2. Nascido em Lisboa em 1978, filho de um médico apaixonado por fotografia e de uma mãe corajosa, aos oito anos já ia com a família a caminho do Japão. O seu primeiro contacto com o universo documental surgiu precisamente nesse país, como objecto de estudo, quando o canal de televisão japonês NHK decidiu relatar a experiência de uma criança ocidental a estudar e a viver no mundo oriental. De volta a Portugal estudou economia, de onde rumou aos EUA para estudar cinema e onde acabou por colaborar em vários filmes de ficção. Nos anos seguintes estudou e trabalhou com directores de teatro, televisão e cinema em Lisboa, Paris, São Paulo e Rio de Janeiro. Mas foi em Cabo Verde que teve a sua primeira experiência de documentário realizando “Nhô Djunga”, que retrata as dificuldades de um centro de acolhimento de crianças carenciadas. Em 2004 muda-se para o Brasil, onde trabalhou como jornalista para a RTP Internacional, e produziu e realizou várias obras artísticas e institucionais. Mas foi em 2005 que embarcou na maior aventura da sua vida, dando início à pesquisa e investigação dentro de um lugar considerado impenetrável, o Complexo do Alemão, o maior e mais perigoso aglomerado de favelas do Rio de Janeiro. Depois de anos de pesquisa, na época de maior tensão de sempre no Rio de Janeiro, filmou a longa-metragem documental “Complexo - Universo Paralelo”. Mário Patrocínio é um cidadão do mundo, apaixonado pela vida, que continua a acreditar que “navegar é preciso”. Biografia
3. Nota de intenção do realizador “ Viver no Brasil e a rara oportunidade de conhecer a favela por dentro fizeram-me entrar num mundo de que embora já tivesse ouvido falar, nunca tinha pensado conhecer por dentro, oportunidade que surgiu quando fui convidado para co-dirigir o vídeo-clip “por amor”do Mc Playboy, um cantor de funk. Então pesquisei sobre o Complexo do Alemão e todas as notícias apontavam para um lugar impenetrável, onde morava o Terror. Ao entrar na favela, o medo e a vontade de conhecer tornavam cada dia uma verdadeira aventura. As pessoas na favela sentiam-se confortáveis com a minha presença, e isso permitiu ter acesso privilegiado à sua forma de viver. Escutei os seus sonhos, os seus porquês, os seus lamentos e sobretudo a sua essência, porque dei oportunidade a mim mesmo de viver uma situação totalmente diferente daquela a que estava acostumado. Em busca da vivência que nos faz crescer, fui um observador de fora, mas que vive lá dentro. Senti os odores, escutei os sons e o silêncio do som, pude experimentar paladares, caminhar e ver algo único. Fui um privilegiado. O ano de 2007 foi marcante para o Complexo do Alemão. Perante a proximidade da realização dos Jogos Pan Americanos, o Complexo foi cercado pela Força Nacional, pela Policia Militar e pelas Forças Especiais (CORE). Durante as operações que se sucederam, morreram mais de uma centena de pessoas. No período de filmagens ocorreu a maior operação policial de sempre no Rio de Janeiro. Foram várias as operações montadas pela polícia em que eu estava dentro do Complexo do Alemão. Tive a oportunidade de sentir o que é acordar com rajadas de fuzis e muitas vezes dormir acompanhado por tiros. Conheci moradores que morreram durante essas operações policiais e com isso vi como é a vida de um simples morador que nada tem a ver com a guerra. Os moradores do Complexo vivem numa realidade paralela inserida numa ordem maior. No caminho das personagens principais que escolhemos, muitas outras rotinas se cruzam, o que nos permite viajar pela vida de trezentas mil pessoas, num mundo à parte, seguindo uma ordem diferente da ordem global. A escolha das personagens foi um processo moroso, de um leque inicial amplo concluímos que, as nossas escolhas representavam o que é ser morador do Complexo do Alemão. A narração é feita pelos próprios personagens, sendo as suas acções filmadas de forma espontânea e natural, incorporando o acaso de forma orgânica. Seguimos as suas actividades quotidianas, mas foi quando estavam sozinhos que obtivemos as suas reflexões mais íntimas. A vida dentro da favela tem milhares de faces, é a cara da cultura miscigenada brasileira. COMPLEXO é uma viagem por um universo paralelo que vive à margem do suposto mundo civilizado. Como disse o grande poeta português Fernando Pessoa, “navegar é preciso” e foi exactamente isso que me dei liberdade de fazer.”