1) A geografia política e a geopolítica são áreas de estudo distintas, embora relacionadas. A geografia política estuda as relações entre espaço e poder, enquanto a geopolítica analisa disputas de poder no espaço mundial.
2) A geografia política surgiu no século XIX com o trabalho de Ratzel, que definiu o estudo das relações entre território e política. A geopolítica foi criada no início do século XX pelo jurista Kjellén para analisar disputas de poder entre Estados.
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Geopolitica x geog._politica
1. O QUE É GEOPOLÍTICA? E GEOGRAFIA POLÍTICA?
José William Vesentini
É freqüente a confusão entre geografia política e geopolítica, que na verdade são imbricadas, se
sobrepõem em grande parte, mas não se identificam totalmente. Existe uma história de cada um
desses saberes que mostra suas origens, suas especificidades, embora em alguns momentos
eles tenham se mesclado, se identificado.
A expressão geografia política existe há séculos. Há inúmeros livros dos séculos XVII, XVIII e XIX
com esse título. Mas considera-se que geografia política moderna, pelo menos tal como a
entendemos hoje -- isto é, como um estudo geográfico da política, ou como o estudo das relações
entre espaço e poder -- nasceu com a obra Politische Geographie [Geografia Política], de
Friedrich RATZEL, publicada em 1897. Ratzel, na verdade, não criou o rótulo "geografia política";
ela apenas redefiniu o seu conteúdo, apontando para o que seria um verdadeiro estudo
geográfico da política, uma concepção de política que muito deve à leitura de Maquiavel. Antes
dele era comum encontrar em obras com esse título a descrição dos rios ou montanhas de tal ou
qual Estado - ou seja, qualquer fenômeno ligado ao Estado (o ser político por excelência) era tido
como assunto de geografia política. Ratzel mostrou que o estudo da geografia política só vai se
preocupar com o meio ambiente - as características "naturais" do território, por exemplo
(localização, formato, proximidade do mar, etc.) - desde que isso tenha relações com a vida
política. Ele procurou estabelecer uma série de temas pertinentes à geografia política, que
continuam a ser atuais (embora outros tenham surgido posteriormente): o que é o Estado e quais
as suas relações com o território, soberania e território, o que é política territorial (uma expressão
criada por ele), a questão das fronteiras, o que significa uma grande potência mundial, etc.
Em síntese, esse geógrafo alemão não foi o primeiro autor a empregar esse rótulo, geografia
política, nem mesmo o primeiro a escrever sobre o assunto - a questão do espaço geográfico na
política. Essa análise a respeito da dimensão geográfica ou espacial da política é bastante antiga.
Podemos encontrá-la em Aristóteles, em Maquiavel, em Montesquieu e em inúmeros outros
filósolos da antiguidade, da Idade Média ou da época moderna. Mas normalmente essa
preocupação com a dimensão espacial da política -- tal como, por exemplo, a respeito do
tamanho e da localização do território de uma cidade-Estado, em Aristóteles; ou sobre a
localização e a defesa da fortaleza do príncipe, em Maquiavel; ou a ênfase na importância da
geografia (física e principalmente humana) para a compreensão do "espírito das Leis" de cada
Estado, em Montesquieu -- era algo que surgia en passant, como um aspecto meio secundário da
realidade, pois o essencial era entender a natureza do Estado ou das Leis, os tipos de governo ou
as maneiras de alcançar e exercer eficazmente o poder. Com Ratzel inicia-se um estudo
sistemático da dimensão geográfica da política, no qual a espacialidade ou a territorialidade do
Estado era o principal objeto de preocupações. E com Ratzel a própria expressão "geografia
política", que era comumente empregada nos estudos enciclopédicos dos séculos XVII, XVIII e
mesmo XIX (as informações sobre tal ou qual Estado: sua população, contornos territoriais, rios,
montanhas, climas, cidades principais, etc.), ganha um novo significado. Ela passa a ser
entendida como o estudo geográfico ou espacial da política e não mais como um estudo genérico
(em "todas" as suas características) dos Estados ou países.
A palavra geopolítica, por sua vez, foi criada no início do século XX, mais precisamente em 1905,
num artigo denominado "As grandes potências", escrito pelo jurista sueco Rudolf KJELLÉN. (Mas
atenção: a palavra geopolítica é que foi criada por Kjellén, pois não há dúvida que essa temática
é bem mais antiga, ou seja, as grandes preocupações geopolíticas não surgiram no início do
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2. século XX (preocupações sobre o que é e quem é uma potência mundial, como se dá a disputa
mundial pelo poder entre os Estados, que estratégias seriam adequadas para tal ou qual Estado
tornar-se a potência regional nesta ou naquela parte do globo, etc.). Isto é, já existia
anteriormente juízos ou análises a respeito do poderio de cada Estado, das grandes potências
mundiais ou regionais, com a importância ou o uso do espaço geográfico na guerra ou no
exercício do poder estatal.
Normalmente se afirma -- em quase todas as obras sobre "história da geopolítica" -- que os
geopolíticos clássicos, ou os "grandes nomes da geopolítica", foram H.J. MacKinder, A.T. Mahan,
R. Kjellén e K. Haushofer. Desses quatro nomes, dois deles (o geógrafo inglês Mackinder e o
almirante norte-americano Mahan) tiveram as suas principais obras publicadas antes da criação
dessa palavra geopolítica por Kjellén e, dessa forma, nunca fizeram uso dela. O outro autor, o
general alemão Karl Haushofer, foi na realidade quem popularizou a geopolítica, devido às
circunstâncias (ligações, embora problemáticas, com o nazismo e possível contribuição indireta
para a obra Mein Kampf, de Hitler), tornando-a tristemente famosa nos anos 1930 e 40, em
especial através da sua Revista de Geopolítica [Zeitschrift für Geopolitik], editada em Munique de
1924 a 44 e com uma tiragem mensal que começou com 3 mil e chegou a atingir a marca dos 30
mil exemplares, algo bastante expressivo para a época.
A geopolítica, enfim, conheceu um período de grande expansão no pré-guerra, na primeira
metade do século XX, tendo se eclipsado -- ou melhor, ficado no ostracismo -- depois de 1945.
Ela sempre se preocupou com a chamada escala macro ou continental/planetária: a questão da
disputa do poder mundial, que Estado (e por quê) é uma grande potência, qual a melhor
estratégia espacial para se atingir esse status, etc. Existiram "escolas (nacionais) de geopolítica",
em especial dos anos 1920 até os anos 1970, em algumas partes do mundo, inclusive no Brasil.
Não escola no sentido físico (prédio e salas de aula), mas sim no sentido de corrente de
pensamento, de autores -- mesmo que um tenha vivido distante do outro, no espaço ou às vezes
até no tempo -- com uma certa identificação: no caso da geopolítica brasileira, ela consistiu
principalmente no desenvolvimento de um projeto ("Brasil, grande potência") que se expressa
como uma estratégia (geo)política e militar com uma clara dimensão espacial. A natureza
pragmática, utilitarista (e para o Estado, único agente visto como legítimo) ou de "saber aplicável"
sempre foi uma tônica marcante na geopolítica. Ela nunca se preocupou em firmar-se como um
(mero?) "conhecimento" da realidade e sim como um "instrumento de ação", um guia para a
atuação de tal ou qual Estado.
A partir de meados dos anos 1970 a geopolítica sai do ostracismo. Ela volta a ser novamente
estudada (a bem a verdade, ela nunca deixou de ser, mas de 1945 até por volta de 1975 esteve
confinada em pequenos círculos, em especial militares). Só que agora, ao invés de ser vista como
"uma ciência" (como pretendia Kjellén) ou como "uma técnica/arte a serviço do Estado" (como
advogavam inúmeros geopolíticos, inclusive Haushofer), ela é cada vez mais entendida como "um
campo de estudos", uma área interdisciplinar enfim (tal como, por exemplo, a questão ambiental).
Em várias parte do globo criaram-se -- ou estão sendo criados -- institutos de estudos
geopolíticos e/ou estratégicos, que via de regra congregam inúmeros especialistas: cientistas
políticos, geógrafos, historiadores, militares ou teóricos estrategistas, sociólogos e, como não
podia deixar de ser (na medida em que a "guerra" tecnológica-comercial hoje é mais importante
que a militar) até mesmo economistas.
Enfim, a palavra geopolítica não é uma simples contração de geografia política, como pensam
alguns, mas sim algo que diz respeito às disputas de poder no espaço mundial e que, como a
noção de PODER já o diz (poder implica em dominação, via Estado ou não, em relações de
assimetria enfim, que podem ser culturais, sexuais, econômicas, repressivas e/ou militares, etc.),
não é exclusivo da geografia. (Embora também seja algo por ela estudado). A geografia política,
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3. dessa forma, também se ocupa da geopolítica, embora seja uma ciência (ou melhor, uma
modalidade da ciência geográfica) que estuda vários outros temas ou problemas. Exemplificando,
podemos lembrar que a geografia também leva em conta a questão ambiental, embora esta não
seja uma temática exclusivamente geográfica (outras ciências -- tais como a biologia, a geologia,
a antropologia, a história, etc. -- também abordam essa questão). Mas a geografia -- da mesma
forma que as outras ciências mencionadas -- não se identifica exclusivamente com essa questão,
pois ela também procura explicar outras temáticas que não são rigorosamente ambientais tais
como, por exemplo, a história do pensamento geográfico, a geografia eleitoral, os métodos
cartográficos, etc.
Esquematizando, podemos dizer que existiram ou existem várias interpretações diferentes sobre
o que é geopolítica e as suas relações com a geografia política. Vamos resumir essas
interpretações, que variaram muito no espaço e no tempo, em quatro visões:
1. "A geopolítica seria dinâmica (como um filme) e a geografia política estática (como uma
fotografia)". Esta foi a interpretação de inúmeros geopolíticos anteriores à Segunda Guerra
Mundial, dentre os quais, podemos mencionar Kjellén, Haushofer e vários outros colaboradores
da Revista de Geopolítica, além do general Golbery do Couto e Silva e inúmeros outros militares
no Brasil. Segundo eles, a geopolítica seria uma "nova ciência" (ou técnica, ou arte) que se
ocuparia da política ao nível geográfico, mas com uma abordagem diferente da geografia: ela
seria "mais dinâmica" e voltada principalmente para a ação. Eles viam a geografia como uma
disciplina tradicional e descritiva e diziam que nela apenas colhiam algumas informações (sobre
relevo, distâncias, latitude e longitude, características territoriais ou marítimas, populações e
economias, etc.), mas que fundamentalmente estavam construindo um outro saber, que na
realidade seria mais do que uma ciência ou um mero saber, seria um instrumento imprescindível
para a estratégia, a atuação político/espacial do Estado. Como se percebe, foi uma visão
adequada ao seu momento histórico -- não podemos esquecer que o mundo na primeira metade
do século XX, antes da Grande Guerra, vivia uma ordem multipolar conflituosa, com uma situação
de guerra latente entre as grandes potências mundiais -- e à legitimação da prática de quem fazia
geopolítica naquele momento. Ela também foi coeva e tributária de todo um clima intelectual
europeu -- especialmente alemão -- da época, que fustigava o conhecimento científico ( a "ciência
real", que era contraposta a uma "ciência ideal" ou "novo saber", que deveria contribuir para um
"mundo melhor") pela sua pretensa "desconsideração pela vida concreta, pelas emoções, pelos
sentimentos".
2. "A geopolítica seria ideológica (um instrumento do nazi-fascismo ou dos Estados totalitários) e
a geografia política seria uma ciência". Esta foi a interpretação de alguns poucos geógrafos nos
anos 1930 e 40 (por exemplo: A. Hettner e Leo Waibel) e da quase totalidade deles (e também de
inúmeros outros cientistas sociais) no pós-guerra. Um nome bastante representativo desta visão
foi Pierre George, talvez o geógrafo francês mais conhecido dos anos 50 aos 70, que afirmava
que a geopolítica seria uma "pseudo-ciência", uma caricatura da geografia política. Esta visão foi
praticamente uma reação àquela anterior, que predominou anteriormente, no período pré-
Segunda Guerra Mundial. Como toda forte reação, ela caminhou para o lado extremo do pêndulo,
desclassificando completamente a geopolítica (da qual "nada se aproveita", nos dizeres de
inúmeros autores dos anos 50 e 60) e até mesmo se recusando a explicá-la de forma mais
rigorosa.
3. "A geopolítica seria a verdadeira (ou fundamental) geografia". Esta foi a interpretação que Yves
Lacoste inaugurou com o seu famoso livro-panfleto A Geografia - isso serve, em primeiro lugar,
para fazer a guerra, de 1976, e que serviu como ideário para a revista Hérodote - revue de
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4. géographie et de géopolitique. Nessa visão, a geografia de verdade (a "essencial" ou
fundamental) não teria surgido no século XIX com Humboldt e Ritter, mas sim na antiguidade,
junto com o advento dos primeiro mapas. O que teria surgido no século XIX seria apenas a
"geografia dos professores", a geografia acadêmica e que basicamente estaria preocupada em
esconder ou encobrir, como uma "cortina de fumaça", a importância estratégica da verdadeira
geografia, da geopolítica enfim. A geopolítica -- ou geografia dos Estados maiores, ou geografia
fundamental -- existiria desde a antiguidade na estratégia espacial das cidades-Estado, de
Alexandre o Grande, por exemplo, de Heródoto com os seus escritos (obra e autor que, nessa
leitura enviesada, teria sido um "representante do imperialismo ateniense"). Esta interpretação
teve um certo fôlego -- ou melhor, foi reproduzida, normalmente por estudantes e de forma
acrítica -- no final dos anos 1970 e nos anos 80, mas acabou ficando confinada a um pequeno
grupo de geógrafos franceses que, inclusive, em grande parte se afastaram do restante da
comunidade geográfica (ou mesmo científica) daquele país. Existe uma visível falta de evidências
nessa tese -- de comprovações, e mesmo de possibilidade de ser testada empiricamente
(inclusive via documentos históricos) -- e, na realidade, ela surgiu mais como uma forma de
revalorizar a geografia, tão questionada pelos revoltosos do maio de 1968, tentando mostrar a
sua importância estratégica e militar.
4. "A geopolítica (hoje) seria uma área ou campo de estudos interdisciplinar". Esta interpretação
começa a predominar a partir do final dos anos 1980, sendo quase um consenso nos dias atuais.
Não se trata tanto do que foi a geopolítica e sim do que ela representa atualmente. E mesmo se
analisarmos quem fez geopolítica, os "grandes nomes" que teriam contribuido para desenvolver
esse saber, vamos concluir que eles nunca provieram de uma única área do conhecimento:
houve juristas (por exemplo, Kjellén), geógrafos (Mackinder), militares (Mahan, Haushofer) e
vários outros oriundos da história, da ciência política, da economia, da engenharia, etc. Não tem
nenhum sentido advogar o monopólio desse tipo de estudo -- seria o mesmo que pretender deter
a exclusividade das pesquisas ambientais! --, já que com isso estaríamos desconhecendo a
realidade, o que já se fez e o que vem sendo feito na prática. Existem trabalhos recentes sobre
geopolítica, alguns ótimos, oriundos de geógrafos, de cientistas políticos (Luttuak...), de
historiadores (H. Kissinger, P. Kennedy...), de sociólogos (Huntington...)de militares, etc. E
ninguém pode imaginar seriamente que num instituto ou centro de estudos estratégicos e/ou
geopolíticos -- onde se pesquise os rumos do Brasil (ou de qualquer outro Estado-nação, ou
mesmo de um partido político) no século XXI, as possibilidades de confrontos ou de crises
político-diplomáticas ou econômicas, as estratégias para se tornar hegemônico no
(sub)continente, para ocupar racionalmente a Amazônia, etc. -- devam existir apenas geógrafos,
ou apenas militares, ou apenas economistas ou juristas. Mais uma vez podemos fazer aqui uma
ligação com o nosso tempo, com o clima intelectual do final do século XX e inícios do XXI. A
palavra de ordem hoje é interdisciplinariedade (ou até transdisciplinariedade), pois o real nunca é
convenientemente explicado por apenas uma abordagem ou uma ciência específica. O
conhecimento da realidade, enfim, e mesmo a atuação nela com vistas a um mundo mais justo, é
algo muito mais importante do que as disputas corporativistas.
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