This eBook is part of the TREeBOOK Gallery Collection. It was created in 2009 to honnor the writer Valeria Nobrega. All rights reserved by the artists. Feel free to share this eBook. To contact TREeBOOK Gallery please write to bia@freeyourideas.net TREeBOOK Gallery is supported by Free Your Ideas. www.freeyourideas.net.

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5. To my Mom with Love

7. Era uma vez um ser
corcunda e melancólico,
muitas vezes confundido
com objeto e outras
vezes considerado troféu,
condenado a agir como
máquina, por obrigação.

9. Apesar da pose de rei,
era profundamente
infeliz. E, no final de
carreira, cada vez mais
frequentemente recorria
aos confeitos azulados
para manter a fama.

11. Aquele ser frequentava,
oficialmente,
há muitos anos,
uma casa fria,
de paredes encardidas
e pomar abandonado.

13. Mas nem sempre foi
assim. Quando se
conheceram, aquele ser e
a casa formavam um par
radiante: a casa
resplendia, vibrava e
seduzia o ser que a
visitava incansavelmente.

15. O ser até então era um
tipo vulcânico.
A sintonia entre eles
era tamanha que,
juntos, haviam gerado
belos frutos.

17. Com o tempo, porém,
a rotina venceu
aquela harmonia.
O ser, cansado de
frequentar aquela
casa monótona,
tornou-se frio e distante.

19. A casa, abandonada e
ferida pelo descaso,
tornou-se decadente.
Ambos morreram
enquanto vivos,
mas continuavam unidos,
pela força da inércia.

21. Um certo dia,
aquele ser obscuro
deparou-se com uma
nova morada
e renasceu
instantaneamente.

23. A nova morada era
atraente, ampla,
iluminada, cheia de
surpresas, ângulos,
entranhas e novidades.
Parecia um castelo:
magnífico labirinto.

25. Com a novidade,
o ser transformou-se
novamente em um
elemento surpreendente,
dinâmico e ativo.

27. Deixou aquela penumbra
no passado e passou a
emanar luz própria
como quando era
jovem e robusto.
Quem convivia com ele
não o reconhecia mais:
da corcunda
nem sombra havia!

29. Sorrateiramente,
o ser mudou-se
para sua nova residência.
Porém continuou
frequentando
a velha casa,
em nome da moral e dos
bons costumes.

31. Depois de tantos anos,
era o automatismo que
unia aquelas duas
criaturas e coisas
automáticas muitas vezes
tornam-se eternas...

33. Mas era em sua fortaleza
particular que o ser se
revelava, se expandia e
explodia de vitalidade.
Aquele ser,
aparentemente morto,
havia ressuscitado,
quase por milagre.

35. Renascido, refeito e
revigorado, o ser foi
finalmente batizado.
E não foi difícil
encontrar-lhe
um nome.

37. Seu gosto-gostoso
era adocicado.
Seu cheiro perfumado
era hipnotizante
e sua textura era tenra,
de dar água na boca,
meu bem!

39. Descobriu-se
rapidamente que,
dentre suas inúmeras
qualidades, havia uma
realmente especial:

41. Quando palmilhado e
aquecido, o ser se
derretia placidamente,
deixando quem estivesse
presente sem fôlego
e sem palavras.

43. Eis, então,
o nome escolhido
para aquele ser
deliciosamente
renovado:
Caramelo!

45. Dia após dia,
Caramelo repetia
seu enredo: visitava a
casa velha, mas voltava
sempre para refugiar-se
em seu castelo.

47. Sorridente, Caramelo
penetrava o jardim,
escalava as torres e
brincava no pátio do
castelo. Exausto, se
deixava repousar feliz
no aconchego
de seus aposentos.

49. Caramelo sentia-se
protegido e vivo dentro
daquelas paredes.
O castelo não exigia
exclusividade e dividia
resignidamente
seu Caramelo
com a velha casa.

51. A velha casa,
do alto de sua
experiência,
aparentemente aceitava
compartilhar seu ser
com o castelo,
embora oficialmente
nada soubesse.

53. Entre a velha casa,
Caramelo e o castelo, a
vida seguiu assim,
vez após vez,
mês após mês,
até que um dia, Caramelo
perdeu o viço e viu
declinar a paixão ardente
pelo seu castelo.

55. A velha casa e o castelo
agora gozavam da
mesma situação.
Caramelo retomou sua
tristeza e sua postura
curvada, mas continuava
cumprindo suas
obrigações.

57. Agora Caramelo vivia
dividido entre as paredes
encardidas da casa e os
muros intransponíveis
do castelo. Um ser
que não tinha mais vida,
era acusado
de levar vida dupla.

59. Pobre Caramelo!
Um ser que mal sabia
subtrair, passou a somar
e a multiplicar e, em
meio à aritmética da
vida, quase se perdeu na
divisão de seus gametas.

61. Um dia,
cansada daquele jogo,
a casa velha deu um
xeque-mate no ser:
exigiu excluvidade.
Usando de suas
prerrogativas legais,
baniu o castelo do
horizonte.

63. Caramelo era fraco e
contra os argumentos da
velha casa nada podia
fazer. Antes um ser
morto, depois
ressuscitado, agora
Caramelo parecia
encuralado...

65. O castelo
compreendeu a situação
mesmo não tendo ouvido
de Caramelo
uma única palavra.

67. Inicialmente, pensou em
fechar sua ponte móvel,
única entrada para seu
jardim dos prazeres, com
Caramelo dentro, para
tomar posse
definitivamente do ser
amado, adorado e
batizado.

69. Mas logo entendeu que
sua essência de castelo
não poderia nunca ser
confundida com prisão,
que suas paredes
protetoras não poderiam
ser vistas como jaulas,

71. que seus aposentos,
outrora verdadeiros
ninhos de amor,
não poderiam ser
chamados de cela,

73. e que suas torres,
de onde se gozava uma
panorâmica única da
grandeza do espaço,
não poderiam ser
transformadas
em cadeia.

75. Foi então que, em uma
manhã de primavera,
embalado por um vento
quente e suave,
o castelo mudou de
direção e separou
corajosamente seu
destino do destino
de Caramelo.

77. Estupefato,
Caramelo encolheu-se
para ver seu castelo
cavalgar outras estradas,
acolher outros caramelos
e batizar outros seres.

79. Contrariando as
expectativas, o castelo
não desmoronou, mas as
águas de seu fosso
tornaram-se estagnadas
pois que não havia
dentro daqueles muros
de pedra a mesma
alegria de antes.

81. Mas o castelo era uma
fortaleza e embrenhou-se
pelo mundo afora,
levando consigo aquelas
lembranças remotas,
trancafiadas em uma
torre secreta,
onde o acesso era
para sempre proibido.

83. Anos se passaram. O ser
continuou a frequentar a
casa, como nos velhos
tempos, mas então ela
tingiu sua paredes de
encarnado na esperança
de reacender Caramelo e
não admitiu mais ser
chamada de velha.

85. Renovaram juntos o
pomar, adubaram a terra
e plantaram novas ervas.
A vida seguiu sem
surpresas.
O ser envelheceu e
curvou-se novamente
diante do destino.

87. Até hoje, quando sopra o
vento que anuncia a
primavera, o ser levanta
o semblante para o
horizonte e olha os
pontos cardeais,
procurando um sinal de
sua fortaleza.

89. Mas o ser nunca mais
teve notícias do castelo.
A única coisa
remanescente
daquela história
é seu nome de batismo,
jamais revogado:
Caramelo.

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Original Text by Valeria Nobrega
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