis erga omnes, não são todavia registadas. Aliás, essa é a razão pela qual tal garantia não é conhecida no direito alemão. Dessa forma, um terceiro que adquira um imóvel ou constitua um qualquer direito real sobre ele, poderá ver-se confrontado com a existência dos privilégios creditórios sobre o bem. A hierarquia entre os vários privilégios e entre estes e as outras garantias é pautada pelas regras substantivas constantes dos artigos 746º a 751º do Código Civil. Por outro lado, existem no nosso ordenamento privilégios a mais . Repare-se que VAZ SERRA , autor do anteprojecto do Código Civil em matéria de privilégios creditórios, pretendeu reduzi-los apenas àqueles cuja manutenção se justificasse imperiosamente. Após a promulgação do Código Civil vigente, criaram-se em leis avulsas mais de meia dúzia de privilégios creditórios para além dos admitidos no Código Civil , não se mantendo os bons propósitos do legislador. Tornou-se cada vez mais precária e insegura a situação do credor hipotecário, sujeito, como se sabe, a ver reduzida a sua garantia ao limite zero . A enorme importância dos privilégios no domínio do crédito real, permite compreender o cuidado com que o assunto foi encarado pelo legislador de 1966 e o melindre que reveste para o tráfico jurídico qualquer alteração no regime dos privilégios
  • 7. que vise a sua ampliação ou reforço. Contra o argumento de que os bancos são instituições economicamente poderosas e, por isso, aptas a arcar com os riscos da existência dos privilégios, sublinhe-se que nem sempre o exequente é uma instituição financeira, podendo acontecer que se trate de uma pessoa singular. Na opinião de LEBRE DE FREITAS , o legislador, obedecendo a uma preocupação de tutela dos interesses do Estado e de outras pessoas colectivas públicas em detrimento dos credores particulares tem vindo a criar numerosos privilégios para garantia das dívidas de impostos e de contribuições para a segurança social, que subvertem a finalidade do processo executivo, desviado da sua função de realização coactiva do crédito do exequente para a de cobrança, mediante o aproveitamento da actividade deste, desses créditos fiscais e para-fiscais . E continua, por lei graduado à frente do exequente, o credor privilegiado, cujo crédito é normalmente desconhecido quando a execução é instaurada, acaba frequentemente por ser o único a ser pago pelo produto da venda dos bens penhorados, enquanto que o exequente não consegue encontrar no património do devedor bens que lhe permitam a satisfação do seu direito . Sustenta, ainda, que esta subversão constitui violação do direito fundamental de acesso à justiça, pois possibilita a retirada ao exequente da tutela judiciária assegurada pela acção executiva. Acresce que, embora o nº 3 do artigo 735º do Código Civil estabeleça que os privilégios imobiliários são sempre especiais, há que referir que essa legislação posterior ao Código Civil veio consagrar alguns privilégios imobiliários gerais. Por exemplo, os privilégios creditórios da segurança social, porque incidentes sobre todos os bens imóveis que se encontrem no património das entidades patronais devedoras, devem ser qualificados como privilégios imobiliários gerais , o que põe em causa o perfil dogmático com que foram concebidos os privilégios, acabando por ser instituído um amplo quadro de preferências, capaz de abalar a confiança dos investidores na garantia hipotecária, de longe a mais significativa no tráfico creditício . A intenção do legislador ao considerar privilegiados os créditos da previdência compreende-se: pretendeu-se assegurar o efectivo pagamento desses créditos e obstar ao enorme crescimento das respectivas dívidas. Apesar disso, tendo presente a matriz em que se inspirou o Código Civil, afigura-se-nos condenável. Com efeito, os privilégios imobiliários encontram a sua fundamentação na ligação específica do crédito privilegiado ao imóvel em questão . A natureza geral dos privilégios consagrados em diplomas avulsos e a inexistência de qualquer conexão entre o crédito e o imóvel, faz cair por terra (passe a expressão) toda a sua justificação doutrinal . ALMEIDA COSTA afirma mesmo que os privilégios imobiliários gerais não devem qualificar-se como autênticas garantias reais das obrigações, não podendo, por isso, prevalecer sobre outras garantias reais . Note-se que, conforme se estabelece no artigo 686º do Código Civil, a hipoteca confere ao credor preferência sobre os demais que não gozem de privilégio especial. E, nesta medida, não cede perante os privilégios gerais. Segundo o artigo 751º do Código Civil, os privilégios especiais são oponíveis a terceiros e preferem em relação a outras garantias, ainda que anteriores. E apesar de ser discutível a existência dos privilégios imobiliários especiais, explicando-se apenas pelo facto de estes privilégios respeitarem a créditos de impostos, facilmente detectáveis nos livros das Repartições de Finanças, não se justifica nem se compreende o alargamento da sua aplicação aos privilégios imobiliários gerais, recentemente criados, sobre os quais o controlo de credores
  • 8. com garantia real se torna impossível - . Compreende-se a doutrina do artigo 751º para os privilégios imobiliários especiais que na sua reduzida expressão estavam presentes no espírito do legislador ao redigir o preceito (...); mas já não se compreende a extensão de tal doutrina a todo o património do devedor, com prejuízo dos direitos de terceiro. Os terceiros têm, efectivamente, uma posição jurídica respeitável, que não pode ser postergada sem uma imposição legal inequívoca, que no caso não se verifica . A orientação da jurisprudência maioritária tem sido no sentido de atender ao privilégio imobiliário geral da segurança social, independentemente da data da constituição do crédito, preferindo a outras garantias, de acordo com o argumento literal retirado do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80 . Recentemente, porém, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu um acórdão considerando materialmente inconstitucional o privilégio da segurança social por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito e do princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 2º e 18º , nº 2 da Constituição . Entre outras considerações, diz-se no referido acórdão que o privilégio creditório da segurança social é uma solução desproporcionada, pois pode lesar gravemente terceiros de boa fé, sobretudo se pensarmos que a segurança social dispõe de hipoteca legal sobre os bens do devedor e basta registá-la para possuir uma garantia real publicitada e oponível, por isso, a terceiros. Acrescentamos nós: nada justifica privilegiar a segurança social e outros credores privilegiados em detrimento de terceiros de boa fé, quando, possuindo hipoteca legal, não foram suficientemente diligentes e não registaram a tempo a sua garantia. O Estado e a segurança social, como quaisquer agentes económicos, têm a obrigação de ser diligentes e, se dispõem de hipoteca legal, deverão proceder ao registo da sua garantia, de forma a que possam fazer valer o seu direito preferencial face a terceiros, com a publicidade assegurada pelo registo. Nada justifica o tratamento diferenciado em relação aos demais credores. Claro que a substituição por hipoteca legal, significa a perda da preferência em relação aos credores com hipoteca primeiramente registada, mas, apesar de tudo é uma solução mais equilibrada do que continuar a admitir as garantias ocultas com evidentes prejuízos para a segurança e certeza jurídicas que se requerem a um Estado de direito. Os únicos privilégios cuja subsistência se poderíamos são os créditos dos trabalhadores por salários em atraso: é que estes credores dificilmente disporão de uma estrutura organizada ou informação suficiente que lhes permita registar atempadamente a hipoteca legal. Quanto ao Estado e à segurança social, que se apressem a registar a garantia de que dispõem. Por último, refira-se que o Tribunal Constitucional proferiu acórdão, de 22 de Março de 2000 , em que apreciou a constitucionalidade do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/ 80, de 9 de Maio, no que se refere à preferência em relação à hipoteca, decidindo-se pela inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição. E baseou-se no seguinte: o privilégio creditório funciona à margem do registo e sacrifica os demais direitos reais de garantia; tal não pode, porém, ser aplicado ao privilégios imobiliários gerais. Com efeito, o princípio da protecção da confiança, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar . Por outro
  • 9. lado, invoca-se a finalidade prioritária do registo que radica na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos (e a existência dos privilégios frustra a fiabilidade do registo), o princípio da confidencialidade tributária que impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado e à segurança social, a inexistência de limites temporais para os privilégios e o seu âmbito geral, não existindo qualquer conexão com o imóvel e o facto que gerou a dívida, o que implica uma lesão desproporcionada do comércio jurídico. Concluindo, somos de opinião que a reforma da acção executiva deve passar pela supressão dos privilégios imobiliários e sua substituição por hipotecas legais. Só assim se poderá assegurar a efectiva tutela dos interesses dos particulares. Penso que já estou a exceder o meu tempo. Tinha previsto falar, ainda, sobre a questão do arrendamento da coisa penhorada ou hipotecada, mas talvez seja melhor concluir por aqui. Muito obrigada pela atenção. Isabel Menéres Campos