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Viver
História A
Fevereiro de 2012
Prof. Ana Cristina Ferreira
no
Catarina
Vitorino
Nº2
12ºLH2
1
Escola Secundaria de
Peniche
ÍÍnnddiiccee
ÍÍnnddiiccee..................................................................................................................................1
ÍÍnnddiiccee ddee IIlluussttrraaççõõeess.........................................................................................................2
IInnttrroodduuççããoo..........................................................................................................................3
MMaarriiaa AAllzziirraa MMeeccaa............................................................................................................4
AAnnóónniimmoo.............................................................................................................................7
JJoosséé MMaannuueell ee MMaarriiaa RReeggiinnaa VViittoorriinnoo...........................................................................8
2
AAnnaa PPaauullaa SSoouussaa.............................................................................................................13
CCoonncclluussããoo .........................................................................................................................16
AAnneexxooss..............................................................................................................................17
OObbsseerrvvaaççõõeess......................................................................................................................18
ÍÍnnddiiccee ddee IIlluussttrraaççõõeess
Fig. 1 – Sra. Maria Alzira Meca .................................................................................... 4
Fig. 2 - A sua filha Natalina na escola primária ........................................................ 6
Fig. 4 - Sr. José Manuel Vitorino .................................................................................. 8
3
Fig. 5 - Sra. Maria Regina Vitorino .............................................................................. 8
Fig. 6 - José Manuel quando chegou à Guerra Colonial........................................... 9
Fig. 10 - Uma das fotografias enviadas por José para Maria enquanto estava em
Cabinda ......................................................................................................................... 11
Fig. 12 - Minas antipessoais desarmadas.................................................................. 11
Fig. 13 - José Manuel com nativos. ............................................................................ 12
Fig. 14 - Sra. Ana Paula Sousa.................................................................................... 13
Fig. 15 - Ana Paula em criança com os seus amigos............................................... 13
Fig. 16 - A sua turma da 4ª classe .............................................................................. 13
Fig. 17 - Nesta fotografia podemos ver com bastante clareza as tendências da
altura.............................................................................................................................. 14
Fig. 18 - Ana Paula a estudar já na Escola Industrial e Comercial, actual Escola
Secundária de Peniche ................................................................................................ 15
IInnttrroodduuççããoo
Existe muita informação nos livros sobre o Estado Novo, mas a grande verdade
sobre esta época controversa portuguesa está na boca de quem a viveu na pele.
4
Para tal constatação, foram feitas 5 entrevistas a pessoas distintas: a primeira a
Maria Alzira Meca (minha avó materna), a segunda a um senhor (utente do Lar de Sta
Maria, Peniche), a terceira a José Manuel Vitorino (meu tio), a quarta a Maria Regina
Vitorino (minha tia e esposa do ultimo) e por fim a Ana Paula Sousa (minha tia e
madrinha).
As entrevistas decorreram quase no desconhecido, seguindo apenas um guião de
questões pois muitas das respostas foram altamente surpreendentes e improváveis.
No decurso deste trabalho podemos encontrar relatos das condições de vida e de
memórias desta época, as opiniões sobre Salazar, comparações com os dias de hoje e
defensores da Pátria como apoiantes revolucionários.
Nota: As entrevistas foram todas elas gravadas e transcritas encontrando-se em formato
digital num CD-ROM nos Anexos e todas as expressões entre aspas ao longo deste trabalho, são
excertos dos testemunhos.
Testemunho
MMaarriiaa AAllzziirraa MMeeccaa
Maria Alzira Meca, 82 anos, natural da Nazaré, viveu grande parte da sua vida,
especialmente no decurso do Estado Novo, no Campo da
República1
, junto ao Forte de Peniche.
A sua infância foi passada na sua terra natal e tal como
grande parte das famílias portuguesas vivia na pobreza.
1 Também conhecido localmente como Campo da Torre que é toda a zona circundante do Forte de Peniche.
Fig. 1 – Sra. Maria Alzira Meca
5
Passou “dias inteiros sem comer”, tal como os seus irmãos e o seu pai que “andava em
jejum e a subir pinheiros para partir lenha” para venderem para que pudesse entrar mais
alguns trocos na carteira pois viviam com um único ordenado, o do pai pescador pois a
madrasta ficava em casa a tomar conta dos filhos e da casa, “conforme se ganhava”, sendo
as suas brincadeiras “brincar com os rapazes e com as raparigas”, pois “não havia
[dinheiro] para comer quanto para comprar brinquedos” e ainda era tratada “como um
penhor”, tal como os irmãos, vendo as suas roupas e loiças empenhadas.
Sendo a mais velha de 5 irmãos, aconteceu-lhe o que era comum nessa altura: não
frequentou a escola, o que ainda hoje a deixa desgostosa, mas ao qual facto nunca se
agarrou e aprendeu a desenrascar-se ao longo da sua vida. Como ficou sem mãe ainda
bebé, teve de ficar em casa a cuidar dos irmãos, pois era ela “que os desmamava” e com os
seus 10, 11 anos, o pai pô-la “a trabalhar, descalça”, podendo só comprar o seu primeiro
par de sapatos aos 25 e ainda assim “andava descalça ao de semana, só aos domingos é
que os calçava”, ganhando “100 escudos2
para (…) viver durante 3 meses” depois ter ter-se
visto obrigada a abandonar a casa do pai para trabalhar.
Entretanto começou a namorar, um namoro um pouco complicado, ela na Nazaré e
ele em Peniche, contudo quando se encontravam já não precisavam de ninguém a tomar
conta pois já eram “graúdos”. E depois da chegada dela a Peniche, casaram-se e não houve
melhoras no nível de vida. Agora trabalhava na ribeira e o cônjuge era pescador. Foi mãe
de 5 filhos porém, um falecera à nascença como muito acontecia nessa altura e os seus 2
filhos homens, mais tarde, foram obrigados a alistar-se no exército. Ambos entraram com
aproximadamente 20 anos e cumpriram 16 meses de serviço cada um, mas foram para
destinos diferentes: o mais velho foi “tomar conta de cavalos”, o outro ingressou em Santa
Margarida, estando na primeira linha para as guerras ou o que fosse necessário, “era
perigoso”. No entanto, nunca chegou a saber o que os filhos lá faziam ao certo e o que
passavam porque eles nunca lhe contaram nada sobre o assunto para além do
indispensável.
Apesar de viver numa ditadura, sabia que “tinha que haver respeito” pela Nação
incutido por Salazar e que faz falta nos dias de hoje. Contudo, tinha a perfeita noção que
2 Actualmente, 50 cêntimos (0,50€).
6
vivia numa política repressiva que, ao início, tinha medo porque via os elementos da PIDE
“à espreita (…) E tudo pensava que andavam a espreitar alguém para levar preso, e era”.
Mas com o passar do tempo, começou a deixar de temer porque sabia que não havia
motivos para o ter, apesar de perceber pouco do assunto e foi também tendo
conhecimento do que se passava dentro das muralhas do Forte, “era uma pouca-
vergonha”. Conta, desiludida, que “os da PIDE até cuspiam para o prato onde é que eles
[os prisioneiros] estavam a comer”, para além de que chegavam a ir “buscar pessoas à
cama para os levarem” presos pois “por tudo e por nada levavam as pessoas presas”.
Finalmente o desejado dia de liberdade
tinha chegado. Como morava junto ao Forte,
Maria Alzira e a família viveram com grande
proximidade, medo e ansiedade a Revolução
dos Cravos: “Fui eu que ganhei medo. Fui a
correr buscar a Natalina [filha] à escola e
encontrei um militar e me disse: «Oh minha
senhora, para onde é que você vai a correr?», Vou buscar a
minha filha que está na escola!, «Volte para trás, vá para a sua casinha que não há nada.». Foi a
resposta que ele me deu. E não fui buscá-la. E esse militar não se tirava de pé da porta da
gente até o ter lá em casa e tudo”, dizia relembrando o dia com um certo brilho de
esperança, entretanto perdida com a situação crítica do país, nos olhos.
A esperança que vira nesse dia, está agora arruinada. Considera que o estado actual
do país é pior que o desta altura, pois prevê uma economia semelhante à da altura e tanta
ou mais fome que a que passava na altura que mesmo com as vizinhas a oferecerem “antes
queria estar sem comer. Dizia que tinha a barriga cheia”.
No final da entrevista, relembrou a fuga de Álvaro Cunhal, da prisão política.
Afirma não ter assistido, mas lembra-se de ouvir comentários do sucedido e de ter fugido
“com lençóis a fazer de corda” para um barco que o esperava.
Recorda ainda hoje, esta época como uma época de medo e de muita fome para
todos os que lá viveram.
Fig. 2 - A suafilha Natalina na escolaprimária
7
Testemunho
AAnnóónniimmoo
Natural da Coimbrã, diz-se ter sido o chefe da PIDE em Peniche.
Cresceu “a trabalhar, de pequenininho (…) Nas terras, nas fazendas” do seu pai, tal
como os seus 11 irmãos, o que os impediu de ir à escola mas que lhe deu emprego para
toda a vida, porque na sua altura “não havia o desemprego”, e aos 21 anos apresentou-se
no serviço militar e concluiu 18 meses de Praça “no tempo da [Segunda] Guerra Mundial”.
A vida era difícil e o sustento era o que as terras davam. Como muitas outras
famílias desta altura, as roupas eram escassas e mesmo rotas tinham de servir, pondo um
remendo aqui e outro ali, “naquele tempo era tudo remendado” e passavam de irmão para
irmão consoante ia deixando de servir.
Ao contrário das liberdades actuais em que “anda tudo à vontade”, na época de
Salazar os namoros não eram assim tão liberais. Que o diga o este senhor que só podia
namorar às quintas e aos domingos e à porta. Depois casou-se e teve 6 filhos.
“Pois tinha! Salazar é que era um homem!”, foi a resposta eufórica à pergunta:
Tinha amor à Nação?, que me deu. Cumpria à risca as Lições de Salazar e afirmou-se
várias vezes um homem crente, nacionalista e valorizador da família, o típico Homem
Novo que Salazar queria criar e sempre lhe prestando culto e pondo a mulher sempre no
lugar exigido por Salazar: cuidando dos filhos e da casa.
A maior prova do seu nacionalismo e amor à Nação é a sua dita ligação com a PIDE:
“O chefe da PIDE em Peniche fui eu!”. Com esta revelação, tentei descobrir algumas
informações sobre a PIDE, contudo com pouco sucesso porque o senhor após a revelação
do seu estatuto, começou a tentar fugir ao assunto, como quando me disse que no Forte
apenas se guardavam os presos, fugindo a dizer-me os maus-tratos que lhes provocavam.
Informou de que “a PIDE aqui em Peniche era no Forte e era atrás da Câmara” onde ele
estava. Justificou as prisões pela PIDE com crimes de roubo, assassinato e, o maior receio
das pessoas, suspeitas de desrespeito a Salazar e ao regime e ainda negou haver qualquer
8
tipo de escutas nas estações de rádio, justificando-se dizendo que naquele tempo só havia
electricidade “com uma pedra e com uma tábua (…) só com o vento é que havia
electricidade (…) Hoje está tudo rico!”.
Como é de esperar, o 25 de Abril de 1974 seria uma terrível notícia para este senhor.
Para ele, esta quinta-feira de feira cá em Peniche, “foi a entrega das Áfricas todas”, mas
não o fim da PIDE: “A PIDE não acabou ainda! Ainda há a PIDE, é a mesma!”. Contudo,
mostrava-se revoltado e até enraivecido em falar neste dia que mudou o fado português.
Este acontecimento afectou-o de tal modo que não se lembra do que se sucedeu à
Revolução dos Cravos e negava-se a aceitar a ideia de a Ditadura Salazarista ter visto
termo. Estes factores levaram a que acabasse por endoidecer e ter de se mudar
imediatamente a seguir à Revolução para as Brancas, em Leiria, “uma quinta, que curava
as pessoas”.
No fim da nossa conversa, demonstrou as saudades que sente de Salazar, que tinha
salvado a Pátria e que “era um homem direito! Quer tudo direitinho!”. E ainda quis deixar
bem explicito que “a PIDE era secreta” e que não chegou ao fim.
Testemunho
JJoosséé MMaannuueell ee MMaarriiaa RReeggiinnaa VViittoorriinnoo
José Manuel Capelas Vitorino, 64 anos, e Maria Regina
Laborinho Ferreira Vitorino, 61
anos, ambos naturais de Peniche.
Ele esteve no Ultramar e ela ficou
Fig. 3 - Sr. José Manuel Vitorino
Fig. 4 - Sra. MariaReginaVitorino
9
cá à espera dele. Casaram-se um ano depois de José Manuel chegar e constituíram família.
A infância de José Manuel foi uma “infância normal, era escola e brincadeira”. A
única fonte de rendimento em sua casa era o seu pai que era pescador. Ordenado esse que
tinha de chegar para os 6 elementos deste agregado, porque a sua mãe apenas fazia rendas
de bilros e ficava em casa, e apenas servia para a alimentação sendo o vestuário e o
calçado um pouco descorados andando com as roupas rotas e as calças remendadas até
porque “não havia assim muita gente que vestisse bem”.
Com a 4ª classe concluída, ainda se recorda um pouco da sua professora e do seu
primeiro dia de aulas. Recorda também o que sofriam quando alguém “não cumpria [as
regras] levava reguadas”. As matérias da altura eram baseadas na História de Portugal, tal
como Salazar exigia e também eram “obrigados a cantar o Hino Nacional em coro” todos
os dias ao inicio das aulas. Contudo, haviam algumas diferenças para com a actualidade.
“As condições não eram nenhumas (…) O frio era de rapa”, os materiais “era o caderno e o
lápis. A caneta, que não havia esferográfica, a caneta de aparo”. Nas salas existiam as
fotografias de Óscar Carmona e de António de Oliveira Salazar, ou seja, do Presidente da
República e do Primeiro-ministro, que “eram os dois que
tinham sempre a fotografia”, que saíram das paredes após
o 25 de Abril.
Começou a trabalhar aos 10 anos numa mercearia,
10 horas por dia, e “em condições um bocado desumanas”.
Ao fim do primeiro mês, a sua carteira recebeu apenas 50
escudos3
mas a partir do segundo mês, o seu ordenado
duplicou e passou a receber 100 e assim se manteve ao longo de vários anos. A sua função
era “acartar os cestos do pão às costas”, ao longo de uma distância uma longa e na altura
em terra batida e descalço, “era duro, era duro”.
Entretanto este casal começou o seu namoro, ele com 20 e ela com 17, mas foi um
namoro um pouco conturbado. Apesar de não terem de ter ninguém a vigiar, tiveram de
se separar. Aos 21 anos, José Manuel entrou para o serviço militar. Começou com Recruta
3 Actualmente apenas 0,25€.
Fig. 5 - José Manuel quando chegou à
Guerra Colonial
10
e em seguida fez Especialidade em Tiro de Metralhadora e depois participou na Guerra
Colonial.
Enquanto a sua namorada cá ficava, como muitas outras, que não tendo outro
“remédio tínhamos agente de deixar eles ir”, José Manuel foi para Angola, mais
propriamente, para Enclave de Cabinda4
onde “participou em muitas operações, patrulhas
e colunas militares que era levar abastecimento aos militares”.
A sua vida lá em nada foi fácil, “a alimentação era fraca, era quase sempre o mesmo
repetidamente” e era exigido “um esforço grande nas operações, nas patrulhas (…), era
uma zona de alto risco”. Sendo uma zona de alto risco, a tensão e o medo eram
sentimentos constantes no dia-a-dia destes militares que era quase sempre o mesmo ao
longo dos 25 meses que lá esteve, longe de casa e da sua amada, que a única forma de
contacto existente eram “aerogramas5
que era mais barato e era cartas também”.
4 Província Angolana delimitada a Norte pela Republica do Congo e a Leste pela Republica Democrática
do Congo e a Oeste pelo Oceano Atlântico.
5 Carta enviada por correio aéreo, gratuita.
Fig. 7 - Uma das operaçõesque participou Fig. 8 - O Sr. José Manuel num
momento de descontracção no
Ultramar
11
Contudo, não era o suficiente para deixar Maria Regina descansada, que como
antigamente eram “muito pegadas a estas coisas”, não saiam de casa nem cortavam o
cabelo. Mas aproveitavam o facto de haverem fotógrafos pelas ruas para tiraram
fotografias e mandarem para os militares. A religião também era um forte amparo para
esta jovem que se juntava a grupos de raparigas também com os namorados lá, e se
dirigiam até à “Senhora dos Remédios” e ao Bom Jesus do Carvalhal, onde deixavam as
fotografias dos amados e rezavam para “pedir por eles” enquanto José Manuel e todos os
outros tentavam conseguir o seu objectivo: “conseguir
reprimir as forças do outro lado”. Apesar de saber
qual era o seu objectivo, “ainda hoje não percebe
porquê” que lá estiveram, “não
chega a conclusão nenhuma”.
Ao longo da entrevista, o
meu tio contou-me o momento que mais o marcou. No decorrer da
sua estadia em Cabinda, passou a pertencer à equipa de socorrismo
da operação, e um dia, “ajudou a assistir um militar que acabou de
Fig. 6 - Uma das fotografias
enviadas por José para
Maria enquanto estavaem
Cabinda
Fig. 9 - Uma das fotografias enviadas por Maria a José
quando este estava na Angola
Fig. 11 -O momento mais marcante do Sr. José
Manuel na GuerraColonial
Fig. 7 - Minas antipessoais
desarmadas.
12
falecer (…) e (…) um sargento ferido numa perna”, que vinham num carro depois uma
patrulha e não conseguiram fugir a uma emboscada com minas antipessoais6
das quais
ainda conseguiram desarmar algumas.
Felizmente tudo correu bem e conseguiu voltar para casa, são e salvo e sem se ferir
e ao fim de 1 ano, casa-se com Maria Regina e são pais de 3 filhos, que “já tiveram uma
vida diferente”. Ela “trabalhava nas redes” e ele “continuava a trabalhar na área
comercial”.
Porém, e apesar de ter lutado no Ultramar pela honra do seu país, afirma que não
tinha amor à Nação por o regime ser demasiado rígido e chegou mesmo a rejeitar o voto
no regime depois de ter vindo da Angola.
Como todos os portugueses, vivia num clima de medo e insegurança causados pela
PIDE, porque qualquer pessoa que se manifestasse era logo presa, “os chamados presos
políticos”, e pelo regime, “é que as pessoas tinham
medo do regime”, e sabe que também os filmes que
Salazar incutia nas televisões portuguesas e nos
cinemas “eram alvos de censura”.
Para José Manuel, o dia 25 de Abril de 1974
“foi um dia de liberdade para agente, (…) Apoiou as
manifestações de rua e sentiu que era um dia de esperança
para os portugueses” e tinha plena consciência do que se estava a passar e não teve medo
algum. Acredita que nada tenha mudado depois da Revolução pois é “um descrente da
política e dos políticos (…) era um homem activista, deixou de o ser porque não acredita
nos políticos” e considera que a única mudança existente, foi mesmo passar a existir
liberdade de expressão e as pessoas deixaram de ter medo.
Comparou o Estado Novo com a conjuntura nacional actual e considera que
naquela altura, apesar de se ganhar menos, fazia-se mais e melhor do que se faz nos dias
de hoje.
6 Mina terrestre com objectivo de ferir gravemente mas não matar, causando o sofrimento.
Fig. 8 - José Manuel comnativos.
13
Testemunho
AAnnaa PPaauullaa SSoouussaa
Com 49 anos de idade e natural de Peniche, Ana Paula Teófilo Vitorino Sousa tem
uma visão muito própria do Estado Novo.
Teve uma infância feliz, passada a brincar na rua “à
apanhada, às escondidas, à semana”, “uma infância à antiga”
e considera que “as crianças hoje não são crianças (…) Têm a
vida toda facilitada” coisa que antigamente não tinham e eram
mais felizes.
Vivia com os pais e “ao fim de 7 anos” com o irmão.
Sobreviviam com o ordenado do pai que era pescador e a mãe ficava em casa mas “vivia-
se mal porque os ganhos eram poucos (…) Não se vivia com abundância”.
Prosseguiu os estudos até ao 9ºano, porém incompleto, mas recorda bem as suas
aulas da primária, inclusive o seu primeiro dia de aulas com 7
anos, que pediu para ir à casa de banho e não conseguiu
encontrar a sala e então ficou “sentada nas escadas da escola
velha a chorar à espera que aparecesse alguém”. Quanto à
professora, também a recorda bem, era “uma professora boa, uma
professora à antiga, rígida. Mas era boazinha”.
Tal como todas as crianças, também tinha medo das famosas
reguadas e das idas para a “janela com orelhas de burro”. Quanto às matérias leccionadas
recorda o rigor da História de Portugal muito valorizada, das Ciências, da Matemática e
da Língua Portuguesa, tal como o Hino Nacional que era cantado todos os dias. Para
aplicar as matérias na prática
faziam exercícios na escola e
tinham mapas para onde
Fig. 9 - Sra. Ana Paula Sousa
Fig. 10 -AnaPaula emcriança
comos seus amigos
Fig. 11 -A sua turma da 4ª classe
14
apontavam para indicarem as terras e os rios.
Nas salas, lembra-se da existência das fotografias na parede de Marcelo Caetano e
Américo Tomás, Presidente da República e Primeiro-ministro respectivamente, e de uma
recepção ao último que foram “todos de batinha branca vestidos com uma bandeirinha de
Portugal à espera dele”. E comparando com as salas de aula actuais, a única diferença é a
inexistência de um crucifixo e das fotografias dos representantes do Governo para lá de
que as salas eram frias, tal como hoje em dia. Os materiais usados é que eram bastante
diferentes dos actuais, usavam a caneta de tinta permanente, alguns livros, os mata-
borrões, os lápis, as esferográficas e os cadernos.
Deixou os estudos aos 16 anos e começou a trabalhar
aos 17 como atadora de redes. Trabalhava das 9h00 às 12h00
e das 14h00 às 17h00 e ganhava 500 escudos7
por semana.
No primeiro armazém que trabalhou era “muito velho,
muito velho, muito velho. Depois os dois próximos já eram
armazéns novos”.
Como jovem que era, estava sempre atenta às
tendências e tentava segui-las à risca tanto com as minissaias
como com “as calças tingidas, (…) largas, muito largas em baixo, à boca-de-sino” e as
permanentes.
Aos 16 anos começou a namorar mas só podia “sair com o (…) irmão atrás, à meia-
noite tinha que estar em casa” e aos 20 anos casou-se. Continuava a trabalhar nas redes e o
marido era pescador. 2 Anos depois foi mãe e passados 9 meses foi trabalhar para uma
fábrica de produtos congelados.
“Tenho amor ao meu país Ainda hoje tenho, gosto do meu país, não gosto é de
quem o governa” foi a resposta que me deu à pergunta: Tem amor à Nação?. Contudo,
discorda com algumas resoluções do Estado Novo. Apesar de ter passado um pouco ao
lado do que foi a repressão por ser criança e a terem protegido do que realmente se
passava, “achava estranho (…) fazer comentários em casa e dizerem-me que eu não podia
dizer isso e não podia fazer perguntas nem podia dizer nada” se não podiam levar os seus
7 Actualmente, 2,49€.
Fig. 12 -Nestafotografiapodemos ver
combastante clarezaas tendências da
altura.
15
pais presos e tinha medo do que pudesse ser ou acontecer porque nem em casa falavam do
assunto porque “no fundo as pessoas tinham medo de falar, era uma incógnita tão grande
que agente não sabia explicar”. E com estas resoluções, “a pessoa não tinha direito ao voto,
não tinha direito a escolher os políticos, eram sempre as mesmas pessoas, a pessoa não
podia exprimir as suas ideias”.
Não participou no serviço militar mas sabe que “todos os rapazes eram obrigados a
ir à tropa, à excepção de algum que tivesse algum problema de saúde ou isso”.
Quanto à Revolução dos Cravos, recordasse “como se fosse ontem”. Tinha 11 anos,
estava no recreio da escola a brincar quando “entra uma mãe a chorar para ir buscar a filha
porque tínhamos chegado à guerra” e entrou em pânico
como toda a escola ao ver “passar os carros das tropas, os
carros blindados”. Os pais foram buscá-la à escola também
eles em pânico causado pela incerteza do que aquilo seria e
só com o desenvolvimento das notícias é que souberam o que
se passava no país.
Depois da Revolução, tudo mudou: “as escolas
começaram a ter aulas rapazes e raparigas juntos, o que não
acontecia até aí (…) As pessoas eram livres de falar e de
exprimir as suas ideias (…) Acabou-se o medo”.
Agora, “a mulher é livre de exercer aquilo que quiser” mas o nível de vida era
melhor no Estado Novo “pelo menos havia trabalho, e agora não há” e não vê futuro
algum para os jovens portugueses.
No termo da nossa entrevista, Ana Paula acabou por desabafar algo que há muito a
incomoda, o aparecimento da droga depois do 25 de Abril “com as liberdades e as
democracias (…) a droga começou a ser declarada e (…) os jovens nessa altura começaram
a seguir por um caminho um bocadinho errado, o que levou muitos (…) à morte” pela
falta de informação e por ser um assunto tabu na altura, por ser uma espécie de aventura
ao desconhecido.
Recorda também os tempos em que 50€ (10 contos) lhe chegavam para 15 dias
enquanto que agora, apenas para uma ida ao supermercado. “O escudo rendia mais”.
Fig. 13 - Ana Paula a estudar já na
Escola Industrial e Comercial,
actual Escola Secundária de
Peniche
16
CCoonncclluussããoo
Mesmo com faixas etárias distintas, não existiram grandes diferenças como
podemos comprovar nestes 5 testemunhos.
A vida no Estado Novo de fácil não tinha nada. Apesar de hoje em dia vivermos
uma grave crise económica, neste tempo não disponibilizavam dos meios que hoje temos
disponíveis.
A entrada no mercado do trabalho era demasiado precoce e a infância fora roubada
em muitos casos, tal como a escolaridade devido às condições precárias de vida de todos
eles.
A vida militar e o regime eram demasiado rígidos e o medo e a insegurança eram
sentimentos constantes tal como a obediência e o respeito.
A prosperidade, a inovação e a mudança foram recebidas de braços abertos pela
maioria dos questionados.
Contudo, e apesar de se sentirem felizes pelo termo da ditadura, os inqueridos
afirmam que nessa altura o desemprego era menor e com menos dinheiro ainda se
conseguia fazer e viver melhor mas demonstram a felicidade na existência de liberdade de
direitos, de voto e na igualdade de direitos entre o homem e a mulher.
17
AAnneexxooss
Aqui, poderemos encontrar:
 CD-ROM com as entrevistas gravadas e transcritas aos
testemunhos;
 O questionário aos mesmos.
18
OObbsseerrvvaaççõõeess
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19
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Testemunhos da vida sob o Estado Novo em Peniche

  • 1. Viver História A Fevereiro de 2012 Prof. Ana Cristina Ferreira no Catarina Vitorino Nº2 12ºLH2
  • 2. 1 Escola Secundaria de Peniche ÍÍnnddiiccee ÍÍnnddiiccee..................................................................................................................................1 ÍÍnnddiiccee ddee IIlluussttrraaççõõeess.........................................................................................................2 IInnttrroodduuççããoo..........................................................................................................................3 MMaarriiaa AAllzziirraa MMeeccaa............................................................................................................4 AAnnóónniimmoo.............................................................................................................................7 JJoosséé MMaannuueell ee MMaarriiaa RReeggiinnaa VViittoorriinnoo...........................................................................8
  • 3. 2 AAnnaa PPaauullaa SSoouussaa.............................................................................................................13 CCoonncclluussããoo .........................................................................................................................16 AAnneexxooss..............................................................................................................................17 OObbsseerrvvaaççõõeess......................................................................................................................18 ÍÍnnddiiccee ddee IIlluussttrraaççõõeess Fig. 1 – Sra. Maria Alzira Meca .................................................................................... 4 Fig. 2 - A sua filha Natalina na escola primária ........................................................ 6 Fig. 4 - Sr. José Manuel Vitorino .................................................................................. 8
  • 4. 3 Fig. 5 - Sra. Maria Regina Vitorino .............................................................................. 8 Fig. 6 - José Manuel quando chegou à Guerra Colonial........................................... 9 Fig. 10 - Uma das fotografias enviadas por José para Maria enquanto estava em Cabinda ......................................................................................................................... 11 Fig. 12 - Minas antipessoais desarmadas.................................................................. 11 Fig. 13 - José Manuel com nativos. ............................................................................ 12 Fig. 14 - Sra. Ana Paula Sousa.................................................................................... 13 Fig. 15 - Ana Paula em criança com os seus amigos............................................... 13 Fig. 16 - A sua turma da 4ª classe .............................................................................. 13 Fig. 17 - Nesta fotografia podemos ver com bastante clareza as tendências da altura.............................................................................................................................. 14 Fig. 18 - Ana Paula a estudar já na Escola Industrial e Comercial, actual Escola Secundária de Peniche ................................................................................................ 15 IInnttrroodduuççããoo Existe muita informação nos livros sobre o Estado Novo, mas a grande verdade sobre esta época controversa portuguesa está na boca de quem a viveu na pele.
  • 5. 4 Para tal constatação, foram feitas 5 entrevistas a pessoas distintas: a primeira a Maria Alzira Meca (minha avó materna), a segunda a um senhor (utente do Lar de Sta Maria, Peniche), a terceira a José Manuel Vitorino (meu tio), a quarta a Maria Regina Vitorino (minha tia e esposa do ultimo) e por fim a Ana Paula Sousa (minha tia e madrinha). As entrevistas decorreram quase no desconhecido, seguindo apenas um guião de questões pois muitas das respostas foram altamente surpreendentes e improváveis. No decurso deste trabalho podemos encontrar relatos das condições de vida e de memórias desta época, as opiniões sobre Salazar, comparações com os dias de hoje e defensores da Pátria como apoiantes revolucionários. Nota: As entrevistas foram todas elas gravadas e transcritas encontrando-se em formato digital num CD-ROM nos Anexos e todas as expressões entre aspas ao longo deste trabalho, são excertos dos testemunhos. Testemunho MMaarriiaa AAllzziirraa MMeeccaa Maria Alzira Meca, 82 anos, natural da Nazaré, viveu grande parte da sua vida, especialmente no decurso do Estado Novo, no Campo da República1 , junto ao Forte de Peniche. A sua infância foi passada na sua terra natal e tal como grande parte das famílias portuguesas vivia na pobreza. 1 Também conhecido localmente como Campo da Torre que é toda a zona circundante do Forte de Peniche. Fig. 1 – Sra. Maria Alzira Meca
  • 6. 5 Passou “dias inteiros sem comer”, tal como os seus irmãos e o seu pai que “andava em jejum e a subir pinheiros para partir lenha” para venderem para que pudesse entrar mais alguns trocos na carteira pois viviam com um único ordenado, o do pai pescador pois a madrasta ficava em casa a tomar conta dos filhos e da casa, “conforme se ganhava”, sendo as suas brincadeiras “brincar com os rapazes e com as raparigas”, pois “não havia [dinheiro] para comer quanto para comprar brinquedos” e ainda era tratada “como um penhor”, tal como os irmãos, vendo as suas roupas e loiças empenhadas. Sendo a mais velha de 5 irmãos, aconteceu-lhe o que era comum nessa altura: não frequentou a escola, o que ainda hoje a deixa desgostosa, mas ao qual facto nunca se agarrou e aprendeu a desenrascar-se ao longo da sua vida. Como ficou sem mãe ainda bebé, teve de ficar em casa a cuidar dos irmãos, pois era ela “que os desmamava” e com os seus 10, 11 anos, o pai pô-la “a trabalhar, descalça”, podendo só comprar o seu primeiro par de sapatos aos 25 e ainda assim “andava descalça ao de semana, só aos domingos é que os calçava”, ganhando “100 escudos2 para (…) viver durante 3 meses” depois ter ter-se visto obrigada a abandonar a casa do pai para trabalhar. Entretanto começou a namorar, um namoro um pouco complicado, ela na Nazaré e ele em Peniche, contudo quando se encontravam já não precisavam de ninguém a tomar conta pois já eram “graúdos”. E depois da chegada dela a Peniche, casaram-se e não houve melhoras no nível de vida. Agora trabalhava na ribeira e o cônjuge era pescador. Foi mãe de 5 filhos porém, um falecera à nascença como muito acontecia nessa altura e os seus 2 filhos homens, mais tarde, foram obrigados a alistar-se no exército. Ambos entraram com aproximadamente 20 anos e cumpriram 16 meses de serviço cada um, mas foram para destinos diferentes: o mais velho foi “tomar conta de cavalos”, o outro ingressou em Santa Margarida, estando na primeira linha para as guerras ou o que fosse necessário, “era perigoso”. No entanto, nunca chegou a saber o que os filhos lá faziam ao certo e o que passavam porque eles nunca lhe contaram nada sobre o assunto para além do indispensável. Apesar de viver numa ditadura, sabia que “tinha que haver respeito” pela Nação incutido por Salazar e que faz falta nos dias de hoje. Contudo, tinha a perfeita noção que 2 Actualmente, 50 cêntimos (0,50€).
  • 7. 6 vivia numa política repressiva que, ao início, tinha medo porque via os elementos da PIDE “à espreita (…) E tudo pensava que andavam a espreitar alguém para levar preso, e era”. Mas com o passar do tempo, começou a deixar de temer porque sabia que não havia motivos para o ter, apesar de perceber pouco do assunto e foi também tendo conhecimento do que se passava dentro das muralhas do Forte, “era uma pouca- vergonha”. Conta, desiludida, que “os da PIDE até cuspiam para o prato onde é que eles [os prisioneiros] estavam a comer”, para além de que chegavam a ir “buscar pessoas à cama para os levarem” presos pois “por tudo e por nada levavam as pessoas presas”. Finalmente o desejado dia de liberdade tinha chegado. Como morava junto ao Forte, Maria Alzira e a família viveram com grande proximidade, medo e ansiedade a Revolução dos Cravos: “Fui eu que ganhei medo. Fui a correr buscar a Natalina [filha] à escola e encontrei um militar e me disse: «Oh minha senhora, para onde é que você vai a correr?», Vou buscar a minha filha que está na escola!, «Volte para trás, vá para a sua casinha que não há nada.». Foi a resposta que ele me deu. E não fui buscá-la. E esse militar não se tirava de pé da porta da gente até o ter lá em casa e tudo”, dizia relembrando o dia com um certo brilho de esperança, entretanto perdida com a situação crítica do país, nos olhos. A esperança que vira nesse dia, está agora arruinada. Considera que o estado actual do país é pior que o desta altura, pois prevê uma economia semelhante à da altura e tanta ou mais fome que a que passava na altura que mesmo com as vizinhas a oferecerem “antes queria estar sem comer. Dizia que tinha a barriga cheia”. No final da entrevista, relembrou a fuga de Álvaro Cunhal, da prisão política. Afirma não ter assistido, mas lembra-se de ouvir comentários do sucedido e de ter fugido “com lençóis a fazer de corda” para um barco que o esperava. Recorda ainda hoje, esta época como uma época de medo e de muita fome para todos os que lá viveram. Fig. 2 - A suafilha Natalina na escolaprimária
  • 8. 7 Testemunho AAnnóónniimmoo Natural da Coimbrã, diz-se ter sido o chefe da PIDE em Peniche. Cresceu “a trabalhar, de pequenininho (…) Nas terras, nas fazendas” do seu pai, tal como os seus 11 irmãos, o que os impediu de ir à escola mas que lhe deu emprego para toda a vida, porque na sua altura “não havia o desemprego”, e aos 21 anos apresentou-se no serviço militar e concluiu 18 meses de Praça “no tempo da [Segunda] Guerra Mundial”. A vida era difícil e o sustento era o que as terras davam. Como muitas outras famílias desta altura, as roupas eram escassas e mesmo rotas tinham de servir, pondo um remendo aqui e outro ali, “naquele tempo era tudo remendado” e passavam de irmão para irmão consoante ia deixando de servir. Ao contrário das liberdades actuais em que “anda tudo à vontade”, na época de Salazar os namoros não eram assim tão liberais. Que o diga o este senhor que só podia namorar às quintas e aos domingos e à porta. Depois casou-se e teve 6 filhos. “Pois tinha! Salazar é que era um homem!”, foi a resposta eufórica à pergunta: Tinha amor à Nação?, que me deu. Cumpria à risca as Lições de Salazar e afirmou-se várias vezes um homem crente, nacionalista e valorizador da família, o típico Homem Novo que Salazar queria criar e sempre lhe prestando culto e pondo a mulher sempre no lugar exigido por Salazar: cuidando dos filhos e da casa. A maior prova do seu nacionalismo e amor à Nação é a sua dita ligação com a PIDE: “O chefe da PIDE em Peniche fui eu!”. Com esta revelação, tentei descobrir algumas informações sobre a PIDE, contudo com pouco sucesso porque o senhor após a revelação do seu estatuto, começou a tentar fugir ao assunto, como quando me disse que no Forte apenas se guardavam os presos, fugindo a dizer-me os maus-tratos que lhes provocavam. Informou de que “a PIDE aqui em Peniche era no Forte e era atrás da Câmara” onde ele estava. Justificou as prisões pela PIDE com crimes de roubo, assassinato e, o maior receio das pessoas, suspeitas de desrespeito a Salazar e ao regime e ainda negou haver qualquer
  • 9. 8 tipo de escutas nas estações de rádio, justificando-se dizendo que naquele tempo só havia electricidade “com uma pedra e com uma tábua (…) só com o vento é que havia electricidade (…) Hoje está tudo rico!”. Como é de esperar, o 25 de Abril de 1974 seria uma terrível notícia para este senhor. Para ele, esta quinta-feira de feira cá em Peniche, “foi a entrega das Áfricas todas”, mas não o fim da PIDE: “A PIDE não acabou ainda! Ainda há a PIDE, é a mesma!”. Contudo, mostrava-se revoltado e até enraivecido em falar neste dia que mudou o fado português. Este acontecimento afectou-o de tal modo que não se lembra do que se sucedeu à Revolução dos Cravos e negava-se a aceitar a ideia de a Ditadura Salazarista ter visto termo. Estes factores levaram a que acabasse por endoidecer e ter de se mudar imediatamente a seguir à Revolução para as Brancas, em Leiria, “uma quinta, que curava as pessoas”. No fim da nossa conversa, demonstrou as saudades que sente de Salazar, que tinha salvado a Pátria e que “era um homem direito! Quer tudo direitinho!”. E ainda quis deixar bem explicito que “a PIDE era secreta” e que não chegou ao fim. Testemunho JJoosséé MMaannuueell ee MMaarriiaa RReeggiinnaa VViittoorriinnoo José Manuel Capelas Vitorino, 64 anos, e Maria Regina Laborinho Ferreira Vitorino, 61 anos, ambos naturais de Peniche. Ele esteve no Ultramar e ela ficou Fig. 3 - Sr. José Manuel Vitorino Fig. 4 - Sra. MariaReginaVitorino
  • 10. 9 cá à espera dele. Casaram-se um ano depois de José Manuel chegar e constituíram família. A infância de José Manuel foi uma “infância normal, era escola e brincadeira”. A única fonte de rendimento em sua casa era o seu pai que era pescador. Ordenado esse que tinha de chegar para os 6 elementos deste agregado, porque a sua mãe apenas fazia rendas de bilros e ficava em casa, e apenas servia para a alimentação sendo o vestuário e o calçado um pouco descorados andando com as roupas rotas e as calças remendadas até porque “não havia assim muita gente que vestisse bem”. Com a 4ª classe concluída, ainda se recorda um pouco da sua professora e do seu primeiro dia de aulas. Recorda também o que sofriam quando alguém “não cumpria [as regras] levava reguadas”. As matérias da altura eram baseadas na História de Portugal, tal como Salazar exigia e também eram “obrigados a cantar o Hino Nacional em coro” todos os dias ao inicio das aulas. Contudo, haviam algumas diferenças para com a actualidade. “As condições não eram nenhumas (…) O frio era de rapa”, os materiais “era o caderno e o lápis. A caneta, que não havia esferográfica, a caneta de aparo”. Nas salas existiam as fotografias de Óscar Carmona e de António de Oliveira Salazar, ou seja, do Presidente da República e do Primeiro-ministro, que “eram os dois que tinham sempre a fotografia”, que saíram das paredes após o 25 de Abril. Começou a trabalhar aos 10 anos numa mercearia, 10 horas por dia, e “em condições um bocado desumanas”. Ao fim do primeiro mês, a sua carteira recebeu apenas 50 escudos3 mas a partir do segundo mês, o seu ordenado duplicou e passou a receber 100 e assim se manteve ao longo de vários anos. A sua função era “acartar os cestos do pão às costas”, ao longo de uma distância uma longa e na altura em terra batida e descalço, “era duro, era duro”. Entretanto este casal começou o seu namoro, ele com 20 e ela com 17, mas foi um namoro um pouco conturbado. Apesar de não terem de ter ninguém a vigiar, tiveram de se separar. Aos 21 anos, José Manuel entrou para o serviço militar. Começou com Recruta 3 Actualmente apenas 0,25€. Fig. 5 - José Manuel quando chegou à Guerra Colonial
  • 11. 10 e em seguida fez Especialidade em Tiro de Metralhadora e depois participou na Guerra Colonial. Enquanto a sua namorada cá ficava, como muitas outras, que não tendo outro “remédio tínhamos agente de deixar eles ir”, José Manuel foi para Angola, mais propriamente, para Enclave de Cabinda4 onde “participou em muitas operações, patrulhas e colunas militares que era levar abastecimento aos militares”. A sua vida lá em nada foi fácil, “a alimentação era fraca, era quase sempre o mesmo repetidamente” e era exigido “um esforço grande nas operações, nas patrulhas (…), era uma zona de alto risco”. Sendo uma zona de alto risco, a tensão e o medo eram sentimentos constantes no dia-a-dia destes militares que era quase sempre o mesmo ao longo dos 25 meses que lá esteve, longe de casa e da sua amada, que a única forma de contacto existente eram “aerogramas5 que era mais barato e era cartas também”. 4 Província Angolana delimitada a Norte pela Republica do Congo e a Leste pela Republica Democrática do Congo e a Oeste pelo Oceano Atlântico. 5 Carta enviada por correio aéreo, gratuita. Fig. 7 - Uma das operaçõesque participou Fig. 8 - O Sr. José Manuel num momento de descontracção no Ultramar
  • 12. 11 Contudo, não era o suficiente para deixar Maria Regina descansada, que como antigamente eram “muito pegadas a estas coisas”, não saiam de casa nem cortavam o cabelo. Mas aproveitavam o facto de haverem fotógrafos pelas ruas para tiraram fotografias e mandarem para os militares. A religião também era um forte amparo para esta jovem que se juntava a grupos de raparigas também com os namorados lá, e se dirigiam até à “Senhora dos Remédios” e ao Bom Jesus do Carvalhal, onde deixavam as fotografias dos amados e rezavam para “pedir por eles” enquanto José Manuel e todos os outros tentavam conseguir o seu objectivo: “conseguir reprimir as forças do outro lado”. Apesar de saber qual era o seu objectivo, “ainda hoje não percebe porquê” que lá estiveram, “não chega a conclusão nenhuma”. Ao longo da entrevista, o meu tio contou-me o momento que mais o marcou. No decorrer da sua estadia em Cabinda, passou a pertencer à equipa de socorrismo da operação, e um dia, “ajudou a assistir um militar que acabou de Fig. 6 - Uma das fotografias enviadas por José para Maria enquanto estavaem Cabinda Fig. 9 - Uma das fotografias enviadas por Maria a José quando este estava na Angola Fig. 11 -O momento mais marcante do Sr. José Manuel na GuerraColonial Fig. 7 - Minas antipessoais desarmadas.
  • 13. 12 falecer (…) e (…) um sargento ferido numa perna”, que vinham num carro depois uma patrulha e não conseguiram fugir a uma emboscada com minas antipessoais6 das quais ainda conseguiram desarmar algumas. Felizmente tudo correu bem e conseguiu voltar para casa, são e salvo e sem se ferir e ao fim de 1 ano, casa-se com Maria Regina e são pais de 3 filhos, que “já tiveram uma vida diferente”. Ela “trabalhava nas redes” e ele “continuava a trabalhar na área comercial”. Porém, e apesar de ter lutado no Ultramar pela honra do seu país, afirma que não tinha amor à Nação por o regime ser demasiado rígido e chegou mesmo a rejeitar o voto no regime depois de ter vindo da Angola. Como todos os portugueses, vivia num clima de medo e insegurança causados pela PIDE, porque qualquer pessoa que se manifestasse era logo presa, “os chamados presos políticos”, e pelo regime, “é que as pessoas tinham medo do regime”, e sabe que também os filmes que Salazar incutia nas televisões portuguesas e nos cinemas “eram alvos de censura”. Para José Manuel, o dia 25 de Abril de 1974 “foi um dia de liberdade para agente, (…) Apoiou as manifestações de rua e sentiu que era um dia de esperança para os portugueses” e tinha plena consciência do que se estava a passar e não teve medo algum. Acredita que nada tenha mudado depois da Revolução pois é “um descrente da política e dos políticos (…) era um homem activista, deixou de o ser porque não acredita nos políticos” e considera que a única mudança existente, foi mesmo passar a existir liberdade de expressão e as pessoas deixaram de ter medo. Comparou o Estado Novo com a conjuntura nacional actual e considera que naquela altura, apesar de se ganhar menos, fazia-se mais e melhor do que se faz nos dias de hoje. 6 Mina terrestre com objectivo de ferir gravemente mas não matar, causando o sofrimento. Fig. 8 - José Manuel comnativos.
  • 14. 13 Testemunho AAnnaa PPaauullaa SSoouussaa Com 49 anos de idade e natural de Peniche, Ana Paula Teófilo Vitorino Sousa tem uma visão muito própria do Estado Novo. Teve uma infância feliz, passada a brincar na rua “à apanhada, às escondidas, à semana”, “uma infância à antiga” e considera que “as crianças hoje não são crianças (…) Têm a vida toda facilitada” coisa que antigamente não tinham e eram mais felizes. Vivia com os pais e “ao fim de 7 anos” com o irmão. Sobreviviam com o ordenado do pai que era pescador e a mãe ficava em casa mas “vivia- se mal porque os ganhos eram poucos (…) Não se vivia com abundância”. Prosseguiu os estudos até ao 9ºano, porém incompleto, mas recorda bem as suas aulas da primária, inclusive o seu primeiro dia de aulas com 7 anos, que pediu para ir à casa de banho e não conseguiu encontrar a sala e então ficou “sentada nas escadas da escola velha a chorar à espera que aparecesse alguém”. Quanto à professora, também a recorda bem, era “uma professora boa, uma professora à antiga, rígida. Mas era boazinha”. Tal como todas as crianças, também tinha medo das famosas reguadas e das idas para a “janela com orelhas de burro”. Quanto às matérias leccionadas recorda o rigor da História de Portugal muito valorizada, das Ciências, da Matemática e da Língua Portuguesa, tal como o Hino Nacional que era cantado todos os dias. Para aplicar as matérias na prática faziam exercícios na escola e tinham mapas para onde Fig. 9 - Sra. Ana Paula Sousa Fig. 10 -AnaPaula emcriança comos seus amigos Fig. 11 -A sua turma da 4ª classe
  • 15. 14 apontavam para indicarem as terras e os rios. Nas salas, lembra-se da existência das fotografias na parede de Marcelo Caetano e Américo Tomás, Presidente da República e Primeiro-ministro respectivamente, e de uma recepção ao último que foram “todos de batinha branca vestidos com uma bandeirinha de Portugal à espera dele”. E comparando com as salas de aula actuais, a única diferença é a inexistência de um crucifixo e das fotografias dos representantes do Governo para lá de que as salas eram frias, tal como hoje em dia. Os materiais usados é que eram bastante diferentes dos actuais, usavam a caneta de tinta permanente, alguns livros, os mata- borrões, os lápis, as esferográficas e os cadernos. Deixou os estudos aos 16 anos e começou a trabalhar aos 17 como atadora de redes. Trabalhava das 9h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00 e ganhava 500 escudos7 por semana. No primeiro armazém que trabalhou era “muito velho, muito velho, muito velho. Depois os dois próximos já eram armazéns novos”. Como jovem que era, estava sempre atenta às tendências e tentava segui-las à risca tanto com as minissaias como com “as calças tingidas, (…) largas, muito largas em baixo, à boca-de-sino” e as permanentes. Aos 16 anos começou a namorar mas só podia “sair com o (…) irmão atrás, à meia- noite tinha que estar em casa” e aos 20 anos casou-se. Continuava a trabalhar nas redes e o marido era pescador. 2 Anos depois foi mãe e passados 9 meses foi trabalhar para uma fábrica de produtos congelados. “Tenho amor ao meu país Ainda hoje tenho, gosto do meu país, não gosto é de quem o governa” foi a resposta que me deu à pergunta: Tem amor à Nação?. Contudo, discorda com algumas resoluções do Estado Novo. Apesar de ter passado um pouco ao lado do que foi a repressão por ser criança e a terem protegido do que realmente se passava, “achava estranho (…) fazer comentários em casa e dizerem-me que eu não podia dizer isso e não podia fazer perguntas nem podia dizer nada” se não podiam levar os seus 7 Actualmente, 2,49€. Fig. 12 -Nestafotografiapodemos ver combastante clarezaas tendências da altura.
  • 16. 15 pais presos e tinha medo do que pudesse ser ou acontecer porque nem em casa falavam do assunto porque “no fundo as pessoas tinham medo de falar, era uma incógnita tão grande que agente não sabia explicar”. E com estas resoluções, “a pessoa não tinha direito ao voto, não tinha direito a escolher os políticos, eram sempre as mesmas pessoas, a pessoa não podia exprimir as suas ideias”. Não participou no serviço militar mas sabe que “todos os rapazes eram obrigados a ir à tropa, à excepção de algum que tivesse algum problema de saúde ou isso”. Quanto à Revolução dos Cravos, recordasse “como se fosse ontem”. Tinha 11 anos, estava no recreio da escola a brincar quando “entra uma mãe a chorar para ir buscar a filha porque tínhamos chegado à guerra” e entrou em pânico como toda a escola ao ver “passar os carros das tropas, os carros blindados”. Os pais foram buscá-la à escola também eles em pânico causado pela incerteza do que aquilo seria e só com o desenvolvimento das notícias é que souberam o que se passava no país. Depois da Revolução, tudo mudou: “as escolas começaram a ter aulas rapazes e raparigas juntos, o que não acontecia até aí (…) As pessoas eram livres de falar e de exprimir as suas ideias (…) Acabou-se o medo”. Agora, “a mulher é livre de exercer aquilo que quiser” mas o nível de vida era melhor no Estado Novo “pelo menos havia trabalho, e agora não há” e não vê futuro algum para os jovens portugueses. No termo da nossa entrevista, Ana Paula acabou por desabafar algo que há muito a incomoda, o aparecimento da droga depois do 25 de Abril “com as liberdades e as democracias (…) a droga começou a ser declarada e (…) os jovens nessa altura começaram a seguir por um caminho um bocadinho errado, o que levou muitos (…) à morte” pela falta de informação e por ser um assunto tabu na altura, por ser uma espécie de aventura ao desconhecido. Recorda também os tempos em que 50€ (10 contos) lhe chegavam para 15 dias enquanto que agora, apenas para uma ida ao supermercado. “O escudo rendia mais”. Fig. 13 - Ana Paula a estudar já na Escola Industrial e Comercial, actual Escola Secundária de Peniche
  • 17. 16 CCoonncclluussããoo Mesmo com faixas etárias distintas, não existiram grandes diferenças como podemos comprovar nestes 5 testemunhos. A vida no Estado Novo de fácil não tinha nada. Apesar de hoje em dia vivermos uma grave crise económica, neste tempo não disponibilizavam dos meios que hoje temos disponíveis. A entrada no mercado do trabalho era demasiado precoce e a infância fora roubada em muitos casos, tal como a escolaridade devido às condições precárias de vida de todos eles. A vida militar e o regime eram demasiado rígidos e o medo e a insegurança eram sentimentos constantes tal como a obediência e o respeito. A prosperidade, a inovação e a mudança foram recebidas de braços abertos pela maioria dos questionados. Contudo, e apesar de se sentirem felizes pelo termo da ditadura, os inqueridos afirmam que nessa altura o desemprego era menor e com menos dinheiro ainda se conseguia fazer e viver melhor mas demonstram a felicidade na existência de liberdade de direitos, de voto e na igualdade de direitos entre o homem e a mulher.
  • 18. 17 AAnneexxooss Aqui, poderemos encontrar:  CD-ROM com as entrevistas gravadas e transcritas aos testemunhos;  O questionário aos mesmos.