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Dominadores e dominados na Palestina
                                                                  do século I
                                                           Ivan Esperança ROCHA1




       RESUMO:    A relação entre dominadores e dominados na Palestina do sé-
       culo I emerge de forma indireta em um documento produzido com o
       objetivo de relatar o testemunho do autor, Flávio Josefo, sobre a guerra
       entre judeus e romanos. Mais que uma guerra contra os romanos, o que
       se vislumbra é uma crise interna profunda envolvendo diferentes inte-
       resses de grupos judaicos alinhados ou distantes do poder do “inimigo”.

       PA L AV R A S - C H AV E :   Romanos; Judeus; Palestina.



      O Oriente Médio – e particularmente a Palestina – exerceu uma
permanente atração sobre diferentes dominadores ao longo da história.
Ora por motivos econômicos, ora políticos ou apenas estratégicos, assírios
(733 a.C.), babilônios (588 a.C.), persas (539 a.C.), ptolomeus (323 a.C.)
e selêucidas (198 a.C.) se assenhorearam, depredaram e deixaram suas
marcas na Palestina. Mas nada se igualou às conseqüências da domina-
ção romana e às dimensões da resistência desencadeada contra ela, docu-
mentadas por Flávio Josefo(37-100 d.C.) em sua obra A Guerra Judaica.


CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DE A GUERRA JUDAICA

     Os escritos de Flávio Josefo constituem – juntamente com os tex-
tos do Novo Testamento – as principais fontes sobre a história judaica
do primeiro século. Em A Guerra Judaica, o autor escreve a respeito do
poder dos romanos sobre os judeus com uma forma semelhante àquela
que Políbio, dois séculos antes, utilizara para justificar a hegemonia dos
romanos sobre os gregos. Trata-se de uma obra escrita por uma teste-
munha ocular dos fatos narrados (GJ2 1,1-23), como fora Tucídides, o
autor de A Guerra do Peloponeso.

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                         239
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      A abrangência do objeto histórico de suas obras – escreveu tam-
bém Antiguidades Judaicas, Autobiografia e Contra Apion – faz dele uma
fonte utilizada por diversos segmentos historiográficos, o que justifica a
ampla produção editorial sobre ele, em sua maioria reunida por
Schreckenberg (1968). O interesse por Flávio Josefo, principalmente por
A Guerra Judaica, sua primeira e mais famosa obra, foi despertado desde
cedo sobretudo pela Igreja, por tratar-se praticamente do único docu-
mento contemporâneo no início do cristianismo.3 Na literatura cristã
está presente em Orígenes (184-254 ), Eusébio de Cesárea (265-340 ) e
Jerônimo (342-420). Durante a Idade Média, Flávio Josefo chegou a ser
o autor antigo mais lido além da Bíblia. São inúmeras as edições com-
pletas ou parciais de suas obras, publicadas a partir de 1544.4
      Dentre as traduções e comentários atualmente sendo elaborados
sobre a obra de Flávio Josefo destaca-se o International English Josephus
Project cujo objetivo é realizar uma tradução moderna dos textos, ba-
seando-se na edição crítica de Niese e levando em consideração novas
contribuições históricas, arqueológicas e filológicas sobre a obra.
      O interesse pela obra de Flávio Josefo continua crescendo se levar-
mos em consideração que existem mais de 1500 páginas na Internet so-
bre ela,5 com destaque para os grupos de discussão e para páginas
abrangentes que apresentam, além da tradução de toda a obra de Flávio
Josefo, links para outras páginas, bibliografia online, cronologias, infor-
mações sobre conferências, e congressos. O Institutum Judaicum
Delitzschianum da Universidade de Münster mantém uma página com
uma bibliografia sobre Flávio Josefo em permanente atualização.6 O Pro-
jeto Perseus, da Tufts University, disponibiliza em sua página7 o texto de
Niese em caracteres gregos, e em sua transliteração no formato de
hipertexto, ligando todas as palavras com o dicionário de Liddell-Scott-
Jones, Greek-English Lexicon (Oxford University Press).8
      Estas informações técnicas têm o objetivo de apresentar a impor-
tância da obra de Flávio Josefo para a historiografia. No entanto, muitos
dos autores que se debruçam sobre sua obra fazem restrições a muitas
das informações nela contidas.
      Se de um lado muitos dados podem ser confirmados pela arqueo-
logia,9 de outro, diversas informações são de segunda mão e não foram
confirmadas pelo autor. Broshi aponta imprecisões na descrição que

240                                            história, são paulo, 23 (1-2): 2004
dominadores e dominados na palestina do século i




Flávio Josefo faz da fortaleza de Massada no confronto com dados
provindos da arqueologia sobre o local. Se muitos erros ou exageros
presentes em A Guerra Judaica podem ser atribuídos aos copistas, grande
parte deles deve ser atribuída ao próprio autor.10 Dentre os exageros
deve-se destacar os números dos habitantes da Palestina a que ele se
refere. Apenas na Galiléia, ele indica a presença de 204 aldeias, tendo a
menor delas 15.000 habitantes, o que não condiz com a realidade,11
mesmo levando em consideração que a Galiléia fosse – e ainda é – a
região mais fértil da Palestina, o que justificaria uma concentração de
população. Flávio Josefo diz, por exemplo, que a população de Jerusa-
lém podia chegar, em alguns momentos festivos, a um total de 2 mi-
lhões e setecentas mil pessoas (7,422-426), mas, no máximo, este nú-
mero podia atingir, segundo Byatt, 1 milhão de pessoas.12 Com relação
à população de toda a Palestina do período, a média dos números indi-
cados pelos especialistas (Condor, Mazar, Avi-Yonah, Daniel-Rops,
MacCown) é de 3 milhões de habitantes.13
      O episódio do monte Massada – o último reduto judaico na guerra
contra os romanos, onde os sicários liderados por Eleazar ben Yair prati-
caram um suicídio coletivo envolvendo 960 judeus – tem sido muito
debatido pelos pesquisadores a partir das evidências arqueológicas. Den-
tre outras evidências, a disposição em que foram encontrados alguns
esqueletos em Massada parece contradizer o suicídio coletivo relatado
por Flávio Josefo: Yadin encontra ali 27 esqueletos, dos quais 25 numa
gruta. Um desses esqueletos estava numa posição característica de quem
foi enterrado de maneira tradicional.14 Dentre os materiais encontrados
em Massada incluem-se linho, pêlo de cabra, lã e algodão, o que acres-
centa mais uma dúvida na narração de Flávio Josefo, o qual diz que to-
dos os pertences dos judeus de Massada foram queimados.15
      Uma suspeita sobre esta narração é levantada já no século X: Joseph
Ben Gorion (Josippon) substitui o relato do suicídio coletivo por aquele
da morte em combate: os judeus de Massada morreram combatendo.16 É
necessário levar em consideração também que, em sua narrativa, Flávio
Josefo apresenta uma característica do modelo historiográfico helenístico,
que é mostrar a grandeza de uma vitória acentuando as virtudes dos
opositores. Ao indicar o suicídio do inimigo diante da derrota, acentua a
grandeza da vitória sobre tais “honráveis” opositores.17

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                   241
i va n e s p e r a n ç a ro ch a




      Massada não é o único exemplo de assédio seguido de suicídio na
Antigüidade. Cohen elenca 16 casos desse tipo de suicídio na Antiguida-
de, e muitas das suas características encontram-se presentes na narração
de Flávio Josefo, o que constitui um elemento questionador da
historicidade do episódio.18 Alguns dados da narrativa são suspeitos,
como a afirmação de que, apesar das labaredas e das possíveis lamentações
dos envolvidos no suicídio, os romanos não teriam suspeitado de nada
(7,9). A narração é dramática, mas de pouca credibilidade. Dado que o
suicídio só foi descoberto após a chegada dos romanos, e que os sobrevi-
ventes estavam escondidos, os detalhes descritos por Flávio Josefo não
têm suporte histórico, e portanto a descrição é uma combinação de fic-
ção e de conjecturas.19 O que deve ter ocorrido foi o suicídio de um certo
número de sicários, e este fato teria sido ampliado por Flávio Josefo;
alguns teriam lutado contra os romanos e outros tentado fugir, o que
explicaria os 25 esqueletos encontrados numa caverna.
      Assim, o relato de Flávio Josefo teria sido modelado na tradição
historiográfica greco-romana a respeito de suicídios coletivos, em que
eram comuns os exageros na narração;20 no entanto, tais exageros e ou-
tros dados provindos da arqueologia não são considerados provas de
que o relato de Flávio Josefo sobre Massada seja uma simples invenção
literária. Newell defende que a presença de nomes individuais num rela-
to de suicídio demonstra a probabilidade de historicidade, sobretudo no
caso de Eleazar, ben Yair, cujo nome foi inscrito numa peça de cerâmica
encontrada no local. O que FLÁVIO JOSEFO faz, segundo ele, é ampliar
a narrativa incluindo dois longos discursos que são utilizados como con-
clusão de seu trabalho.21 Não obstante a proximidade de Flávio Josefo
com os fatos que relata, é difícil querer analisar sua obra com a preocu-
pação de compreender “o que realmente aconteceu”.22


O PERFIL DE FLÁVIO JOSEFO

     Flávio Josefo representa a corrente moderada dos judeus, aliada
dos romanos, e descreve os inimigos de Roma como seus inimigos. A
obra parece, às vezes, mais uma descrição de seus conflitos pessoais que
aquele dos judeus com os romanos. Neste sentido, devemos destacar o
ódio destilado por ele contra seu arquiinimigo João de Giscala, o perso-

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dominadores e dominados na palestina do século i




nagem por ele mais citado (15 vezes), depois de Vespasiano (22 vezes) e
Tito (25 vezes), apesar de João não ser considerado um grande inimigo
pelos romanos.23
       Flávio Josefo começa seu relato como general judeu em luta contra
os romanos, mas pouco a pouco vai mudando de opinião a respeito dos
conflitos e termina envidando todos os esforços para demonstrar a inuti-
lidade de se gastar as forças internas tanto em guerras civis como na luta
contra os romanos. Quando fala de guerra civil refere-se ao confronto
dos zelotas e sicários com todos os grupos filo-românicos (4,378), parti-
cularmente aqueles das classes elevadas (2,168), que procuravam defen-
der seu patrimônio contra seus compatriotas “revolucionários” – talvez
um dos principais motivos da ira de Flávio Josefo, como membro da
aristocracia judaica.
       Esta mudança de posição justifica-se por um conjunto de fatos que
aproxima Flávio Josefo dos romanos. Arriscando-se como profeta, ele
anuncia que Vespasiano seria o próximo imperador (3,401), em substi-
tuição a Vitélio (69) – talvez se servindo de uma análise do óbvio, ou
seja, Vespasiano era no momento o mais cotado para assumir o império.
Profecia ou não, este fato trouxe-lhe uma série de benefícios e a partir
daí sua avaliação dos conflitos muda de tom. Os generais romanos en-
volvidos na contenda passam a ser apresentados mais como salvadores
que como opressores dos judeus,24 e os revoltosos se transformam em
simples leistai/bandidos/terroristas.
       No entanto, se existem de um lado vários elementos internos que
despertam estranhezas num leitor atento e perplexidade no pesquisador
- alguns chegam até mesmo a rejeitar o trabalho historiográfico de Flá-
vio Josefo25 –, de outro não se pode deixar de filtrar nesta obra informa-
ções importantes para o conhecimento de um período com escassa do-
cumentação. Deve-se, no entanto, realizar uma proeza arqueológica, no
sentido de que é necessário escavar informações encobertas por uma cros-
ta épica onde tudo parece estar em função de batalhas mas não dos sol-
dados que delas participam, nem de suas mulheres, de seus filhos ou de
seus lares e de seus campos, e nem da descrição da realidade nua e crua
que envolve a maioria da população da Palestina.
       Muitas das fontes que fornecem informações históricas sobre o
judaísmo do período em questão perderam-se e são apenas citadas por

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                   243
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Flávio Josefo ou outros autores: Memórias do rei Herodes (Ant., 15,174),
Ptolomeu (Ammonius, De adfinium vocabulorum differentia), Nicolau
de Damasco26 (2,33-36 et passim), Comentários sobre Vespasiano27 (Aut.
65,342.358; Contra Apion 1,56), Antonio Juliano,28 Justo de Tiberíades29
(Aut. 9,36-42 et passim). Dentre as fontes gregas disponíveis se desta-
cam: Estrabão de Amaseia,30 Plutarco,31 Apiano,32 Dio Cassio,33 e dentre
as latinas: Tácito,34 Suetônio.35 Além dessas fontes, Schürer destaca ain-
da as inscrições judaicas e não-judaicas, palestinas e não palestinas, pro-
duzidas em grego, latim, hebraico e aramaico, e as informações indiretas
provenientes da literatura rabínica (Mishnah, Tosefta, Talmud, Midrash
e Targum),36 mas Flávio Josefo continua sendo a principal delas com
relação à Palestina.


A SOCIEDADE PALESTINA ENVOLVIDA NA GUERRA

      As proporções assumidas pela guerra entre judeus e romanos su-
peram todos os embates anteriores, tanto em volume de indivíduos en-
volvidos quanto nos detalhes presentes no único documento sobre o
episódio, ou seja, A Guerra Judaica, de Flávio Josefo.
      O domínio romano sobre a Palestina iniciou-se por volta de 62
a.C., após a anexação da Síria por Pompeu.37 Seguindo a prática de utili-
zar lideranças locais para governar os territórios dominados, os roma-
nos nomeiam Herodes, um idumeu, rei da Judéia, que ficaria no trono
entre 37 a.C. e 4 d.C.38 O período de seu governo é fortemente criticado
internamente. Alguns o acusam de torturar membros da comunidade
judaica;39 o próprio Flávio Josefo diz que a Palestina, antes próspera, foi
transformada por Herodes num país de miseráveis e de injustiças (GJ
2,86). Devemos antecipar que é esta deterioração da situação social dos
judeus da Palestina que se constituirá no principal motor da guerra civil
e da revolta contra os romanos, mesmo que Flávio Josefo quisesse dar-
lhe uma outra interpretação.
      As práticas de Herodes corroem as bases da pretensa pax romana
promulgada por Augusto (31 a.C-14 d.C.), com validade para todos os
territórios conquistados, inclusive a Palestina.
      Em 6/7, o polêmico censo de Quirino40 – verificação de quem é
quem e de quem tem o quê na Palestina – resultou na imposição de uma

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dominadores e dominados na palestina do século i




taxa per capita sobre a população da Judéia, o que provocou uma revolta
sob a liderança de Judas, cujos seguidores serão conhecidos como zelotas,
e que juntamente com os sicários seriam os principais protagonistas no
confronto narrado por Flávio Josefo. Entre 26 e 36, Pilatos, governador
da Judéia, afrontando valores religiosos dos judeus, quis introduzir uma
imagem do imperador em Jerusalém (2,169), apropriando-se, em segui-
da, dos tesouros do templo de Jerusalém para a construção de um aque-
duto nesta cidade. O governo do imperador Calígula (37-41) foi marca-
do pela tentativa de abolir o culto judaico em Jerusalém e instalar em seu
lugar sua estátua e o culto ao imperador.41 O que estamos verificando é a
mistura de elementos econômicos e simbólicos na confecção da rejeição
dos romanos.
       Em meados do século I, calcula-se entre 50 e 80 milhões os habi-
tantes do Império Romano, dos quais cerca de 90% viviam no campo.
Porém a terra, a principal fonte de sobrevivência para a população do
Império, inclusive aquela da Palestina, era muito mal distribuída. Na
península Itálica e nas Províncias a maioria das terras produtivas estava
nas mãos de uma minoria. No Egito encontramos o caso de 42 agricul-
tores partilhando de uma mesma casa. Sêneca indica que os pobres
constitíam a maior parte da população e que a situação tinha poucas
chances de ser mudada.42
       As mudanças de condições sociais podiam ocorrer em situações
específicas, quando um indivíduo possuía talentos comerciais ou finan-
ceiros ou por serviços políticos e militares prestados a um imperador,
como é o caso do próprio Flávio Josefo, ligado de uma maneira particu-
lar a Vespasiano. O caso do liberto Trimalquião narrado no Satyricon de
Petrônio, se histórico, trata-se de uma grande exceção à regra.
       Deve-se destacar que as camadas inferiores nas cidades diferencia-
vam-se das camadas inferiores rurais. Nas cidades essas camadas eram
mais uniformes que as rurais e detinham uma posição mais favorável.43
Na Judéia e no Egito a situação da população rural “livre” era mais desfa-
vorável que a dos escravos nas propriedades de senhores romanos. Filo
(De spec. leg. 3,159) descreve um quadro sombrio da camada rural, des-
tacando os pesados impostos a que era sujeitada. Em casos de fuga de
camponeses para não pagarem impostos, suas famílias ou vizinhos eram
brutalmente maltratados e mesmo torturados até a morte.

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                   245
i va n e s p e r a n ç a ro ch a




      A maior parte dos que se opunham a Roma pertencia sempre à
classe rural. Indicando os motivos que levaram às revoltas camponesas
na Palestina entre 66 e 70, Alföldy destaca a opressão extremamente se-
vera sobre da população judaica da Palestina por parte de romanos e da
própria aristocracia local, que incluía os sumos sacerdotes.44
      Em fins da era de Augusto (aprox. 14), a verdadeira camada domi-
nante era constituída aproximadamente por 160 pessoas. Um exército
permanente de 350.000 a 400.000 homens garantia o statu quo, tornan-
do ineficaz qualquer revolta contra o domínio dos romanos (GJ 2,245ss)
e das lideranças locais, suas aliadas.45 A obra de Flávio Josefo constitui
indiretamente a descrição desse quadro socio-político e dos sentimen-
tos e movimentos que opuseram romanos e judeus, sobretudo entre os
anos 66 e 70. Apesar de conhecer muito bem essa realidade, a posição
social de Flávio Josefo, membro de uma família sacerdotal proprietária
de terras, atingida em cheio pela ação dos rebeldes, o levaria a escamote-
ar as verdadeiras causas da revolta judaica.46


A INTERPRETAÇÃO DA GUERRA JUDAICA

      A interpretação dos motivos que causaram a guerra judaica contra
os romanos tem causado polêmicas entre os estudiosos. A interpretação
teológica, sempre partindo das informações de Flávio Josefo, como a de
Helgo Lindner (1972),47 considera a guerra judaica como um castigo de
Deus pelos pecados dos judeus. Flávio Josefo chega a considerar a guerra
dos judeus uma luta não apenas contra os romanos, mas também contra
Deus (GJ 5,378-390); ele lembra aos judeus que seus antepassados fo-
ram protegidos de seus inimigos inúmeras vezes sem ter que pegar em
armas. Refere-se especialmente ao Êxodo do Egito e à libertação do jugo
babilônico por obra de Ciro. A invasão dos romanos deve-se, no entan-
to, segundo Flávio Josefo, aos pecados do povo judeu (GJ 5,394-395).
      Numa mesma linha de interpretação religiosa dos fatos, Hengel
(1961)48 indica como causa das revoltas o fato de os romanos terem de-
safiado elementos do credo judaico.
      Outros estudiosos, como Heinz Kreissig,49 sugerem abandonar a
interpretação religiosa centrando a atenção basicamente nas questões

246                                           história, são paulo, 23 (1-2): 2004
dominadores e dominados na palestina do século i




sociais e econômicas que desencadearam o conflito. Para reconstruir a
realidade da população envolvida nos conflitos é preciso levar em
consideração que as descrições de Flávio Josefo a respeito de algumas
regiões – Galiléia, Jericó, Engedi – não se aplicam ao resto do país. No
seu entender:

       A região da Galiléia era rica em terras, pastagem e árvores de toda espécie
       (3,42). Nas terras em torno do lago de Genesaré cresce de tudo, principal-
       mente, nozes, palmeiras, figos e oliveiras (3,517). O clima é temperado e
       a terra é irrigada por nascentes. A Galiléia é menor que a Peréia, mas
       supera sua produção (3,44). Na Galiléia não existe um único espaço que
       não seja cultivado (4,43). A região de Jericó não pode ser confrontada
       com nenhuma região do mundo em produtividade (4,473).50


      A região do oásis de Engedi, na metade da margem ocidental do
mar Morto (396 metros abaixo do nível do mar), a 56 quilômetros de
Jerusalém, é também apresentada como uma região produtiva.
      Inicialmente deve-se dizer que esta visão paradisíaca da Galiléia
tecida por Flávio Josefo pode ser questionada, pois havia erosões em
grandes extensões de terra ao norte do lago de Genesaré, assim como
uma faixa de 50 quilômetros de solo basáltico, que afetou uma faixa de
terras de 50 quilômetros que se entende do lago de Hule (hoje drenado),
ao norte, até Agripina, ao sul.51
      Estrabão (XVI, 2.36) também apresenta um quadro bem menos
favorável que o de Flávio Josefo sobre a topografia palestina. Ele asse-
vera que, quase todo o território era seco e coberto de pedras. Os pro-
prietários das melhores terras eram os descendentes da casa real. A
improdutividade da terra da maioria a levava a endividar-se. Nesse mo-
mento multiplicavam-se as práticas de empréstimos a juros. Os peque-
nos agricultores eram os mais atingidos pela improdutividade e pelas
cobranças de taxas, quer por parte do Templo de Jerusalém quer por
parte dos romanos.52
      Os movimentos sociais na Palestina e em outras regiões do Impé-
rio nasceram nessas circunstâncias. A guerra judaica foi apenas uma
das tantas eclosões sociais que romperam entre os anos 6 e 70 no Impé-
rio. No entanto, Flávio Josefo não conecta o que estava acontecendo na

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                          247
i va n e s p e r a n ç a ro ch a




Palestina com a realidade do resto do Império. Essas revoltas já tinham
se iniciado sob o helenismo. No Testamento dos 12 Patriarcas, os últi-
mos governantes asmoneus são comparados a monstros do mar que
escravizam seus filhos e filhas livres, roubando seus pertences (Testa-
mento de Judá, 21).
      Assim, devemos dizer que a hostilidade dos grupos judaicos des-
crita por Flávio Josefo não se embasa tanto em questões religiosas, mas
em fatos concretos de supressão e exploração das classes inferiores por
parte das lideranças locais e dos romanos.
      Aqui reside a razão para a existência de leistai/bandidos/terroristas
na Palestina, pessoas que por gerações - primeiro contra os sumos sacer-
dotes defendidos peles selêucidas, depois pelos asmoneus e Herodes, e
agora contra os romanos – defenderam sua difícil existência contra o
poder de seus verdadeiros “assaltantes”, o poder de Estado. Se Flávio Josefo
não toca nestas questões, como já destacamos, é principalmente porque
ele pertencia à minoria dominante.
      Após a morte de Herodes, as revoltas que não tinham sido coorde-
nadas assumiram uma nova forma, nesse momento chefiadas por líde-
res bem definidos. Se tais líderes encontraram uma fácil adesão das mas-
sas foi devido à situação precária em que viviam.53 O que Flávio Josefo
faz para justificar suas críticas aos rebeldes é demonizá-los. Ele assim o
faz identificando suas ações “violentas” como desrespeito às leis religio-
sas; colocando-os em choque com os valores judaicos, ele nega
destacadamente aos líderes da revolta a nacionalidade judaica, tornan-
do-os inaptos para representar o sentimento nacional diante dos roma-
nos, e logicamente, perante as lideranças locais. Mas o que Flávio Josefo
não revela é que a maioria da população – empobrecida – quer a elimi-
nação da velha estrutura de Estado encabeçada pelo Sinédrio – compos-
to pelos sumos sacerdotes e grandes proprietários, juntamente com o
nepotismo e enriquecimento à custa do povo –, agora fortalecida pela
aliança com os romanos.
      Flávio Josefo insiste em defender que a ordem social é dada por
Deus, por sua ação, e que ele não se sente nem um pouco traidor do
povo judeu ao bandear para os romanos, que se tornaram a garantia da
ordem na Palestina. Assim, o quadro que Flávio Josefo tece dos inimigos
é o quadro que a classe dominante tece no século I da nossa era.

248                                            história, são paulo, 23 (1-2): 2004
dominadores e dominados na palestina do século i




OS GRUPOS SOCIAIS DA PALESTINA DO SÉCULO I

      Se de um lado pode-se falar em identidade judaica definida por um
conjunto de normas comuns definidas na Torá, de outro, esse mesmo
conjunto de normas é interpretado de diferentes maneiras pelos grupos
que formam a nação judaica, ou seja, fariseus, saduceus e essênios (2,119).
Durante a guerra contra os romanos surge o grupo dos sicários (2,254)
e seus subgrupos.
      O grupo que se envolve diretamente e mais profundamente nos
conflitos e que se tornou porta-voz da ampla camada dos desfavorecidos
é o dos sicários, que põem em causa o Estado usurpador por meio de
seus representantes, seus cúmplices e seus símbolos.54 Judas, o Galileu, é
indicado como o criador dessa filosofia que, segundo Flávio Josefo, tem
muito em comum com o pensamento fariseu, mas dele se distancia pelo
profundo amor pela liberdade. Não obstante, este grupo é indicado por
Flávio Josefo como sendo um ramo pernicioso do farisaísmo.55 Ele re-
serva um amplo espaço à crítica deste grupo que interpreta Roma como
uma das bestas apocalípticas contra a qual o povo deve lutar, um símbo-
lo que seria mais tarde retomado por João no Apocalipse (13,1).
      Flávio Josefo atribui aos zelotas, e principalmente aos sicários (as-
sim conhecidos por levarem uma sica=punhal na cintura, 2,425) a res-
ponsabilidade pela catástrofe nacional gerada pelo confronto com os
romanos. Chega a dizer que compreendia sua aspiração à liberdade, mas
não aceitava sua obstinação em querer realizar uma proeza impossível
como aquela de vencer militarmente os romanos (2,95). Enquanto os
zelotas se mantiveram ativos, mormente em Jerusalém, sob a liderança
de Eleazar ben Simão, os sicários irão ter como principal meta a defesa
de Massada, liderados por Eleazar ben Yair.
      Flávio Josefo utiliza o termo lêistês para se referir aos membros
desse grupo, com o significado ora de “bandidos”, ora de revolucioná-
rios,56 devido à violência de sua ação no confronto dos romanos e de
seus colaboradores judeus. Outros grupos que tinham precedido os si-
cários em ataques contra os romanos também são chamados de “bandi-
dos” (lêistai) por Flávio Josefo (2,254).
      Um dos atos dos revolucionários foi colocar fogo no arquivo do
templo de Jerusalém, onde estavam depositados os contratos de emprés-

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                    249
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timo (2,427), o que pode indicar que um dos motivos de sua revolta
eram os pesados juros pagos pela população por empréstimos contrata-
dos com a aristocracia judaica. Essa ação tem fortes características de
uma guerra civil e Flávio Josefo diz que sua violência e conseqüências se
equiparavam à de uma guerra com um inimigo externo. As pilhagens
(4,408-409) realizadas eram utilizadas para financiar sua ação contra os
romanos. O grupo de João de Giscala, principal inimigo de Flávio Josefo,
era acusado de invadir a casa dos ricos, matar e estuprar (4,560). A revol-
ta gerou, de fato, grupos de extremistas que extrapolaram os objetivos
da luta contra os romanos e a aristocracia judaica. No entanto, o grupo
mais violento era o de Simão, filho de Jora, que além dos saques e ata-
ques aos ricos importunava outras pessoas de maneira despótica (2,652).
Ele chegou a ser considerado pelo povo como um inimigo pior que os
romanos (4,558). Os próprios zelotas tentaram prender Simão (4,538).
Ao descrever esta espiral de violência, Flávio Josefo vai construindo uma
situação tal que faz dos romanos a única salvação para os judeus.
      Hobsbawn57 evidenciou que em sociedades agrárias, sob certas con-
dições de crise econômica severa causadas por fatores como fome, infla-
ção e altos impostos, ou anexação de terras, o banditismo pode atingir
proporções epidêmicas. Ele pode surgir também quando se provocam
rupturas em uma sociedade tradicional pela imposição de uma nova
política ou sistema econômico.
      Os desmandos da administração romana já tinham estimulado o
surgimento desse “banditismo” descrito por Flávio Josefo já nas décadas
de 30 e 40. Os camponeses, os mais atingidos por esta situação tendem a
se aliar ou, pelo menos, dar guarida a esse grupo, que como em outras
situações, surgem naturalmente em momentos de excesso de pobreza e
opressão. Este banditismo social judaico constitui uma forma de rebe-
lião pré-política que se distingue, como reconhece o próprio Flávio Josefo
(heteron eidos lêstôn, 2,254), dos sicários. Estes se distinguem por uma
ação mais definida politicamente e pelo uso de estratégias de luta.58 Na
década de 60, Flávio Josefo descreve um grande crescimento do bandi-
tismo que levou as camadas populares a um posicionamento cada vez
mais claro contra a ordem estabelecida, o que acabou tornando-se a prin-
cipal causa de revolta judaica. A decisão romana de reprimir violenta-
mente a revolta queimando e saqueando aldeias em todo o território

250                                            história, são paulo, 23 (1-2): 2004
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(2,503-05) resultou num aumento do número de bandidos, acrescido
pelos fugitivos provenientes das cidades sírias, onde foram travadas
muitas lutas contra os judeus, assim como das regiões destruídas pelos
romanos. O alvo destes grupos são, de um lado os romanos e, de outro a
classe dominante judaica responsabilizada também pela crise interna.à
medida que as condições da guerra tornavam insustentável a vida nor-
mal e produtiva, os camponeses se engajam nas fileiras do banditismo
enquanto que os proprietários e os cidadãos eminentes dão seu apoio
aos romanos (4,130). Fugindo da perseguição romana, os vários grupos
de revoltosos, inclusos os bandidos, se dirigem para Jerusalém forman-
do uma coalizão para lutar tanto contra os romanos e continuar a lutar
contra os considerados dominadores internos, os sacerdotes ilegítimos e
os poderosos donos de terra (4,138-157). No entanto, a luta não se res-
tringe apenas a Jerusalém, onde o confronto é sobretudo contra os ro-
manos; acontecem escaramuças em todo o país (4,406-09).
      Dentre os membros desses grupos surgem líderes como João de
Giscala e Simão ben Jora, que se tornam personagens centrais na condu-
ção da revolta e que se distinguem pela exploração dos ricos em benefício
da defesa comum. Enfim, um exame dos “bandidos” mencionados por
Flávio Josefo ajuda a compreender muito a respeito da sociedade judaica
sob os romanos e ajuda a entender o background da revolta judaica.59
      Após 68, toda a Palestina, incluindo a parte externa dos muros de
Jerusalém, ficou sob o domínio dos exércitos romanos e, de 69 a 70,
entrou em cena um governo despótico com a proibição das assembléias
populares para prevenir o surgimento de novas conspirações. As antigas
formas constitucionais foram abolidas, e o Estado foi transformado num
regime ditatorial pessoal.60 Uma das penas aplicadas contra os revolucio-
nários era a crucificação, como ocorreu com Eleazar e membros de seu
bando, a mando de Nero (2,253).
      O povo judeu como um todo sofreu intensamente as conseqüên-
cias da guerra (5,343-44) e com relação aos rebeldes, a fome tornou-se
seu maior problema (5,429), instigando, segundo Flávio Josefo, o furor
homicida dos rebeldes (5,424) que suscitaram na população atitudes con-
tra a própria natureza, eliminando qualquer sentimento: as mulheres
tiravam a comida da boca dos maridos; os filhos, dos pais; as mães das
crianças (5,430.515). Uma mulher judia, Maria, filha de Eleazar, cozi-
nhou e comeu o próprio filho (6,207). Esta foi considerada a pior situa-

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                  251
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ção vivida pelo homem desde a criação do mundo (5,442). No fundo,
uma situação de profunda miserabilidade.
      Jerusalém ficou cheia de cadáveres (5,514; 5,59). Os 115.880 cadá-
veres transportados para fora da cidade eram na maioria de membros
do povo simples (5,567). Alguns dizem que esse número chegou a 600.000
(5,569). Os romanos saquearam tanto ouro dos judeus, que na “bolsa de
valores” da Síria este metal perdeu 50% do seu valor (6,317); o número
de prisioneiros chegou a 96.000, e dentre estes o número de indivíduos
escravizados foi tão grande que chegou a influir no mercado escravo,
baixando os preços do setor (6,384). Dos prisioneiros que não foram
escravizados, uma parte foi expatriada para o Egito (6,418), e outra obri-
gada a lutar na arena com animais ferozes (6,418).
      A guerra, cujo centro fora Jerusalém, tinha envolvido judeus de
várias partes em virtude de sua presença em Jerusalém para a festa dos
ázimos (mazot). Para calcular o número de pessoas presentes nessa festa
levou-se em consideração uma Páscoa, em Jerusalém, em que foram fei-
tos 255.600 sacrifícios, sendo cada sacrifício oferecido por um grupo de
10 judeus, resultando numa presença de 2.556.000 judeus na cidade
(6,422) por ocasião da principal batalha contra os romanos.
      Os suicídios coletivos narrados por Flávio Josefo podem ser consi-
derados como uma outra conseqüência social dessa guerra. Com relação
a tais episódios, mesmo que Flávio Josefo tenha sido influenciado por
relatos semelhantes provenientes da literatura greco-romana, parece ter
sido uma prática em situações-limite envolvendo doenças incuráveis
(1,662-663), assédio do inimigo, perda da liberdade e arrependimento
por atrocidades praticadas (2,474-75;3,296;3,331;3,368.390-91). O sui-
cídio podia envolver toda a família (4,71).61 Jerusalém, o principal palco
das lutas, viu eliminados os traços de seu antigo esplendor (6,8), e esta
era a segunda vez que a cidade tinha sido destruída. A primeira vez foi
pelos babilônios em 585 a.C. (6,435).


IMAGINÁRIO RELIGIOSO

       Flávio Josefo refere-se à presença de indivíduos que propagavam
falsas profecias62 na Palestina, segundo as quais Deus interviria no con-
flito em defesa do povo judeu, minando o poder romano, e conforme

252                                           história, são paulo, 23 (1-2): 2004
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ele, estas idéias teriam impedido uma avaliação realista do conflito e da
posição de desvantagem dos judeus, causando a morte de muitos deles
(6,285.288). Os sacerdotes do templo ouviram na festa de Pentecostes
uma voz que dizia: “Sairemos deste lugar” (metabainomen ententhen)
(6,299), como uma premonição da sua destruição pelos romanos. Cita-
se outro sinal da destruição: quatro anos antes da guerra, um certo Je-
sus, filho de Ananias, proclamou no templo e pelas ruas da cidade o
surgimento de “...uma voz do oriente, uma voz do ocidente, uma voz dos
quatro ventos, uma voz contra Jerusalém e o templo...” (6,300).
       Flávio Josefo analisa todas essas previsões como um cuidado que
Deus tinha pelo seu povo, indicando-lhe um modo de se salvar. Porém
continua: se tudo aconteceu é porque o homem não pode fugir ao seu
destino mesmo quando o prevê. O próprio Flávio Josefo se apresenta como
tendo tido sonhos prenunciadores da calamidade que envolveu os ju-
deus, sonhos que ele mesmo interpreta (3,352).63
       Com isso, Flávio Josefo acaba dizendo que uma explicação para a
catástrofe pode ser simplesmente o destino que já tinha sido traçado
para o povo judeu. A respeito da profecia encontrada na Escritura, de
que surgiria um dominador do mundo proveniente de Israel, Flávio Josefo
defende que ela é cumprida por Vespasiano (6,5,4), que se torna impera-
dor no período do conflito. Considera-se que tal profecia se referia a
uma intervenção de um Messias que estenderia o reino de Israel a todos
os povos. Flávio Josefo, no entanto, a interpreta em chave imperial
(adventus Augusti),64 ou seja, os romanos são considerados quase como
um Messias para Flávio Josefo.


CONCLUSÃO

      Em A Guerra Judaica, Flávio Josefo traz muitas informações mili-
tares, destacando o poder dos romanos e a incapacidade e ousadia dos
judeus de enfrentá-los numa batalha cujo resultado, segundo ele, já es-
tava definido desde o seu início. Não obstante a falta de imparcialidade
detectada na obra do autor, como fariseu filo-românico, suas informa-
ções obtidas por meio de seu testemunho pessoal ou do apoio de suas
fontes diretas ou indiretas permitem enriquecer o conhecimento sobre

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                  253
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a vida cotidiana na Palestina, mesmo que elas não tenham sido prio-
rizadas no relato.
       A política de Herodes e de seus sucessores tornou a Palestina um
país de miseráveis e de injustiças, com exceção dos habitantes de poucas
regiões privilegiadas pela fertilidade de seu solo. Estes fatos, aliados à
situação de privilégio vivida pela aristocracia judaica em troca de seu
apoio a Roma, suscitaram muitos conflitos internos que antecederam e
acompanharam o confronto direto com Roma.
       Os líderes da revolta encontraram poucas dificuldades para reunir
grupos de revoltosos que se multiplicaram rapidamente pelo país, ata-
cando inicialmente a aristocracia local para se proverem de armas e víve-
res. O longo período de lutas criaria dificuldades para o sistema produ-
tivo, fazendo escassear os gêneros de primeira necessidade e aumentando
rapidamente seus preços.
       A preocupação com os valores nacionais, principalmente o respei-
to às regras e ritos religiosos, perderam lugar para a necessidade de so-
breviver. Por mais que as lideranças religiosas tentassem demover a po-
pulação de um confronto “suicida” com os romanos, o desespero
generalizado não vislumbra outra alternativa.
       Os discursos acalorados de Flávio Josefo para situar os judeus diante
de sua incapacidade de enfrentar os exércitos romanos não tiveram efei-
to algum. O nacionalismo – ou a fome – falaram mais alto. O volume de
grupos envolvidos no conflito impede a organização da resistência in-
terna, jogando tais grupos uns contra os outros, perdendo-se o controle
da situação. Os momentos de união são poucos e fugazes. Este descon-
trole leva Flávio Josefo a denominar os membros de boa parte destes
grupos de “bandidos”, não reconhecendo neles mais seus compatriotas
pré-herodianos. Alguns grupos possuem uma coesão interna muito for-
te que os leva a ações radicais, como aquele liderado por Eleazar ben Yair,
que se decide por um suicídio coletivo envolvendo 960 judeus para não
se entregar aos romanos.
       A derrota recrudesceu a situação; além do grande número de mor-
tos e prisioneiros, o Templo, centro financeiro da Palestina, foi espolia-
do de suas riquezas que foram levadas por Tito para Roma, ostentadas
no desfile sob o arco que leva seu nome, construído para a ocasião. En-
fim, Flávio Josefo demonstrou que podia ter apenas um controle literá-

254                                            história, são paulo, 23 (1-2): 2004
dominadores e dominados na palestina do século i




rio sobre os conflitos, obtendo direta ou indiretamente muitas informa-
ções sobre eles, mas seus artifícios retóricos, a serviço do poder romano,
não conseguiram evitar o conflito que desmantelou a estrutura da socie-
dade judaica da Palestina do primeiro século.

        ROCHA, Ivan E. Dominators and dominated in Palestine of the first
        century. História (São Paulo), v. 23 (1-2), p. 239-258, 2004.



        A B S T R A C T : The relationship between dominators and dominated in Pal-
        estine of the first century emerges in an indirect way in a document pro-
        duced with the objective of telling the testimony of the author, Flavius
        Josephus, about the war among Jews and Romans. More than a war against
        the Romans, what one sees is a deep inner crisis involving different inter-
        ests of Jewish groups aligned or distant of the “ enemy’s “ power.

        K E Y WO R D S :   Romans; Jews; Pelestine.



NOTAS
1
 Departamento de História – Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – 19806-
173 – Assis – SP.
2
 Em todas as citações de A Guerra Judaica, de Flávio Josefo, será omitida a citação
da obra. P.ex. (3,401) significa (A Guerra Judaica 3,401). Será usada a sigla GJ ape-
nas quando for necessário distinguir a obra de Josefo de outras citadas no mesmo
espaço.
3
  BUTTRICK, G. A. The Interpreters Dictionary of the Bible. Nashville: Ingdon Press,
4.v, 1962, 1.v. Supl, p.987.; SCHÜRER, E. The history of the Jewish people in the age of
Jesus Christ (175 a.C.-100 d.C.). Edinburgh: T & T Clark, 1979, v.1, p.58.
4
 GIUSEPPE, Flavio. La guerra giudaica. Trad. e notas G. Vittucci. S.l.: Arnaldo
Mondadori Ed. 1974, v.1, p.XXXVIII-XL.
5
    Pesquisa realizada em outubro de 2000, utilizando o WebFerret.
6
    http://www.uni-muenster.de/Judaicum/Welcome.html. Acesso em: 9 jun. 2002.
7
    www.perseus.tufts.edu. Acesso em: 9 jun. 2002.
8
 SIEVERS, J. New resources for the study of Josephus. Roma: Pontifício Institucional
Bíblico, 1988, p.2.


história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                                255
i va n e s p e r a n ç a ro ch a



9
 Para a bibliografia sobre a contribuição da arqueologia no estudo das obras de
Flavio Josefo ver: FELDMAN, Louis H. Josephus and Modern Scholarship (1937-
1980). New York: Wlaer de Gruyter, 1984, p.735-769.
10
 BROSCHI, Magen. The credibility of Josephus. Jornal of Jewish Studies, n.33, p.379-
384, 1982, p.379-380, 383.
11
  BROSHI, Magen. La population de l’Anciènne Jerusalém, Revue Biblique, n.82,
p.5-14,1975, p.5; BYATT, Anthony. Josephus and population numbers in first cen-
tury Palestine, Palestine Exploration Quarterly, p.51-60, 1973, p.55.
12
  É exagerado também o número de judeus mortos em Jerusalém durante a guer-
ra: 1 milhão e 100 mil (6,420).
13
     BYATT, Op. cit. p.51-58.
14
  VIDAL-NAQUET, P. Flavius Joseph et Masada, Revue Historique, ano 1, v.260,
p.3-21, 1978, p.12
15
  SHANKS, Hershel. Massada. Biblical Archaeology Review, jan-fev, p.58-63, 1997,
p.62-63.
16
     VIDAL-NAQUET, P. Op. cit., p.10.
17
  NEWELL, Raymond R. The forms and historical value of Josephus’ suicide ac-
counts. In: FELDMAN, L.H., FATA, G. Josephus, the Bible and History. Detroit:
Wayne State University Press, 1989, p. 287.
18
  COHEN, S. J. D. Massada: literay tradition, archeological remains and the cred-
ibility of Josephus. Journal of Jewish Studies, n.33, p.385-405, 1982, p.386-389;
NEWELL,R. R. Op. cit., p.278-279.
19
     COHEN, S. J. D. Op. cit., p. 386-389.
20
     Idem, p. 386-389.
21
     NEWELL, R.R. Op. cit.., p.289-290.
22
  FINLEY, M. I. História Antiga. Modelos e testemunhos. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1994, p.64.
23
   RAPPAPORT, U. John of Gischala: form Galilee to Jerusalem, Journal of Jewish
Studies, n.33, p.479-493, 1982, p.484-485.
24
 JOSEPHUS, The Jewish War. Trad. e com. H. St.J. Thackeray. Cambridge: Harvard
University Press, 1968, v.1, p.VII.
25
  COHEN, S. J. D. Josephus in Galilee and Rome: his Vita and developments as a
historian. Leiden: Brill, l979. Uma posição diametralmente oposta à daqueles que
defendem cegamente a intocabilidade de Flávio Josefo, como BRIGHT, J. História
de Israel. Trad. Euclides Carneiro da Silva. São Paulo: Paulinas, 1981, p.566.
26
     Nasceu aproximadamente em 64 a.C.


256                                                  história, são paulo, 23 (1-2): 2004
dominadores e dominados na palestina do século i



27
  FLÁVIO JOSEFO entra em contato com este documento após a composição de GJ,
pois não faz referência a este nesta obra. Cf Schürer, E. The history of the Jewish people
in the age of Jesus Christ (175 a.C.-100 d.C.). Edinburgh: T & T Clark, 1979, v.1, p.33.
28
     Séc. II d.C.
29
     Tem posição destacada na Guerra Judaica de 66-7 d.C.
30
     64 a.C.-21 d.C., aprox.
31
     50-120 d.C., aprox.
32
     Sua obra é escrita por volta de 150 d.C.
33
     Sua obra é escrita nas duas primeiras décadas do séc. III d.C.
34
     56-120 d.C., aprox.
35
     69-125 d.C., aprox.
36
  SCHÜRER, Emil. The history of Jewish people in the age of Jesus Christ (175b.C.-
A.D.100). Endiburg: T & T Clark, 1979, v.1, p.11-12; 26-37; 63-68.
37
 Pompeu é quem derrota as últimas tropas de Espártaco. SIMON, Marcel; BENOIT,
André. Judaísmo e cristianismo antigo. De Antíoco Epifânio a Constantino. Trad.
Sônia Maria S. Lacerda. São Paulo: Livraria Pioneira, Edusp, 1987, p.53
38
  LEIPOLDT, J; GRUNDMANN, W. El mundo del Nuevo testamento. Trad. do al.
Luiz Gil. Madri: Ediciones Cristiandad, 1973, p.174
39
  STAMBAUCH, J. E.; BALCH, D. L. O novo testamento em seu ambiente social.
Trad. João Rezende Costa. Sãoi Paulo: Paulis, 1996, p.18-ss.
40
     SCHÜRER, Emil. Op. cit. p.405-407.
41
 STAMBAUCH, J. E.; BALCH, D. L Op. cit., p.21-22. Sobre o censo de Quirino ver:
SCHÜRER, E. Op. cit. p.399-427.
42
  Sêneca, Helv. 12,1; ALFÖLDY, Géza. A história social de Roma. Trad. Maria do
Carmo Cary. Lisboa: Presença, 1989, p.123-124.
43
     ALFÖLDY, Géza. Op. cit., p.149.
44
     Idem, p.171.
45
     Idem, p.161-168.
46
  Kreissig, Heiz. A marxist view of Josephus account of the Jewish war. In: Feldman,
L.H. Hata, G. (ed.). Josephus, the Bible and History. Detroit: Wayne State University
Press, 1989, p.274.
47
  LINDNER, Helgo. Die Geschichtsauffassung des Flavius Josephus in Bellum
Judaicum, Leiden: s.n., 1972.
48
     HENGEL, M. Die Zeloten. Leiden: Brill, 1961.
49
     A marxist view of Josephus account of the Jewish war. In: Feldman, L.H. Hata, G.

história, são paulo, 23 (1-2): 2004                                                  257
i va n e s p e r a n ç a ro ch a




(ed.), 1989, p. 265-277.
50
  Josefo faz aqui um parêntese para falar de Jericó, o que talvez possa ser uma
adição à sua obra.
51
  Wilkinson, John. Jerusalém ammo Domini. Trad. Bárbara Theoto Lambert. São
Paulo: Melhoramentos, 1993, p.21
52
     Kreissig, Heiz. Op. cit., p. 267-268.
53
     Idem, p. 270-271.
54
     VIDAL-NAQUET, P. Op. cit., 1978, p.4.
55
  HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo. O judeu de Roma. Trad. Paula Rosas. Rio
de Janeiro: Imago, 1991, p.49
56
  ARNDT, W. F.; GINGRICH, F. W. A Greek-english Lexicon of the New Testament
and other early Christian Literature. Chicago: University of Chicago Press, 1980. O
termo aparece 46 vezes em A Guerra Judaica. Doravante utilizaremos o termo revo-
lucionários para nos referir aos sicários e zelotas.
57
   HOBSBAWN, E. J. Rebeldes Primitivos. Estudos sobre formas arcaicas de movi-
mentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.15.
58
  HORSLEY, Richard A. Ancient Jewish Banditry and the Revolt against Rome,
A.D.66-77, The catholic Biblical quarterly, n.43, p.409-432, 1981, p.422-424.
59
     Idem, p.431-432.
60
     Idem, p.314-318.
61
  O suicídio aconteceu também entre os soldados do exército romano para não se
entregarem aos judeus (6,188).
62
  Acima se indica que Flávio Josefo não se dá conta das expectativas apocalíptico-
messiânicas contemporâneas, que podem se identificar com as idéias propagadas
por esses “falsos profetas”.
63
  Sobre os sonhos nos escritos de Flávio Josef ver GNUSE, R. K. Dreams and dream
reports in the writings of Josephus. A traditio-Historical Analysis. Leinden: E.J. Brill,
1996.
64
  Cf Michel-Bauernfeind. De bello judaico. Der Jüdische Krieg. Herausgegeben und
mit einer Einleitung sowie mit Anmerkungen versehn von Otto Michel und Otto
Bauernfeind, Darmstadt-mündchen, 1959-1969, v. 2, p.190-ss, apud Flavio Giuseppe,
La guerra giudaica. Trad. e notas de G. Vittucci., op.cit., v. 2, p.576.



Artigo recebido em 07/2004. Aprovado em 11/2004.



258                                                     história, são paulo, 23 (1-2): 2004

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Relação entre dominadores e dominados na Palestina do século I

  • 1. Dominadores e dominados na Palestina do século I Ivan Esperança ROCHA1 RESUMO: A relação entre dominadores e dominados na Palestina do sé- culo I emerge de forma indireta em um documento produzido com o objetivo de relatar o testemunho do autor, Flávio Josefo, sobre a guerra entre judeus e romanos. Mais que uma guerra contra os romanos, o que se vislumbra é uma crise interna profunda envolvendo diferentes inte- resses de grupos judaicos alinhados ou distantes do poder do “inimigo”. PA L AV R A S - C H AV E : Romanos; Judeus; Palestina. O Oriente Médio – e particularmente a Palestina – exerceu uma permanente atração sobre diferentes dominadores ao longo da história. Ora por motivos econômicos, ora políticos ou apenas estratégicos, assírios (733 a.C.), babilônios (588 a.C.), persas (539 a.C.), ptolomeus (323 a.C.) e selêucidas (198 a.C.) se assenhorearam, depredaram e deixaram suas marcas na Palestina. Mas nada se igualou às conseqüências da domina- ção romana e às dimensões da resistência desencadeada contra ela, docu- mentadas por Flávio Josefo(37-100 d.C.) em sua obra A Guerra Judaica. CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DE A GUERRA JUDAICA Os escritos de Flávio Josefo constituem – juntamente com os tex- tos do Novo Testamento – as principais fontes sobre a história judaica do primeiro século. Em A Guerra Judaica, o autor escreve a respeito do poder dos romanos sobre os judeus com uma forma semelhante àquela que Políbio, dois séculos antes, utilizara para justificar a hegemonia dos romanos sobre os gregos. Trata-se de uma obra escrita por uma teste- munha ocular dos fatos narrados (GJ2 1,1-23), como fora Tucídides, o autor de A Guerra do Peloponeso. história, são paulo, 23 (1-2): 2004 239
  • 2. i va n e s p e r a n ç a ro ch a A abrangência do objeto histórico de suas obras – escreveu tam- bém Antiguidades Judaicas, Autobiografia e Contra Apion – faz dele uma fonte utilizada por diversos segmentos historiográficos, o que justifica a ampla produção editorial sobre ele, em sua maioria reunida por Schreckenberg (1968). O interesse por Flávio Josefo, principalmente por A Guerra Judaica, sua primeira e mais famosa obra, foi despertado desde cedo sobretudo pela Igreja, por tratar-se praticamente do único docu- mento contemporâneo no início do cristianismo.3 Na literatura cristã está presente em Orígenes (184-254 ), Eusébio de Cesárea (265-340 ) e Jerônimo (342-420). Durante a Idade Média, Flávio Josefo chegou a ser o autor antigo mais lido além da Bíblia. São inúmeras as edições com- pletas ou parciais de suas obras, publicadas a partir de 1544.4 Dentre as traduções e comentários atualmente sendo elaborados sobre a obra de Flávio Josefo destaca-se o International English Josephus Project cujo objetivo é realizar uma tradução moderna dos textos, ba- seando-se na edição crítica de Niese e levando em consideração novas contribuições históricas, arqueológicas e filológicas sobre a obra. O interesse pela obra de Flávio Josefo continua crescendo se levar- mos em consideração que existem mais de 1500 páginas na Internet so- bre ela,5 com destaque para os grupos de discussão e para páginas abrangentes que apresentam, além da tradução de toda a obra de Flávio Josefo, links para outras páginas, bibliografia online, cronologias, infor- mações sobre conferências, e congressos. O Institutum Judaicum Delitzschianum da Universidade de Münster mantém uma página com uma bibliografia sobre Flávio Josefo em permanente atualização.6 O Pro- jeto Perseus, da Tufts University, disponibiliza em sua página7 o texto de Niese em caracteres gregos, e em sua transliteração no formato de hipertexto, ligando todas as palavras com o dicionário de Liddell-Scott- Jones, Greek-English Lexicon (Oxford University Press).8 Estas informações técnicas têm o objetivo de apresentar a impor- tância da obra de Flávio Josefo para a historiografia. No entanto, muitos dos autores que se debruçam sobre sua obra fazem restrições a muitas das informações nela contidas. Se de um lado muitos dados podem ser confirmados pela arqueo- logia,9 de outro, diversas informações são de segunda mão e não foram confirmadas pelo autor. Broshi aponta imprecisões na descrição que 240 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 3. dominadores e dominados na palestina do século i Flávio Josefo faz da fortaleza de Massada no confronto com dados provindos da arqueologia sobre o local. Se muitos erros ou exageros presentes em A Guerra Judaica podem ser atribuídos aos copistas, grande parte deles deve ser atribuída ao próprio autor.10 Dentre os exageros deve-se destacar os números dos habitantes da Palestina a que ele se refere. Apenas na Galiléia, ele indica a presença de 204 aldeias, tendo a menor delas 15.000 habitantes, o que não condiz com a realidade,11 mesmo levando em consideração que a Galiléia fosse – e ainda é – a região mais fértil da Palestina, o que justificaria uma concentração de população. Flávio Josefo diz, por exemplo, que a população de Jerusa- lém podia chegar, em alguns momentos festivos, a um total de 2 mi- lhões e setecentas mil pessoas (7,422-426), mas, no máximo, este nú- mero podia atingir, segundo Byatt, 1 milhão de pessoas.12 Com relação à população de toda a Palestina do período, a média dos números indi- cados pelos especialistas (Condor, Mazar, Avi-Yonah, Daniel-Rops, MacCown) é de 3 milhões de habitantes.13 O episódio do monte Massada – o último reduto judaico na guerra contra os romanos, onde os sicários liderados por Eleazar ben Yair prati- caram um suicídio coletivo envolvendo 960 judeus – tem sido muito debatido pelos pesquisadores a partir das evidências arqueológicas. Den- tre outras evidências, a disposição em que foram encontrados alguns esqueletos em Massada parece contradizer o suicídio coletivo relatado por Flávio Josefo: Yadin encontra ali 27 esqueletos, dos quais 25 numa gruta. Um desses esqueletos estava numa posição característica de quem foi enterrado de maneira tradicional.14 Dentre os materiais encontrados em Massada incluem-se linho, pêlo de cabra, lã e algodão, o que acres- centa mais uma dúvida na narração de Flávio Josefo, o qual diz que to- dos os pertences dos judeus de Massada foram queimados.15 Uma suspeita sobre esta narração é levantada já no século X: Joseph Ben Gorion (Josippon) substitui o relato do suicídio coletivo por aquele da morte em combate: os judeus de Massada morreram combatendo.16 É necessário levar em consideração também que, em sua narrativa, Flávio Josefo apresenta uma característica do modelo historiográfico helenístico, que é mostrar a grandeza de uma vitória acentuando as virtudes dos opositores. Ao indicar o suicídio do inimigo diante da derrota, acentua a grandeza da vitória sobre tais “honráveis” opositores.17 história, são paulo, 23 (1-2): 2004 241
  • 4. i va n e s p e r a n ç a ro ch a Massada não é o único exemplo de assédio seguido de suicídio na Antigüidade. Cohen elenca 16 casos desse tipo de suicídio na Antiguida- de, e muitas das suas características encontram-se presentes na narração de Flávio Josefo, o que constitui um elemento questionador da historicidade do episódio.18 Alguns dados da narrativa são suspeitos, como a afirmação de que, apesar das labaredas e das possíveis lamentações dos envolvidos no suicídio, os romanos não teriam suspeitado de nada (7,9). A narração é dramática, mas de pouca credibilidade. Dado que o suicídio só foi descoberto após a chegada dos romanos, e que os sobrevi- ventes estavam escondidos, os detalhes descritos por Flávio Josefo não têm suporte histórico, e portanto a descrição é uma combinação de fic- ção e de conjecturas.19 O que deve ter ocorrido foi o suicídio de um certo número de sicários, e este fato teria sido ampliado por Flávio Josefo; alguns teriam lutado contra os romanos e outros tentado fugir, o que explicaria os 25 esqueletos encontrados numa caverna. Assim, o relato de Flávio Josefo teria sido modelado na tradição historiográfica greco-romana a respeito de suicídios coletivos, em que eram comuns os exageros na narração;20 no entanto, tais exageros e ou- tros dados provindos da arqueologia não são considerados provas de que o relato de Flávio Josefo sobre Massada seja uma simples invenção literária. Newell defende que a presença de nomes individuais num rela- to de suicídio demonstra a probabilidade de historicidade, sobretudo no caso de Eleazar, ben Yair, cujo nome foi inscrito numa peça de cerâmica encontrada no local. O que FLÁVIO JOSEFO faz, segundo ele, é ampliar a narrativa incluindo dois longos discursos que são utilizados como con- clusão de seu trabalho.21 Não obstante a proximidade de Flávio Josefo com os fatos que relata, é difícil querer analisar sua obra com a preocu- pação de compreender “o que realmente aconteceu”.22 O PERFIL DE FLÁVIO JOSEFO Flávio Josefo representa a corrente moderada dos judeus, aliada dos romanos, e descreve os inimigos de Roma como seus inimigos. A obra parece, às vezes, mais uma descrição de seus conflitos pessoais que aquele dos judeus com os romanos. Neste sentido, devemos destacar o ódio destilado por ele contra seu arquiinimigo João de Giscala, o perso- 242 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 5. dominadores e dominados na palestina do século i nagem por ele mais citado (15 vezes), depois de Vespasiano (22 vezes) e Tito (25 vezes), apesar de João não ser considerado um grande inimigo pelos romanos.23 Flávio Josefo começa seu relato como general judeu em luta contra os romanos, mas pouco a pouco vai mudando de opinião a respeito dos conflitos e termina envidando todos os esforços para demonstrar a inuti- lidade de se gastar as forças internas tanto em guerras civis como na luta contra os romanos. Quando fala de guerra civil refere-se ao confronto dos zelotas e sicários com todos os grupos filo-românicos (4,378), parti- cularmente aqueles das classes elevadas (2,168), que procuravam defen- der seu patrimônio contra seus compatriotas “revolucionários” – talvez um dos principais motivos da ira de Flávio Josefo, como membro da aristocracia judaica. Esta mudança de posição justifica-se por um conjunto de fatos que aproxima Flávio Josefo dos romanos. Arriscando-se como profeta, ele anuncia que Vespasiano seria o próximo imperador (3,401), em substi- tuição a Vitélio (69) – talvez se servindo de uma análise do óbvio, ou seja, Vespasiano era no momento o mais cotado para assumir o império. Profecia ou não, este fato trouxe-lhe uma série de benefícios e a partir daí sua avaliação dos conflitos muda de tom. Os generais romanos en- volvidos na contenda passam a ser apresentados mais como salvadores que como opressores dos judeus,24 e os revoltosos se transformam em simples leistai/bandidos/terroristas. No entanto, se existem de um lado vários elementos internos que despertam estranhezas num leitor atento e perplexidade no pesquisador - alguns chegam até mesmo a rejeitar o trabalho historiográfico de Flá- vio Josefo25 –, de outro não se pode deixar de filtrar nesta obra informa- ções importantes para o conhecimento de um período com escassa do- cumentação. Deve-se, no entanto, realizar uma proeza arqueológica, no sentido de que é necessário escavar informações encobertas por uma cros- ta épica onde tudo parece estar em função de batalhas mas não dos sol- dados que delas participam, nem de suas mulheres, de seus filhos ou de seus lares e de seus campos, e nem da descrição da realidade nua e crua que envolve a maioria da população da Palestina. Muitas das fontes que fornecem informações históricas sobre o judaísmo do período em questão perderam-se e são apenas citadas por história, são paulo, 23 (1-2): 2004 243
  • 6. i va n e s p e r a n ç a ro ch a Flávio Josefo ou outros autores: Memórias do rei Herodes (Ant., 15,174), Ptolomeu (Ammonius, De adfinium vocabulorum differentia), Nicolau de Damasco26 (2,33-36 et passim), Comentários sobre Vespasiano27 (Aut. 65,342.358; Contra Apion 1,56), Antonio Juliano,28 Justo de Tiberíades29 (Aut. 9,36-42 et passim). Dentre as fontes gregas disponíveis se desta- cam: Estrabão de Amaseia,30 Plutarco,31 Apiano,32 Dio Cassio,33 e dentre as latinas: Tácito,34 Suetônio.35 Além dessas fontes, Schürer destaca ain- da as inscrições judaicas e não-judaicas, palestinas e não palestinas, pro- duzidas em grego, latim, hebraico e aramaico, e as informações indiretas provenientes da literatura rabínica (Mishnah, Tosefta, Talmud, Midrash e Targum),36 mas Flávio Josefo continua sendo a principal delas com relação à Palestina. A SOCIEDADE PALESTINA ENVOLVIDA NA GUERRA As proporções assumidas pela guerra entre judeus e romanos su- peram todos os embates anteriores, tanto em volume de indivíduos en- volvidos quanto nos detalhes presentes no único documento sobre o episódio, ou seja, A Guerra Judaica, de Flávio Josefo. O domínio romano sobre a Palestina iniciou-se por volta de 62 a.C., após a anexação da Síria por Pompeu.37 Seguindo a prática de utili- zar lideranças locais para governar os territórios dominados, os roma- nos nomeiam Herodes, um idumeu, rei da Judéia, que ficaria no trono entre 37 a.C. e 4 d.C.38 O período de seu governo é fortemente criticado internamente. Alguns o acusam de torturar membros da comunidade judaica;39 o próprio Flávio Josefo diz que a Palestina, antes próspera, foi transformada por Herodes num país de miseráveis e de injustiças (GJ 2,86). Devemos antecipar que é esta deterioração da situação social dos judeus da Palestina que se constituirá no principal motor da guerra civil e da revolta contra os romanos, mesmo que Flávio Josefo quisesse dar- lhe uma outra interpretação. As práticas de Herodes corroem as bases da pretensa pax romana promulgada por Augusto (31 a.C-14 d.C.), com validade para todos os territórios conquistados, inclusive a Palestina. Em 6/7, o polêmico censo de Quirino40 – verificação de quem é quem e de quem tem o quê na Palestina – resultou na imposição de uma 244 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 7. dominadores e dominados na palestina do século i taxa per capita sobre a população da Judéia, o que provocou uma revolta sob a liderança de Judas, cujos seguidores serão conhecidos como zelotas, e que juntamente com os sicários seriam os principais protagonistas no confronto narrado por Flávio Josefo. Entre 26 e 36, Pilatos, governador da Judéia, afrontando valores religiosos dos judeus, quis introduzir uma imagem do imperador em Jerusalém (2,169), apropriando-se, em segui- da, dos tesouros do templo de Jerusalém para a construção de um aque- duto nesta cidade. O governo do imperador Calígula (37-41) foi marca- do pela tentativa de abolir o culto judaico em Jerusalém e instalar em seu lugar sua estátua e o culto ao imperador.41 O que estamos verificando é a mistura de elementos econômicos e simbólicos na confecção da rejeição dos romanos. Em meados do século I, calcula-se entre 50 e 80 milhões os habi- tantes do Império Romano, dos quais cerca de 90% viviam no campo. Porém a terra, a principal fonte de sobrevivência para a população do Império, inclusive aquela da Palestina, era muito mal distribuída. Na península Itálica e nas Províncias a maioria das terras produtivas estava nas mãos de uma minoria. No Egito encontramos o caso de 42 agricul- tores partilhando de uma mesma casa. Sêneca indica que os pobres constitíam a maior parte da população e que a situação tinha poucas chances de ser mudada.42 As mudanças de condições sociais podiam ocorrer em situações específicas, quando um indivíduo possuía talentos comerciais ou finan- ceiros ou por serviços políticos e militares prestados a um imperador, como é o caso do próprio Flávio Josefo, ligado de uma maneira particu- lar a Vespasiano. O caso do liberto Trimalquião narrado no Satyricon de Petrônio, se histórico, trata-se de uma grande exceção à regra. Deve-se destacar que as camadas inferiores nas cidades diferencia- vam-se das camadas inferiores rurais. Nas cidades essas camadas eram mais uniformes que as rurais e detinham uma posição mais favorável.43 Na Judéia e no Egito a situação da população rural “livre” era mais desfa- vorável que a dos escravos nas propriedades de senhores romanos. Filo (De spec. leg. 3,159) descreve um quadro sombrio da camada rural, des- tacando os pesados impostos a que era sujeitada. Em casos de fuga de camponeses para não pagarem impostos, suas famílias ou vizinhos eram brutalmente maltratados e mesmo torturados até a morte. história, são paulo, 23 (1-2): 2004 245
  • 8. i va n e s p e r a n ç a ro ch a A maior parte dos que se opunham a Roma pertencia sempre à classe rural. Indicando os motivos que levaram às revoltas camponesas na Palestina entre 66 e 70, Alföldy destaca a opressão extremamente se- vera sobre da população judaica da Palestina por parte de romanos e da própria aristocracia local, que incluía os sumos sacerdotes.44 Em fins da era de Augusto (aprox. 14), a verdadeira camada domi- nante era constituída aproximadamente por 160 pessoas. Um exército permanente de 350.000 a 400.000 homens garantia o statu quo, tornan- do ineficaz qualquer revolta contra o domínio dos romanos (GJ 2,245ss) e das lideranças locais, suas aliadas.45 A obra de Flávio Josefo constitui indiretamente a descrição desse quadro socio-político e dos sentimen- tos e movimentos que opuseram romanos e judeus, sobretudo entre os anos 66 e 70. Apesar de conhecer muito bem essa realidade, a posição social de Flávio Josefo, membro de uma família sacerdotal proprietária de terras, atingida em cheio pela ação dos rebeldes, o levaria a escamote- ar as verdadeiras causas da revolta judaica.46 A INTERPRETAÇÃO DA GUERRA JUDAICA A interpretação dos motivos que causaram a guerra judaica contra os romanos tem causado polêmicas entre os estudiosos. A interpretação teológica, sempre partindo das informações de Flávio Josefo, como a de Helgo Lindner (1972),47 considera a guerra judaica como um castigo de Deus pelos pecados dos judeus. Flávio Josefo chega a considerar a guerra dos judeus uma luta não apenas contra os romanos, mas também contra Deus (GJ 5,378-390); ele lembra aos judeus que seus antepassados fo- ram protegidos de seus inimigos inúmeras vezes sem ter que pegar em armas. Refere-se especialmente ao Êxodo do Egito e à libertação do jugo babilônico por obra de Ciro. A invasão dos romanos deve-se, no entan- to, segundo Flávio Josefo, aos pecados do povo judeu (GJ 5,394-395). Numa mesma linha de interpretação religiosa dos fatos, Hengel (1961)48 indica como causa das revoltas o fato de os romanos terem de- safiado elementos do credo judaico. Outros estudiosos, como Heinz Kreissig,49 sugerem abandonar a interpretação religiosa centrando a atenção basicamente nas questões 246 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 9. dominadores e dominados na palestina do século i sociais e econômicas que desencadearam o conflito. Para reconstruir a realidade da população envolvida nos conflitos é preciso levar em consideração que as descrições de Flávio Josefo a respeito de algumas regiões – Galiléia, Jericó, Engedi – não se aplicam ao resto do país. No seu entender: A região da Galiléia era rica em terras, pastagem e árvores de toda espécie (3,42). Nas terras em torno do lago de Genesaré cresce de tudo, principal- mente, nozes, palmeiras, figos e oliveiras (3,517). O clima é temperado e a terra é irrigada por nascentes. A Galiléia é menor que a Peréia, mas supera sua produção (3,44). Na Galiléia não existe um único espaço que não seja cultivado (4,43). A região de Jericó não pode ser confrontada com nenhuma região do mundo em produtividade (4,473).50 A região do oásis de Engedi, na metade da margem ocidental do mar Morto (396 metros abaixo do nível do mar), a 56 quilômetros de Jerusalém, é também apresentada como uma região produtiva. Inicialmente deve-se dizer que esta visão paradisíaca da Galiléia tecida por Flávio Josefo pode ser questionada, pois havia erosões em grandes extensões de terra ao norte do lago de Genesaré, assim como uma faixa de 50 quilômetros de solo basáltico, que afetou uma faixa de terras de 50 quilômetros que se entende do lago de Hule (hoje drenado), ao norte, até Agripina, ao sul.51 Estrabão (XVI, 2.36) também apresenta um quadro bem menos favorável que o de Flávio Josefo sobre a topografia palestina. Ele asse- vera que, quase todo o território era seco e coberto de pedras. Os pro- prietários das melhores terras eram os descendentes da casa real. A improdutividade da terra da maioria a levava a endividar-se. Nesse mo- mento multiplicavam-se as práticas de empréstimos a juros. Os peque- nos agricultores eram os mais atingidos pela improdutividade e pelas cobranças de taxas, quer por parte do Templo de Jerusalém quer por parte dos romanos.52 Os movimentos sociais na Palestina e em outras regiões do Impé- rio nasceram nessas circunstâncias. A guerra judaica foi apenas uma das tantas eclosões sociais que romperam entre os anos 6 e 70 no Impé- rio. No entanto, Flávio Josefo não conecta o que estava acontecendo na história, são paulo, 23 (1-2): 2004 247
  • 10. i va n e s p e r a n ç a ro ch a Palestina com a realidade do resto do Império. Essas revoltas já tinham se iniciado sob o helenismo. No Testamento dos 12 Patriarcas, os últi- mos governantes asmoneus são comparados a monstros do mar que escravizam seus filhos e filhas livres, roubando seus pertences (Testa- mento de Judá, 21). Assim, devemos dizer que a hostilidade dos grupos judaicos des- crita por Flávio Josefo não se embasa tanto em questões religiosas, mas em fatos concretos de supressão e exploração das classes inferiores por parte das lideranças locais e dos romanos. Aqui reside a razão para a existência de leistai/bandidos/terroristas na Palestina, pessoas que por gerações - primeiro contra os sumos sacer- dotes defendidos peles selêucidas, depois pelos asmoneus e Herodes, e agora contra os romanos – defenderam sua difícil existência contra o poder de seus verdadeiros “assaltantes”, o poder de Estado. Se Flávio Josefo não toca nestas questões, como já destacamos, é principalmente porque ele pertencia à minoria dominante. Após a morte de Herodes, as revoltas que não tinham sido coorde- nadas assumiram uma nova forma, nesse momento chefiadas por líde- res bem definidos. Se tais líderes encontraram uma fácil adesão das mas- sas foi devido à situação precária em que viviam.53 O que Flávio Josefo faz para justificar suas críticas aos rebeldes é demonizá-los. Ele assim o faz identificando suas ações “violentas” como desrespeito às leis religio- sas; colocando-os em choque com os valores judaicos, ele nega destacadamente aos líderes da revolta a nacionalidade judaica, tornan- do-os inaptos para representar o sentimento nacional diante dos roma- nos, e logicamente, perante as lideranças locais. Mas o que Flávio Josefo não revela é que a maioria da população – empobrecida – quer a elimi- nação da velha estrutura de Estado encabeçada pelo Sinédrio – compos- to pelos sumos sacerdotes e grandes proprietários, juntamente com o nepotismo e enriquecimento à custa do povo –, agora fortalecida pela aliança com os romanos. Flávio Josefo insiste em defender que a ordem social é dada por Deus, por sua ação, e que ele não se sente nem um pouco traidor do povo judeu ao bandear para os romanos, que se tornaram a garantia da ordem na Palestina. Assim, o quadro que Flávio Josefo tece dos inimigos é o quadro que a classe dominante tece no século I da nossa era. 248 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 11. dominadores e dominados na palestina do século i OS GRUPOS SOCIAIS DA PALESTINA DO SÉCULO I Se de um lado pode-se falar em identidade judaica definida por um conjunto de normas comuns definidas na Torá, de outro, esse mesmo conjunto de normas é interpretado de diferentes maneiras pelos grupos que formam a nação judaica, ou seja, fariseus, saduceus e essênios (2,119). Durante a guerra contra os romanos surge o grupo dos sicários (2,254) e seus subgrupos. O grupo que se envolve diretamente e mais profundamente nos conflitos e que se tornou porta-voz da ampla camada dos desfavorecidos é o dos sicários, que põem em causa o Estado usurpador por meio de seus representantes, seus cúmplices e seus símbolos.54 Judas, o Galileu, é indicado como o criador dessa filosofia que, segundo Flávio Josefo, tem muito em comum com o pensamento fariseu, mas dele se distancia pelo profundo amor pela liberdade. Não obstante, este grupo é indicado por Flávio Josefo como sendo um ramo pernicioso do farisaísmo.55 Ele re- serva um amplo espaço à crítica deste grupo que interpreta Roma como uma das bestas apocalípticas contra a qual o povo deve lutar, um símbo- lo que seria mais tarde retomado por João no Apocalipse (13,1). Flávio Josefo atribui aos zelotas, e principalmente aos sicários (as- sim conhecidos por levarem uma sica=punhal na cintura, 2,425) a res- ponsabilidade pela catástrofe nacional gerada pelo confronto com os romanos. Chega a dizer que compreendia sua aspiração à liberdade, mas não aceitava sua obstinação em querer realizar uma proeza impossível como aquela de vencer militarmente os romanos (2,95). Enquanto os zelotas se mantiveram ativos, mormente em Jerusalém, sob a liderança de Eleazar ben Simão, os sicários irão ter como principal meta a defesa de Massada, liderados por Eleazar ben Yair. Flávio Josefo utiliza o termo lêistês para se referir aos membros desse grupo, com o significado ora de “bandidos”, ora de revolucioná- rios,56 devido à violência de sua ação no confronto dos romanos e de seus colaboradores judeus. Outros grupos que tinham precedido os si- cários em ataques contra os romanos também são chamados de “bandi- dos” (lêistai) por Flávio Josefo (2,254). Um dos atos dos revolucionários foi colocar fogo no arquivo do templo de Jerusalém, onde estavam depositados os contratos de emprés- história, são paulo, 23 (1-2): 2004 249
  • 12. i va n e s p e r a n ç a ro ch a timo (2,427), o que pode indicar que um dos motivos de sua revolta eram os pesados juros pagos pela população por empréstimos contrata- dos com a aristocracia judaica. Essa ação tem fortes características de uma guerra civil e Flávio Josefo diz que sua violência e conseqüências se equiparavam à de uma guerra com um inimigo externo. As pilhagens (4,408-409) realizadas eram utilizadas para financiar sua ação contra os romanos. O grupo de João de Giscala, principal inimigo de Flávio Josefo, era acusado de invadir a casa dos ricos, matar e estuprar (4,560). A revol- ta gerou, de fato, grupos de extremistas que extrapolaram os objetivos da luta contra os romanos e a aristocracia judaica. No entanto, o grupo mais violento era o de Simão, filho de Jora, que além dos saques e ata- ques aos ricos importunava outras pessoas de maneira despótica (2,652). Ele chegou a ser considerado pelo povo como um inimigo pior que os romanos (4,558). Os próprios zelotas tentaram prender Simão (4,538). Ao descrever esta espiral de violência, Flávio Josefo vai construindo uma situação tal que faz dos romanos a única salvação para os judeus. Hobsbawn57 evidenciou que em sociedades agrárias, sob certas con- dições de crise econômica severa causadas por fatores como fome, infla- ção e altos impostos, ou anexação de terras, o banditismo pode atingir proporções epidêmicas. Ele pode surgir também quando se provocam rupturas em uma sociedade tradicional pela imposição de uma nova política ou sistema econômico. Os desmandos da administração romana já tinham estimulado o surgimento desse “banditismo” descrito por Flávio Josefo já nas décadas de 30 e 40. Os camponeses, os mais atingidos por esta situação tendem a se aliar ou, pelo menos, dar guarida a esse grupo, que como em outras situações, surgem naturalmente em momentos de excesso de pobreza e opressão. Este banditismo social judaico constitui uma forma de rebe- lião pré-política que se distingue, como reconhece o próprio Flávio Josefo (heteron eidos lêstôn, 2,254), dos sicários. Estes se distinguem por uma ação mais definida politicamente e pelo uso de estratégias de luta.58 Na década de 60, Flávio Josefo descreve um grande crescimento do bandi- tismo que levou as camadas populares a um posicionamento cada vez mais claro contra a ordem estabelecida, o que acabou tornando-se a prin- cipal causa de revolta judaica. A decisão romana de reprimir violenta- mente a revolta queimando e saqueando aldeias em todo o território 250 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 13. dominadores e dominados na palestina do século i (2,503-05) resultou num aumento do número de bandidos, acrescido pelos fugitivos provenientes das cidades sírias, onde foram travadas muitas lutas contra os judeus, assim como das regiões destruídas pelos romanos. O alvo destes grupos são, de um lado os romanos e, de outro a classe dominante judaica responsabilizada também pela crise interna.à medida que as condições da guerra tornavam insustentável a vida nor- mal e produtiva, os camponeses se engajam nas fileiras do banditismo enquanto que os proprietários e os cidadãos eminentes dão seu apoio aos romanos (4,130). Fugindo da perseguição romana, os vários grupos de revoltosos, inclusos os bandidos, se dirigem para Jerusalém forman- do uma coalizão para lutar tanto contra os romanos e continuar a lutar contra os considerados dominadores internos, os sacerdotes ilegítimos e os poderosos donos de terra (4,138-157). No entanto, a luta não se res- tringe apenas a Jerusalém, onde o confronto é sobretudo contra os ro- manos; acontecem escaramuças em todo o país (4,406-09). Dentre os membros desses grupos surgem líderes como João de Giscala e Simão ben Jora, que se tornam personagens centrais na condu- ção da revolta e que se distinguem pela exploração dos ricos em benefício da defesa comum. Enfim, um exame dos “bandidos” mencionados por Flávio Josefo ajuda a compreender muito a respeito da sociedade judaica sob os romanos e ajuda a entender o background da revolta judaica.59 Após 68, toda a Palestina, incluindo a parte externa dos muros de Jerusalém, ficou sob o domínio dos exércitos romanos e, de 69 a 70, entrou em cena um governo despótico com a proibição das assembléias populares para prevenir o surgimento de novas conspirações. As antigas formas constitucionais foram abolidas, e o Estado foi transformado num regime ditatorial pessoal.60 Uma das penas aplicadas contra os revolucio- nários era a crucificação, como ocorreu com Eleazar e membros de seu bando, a mando de Nero (2,253). O povo judeu como um todo sofreu intensamente as conseqüên- cias da guerra (5,343-44) e com relação aos rebeldes, a fome tornou-se seu maior problema (5,429), instigando, segundo Flávio Josefo, o furor homicida dos rebeldes (5,424) que suscitaram na população atitudes con- tra a própria natureza, eliminando qualquer sentimento: as mulheres tiravam a comida da boca dos maridos; os filhos, dos pais; as mães das crianças (5,430.515). Uma mulher judia, Maria, filha de Eleazar, cozi- nhou e comeu o próprio filho (6,207). Esta foi considerada a pior situa- história, são paulo, 23 (1-2): 2004 251
  • 14. i va n e s p e r a n ç a ro ch a ção vivida pelo homem desde a criação do mundo (5,442). No fundo, uma situação de profunda miserabilidade. Jerusalém ficou cheia de cadáveres (5,514; 5,59). Os 115.880 cadá- veres transportados para fora da cidade eram na maioria de membros do povo simples (5,567). Alguns dizem que esse número chegou a 600.000 (5,569). Os romanos saquearam tanto ouro dos judeus, que na “bolsa de valores” da Síria este metal perdeu 50% do seu valor (6,317); o número de prisioneiros chegou a 96.000, e dentre estes o número de indivíduos escravizados foi tão grande que chegou a influir no mercado escravo, baixando os preços do setor (6,384). Dos prisioneiros que não foram escravizados, uma parte foi expatriada para o Egito (6,418), e outra obri- gada a lutar na arena com animais ferozes (6,418). A guerra, cujo centro fora Jerusalém, tinha envolvido judeus de várias partes em virtude de sua presença em Jerusalém para a festa dos ázimos (mazot). Para calcular o número de pessoas presentes nessa festa levou-se em consideração uma Páscoa, em Jerusalém, em que foram fei- tos 255.600 sacrifícios, sendo cada sacrifício oferecido por um grupo de 10 judeus, resultando numa presença de 2.556.000 judeus na cidade (6,422) por ocasião da principal batalha contra os romanos. Os suicídios coletivos narrados por Flávio Josefo podem ser consi- derados como uma outra conseqüência social dessa guerra. Com relação a tais episódios, mesmo que Flávio Josefo tenha sido influenciado por relatos semelhantes provenientes da literatura greco-romana, parece ter sido uma prática em situações-limite envolvendo doenças incuráveis (1,662-663), assédio do inimigo, perda da liberdade e arrependimento por atrocidades praticadas (2,474-75;3,296;3,331;3,368.390-91). O sui- cídio podia envolver toda a família (4,71).61 Jerusalém, o principal palco das lutas, viu eliminados os traços de seu antigo esplendor (6,8), e esta era a segunda vez que a cidade tinha sido destruída. A primeira vez foi pelos babilônios em 585 a.C. (6,435). IMAGINÁRIO RELIGIOSO Flávio Josefo refere-se à presença de indivíduos que propagavam falsas profecias62 na Palestina, segundo as quais Deus interviria no con- flito em defesa do povo judeu, minando o poder romano, e conforme 252 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 15. dominadores e dominados na palestina do século i ele, estas idéias teriam impedido uma avaliação realista do conflito e da posição de desvantagem dos judeus, causando a morte de muitos deles (6,285.288). Os sacerdotes do templo ouviram na festa de Pentecostes uma voz que dizia: “Sairemos deste lugar” (metabainomen ententhen) (6,299), como uma premonição da sua destruição pelos romanos. Cita- se outro sinal da destruição: quatro anos antes da guerra, um certo Je- sus, filho de Ananias, proclamou no templo e pelas ruas da cidade o surgimento de “...uma voz do oriente, uma voz do ocidente, uma voz dos quatro ventos, uma voz contra Jerusalém e o templo...” (6,300). Flávio Josefo analisa todas essas previsões como um cuidado que Deus tinha pelo seu povo, indicando-lhe um modo de se salvar. Porém continua: se tudo aconteceu é porque o homem não pode fugir ao seu destino mesmo quando o prevê. O próprio Flávio Josefo se apresenta como tendo tido sonhos prenunciadores da calamidade que envolveu os ju- deus, sonhos que ele mesmo interpreta (3,352).63 Com isso, Flávio Josefo acaba dizendo que uma explicação para a catástrofe pode ser simplesmente o destino que já tinha sido traçado para o povo judeu. A respeito da profecia encontrada na Escritura, de que surgiria um dominador do mundo proveniente de Israel, Flávio Josefo defende que ela é cumprida por Vespasiano (6,5,4), que se torna impera- dor no período do conflito. Considera-se que tal profecia se referia a uma intervenção de um Messias que estenderia o reino de Israel a todos os povos. Flávio Josefo, no entanto, a interpreta em chave imperial (adventus Augusti),64 ou seja, os romanos são considerados quase como um Messias para Flávio Josefo. CONCLUSÃO Em A Guerra Judaica, Flávio Josefo traz muitas informações mili- tares, destacando o poder dos romanos e a incapacidade e ousadia dos judeus de enfrentá-los numa batalha cujo resultado, segundo ele, já es- tava definido desde o seu início. Não obstante a falta de imparcialidade detectada na obra do autor, como fariseu filo-românico, suas informa- ções obtidas por meio de seu testemunho pessoal ou do apoio de suas fontes diretas ou indiretas permitem enriquecer o conhecimento sobre história, são paulo, 23 (1-2): 2004 253
  • 16. i va n e s p e r a n ç a ro ch a a vida cotidiana na Palestina, mesmo que elas não tenham sido prio- rizadas no relato. A política de Herodes e de seus sucessores tornou a Palestina um país de miseráveis e de injustiças, com exceção dos habitantes de poucas regiões privilegiadas pela fertilidade de seu solo. Estes fatos, aliados à situação de privilégio vivida pela aristocracia judaica em troca de seu apoio a Roma, suscitaram muitos conflitos internos que antecederam e acompanharam o confronto direto com Roma. Os líderes da revolta encontraram poucas dificuldades para reunir grupos de revoltosos que se multiplicaram rapidamente pelo país, ata- cando inicialmente a aristocracia local para se proverem de armas e víve- res. O longo período de lutas criaria dificuldades para o sistema produ- tivo, fazendo escassear os gêneros de primeira necessidade e aumentando rapidamente seus preços. A preocupação com os valores nacionais, principalmente o respei- to às regras e ritos religiosos, perderam lugar para a necessidade de so- breviver. Por mais que as lideranças religiosas tentassem demover a po- pulação de um confronto “suicida” com os romanos, o desespero generalizado não vislumbra outra alternativa. Os discursos acalorados de Flávio Josefo para situar os judeus diante de sua incapacidade de enfrentar os exércitos romanos não tiveram efei- to algum. O nacionalismo – ou a fome – falaram mais alto. O volume de grupos envolvidos no conflito impede a organização da resistência in- terna, jogando tais grupos uns contra os outros, perdendo-se o controle da situação. Os momentos de união são poucos e fugazes. Este descon- trole leva Flávio Josefo a denominar os membros de boa parte destes grupos de “bandidos”, não reconhecendo neles mais seus compatriotas pré-herodianos. Alguns grupos possuem uma coesão interna muito for- te que os leva a ações radicais, como aquele liderado por Eleazar ben Yair, que se decide por um suicídio coletivo envolvendo 960 judeus para não se entregar aos romanos. A derrota recrudesceu a situação; além do grande número de mor- tos e prisioneiros, o Templo, centro financeiro da Palestina, foi espolia- do de suas riquezas que foram levadas por Tito para Roma, ostentadas no desfile sob o arco que leva seu nome, construído para a ocasião. En- fim, Flávio Josefo demonstrou que podia ter apenas um controle literá- 254 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 17. dominadores e dominados na palestina do século i rio sobre os conflitos, obtendo direta ou indiretamente muitas informa- ções sobre eles, mas seus artifícios retóricos, a serviço do poder romano, não conseguiram evitar o conflito que desmantelou a estrutura da socie- dade judaica da Palestina do primeiro século. ROCHA, Ivan E. Dominators and dominated in Palestine of the first century. História (São Paulo), v. 23 (1-2), p. 239-258, 2004. A B S T R A C T : The relationship between dominators and dominated in Pal- estine of the first century emerges in an indirect way in a document pro- duced with the objective of telling the testimony of the author, Flavius Josephus, about the war among Jews and Romans. More than a war against the Romans, what one sees is a deep inner crisis involving different inter- ests of Jewish groups aligned or distant of the “ enemy’s “ power. K E Y WO R D S : Romans; Jews; Pelestine. NOTAS 1 Departamento de História – Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – 19806- 173 – Assis – SP. 2 Em todas as citações de A Guerra Judaica, de Flávio Josefo, será omitida a citação da obra. P.ex. (3,401) significa (A Guerra Judaica 3,401). Será usada a sigla GJ ape- nas quando for necessário distinguir a obra de Josefo de outras citadas no mesmo espaço. 3 BUTTRICK, G. A. The Interpreters Dictionary of the Bible. Nashville: Ingdon Press, 4.v, 1962, 1.v. Supl, p.987.; SCHÜRER, E. The history of the Jewish people in the age of Jesus Christ (175 a.C.-100 d.C.). Edinburgh: T & T Clark, 1979, v.1, p.58. 4 GIUSEPPE, Flavio. La guerra giudaica. Trad. e notas G. Vittucci. S.l.: Arnaldo Mondadori Ed. 1974, v.1, p.XXXVIII-XL. 5 Pesquisa realizada em outubro de 2000, utilizando o WebFerret. 6 http://www.uni-muenster.de/Judaicum/Welcome.html. Acesso em: 9 jun. 2002. 7 www.perseus.tufts.edu. Acesso em: 9 jun. 2002. 8 SIEVERS, J. New resources for the study of Josephus. Roma: Pontifício Institucional Bíblico, 1988, p.2. história, são paulo, 23 (1-2): 2004 255
  • 18. i va n e s p e r a n ç a ro ch a 9 Para a bibliografia sobre a contribuição da arqueologia no estudo das obras de Flavio Josefo ver: FELDMAN, Louis H. Josephus and Modern Scholarship (1937- 1980). New York: Wlaer de Gruyter, 1984, p.735-769. 10 BROSCHI, Magen. The credibility of Josephus. Jornal of Jewish Studies, n.33, p.379- 384, 1982, p.379-380, 383. 11 BROSHI, Magen. La population de l’Anciènne Jerusalém, Revue Biblique, n.82, p.5-14,1975, p.5; BYATT, Anthony. Josephus and population numbers in first cen- tury Palestine, Palestine Exploration Quarterly, p.51-60, 1973, p.55. 12 É exagerado também o número de judeus mortos em Jerusalém durante a guer- ra: 1 milhão e 100 mil (6,420). 13 BYATT, Op. cit. p.51-58. 14 VIDAL-NAQUET, P. Flavius Joseph et Masada, Revue Historique, ano 1, v.260, p.3-21, 1978, p.12 15 SHANKS, Hershel. Massada. Biblical Archaeology Review, jan-fev, p.58-63, 1997, p.62-63. 16 VIDAL-NAQUET, P. Op. cit., p.10. 17 NEWELL, Raymond R. The forms and historical value of Josephus’ suicide ac- counts. In: FELDMAN, L.H., FATA, G. Josephus, the Bible and History. Detroit: Wayne State University Press, 1989, p. 287. 18 COHEN, S. J. D. Massada: literay tradition, archeological remains and the cred- ibility of Josephus. Journal of Jewish Studies, n.33, p.385-405, 1982, p.386-389; NEWELL,R. R. Op. cit., p.278-279. 19 COHEN, S. J. D. Op. cit., p. 386-389. 20 Idem, p. 386-389. 21 NEWELL, R.R. Op. cit.., p.289-290. 22 FINLEY, M. I. História Antiga. Modelos e testemunhos. São Paulo: Martins Fon- tes, 1994, p.64. 23 RAPPAPORT, U. John of Gischala: form Galilee to Jerusalem, Journal of Jewish Studies, n.33, p.479-493, 1982, p.484-485. 24 JOSEPHUS, The Jewish War. Trad. e com. H. St.J. Thackeray. Cambridge: Harvard University Press, 1968, v.1, p.VII. 25 COHEN, S. J. D. Josephus in Galilee and Rome: his Vita and developments as a historian. Leiden: Brill, l979. Uma posição diametralmente oposta à daqueles que defendem cegamente a intocabilidade de Flávio Josefo, como BRIGHT, J. História de Israel. Trad. Euclides Carneiro da Silva. São Paulo: Paulinas, 1981, p.566. 26 Nasceu aproximadamente em 64 a.C. 256 história, são paulo, 23 (1-2): 2004
  • 19. dominadores e dominados na palestina do século i 27 FLÁVIO JOSEFO entra em contato com este documento após a composição de GJ, pois não faz referência a este nesta obra. Cf Schürer, E. The history of the Jewish people in the age of Jesus Christ (175 a.C.-100 d.C.). Edinburgh: T & T Clark, 1979, v.1, p.33. 28 Séc. II d.C. 29 Tem posição destacada na Guerra Judaica de 66-7 d.C. 30 64 a.C.-21 d.C., aprox. 31 50-120 d.C., aprox. 32 Sua obra é escrita por volta de 150 d.C. 33 Sua obra é escrita nas duas primeiras décadas do séc. III d.C. 34 56-120 d.C., aprox. 35 69-125 d.C., aprox. 36 SCHÜRER, Emil. The history of Jewish people in the age of Jesus Christ (175b.C.- A.D.100). Endiburg: T & T Clark, 1979, v.1, p.11-12; 26-37; 63-68. 37 Pompeu é quem derrota as últimas tropas de Espártaco. SIMON, Marcel; BENOIT, André. Judaísmo e cristianismo antigo. De Antíoco Epifânio a Constantino. Trad. Sônia Maria S. Lacerda. São Paulo: Livraria Pioneira, Edusp, 1987, p.53 38 LEIPOLDT, J; GRUNDMANN, W. El mundo del Nuevo testamento. Trad. do al. Luiz Gil. Madri: Ediciones Cristiandad, 1973, p.174 39 STAMBAUCH, J. E.; BALCH, D. L. O novo testamento em seu ambiente social. Trad. João Rezende Costa. Sãoi Paulo: Paulis, 1996, p.18-ss. 40 SCHÜRER, Emil. Op. cit. p.405-407. 41 STAMBAUCH, J. E.; BALCH, D. L Op. cit., p.21-22. Sobre o censo de Quirino ver: SCHÜRER, E. Op. cit. p.399-427. 42 Sêneca, Helv. 12,1; ALFÖLDY, Géza. A história social de Roma. Trad. Maria do Carmo Cary. Lisboa: Presença, 1989, p.123-124. 43 ALFÖLDY, Géza. Op. cit., p.149. 44 Idem, p.171. 45 Idem, p.161-168. 46 Kreissig, Heiz. A marxist view of Josephus account of the Jewish war. In: Feldman, L.H. Hata, G. (ed.). Josephus, the Bible and History. Detroit: Wayne State University Press, 1989, p.274. 47 LINDNER, Helgo. Die Geschichtsauffassung des Flavius Josephus in Bellum Judaicum, Leiden: s.n., 1972. 48 HENGEL, M. Die Zeloten. Leiden: Brill, 1961. 49 A marxist view of Josephus account of the Jewish war. In: Feldman, L.H. Hata, G. história, são paulo, 23 (1-2): 2004 257
  • 20. i va n e s p e r a n ç a ro ch a (ed.), 1989, p. 265-277. 50 Josefo faz aqui um parêntese para falar de Jericó, o que talvez possa ser uma adição à sua obra. 51 Wilkinson, John. Jerusalém ammo Domini. Trad. Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Melhoramentos, 1993, p.21 52 Kreissig, Heiz. Op. cit., p. 267-268. 53 Idem, p. 270-271. 54 VIDAL-NAQUET, P. Op. cit., 1978, p.4. 55 HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo. O judeu de Roma. Trad. Paula Rosas. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p.49 56 ARNDT, W. F.; GINGRICH, F. W. A Greek-english Lexicon of the New Testament and other early Christian Literature. Chicago: University of Chicago Press, 1980. O termo aparece 46 vezes em A Guerra Judaica. Doravante utilizaremos o termo revo- lucionários para nos referir aos sicários e zelotas. 57 HOBSBAWN, E. J. Rebeldes Primitivos. Estudos sobre formas arcaicas de movi- mentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.15. 58 HORSLEY, Richard A. Ancient Jewish Banditry and the Revolt against Rome, A.D.66-77, The catholic Biblical quarterly, n.43, p.409-432, 1981, p.422-424. 59 Idem, p.431-432. 60 Idem, p.314-318. 61 O suicídio aconteceu também entre os soldados do exército romano para não se entregarem aos judeus (6,188). 62 Acima se indica que Flávio Josefo não se dá conta das expectativas apocalíptico- messiânicas contemporâneas, que podem se identificar com as idéias propagadas por esses “falsos profetas”. 63 Sobre os sonhos nos escritos de Flávio Josef ver GNUSE, R. K. Dreams and dream reports in the writings of Josephus. A traditio-Historical Analysis. Leinden: E.J. Brill, 1996. 64 Cf Michel-Bauernfeind. De bello judaico. Der Jüdische Krieg. Herausgegeben und mit einer Einleitung sowie mit Anmerkungen versehn von Otto Michel und Otto Bauernfeind, Darmstadt-mündchen, 1959-1969, v. 2, p.190-ss, apud Flavio Giuseppe, La guerra giudaica. Trad. e notas de G. Vittucci., op.cit., v. 2, p.576. Artigo recebido em 07/2004. Aprovado em 11/2004. 258 história, são paulo, 23 (1-2): 2004