A proposta de Directiva da União Europeia relativa aos contratos públicos, em apreciação no Parlamento Europeu,
é um novo exemplo do processo em curso de destruição do chamado “modelo social europeu” e de regressão
social e democrática do espaço europeu. Convertendo a União Europeia num espaço económico e político
inteiramente comandado pelos mercados financeiros e por um ultraliberalismo suicidário. É também uma boa ilustração de como o diabo está nos detalhes.
1. DESCOBERTA A SINISTRA INTENÇÃO
DA UNIÃO EUROPEIA: À SOCAPA E COM UM PROGRAMA
OCULTO, QUEREM PRIVATIZAR A SEGURANÇA SOCIAL, ALÉM DE
SERVIÇOS PÚBLICOS.
Quem disse que é bom ter um português como presidente da Comissão Europeia, que neste caso importante se
manteve em silêncio como cúmplice desta sinistra intenção? Se hoje em França não fosse Hollande o presidente,
continuaríamos na total ignorância por falta de divulgação na imprensa desta tramóia, que continuaria
escondida numa gaveta dos governos ultra-liberais da Europa ao serviço dos Bilderberg's Group. Esta directiva
existe desde Dezembro de 2011, já depois de o governo de Passos Coelho estar em funções. Alguém ouviu ou leu
algo a seu respeito na imprensa portuguesa? Pois...
A proposta de Directiva da União Europeia relativa aos contratos públicos, em apreciação no Parlamento Europeu,
é um novo exemplo do processo em curso de destruição do chamado “modelo social europeu” e de regressão
social e democrática do espaço europeu. Convertendo a União Europeia num espaço económico e político
inteiramente comandado pelos mercados financeiros e por um ultraliberalismo suicidário. É também uma boa
2. ilustração de como o diabo está nos detalhes.
A intenção de liberalizar e privatizar a segurança social pública é remetida para um anexo (o Anexo XVI) dessa
proposta de directiva, mencionado singelamente como dizendo respeito aos serviços “referidos no artigo 74º”,
sendo aí listados os serviços públicos que passariam a ser sujeitos às regras da concorrência e dos mercados:
- Serviços de saúde e serviços sociais
- Serviços administrativos nas áreas da educação, da saúde e da cultura
- Serviços relacionados com a segurança social obrigatória
- Serviços relacionados com as prestações sociais
Entre estes, avulta a intenção expressa de privatizar a segurança social pública, a par dos serviços de saúde e outros
serviços sociais assegurados pelo Estado. Um alvo apetecido do capital financeiro em Portugal e no espaço
europeu, que há muito sonha com a possibilidade de deitar a mão aos fundos da segurança social e às
contribuições dos trabalhadores, sujeitando-os inteiramente às regras da economia de casino.
E como o fazem? À socapa, para ver se escapa à atenção e vigilância públicas. Um mero anexo, que remete para um
mero artigo, nesta proposta de directiva em discussão.
Só que o artigo em causa (o 74º) diz que “os contratos para serviços sociais e outros serviços específicos
enumerados no anexo XVI são adjudicados em conformidade com o presente capítulo”. Neste, relativo aos regimes
específicos de contratação pública para serviços sociais, estabelece (artigo 75º) a regra do concurso para a
celebração de um contrato público relativo à prestação destes serviços. E logo de seguida, enumerando os
princípios de adjudicação destes contratos (artigo 76º), é estabelecida a regra de que os Estados-membros “devem
instituir procedimentos adequados para a adjudicação dos contratos abrangidos pelo presente capítulo,
assegurando o pleno respeito dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos operadores
económicos…”
Uma perfeição. De um golpe, escondido num anexo e numa directiva que daqui a uns tempos chegaria a Portugal,
ficaria escancarada a porta para a privatização da segurança social pública e para a tornar inteiramente refém dos
mercados financeiros. Que são gente de toda a confiança e acima de qualquer suspeita. Como esta crise tem
comprovado. Ou não andamos nós há muito a apertar o cinto (e a caminho de ficar sem cintura) para merecermos
o respeito e a confiança dos mercados financeiros, nas doutas palavras de Coelho & Gaspar, acolitados pelos
representantes no Governo português dos interesses da Goldman Sachs, António Borges e Carlos Moedas? E, como
também nos têm explicado, o que é bom para a Goldman Sachs e os mercados financeiros, é bom para Portugal e
os portugueses.
Este golpe surge, como não podia deixar de ser, sob o alto patrocínio desse supremo exemplo de carreirismo e
cobardia política chamado Durão Barroso que, além de se ter pisgado do governo português com a casa a arder,
tem no seu glorioso currículo o papel de mordomo das Lajes na guerra do Iraque e, agora em Bruxelas a fazer de
notário dos poderosos, faz jus ao seu nome sendo durão ultraliberal com os fracos e sempre servente dos mais
fortes. Como é bom ter um português em Bruxelas!
Claro que isto anda tudo ligado. Esta proposta de directiva tem relação com os golpes sucessivos infligidos à
segurança social pública em Portugal, com a operação para já frustrada em torno da TSU, com os insistentes cortes
3. de direitos sociais, com os recorrentes argumentos do plafonamento e da entrega de uma parte das pensões ao
sistema financeiro. Afinal, a lógica ultraliberal de que o melhor dos mundos será quando, da água à saúde, da
educação à segurança social, tudo e toda a nossa vida estiver controlada pela lógica dos mercados e do lucro. Ou
seja, pela lei do mais forte. Que é também coveira da democracia. E o Estado contemporâneo abdicar, como tarefa
central, da sua função redistributiva e de redução da desigualdade social e regressar à vocação residualmente
assistencialista do Estado liberal do século XIX.
Como refere o deputado socialista belga no PE, Marc Tarabella, “privatizar a segurança social é destruir os
mecanismos de solidariedade colectiva nos nossos países. É também deixar campo livre às lógicas de
capitalização em vez da solidariedade entre gerações, entre cidadãos sãos e cidadãos doentes…”, lembrando os
antecedentes da sinistra proposta designada com o nome do seu autor por directiva Bolkestein (Bilderberg's
member), e exigindo a eliminação da segurança social desta proposta de directiva.
É preciso defender a Segurança Social (e a Saúde e a Educação públicas) como uma prerrogativa do Estado e um
sector não sujeito às regras dos Tratados relativas ao mercado interno e da concorrência. Para não termos um dia
destes os nossos governantes e os seus comentadores de serviço, com a falsa candura de quem nos toma por
parvos, a explicarem que vão entregar a segurança social pública aos bancos e companhias de seguros porque se
limitam a cumprir uma decisão incontornável da União Europeia, como já estão a fazer na saúde e na educação.
Decisão pela qual, evidentemente, diriam não ser responsáveis. Como é próprio dos caniches dos credores. E
acrescentando sempre, dogma da sua fé neoliberal, que nada melhor do que a concorrência e a privatização para
baixar os custos e proteger os “consumidores”, aquilo em que querem converter os cidadãos. Como se vê nos
combustíveis, nas comunicações ou na electricidade. Tudo boa gente.
É preciso levantar a voz e a resistência social e política à escala europeia contra este projecto, antes que seja tarde
demais. Em defesa da Segurança Social pública e do Estado Social. Garante de democracia e de menos
desigualdade social.
TVP