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Felicidade Clandestina




Baseado no conto de Clarisse Lispector



            1º Tratamento




         Dezembro 2010
Clarisse (V.O)

  Eu poderia ver de longe a nuvem de maldade que cobria o
               rosto dela quando nos olhava.

INT. COLÉGIO DE CLARISSE – DIA

Abrimos com a imagem da “menina má” fitando Clarisse com
olhar de desdém.

Clarisse, a narradora, tem olhar doce e, diferentemente da
“menina má” ,usa roupas simples.


INT. CASA DA MENINA MÁ - NOITE


                      Clarisse (V.O)

Ela mantinha aquela relação estranha de confidências com o
 espelho e me ocorria, por vezes, que eram as grosserias
 ditas por ele que faziam com que ela nos odiasse tanto.

A imagem é dividida em dois planos. A “menina má” se
observa atentamente no espelho, medindo suas formas e
concluindo o quanto parecia inferior às outras garotas da
escola.



INT. COLÉGIO DE CLARISSE – DIA


                      Clarisse (V.O)

Ainda que julgasse não ter tudo o que merecia, havia nela o
gozo de possuir aos montes aquilo nos faltava; e ela sabia:
     eu amava os livros tanto quanto não podia tê-los.


A “menina má” observa, através do espelho, Clarisse
admirando um livro.
Clarisse (V.O)

E era conhecer-me neste ponto que a divertia. Aquela menina
 má, filha do dono da livraria, que fazia dos livros menos
que um enfeite na estante, tinha nas mãos minha necessidade
                       mais urgente.

Corta para um plano onde a “menina má”, segurando uma penca
de livros, olha Clarisse por cima dos ombros.



                      Clarisse (V.O)

   Certa vez, enquanto me detinha para aproveitar dela as
 páginas que não lia, me disse possuir o livro que, dentre
      todos, eu mais amava: As Reinações de Narizinho.


Continuamos no colégio e enquanto a “menina má”, com ar
pomposo, se desfaz de suas páginas não lidas. Clarisse está
posicionada como se estivesse a seus pés e acompanha o cair
das folhas pensando o quanto seria maravilhoso se pudesse
ler algumas.


                         Menina má

  Sabe que posso emprestá-lo, se quiser, a menos que seja
        impossível ir buscá-lo amanhã em minha casa.


INT. CASA DE CLARISSE – FIM DE TARDE


Aqui, vemos Clarisse deitada em sua cama embebida nos
sonhos e anseios que causava a espera do dia seguinte.


                      Clarisse (V.O)


 Surgiu em mim um sorriso tão grande que transbordava para
  além dos lábios. Rezava para que a noite chegasse logo,
      para que aquele “amanhã” não se demorasse mais.
EXT. PORTA DA CASA DA MENINA MÁ – DIA


                      Clarisse (V.O)

Ela morava numa casa, não em um sobrado. Eu olhava para um
     mundo que só havia sido me apresentado de longe.

Podemos ver as duas se encarando pela primeira vez na porta
da casa da menina má. Trata-se de uma casa vistosa com um
imenso portão de ferro.



                      Clarisse (V.O)

Ela olhava para algum canto fora do meu alcance como se ali
 houvesse algo perigoso, algo que não pudesse ser revelado.




                         Menina má


                  O livro não está aqui.


                      Clarisse (V.O)

      Comparado a uma vida, o que seria mais um dia?


Mostramos uma expressão esperançosa de Clarisse em close-
up.

CARACTERES em superposição: Amanhã!


                      Clarisse (V.O)

 Mas o que se seguiu adiante não foi o esperado: dia após
  dia, eu caminhava por aquelas passarelas de gramas bem-
  cortadas para no fim ouvir a mesma resposta e voltar de
                   coração e mãos vazios.

Sequência numerosa das cenas em que Clarisse bate no portão
de ferro repetidas vezes.
Clarisse (V.O)

  Ela nunca me olhava nos olhos. Divertia-se com a minha
 quase insana persistência. E era mesmo evidente que, para
            ela, aquilo soava um tanto ridículo.


A “menina má” olha para os cantos e abafa uma gargalhada.

                      Clarisse (V.O)

Depois de ouvir mais uma vez a resposta tão conhecida e já
me afastando do gigantesco portão de ferro, notei que mais
 alguém irrompia pela pequena abertura que não me permitia
       ver mais do que parecia ser um imenso jardim.

  Cumprimentei com um sorriso tímido a mãe da menina má.
   Aquela, com um leve tom de confusão na voz, cobrou a
           explicação de minhas visitas diárias.

  Como não haveria de lhe contar o quanto desejava aquele
                           livro?


                            Mãe

Mas, pelo que sei, aquele livro esteve intocado desde que
parou naquela estante!


Nesta cena vemos mãe e filha paradas à porta numa confusão
de gestos e palavras.


                      Clarisse (V.O)

 No momento que se seguia, o que mais notava ali, era uma
estranha vibração. E o leve tom de confusão na voz daquela
  mãe somava-se ao de espanto e profundo desapontamento.


A mãe da menina má leva as mãos aos olhos em sinal de
constrangimento e tristeza.


                            Mãe


             Fique com ele o tempo que quiser.
A cena segue com a mãe da menina má saindo e ressurgindo na
porta com o livro, o qual entrega à Clarisse sob o olhar de
má vontade da filha.




EXT. PASSARELAS DO BAIRRO DA MENINA MÁ – NOITE


                      Clarisse (V.O)

Fui embora repetindo a frase que, por um tempo, pareceu-me
substituir o título do livro: “Fique por quanto tempo
quiser”. Para mim, isso valia mais do que um “Para sempre”.


Clarisse caminha com um riso contido abraçando-se ao livro.



INT. CASA DE CLARISSE – NOITE



                      Clarisse (V.O)


Cheguei a casa e não o li de imediato. Quis fingir que não
o tinha para depois sentir-me surpresa por tê-lo. Pelo
tempo que quisesse...


Clarisse olha para o livro mantendo dele certa distância.


                      Clarisse (V.O)

Pressentia que a felicidade seria sempre clandestina para
mim. Eu sentia orgulho e pudor.

Fechamos com a imagem de Clarisse abraçada ao livro.



                      Clarisse (V.O)

Não era mais uma menina com seu livro. Era uma mulher com
seu amante.

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Felicidade Clandestina

  • 1. Felicidade Clandestina Baseado no conto de Clarisse Lispector 1º Tratamento Dezembro 2010
  • 2. Clarisse (V.O) Eu poderia ver de longe a nuvem de maldade que cobria o rosto dela quando nos olhava. INT. COLÉGIO DE CLARISSE – DIA Abrimos com a imagem da “menina má” fitando Clarisse com olhar de desdém. Clarisse, a narradora, tem olhar doce e, diferentemente da “menina má” ,usa roupas simples. INT. CASA DA MENINA MÁ - NOITE Clarisse (V.O) Ela mantinha aquela relação estranha de confidências com o espelho e me ocorria, por vezes, que eram as grosserias ditas por ele que faziam com que ela nos odiasse tanto. A imagem é dividida em dois planos. A “menina má” se observa atentamente no espelho, medindo suas formas e concluindo o quanto parecia inferior às outras garotas da escola. INT. COLÉGIO DE CLARISSE – DIA Clarisse (V.O) Ainda que julgasse não ter tudo o que merecia, havia nela o gozo de possuir aos montes aquilo nos faltava; e ela sabia: eu amava os livros tanto quanto não podia tê-los. A “menina má” observa, através do espelho, Clarisse admirando um livro.
  • 3. Clarisse (V.O) E era conhecer-me neste ponto que a divertia. Aquela menina má, filha do dono da livraria, que fazia dos livros menos que um enfeite na estante, tinha nas mãos minha necessidade mais urgente. Corta para um plano onde a “menina má”, segurando uma penca de livros, olha Clarisse por cima dos ombros. Clarisse (V.O) Certa vez, enquanto me detinha para aproveitar dela as páginas que não lia, me disse possuir o livro que, dentre todos, eu mais amava: As Reinações de Narizinho. Continuamos no colégio e enquanto a “menina má”, com ar pomposo, se desfaz de suas páginas não lidas. Clarisse está posicionada como se estivesse a seus pés e acompanha o cair das folhas pensando o quanto seria maravilhoso se pudesse ler algumas. Menina má Sabe que posso emprestá-lo, se quiser, a menos que seja impossível ir buscá-lo amanhã em minha casa. INT. CASA DE CLARISSE – FIM DE TARDE Aqui, vemos Clarisse deitada em sua cama embebida nos sonhos e anseios que causava a espera do dia seguinte. Clarisse (V.O) Surgiu em mim um sorriso tão grande que transbordava para além dos lábios. Rezava para que a noite chegasse logo, para que aquele “amanhã” não se demorasse mais.
  • 4. EXT. PORTA DA CASA DA MENINA MÁ – DIA Clarisse (V.O) Ela morava numa casa, não em um sobrado. Eu olhava para um mundo que só havia sido me apresentado de longe. Podemos ver as duas se encarando pela primeira vez na porta da casa da menina má. Trata-se de uma casa vistosa com um imenso portão de ferro. Clarisse (V.O) Ela olhava para algum canto fora do meu alcance como se ali houvesse algo perigoso, algo que não pudesse ser revelado. Menina má O livro não está aqui. Clarisse (V.O) Comparado a uma vida, o que seria mais um dia? Mostramos uma expressão esperançosa de Clarisse em close- up. CARACTERES em superposição: Amanhã! Clarisse (V.O) Mas o que se seguiu adiante não foi o esperado: dia após dia, eu caminhava por aquelas passarelas de gramas bem- cortadas para no fim ouvir a mesma resposta e voltar de coração e mãos vazios. Sequência numerosa das cenas em que Clarisse bate no portão de ferro repetidas vezes.
  • 5. Clarisse (V.O) Ela nunca me olhava nos olhos. Divertia-se com a minha quase insana persistência. E era mesmo evidente que, para ela, aquilo soava um tanto ridículo. A “menina má” olha para os cantos e abafa uma gargalhada. Clarisse (V.O) Depois de ouvir mais uma vez a resposta tão conhecida e já me afastando do gigantesco portão de ferro, notei que mais alguém irrompia pela pequena abertura que não me permitia ver mais do que parecia ser um imenso jardim. Cumprimentei com um sorriso tímido a mãe da menina má. Aquela, com um leve tom de confusão na voz, cobrou a explicação de minhas visitas diárias. Como não haveria de lhe contar o quanto desejava aquele livro? Mãe Mas, pelo que sei, aquele livro esteve intocado desde que parou naquela estante! Nesta cena vemos mãe e filha paradas à porta numa confusão de gestos e palavras. Clarisse (V.O) No momento que se seguia, o que mais notava ali, era uma estranha vibração. E o leve tom de confusão na voz daquela mãe somava-se ao de espanto e profundo desapontamento. A mãe da menina má leva as mãos aos olhos em sinal de constrangimento e tristeza. Mãe Fique com ele o tempo que quiser.
  • 6. A cena segue com a mãe da menina má saindo e ressurgindo na porta com o livro, o qual entrega à Clarisse sob o olhar de má vontade da filha. EXT. PASSARELAS DO BAIRRO DA MENINA MÁ – NOITE Clarisse (V.O) Fui embora repetindo a frase que, por um tempo, pareceu-me substituir o título do livro: “Fique por quanto tempo quiser”. Para mim, isso valia mais do que um “Para sempre”. Clarisse caminha com um riso contido abraçando-se ao livro. INT. CASA DE CLARISSE – NOITE Clarisse (V.O) Cheguei a casa e não o li de imediato. Quis fingir que não o tinha para depois sentir-me surpresa por tê-lo. Pelo tempo que quisesse... Clarisse olha para o livro mantendo dele certa distância. Clarisse (V.O) Pressentia que a felicidade seria sempre clandestina para mim. Eu sentia orgulho e pudor. Fechamos com a imagem de Clarisse abraçada ao livro. Clarisse (V.O) Não era mais uma menina com seu livro. Era uma mulher com seu amante.