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Alberto Leite
Agradecimentos




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Para mamãe, papai, Mau, Cintia, Gi,
                                         Cauã, Lalá e Suco de Laranja


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Um agradecimento especial ao amigo Rick Zavala, responsável
              pela ilustração da capa (www.bigfun.com.br).


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Seria Jesus um folião?




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Muito se fala na quaresma. Na páscoa. Muito se fala na ressurreição de Cristo. Mas até hoje
ninguém conseguiu me explicar a relação que existe entre a tal data histórica, o carnaval - que
acontece sempre quarenta dias antes da páscoa e os coelhos que nesta data distribuem ovos
gigantes de chocolate.
Isto parece até uma história de Tim Burton. Acredito até que qualquer filme do Tim se faria mais
consciente do que as relações acima citadas.
Num dia de domingo, com a família reunida decidi provocar a turma.
Gente, alguém sabe porque a páscoa é quarenta dias depois do carnaval?
É a quaresma – respondeu a tia carola.
E?
É a quaresma - reforçou a tia.
Mas tia, o que o carnaval tem a ver com a páscoa?
Nada ué. O importante é que a páscoa é a ressurreição de Jesus. - falou firme a tia.
Isso é o que importa – reiterou o tio que comia o frango.
Mas tio, o que o coelho tem a ver com tudo isso? - Provoquei.
Nada, é só comércio, o importante é a ressurreição – falou bravo.
Tio, peraí, isso parece papo de fanático. Não tem nexo essa história de coelho, carnaval e
ressurreição. - provoquei ainda mais.
O que importa é a ressurreição – falou querendo encerrar o assunto.
Olha gente, acho que ninguém aqui consegue me explicar essa história direito então não
acredito em nenhuma delas. - provoquei de novo.



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Pensando bem, não tem nexo mesmo né? – disse a tia menos católica.
Vamos mudar de assunto porque vocês estão falando de Jesus e isso é pecado – reiterou o tio
agora mais bravo ainda.
Tio. Seria Jesus um folião? Seria a páscoa quarenta dias depois, pois é o dia em que ele sarou da
ressaca? – ironizei.
Eu não falo mais nada, brinquem com isso e verão o resultado – Disse mais calmo.
Que resultado tio? – ironizei de novo.
Papai, o que é folião? – Questionou a priminha de dez anos.
Filha vá brincar, seu primo tá brincando. - Falou o tio mais bravo.
Tá bom, mas quero saber o que é folião – Perguntou a priminha.
Gente, sendo folião ou não, o que importa é que foi salvo por um coelho, e isso é o que importa.
– cheguei ao final da história.
Todos em silêncio, até que uma tia, a mais louca, lavando louça vira pra todos:
A dona Tute, lá da rua disse que o menino Jesus ressurreizou no carnaval.
Ah tia, agora sim tá explicado.




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Casamento de Pobre




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Algumas coisas são padronizadas em nossas vidas. Uma delas é o casamento de pobre. Festas de
quinze anos também são, mas hoje em dia incomuns, as meninas preferem a tal viagem para
Disney. Esta sim é padrão. Viagem para Porto Seguro após o colegial então é o máximo em falta
de criatividade.
Mas vamos ao casamento, que hoje em dia pode ser classificado em casamento de pobre,
porque classe média no Brasil é pobre, e rico faz casamento diferente, com cachorro como dama
de honra e tudo.
Um dia desses li no jornal que um apresentador casou e colocou um anãozinho para entregar os
brindezinhos finais. Nada contra os anãozinhos, mas isso parece mais uma apresentação circense
e não um casamento.
Vamos então ao casamento de pobre. Este sim é maravilhoso.
Existem algumas verdades de casamento de pobre que devem ser observadas. A primeira delas é
que quem manda no casamento não é a noiva nem o noivo, muito menos o pai. Quem manda no
casamento todo é o fotógrafo. Ele é quem conhece o padre, o músico, o buffet, os trâmites
todos e é ele quem posiciona tudo, manda em tudo. Quer saber onde a noiva está procure
aquele pedestal com lâmpada quente do fotógrafo.
O casamento sempre se inicia com amigos e parentes que nunca se encontram se olhando
procurando ver quem está mais gordo e quem está com mais filhos. Os vestidos, cabelos,
maridos e barrigas das outras são o assunto das mulheres. As músicas no altar geralmente são as
mesmas, porque a moça do teclado não tem tempo para tirar outras músicas e passa aos noivos
uma lista com meia dúzia de pérolas de casamento, como marcha nupcial, Ave Maria, entre
outras.


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Geralmente a decoração não está de acordo com o que os noivos queriam, pois foi consenso
entre dez casais que utilizam a igreja no mesmo dia. Uma noiva pediu rosas vermelhas, outra
gérbera, aí já viu, a igreja parece a mata atlântica.
Na festa a coisa se torna mais padrão ainda. Num telão de dimensões razoáveis é sempre
passado um filme dos noivos em fotos de crianças, onde nunca imaginariam se conhecer.
Fotos tiradas de forma amadora por seus pais, tios, cachorros, etc. As pessoas esboçam
beicinhos de que vão chorar, mas nessa hora o dj para tudo e inicia uma bela música para a
entrada dos noivos. Todos olham, as garotas levantam e os garotos, namorados e maridos
aproveitam esse momento para beber mais. O casal entra e faz o discurso.
Já vi discurso longo, curto, em português, inglês, de frente e de trás, de noivos e de pais.
Todos são, sem discussão nenhuma, ruins.
O baile começa com a valsa, que hoje em dia se transformou em jazz, bolero, até tango. No
início do baile começam a se formar mesas enormes de tias de interior com seus vestidos de
cetim, que passam boa parte do tempo falando de doenças, maridos que bebem - e olha lá
ele de novo bebendo -, de crianças malcriadas e de como a noiva estava linda e que
provavelmente o noivo não é pra ela.
Tem sempre um tio de oitenta anos que passou a vida bebendo, tem cirrose e fica negociando
com os garçons um copinho de guaraná que na verdade não é guaraná, enquanto sua esposa
de setenta reclama o tempo todo. O mais engraçado nisso é que geralmente ela vai antes e o
velhinho fica aí vivo da silva bebendo.




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As crianças dão um show à parte correndo, dando pontapés no traseiro dos garçons e puxando
as toalhas até que por volta das onze dormem.
Alguns homens vão para a pista, todas as mulheres vão, com exceção das tias do interior.
Os que vão colocam as gravatas na cabeça e bebem a noite inteira olhando para as amigas da
noiva e imaginando o que fariam se as suas esposas não estivessem ali.
As garotas vão à pista olhando os vestidos das outras e raras vezes puxam conversa com alguém,
ficam só dançando e dançando. As mulheres mais velhas, essas sim, desbancam todas, dançando
la bamba em ritmo de salsa mexicana.
Enquanto tudo isso acontece os noivos estão andando falando com todos e pegando uma grana
com a gravata.
Assim é o casamento de pobre, dez por cento vai embora nos primeiros vinte minutos, logo após
a coxinha de frango. Oitenta por cento vai logo após o bolo e tem sempre dez por cento que não
vai embora, só quando o segurança do buffet põe pra fora.
Os noivos geralmente nessa hora estão em outro lugar gastando muita energia pra tirar os
grampos do cabelo da noiva.




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Seu Delegado prenda o Tadeu!




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Ela, uma senhora de pouco mais de setenta. Muita idade para pouca vivência. Casada uma
única vez. Viúva, com uma única filha. Esta, casada.
Ele, publicitário famoso, ganhador de prêmios e elogios, casado com a única filha dela.
A velhinha, além de pouca coisa para pensar, era carola. Carola, mas não daquelas que ia à
missa todos os domingos. Era daquelas que às vezes não ia aos domingos, pois já tinha ido os
outros seis dias, em dois períodos. Participava da criação do ato litúrgico. Sonhava com Jesus
quase todos os dias e aos domingos cozinhava um delicioso frango ao molho de pimentão
verde para a filha, o genro e o neto Tadeu.
Era Natal, durante quarenta e cinco longos e entediantes dias, a velha tinha trabalhado junto
com três amigas do Teuto (Centro Comunitário de Terceira Idade) onde dançava todas as
primeiras quartas de cada mês ao som de Ray Connif. Trabalhara durante aqueles longos dias
para construir um lindo presépio, feito com papel pedra, água, lindos bonecos de barro, papel
luminoso, areia e mais uma porção de ingredientes que mais parecia um kit colagem para
crianças do primário. Notava-se que a velha estava fora de si pois no meio do presépio ela
colocara alguns carrinhos de ferro do Tadeu. Adorava os três magos, mas tinha certa predileção
por São José. Não sabia ao certo o porquê, mas muito provavelmente porque seus braços
levantados aos céus agradeciam a presença do rei dos reis numa pequena manjedoura em seu
próprio e modesto lar. Era maravilhoso.




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Sua esposa Maria, com ar desolado, às vezes triste, às vezes sofrido, às vezes superior, era
assustadora na opinião da velha. José, este sim, era digno daquele olhar supremo.
Esquentava o almoço de domingo, que antecederia a semana do Natal quando ouviu a
campainha. Sempre trancava a porta com medo da violência das cidades.
Era a filha com o marido e o filho. Após os cumprimentos todos vão para a cozinha. Tadeu usava
uma linda mochilinha nas costas que parecia pesada.
Seu pai querendo entrar em assunto sério com a velha, pede ao filho que vá brincar na sala com
sua nova coleção de soldadinhos Comandos em Ação. Precisava de espaço para contar à velha
que ela seria avó novamente, de uma menina agora. Não sabia ao certo qual seria o impacto da
notícia. Podia sorrir. Podia morrer.
A senhora está bem?
Ah, sim. Só aquela dorzinha das costas. Você sabe né, gente velha é assim, sempre tem alguma
coisa fora do lugar e...
Mãe, de novo não.
Mas minhas costas doem. Não há mal nenhum em falar disso.
É que precisamos contar uma novidade.
Ah, me conta filha.
Renda-se! Renda-se – gritou Tadeu na sala.
A velha vai até a sala e solta um grito apavorante. Em seguida um barulho de queda acompanha
o grito.



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O casal sai da cozinha e encontra a velha caída na sala com a mão na boca. Morta.
Atrás do sofá os gritos do filho denunciavam a presença de uma guerra. Uma guerra de bonecos.
Os dois entreolham-se e dão a volta no sofá. Do outro lado, a imagem dramática de mais de cem
soldados Comandos em Ação cercando a casa de José.
Jesus caído de bruços e Maria presa numa gaiolinha. São José com os braços para os céus se
rendia perante a maioria à sua frente. Soldados, aviões, jatos, mísseis que acabaram por destruir
toda a casa e matar os animais que ali estavam. Os três reis que tanto viajaram para levar
presentes ao menino Jesus, presos em camburões blindados choramingavam a derrota.
Tadeu, sem se importar com o mundo à sua volta gritava com voz de demônio:
Renda-se! Renda-se Osama!




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Vende-se uma sogra morta




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Poucas pessoas me deixavam tão tranquilo numa conversa quanto o Geraldo. Também pudera,
com este nome, alguma qualidade aquele senhor precisava ter.
Olhando-o fisicamente era um senhor de uns cinquenta e cinco anos de idade, nem gordo, nem
magro. Corpo flácido, sedentário. Sua caminhada diária deveria compreender quinze metros,
somando a garagem de sua casa e a distância entre o elevador e sua mesa. Mas com tudo isso
era um senhor agradável, sempre com uma boa história para contar. Conhecia o mundo como
poucos, pois viajara em toda a sua vida profissional para todos os cantos do mundo e conhecera
também muita gente interessante.
Gozava de uma excelente posição numa empresa, cliente da agência onde eu trabalhava. Na
época, como atendimento da agência, eu tinha uma única missão: atendê-lo bem e fazer com
que gastasse a maior soma em propaganda. Se possível todo o seu investimento de marketing,
coisa quase impossível de ser feita, pois o Geraldo só acreditava em uma coisa: os mares bálticos
são azuis, os brasileiros, verdes.
Isso estava se tornando uma tarefa difícil e o Geraldo só dava atenção para um conjunto de
horríveis malas diretas que enviadas mês a mês a um grupo de milhares de pessoas, traziam um
retorno provável.
Após dois anos atendendo-o semanalmente, desisti e decidi que seu pagamento mensal fixo era
suficiente para a nossa sobrevivência e que a minha estaria comprometida se eu continuasse a
visitá-lo, gastando somas e somas em dinheiro com estacionamento, combustível e tempo.




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Decidi virar o jogo chamando meu chefe para uma conversa. Liguei de meu ramal e perguntei se
ele poderia me receber.
- Pode vir, estarei desocupado nos próximos quarenta minutos.
Levanto-me e, antes de sair, ouço meu telefone tocar. Pelo identificador vejo que era o Geraldo.
Penso por um instante. Olho para os lados. Deveria atender, poderia me dar força para pedir
substituição. Atendo.
Alberto, é você?
Olá Geraldo, como vão as coisas?
Caminhando (resposta corriqueira, como se ele caminhasse muito).
Aconteceu algo?
Para mim e para você. Preciso fazer um anúncio.
O que? Um anúncio? (metade da agência se levanta, o Geraldo iria anunciar).
É? Estou indo aí.
Não precisa, vou dar o briefing por telefone mesmo. É simples, mas quero visibilidade. Quero o
maior jornal do país.
Que bom, estou feliz.
Feliz por que?
Você nunca anuncia.
Até hoje, meu rapaz. Até hoje.
Qual a novidade que merece um anúncio desses. Você sabe quanto custa um anúncio desses não
sabe?
Tenho uns amigos, eles comentaram comigo já.
Bom, mas vamos à novidade. Qual é?
Infelizmente a notícia não é boa.


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Não?
Não.
O que é então?
Pensando bem é melhor colocar seu mídia no telefone também, pois merece mais mídia, talvez
três jornais.
Geraldo, já que quer visibilidade, vamos para a TV.
É. Pensando bem você tem razão, de uma vez só acertaremos muitas pessoas que a conheceram.
Ela quem?
Minha sogra.
Sua sogra vai lançar algum produto?
Não, ela morreu.
?
Espero que vocês não me cobrem criação nem taxas de produção e veiculação, afinal estamos
falando de anunciar um falecimento.
Geraldo, você quer muita produção? Fotos? Trilha sonora?
Não, nem viva ela gostava.
Isso parece slogan Geraldo.
É verdade, gostei, quando entramos no ar?
Espere um minuto e já te retorno.
Chefe, o Geraldo acaba de ligar. Precisamos conversar.




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O primeiro terceiro lugar




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Nada mais fazia diferença a não ser o fato de seu reinado ter terminado. Será que haveria
chance de volta? Seus amargos pensamentos denunciavam um ligeiro não.
Em toda a sua vida tinha sido idolatrado, querido, amado, solicitado, enfim, uma infinidade de
idos e ados que fazem de um homem um deus. Aliás, onde estaria essa divindade numa hora
dessas já que sua vida não passava mais de uma ida e volta ao Gim’s, famoso bar de seu bairro
e que por vezes o acolheu em momentos como aquele?
Sua história incluía concursos na escola com apenas oito anos de idade, venda de mais de vinte
milhões de cópias de discos, mais de cento e vinte filmes em cartaz, algumas estatuetas de
bajuladores que utilizavam seu nome para convidar outros cantores e celebridades para festas
patrocinadas por empresas que mal sabiam por que estavam lá.
Seu nome fora até utilizado em campanhas de sabonetes. Ele mal sabia de onde vinha e para
onde ia o dinheiro que recebia. Era muito, isso ele sabia.
Nos últimos meses dedicava-se à fortuita missão de levantar-se, ir até o banheiro e tomar café
sem cair. Seu peso mudara consideravelmente a ponto de não ser mais reconhecido nas ruas.
Isso abala até vendedor de seguros que muda de bairro, pode imaginar uma celebridade. As
drogas o consumiam até a alma e para ajudar tudo isso, seus agentes cada vez mais
enriqueceram com suas obras enquanto ele vivia agora do pouco que sobrara. Diria em poucas
palavras que era o fim do mundo.




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Naquele domingo congelante fora até o Gim’s para comer um hambúrguer como na época do
ginásio, quando o agora proprietário e amigo era apenas um dos garçons. Foi numa das festas
de Natal que decidiu presentear alguém de fora de sua família e comprou o Gim’s para o rapaz,
que nunca soube como agradecer.
Sentava na mesma mesa há alguns anos. De chapéu na cabeça e sempre sentado de costas
para a porta nunca era reconhecido, nem pelos mais fanáticos, ainda mais que agora ostentava
ligeiros quarenta quilos a mais. O lanche estava uma delícia. Seu amigo, dono da lanchonete
olhava-o com pena. Vez ou outra passava pela mesa e acenava fazendo a careta tradicional do
amigo que não sabe como ajudar. O milk shake, pouco para tamanho do corpo, foi reposto pelo
amigo.
Naquela noite em especial haveria no Gim’s um concurso de covers de nada mais nada menos
do que nosso amigo famoso. Ele não sabia. O amigo proprietário não imaginava que ele
apareceria e preparou a festa para que o público do bar pudesse relembrar sua melhor fase e,
posteriormente poderia virar até um documentário.
Chamara duas redes locais de televisão, rádios locais, amigos dos jornais, que sempre iam ao
Gim’s ter notícias do amigo famoso.
Aos poucos o Gim’s foi acomodando dezenas de pessoas prontas para o concurso. Alguns se
aventuravam levando trajes, microfones iguais aos utilizados pela celebridade e poucos
saberiam um dia que ele próprio sentava na última mesa do bar. Uma noite realmente mágica.
O mestre de cerimônias, dono do Gim’s, sobe ao palco e inicia o concurso fazendo um discurso
profundamente honesto e sensível sobre seu companheiro famoso, sem desviar o olhar para a
sua mesa, o que o faria chorar. Sem dúvida nenhuma.



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Havia uma dúzia de inscritos e todos almejavam ganhar este concurso para poder declamar em
toda a região quem era o mais parecido com o famoso.
Sentado a poucos metros nosso amigo ouve seu nome algumas vezes, mas pouco se lembrava de
quando isso não acontecera nos últimos anos. Não dera muita bola até que o primeiro
participante sobe cantando sua primeira canção, escrita em poucos minutos na própria cama,
quando seu coração partido fora dilacerado pela garota mais linda que conhecera em toda a sua
vida. Lembrou que numa de suas turnês encontrou com ela saindo dos camarins e de tão bêbado
quase vomitou em cima dela, sorrindo e gritando aos ventos que o mundo girava. Era triste
aquilo, poderia estar com ela no Gim’s cantando seus sucessos, ouvindo piadas.
A tristeza foi aumentando até que o segundo candidato subiu e cantou uma de suas mais alegres
canções, levantando todos que ali estavam. Percebeu na hora qual a situação que ali se
encontrava. Não podia virar-se, pois muitos o reconheceriam. O que fazer então?
Olhou para o balcão e seu amigo se esforçava para atender a todos os clientes, junto a alguns de
seus familiares. Percebeu a grandiosidade de seu ato quando comprara aquele bar para o amigo,
era uma daquelas pessoas que valia a pena ajudar.
Por alguns instantes pensou no que faria e pelo ímpeto de amizade e até por falta de massagem
em seu ego levantou-se e, antes que o último candidato subisse foi até a mesa que ficava ao lado
do palco e dirigindo-se para a esposa de seu amigo que ali ficara atendendo os candidatos
atrasados disse:
Gostaria de me candidatar.
Mas você é ele, você não pode.
Posso sim, será um presente aos candidatos poder cantar. Por favor, deixe-me tentar.



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OK, se você deseja... O bar é seu mesmo.
É de seu marido. Quantas vezes terei que falar isso?
Já sei. Cento e cinquenta.
Isso mesmo.
OK. Pode subir. O último já desceu.
OK. Farei então uma música de meu último disco: a décima terceira.
Ótima escolha. Adoro esta canção, manda ver.
Psiu.
A pequena escada parecia interminável. Aos poucos o palco foi aparecendo. O microfone no
centro do palco parecia alto demais, lembrou que com a idade foi diminuindo, mas não imaginava
quanto.
É só uma última apresentação – pensava sozinho.
Aos poucos se imaginou em um grande estádio com mais de cem mil pessoas assistindo-o e
gritando seu nome. Os pouco mais de cem pessoas que lotavam o Gim’s se perguntavam o que
aquele gordo faria.
Aos primeiros acordes do videokê fechou os olhos e durante quatro minutos desfilou sua linda voz
pela canção. A plateia achou-o muito bom, comparado aos melhores imitadores. Foi aplaudido de
pé, assim como outros três candidatos.
Desceu sem se apresentar, apesar dos insistentes pedidos da plateia. Sentou-se na mesma mesa e
dali em diante seu coração parecia aliviado.



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Seu amigo feliz com a atuação gloriosa de seu companheiro foi até a mesa dos juízes, jornalistas
locais e críticos de música conhecidos da época glamorosa do sucesso de seu companheiro.
Aos poucos os envelopes foram se fechando e sendo entregues no balcão. Enquanto isso acontecia,
uma linda garota se aproximou da última mesa e sem pedir senta-se em uma das cadeiras.
Você canta muito bem.
Obrigado.
Quer sentar conosco?
Não, estou bem aqui.
Lembrei dele quando você subiu apesar de vocês serem bem diferentes.
Ah é, fui seu amigo no passado. Deve ser por isso.
Com certeza, dizem que pareço muito com minha melhor amiga, apesar de sermos totalmente
diferentes.
Isso acontece de vez em quando.
Bom, estaremos em nossa mesa, a quatro, caso queira se sentar conosco.
Como os resultados ainda demorariam a sair levantou-se e, como de costume deixou sobre a mesa
um maço de dólares dobrados de forma desorganizada.
Passou entre a multidão que não notou sua saída.
Nos dias que se passaram dedicou-se a olhar para a sua casa e se apoiar nas paredes enquanto as
drogas faziam efeito em seu pesado corpo. Passada uma semana, decidiu sair de casa para ver
como o mundo estava. Ao abrir a porta da frente deparou-se com pelo menos uma dúzia de jornais
sendo que o primeiro deles falava sobre o concurso.




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“Concurso abre portas para novas estrelas” – era o título da matéria
Com pouca velocidade abriu o jornal e caiu desmaiado.


Matéria
Concurso abre portas para novas estrelas


No último domingo, a mais famosa lanchonete da região, o Gim’s, promoveu o maior
concurso de cantores dos últimos tempos. Com treze inscritos teve uma premiação inusitada.
Uma pessoa que sentava na casa e não sabia nada sobre o concurso decidiu participar e
conseguiu ficar em terceiro lugar...




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Chama o Síndico




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Guilherme era aos trinta e cinco anos diretor de uma importante empresa de marketing e vivia
como muitos solteiros desejariam viver um dia.
Tinha um apartamento numa das melhores regiões da cidade, um carro esporte, uma geladeira,
dessas que têm água gelada e suco de laranja na porta, bastando apenas pressionar o copo no
espaço vazio.
Tinha um som, com pelo menos duzentos CDs para o abate das mulheres que acreditavam ali
encontrar seu príncipe encantado.
A última coisa que ele queria era uma princesa, queria sim várias escravas eróticas e encontrar,
entre elas, a que menos falava e com ela se casar.
Independente de ser cachorro ou não era um excelente amigo, filho e extremamente
profissional, dando exemplo a todos que o seguiam.
Numa noite de terça-feira pegou o elevador e, para sua surpresa, ele parou quatro andares antes
do seu.
Durante alguns segundos ficou paralisado, pois o perfume que dali vinha hipnotizaria até cobra
morta do Iraque. Aos poucos a porta se abriu e a mulher mais linda que já vira em toda a sua
vida lá estava apenas sorrindo. Olhando para ele e para o demonstrador de andares fez cara de
quem errou o botão e fechou a porta. Sem deixar a sua timidez de lado abriu a porta:




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Estou subindo apenas quatro andares, você pode entrar e depois descer.
Está bem.
(Meu Deus, ela não fala muito, diz apenas o necessário. É ela).


Faz tempo que mora aqui?
Uns três anos.
Nunca te vi. Que estranho.
Vivo viajando, só fico aqui de segunda e terça.


(Meu Deus, ela não fica aqui no final de semana. É ela).
O que faz?
Trabalho com exportação.


(Meu Deus. É inteligente. É ela).


Nisso o elevador chega.
Desculpa ser tão direto, mas quase não conheço ninguém aqui na cidade, você poderia me falar
sobre algum restaurante bacana?
Estou indo para um, se quiser ir comigo...


(Meu Deus. Convidou-me para um jantar. É ela).
Se não for te atrapalhar!
Imagina. Vamos?



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(Meu Deus. Ela não pediu para eu me arrumar. É ela).


Preciso me aprontar, prometo não demorar.
Está tão bem assim.


(Meu Deus. Éééééééé ela).


Preciso pelo menos trocar de camisa.
Posso esperar em seu apartamento?


(Meu Deus. Meu Deeeeeeeeusss).


Lógico.
Comprei este apartamento há pouco tempo e estou tentando me acostumar a viver sozinho. Às
vezes é difícil.
Eu sei, vivo tão só que às vezes choro à noite deitada em minha cama.


(Meu Deuuuuuuuuus, meu Deeeeeuuuuuuuuuuus).


Que apartamento bacana!
Gostou?
Adorei, principalmente as fotos de modelos nuas na parede, acho tão bacanas essas fotos, muita
luz, pouca roupa. E as fotos de carros antigos, sensacionais, barulhentos, sem conforto.



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(Ahhhhhhhhhhhhhhhhh)


Só um minuto e já vamos.
Fique tranquilo.


No quarto Guilherme só pensava numa coisa: comer a garota. Homem é um ser que só pensa
nisso, e quando não pensa nisso é porque está fazendo isso.


Pronto, já estou pronto. Oi, cadê você?
Estou na varanda.
Ah, aqui a vista é ótima.
Pensando bem, que tal pedirmos alguma coisa aqui no seu apartamento, tomar um vinho e
assistir ao jogo do bragantino.


-   (Meu Deuuuuuus. Essa mulher é demais).


Passados alguns minutos os dois já estavam na cama, transando loucamente. A primeira vez
tinha sido totalmente dominada por ela. A segunda, a seu pedido, foi dominada por Guilherme.
A terceira dominada pela pílula que ele ganhara num evento farmacêutico. Na quarta, quando os
dois já estavam bem íntimos e o remédio estava no auge, ela dá aquele grito ensurdecedor:
Aiiiiiiiiiiii, eu quero tudo. Tuuuuuuuuuuuuudo.




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- (Meu Deus será que é ela?).


Não grite tão alto, o vizinho pode chamar o síndico.
Não chama não.
Chama sim.
Não chama não. Eu sou a síndica.


- (Meuuuuuuuu Deuuuuuuuus. É ela.).




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Malabarismo tem limite




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Não podemos esquecer de mandar a proposta hoje hein?
Fique tranquilo, mandarei assim que chegar.
Esses semáforos sempre demoram. Olha em frente aquele carro o garoto fazendo malabarismo.
Ele é o único daqui que faz com cinco bolinhas.
Ele deveria trabalhar em festinhas infantis, ganharia uns cem reais por dia tranquilamente.
É verdade.
Você tem moeda aí?
Não tenho, mas ele está em frente de outro carro. Aquele cara vai dar.
OK.
Meu Deus o que é isso?
Ela é bem grandinha para fazer malabarismo não é não?
É sim, e o pior é que ela é vesga. Como será que ela fará? Se ela conseguir, quanto daremos?
Ah, vamos dar uns dois reais.
Legal. Ela está tirando as bolinhas do bolso.
Uma. Duas. Epa, só tem duas bolinhas, assim até minha avó de setenta anos faz.
Mas sua avó é vesga?
Não. Por quê?
Porque a garota é, e aí dificulta.




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Mas são duas bolinhas. Até cego eu jogaria duas bolinhas para o alto.
Mas cego é diferente. Vesgo atrapalha por que ela não vê duas bolinhas, vê umas três.
Ou nenhuma.
É, ou nenhuma.
Meu Deus, ela deixou cair a bolinha. Ela não conseguiu.
Meu Deus não podemos dar nada a ela.
Cara, com esta linda performance ela deveria receber uma bolada, nunca vi nada igual. Dê
três reais para ela.
Pensando bem, é melhor dar cinco, pois ela é vesga.
E?
E aí que ela vai se atrapalhar e pode perder o dinheiro. Cinco é melhor.
É. Cinco é melhor.




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Caso com o acaso




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Senhor Luis Augusto Neves, aceita Talita Cordeiro como sua legítima esposa?
Não... Ops... Sei lá... Quer dizer... Sim... Epa...


A igreja entra em pandemônio, as pessoas começam a falar em voz alta. O pobre rapaz todo
vermelho e quase desmaiando é levado ao canto do altar pelos padrinhos, por seu pai e o
sogrão. Algumas velhinhas desmaiam e são socorridas por parentes que não se conhecem.
Coroinhas e carolinhas puxa-sacos do padre fazem o sinal da cruz fazendo caretas.
Mas por que desistir agora?
Não sei, estava tudo indo bem... Fiquei nervoso, acho que sou novo para casar, ter filhos, me
divorciar...
Divorciar? Você está louco? – grita o sogro.
Calma, ele está sob forte pressão, vamos dar fôlego a ele. Filho fique calmo.
Nisso as coisas pareciam estar calmas. O rapaz foi convencido a voltar ao altar. Mas onde estava
a noiva?
A noiva na confusão toda decidiu ir embora e na frente da igreja algumas pessoas tentavam
convencê-la a voltar.




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Volte filha, o Guto é um bom rapaz e estava nervoso.
Não quero mãe, ele me fez passar vergonha na frente de todos. Quero que ele morra. Morra!
Calma, meu filho também não é um assassino. Vamos voltar, pois ele está no palco esperando
você, olha lá que lindo.
Altar, Zilda, altar.
Ah, qualquer coisa, mas lá está ele.
Vamos entrar novamente?
Tá bom, eu volto, mas só se tiver música de novo.
Tá bom vamos.
De repente aparece uma pessoa estranha na frente da noiva, que agora aguardava o pai voltar
do altar para a entrada replay.
A senhora vai entrar de novo com música?
A senhora tá no céu, eu ainda não casei, senhorita, por favor, e vou entrar com música sim.
Mas acertamos somente cinco, preciso que alguém pague a sexta.
Mãe, por favor, pague.
Estou sem a carteira filha, seu pai está nervoso. Pode até bater nos músicos, vamos sem música
mesmo.
Não entro sem música mãe. (começa a choradeira com direito a bochecha pretinha de rímel e
tudo)



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Meu Deus, Jorge, a Talita só entra com música e eles só tocam se pagarmos, minha carteira
está no carro.
A minha também, mas que absurdo vamos cantar então?!
Tá bom.
La la la la...la la la la...la la la la la la la la la la.
E assim reiniciam a entrada com o coral de Jorge e Zilda atrás. A filha de véu nem olhava para
os lados de vergonha.
Chega ao altar e dá a mão para o noivo. Nitidamente ele estava com medo, mas seu sorriso
era bonito, nem parecia sorriso de noivo.
Cadê o padre?
Meu Deus cadê o padre?
Começa novamente o alvoroço, o padre havia sumido.
Será que foi ao banheiro?
Padre vai ao banheiro?
Lógico que sim.
Mas na hora da missa?
Quem disse que isso é missa?
Sei lá, na hora do casamento.
E se for diarréia?
Sei lá, escala outro padre.
Você acha que é jogo de vôlei?
Chama o coroinha sênior!


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Não está, foi junto com ele, está tentando convencê-lo a voltar.
Mãe será que esse casamento sai? (começa a choradeira de novo).
Uma das velhinhas que aguardava ansiosamente a netinha casar para poder morrer em paz
coloca a mão no peito e morre. A mãe tenta acalmar a noiva.
Calma filha é sempre assim, calma.
Não é não, o da Ritinha não foi assim.
Por que você está comemorando hein Guto?
Eu? Não estou comemorando não, é que... É que.
Sei... Você é um cachorro, não quero mais casar com você.
Também não quero. Sua gorda.
Gorda? Mãeeee, ele me chamou de gorda. (recomeça a choradeira)
Uma faixa é levantada pelos amigos do noivo. Os dizeres são: “Deixem esse homem ser feliz”.
Senhoras e senhores, eu sou o pai da noiva, já paguei as bebidas e as comidas, já que não tem
casamento vamos festejar. Todos cantando comigo:
Coral, adiante a música da saída. La la la la...




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O show




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Estavam todos ansiosos para o início do show.
Num canto reservado e separado por cordas e seguranças, a banda, com seus amigos vips
bebiam e aguardavam o momento que entrariam no camarim para a troca de roupas.
O repórter identificado pelo crachá de imprensa, junto com seu amigo cinegrafista entra no
cenário montado e com as luzes acesas inicia pequenas entrevistas, sem antes combinar nada
com a assessoria da banda.
Diretamente para o canal 12, qual o seu nome?
Karina.
Karina é a primeira vez que vem ao show deles?
Não, sou namorada do vocalista.
Que legal, muita expectativa?
Sim, a maior é que ele chegue, porque até agora nada, acho até que está com outra e...
Diretamente para o canal 12, qual o seu nome?
Souza.
Souza, qual a expectativa para o show?
Nenhuma, na verdade sou o dono da casa e estou feliz com o público, mas acabaram de me
avisar que a banda é ruim, eu não sei o que fazer, os meus sócios vão me matar e...




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Diretamente para o canal 12, qual o seu nome?
Nilson.
Nilson, você é namorado de alguém da banda ou sócio da casa?
Não, sou o baixista.
Baixista? Você só tem um braço.
Mas eu toco com uma mão só.
É, na verdade eles me ligaram há um mês e me pediram para tocar e eu vim.
Diretamente para o canal 12, qual o seu nome?
Renata.
Renata, o que você espera deste show tão aguardado?
Aguardado? Onde você viu isso?
Talvez o número de pessoas aqui dentro deva responder isso.
Talvez o refrigerante grátis hoje diga mais, não?
Diretamente para o canal 12, qual o seu nome?
Ricardo.
Ricardo, o que você acha que vai acontecer hoje?
Acho que o dólar vai crescer e a bolsa cai em dois pontos percentuais no fundo de curto prazo e...
Peraí, você é o que?
Sou o advogado, irmão do guitarrista. E também economista nas horas vagas.
Esse programa é de variedades e entretenimento, não de economia.
Eu sei, mas como sou candidato a vereador preciso fazer uma média, aliás, meu número é...
Diretamente para o canal 12, qual o seu nome?
Mmmmmm.
Diretamente para o canal 12, qual o seu nome?

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Mmmmmmm.
Fala logo, qual o seu nome?
Hei, o cara é mudo, o que você quer com ele? – pergunta uma terceira pessoa.
Só queria entrevistá-lo.
Pra que entrevistar o backing vocal se o vocalista principal está chegando?
O quê? Vocês todos são loucos, este show é uma loucura, onde já se viu? Vou embora agora
mesmo. Antes ligue a câmera. Diretamente para o canal 12, o meu nome é Miro Santa Helena,
correspondente de guerra, jornalista político e estou agora cobrindo o show mais maluco deste
planeta, venham todos os loucos, venham todos os Ets, estão todos aqui.




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Rato no sofá




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Minha casa teve poucas baratas, poucas formigas. Minha casa nunca teve um besouro, mas teve
lagartixa e rato. Apesar de ser um sobrado sempre foi invadida pelos roedores. Esses sim dão
medo em qualquer um. São grandes, mordem e transmitem centenas de doenças, assim como
as pombas, mas isso é outra estória.
Uma época eles apareciam com mais frequência e, de repente, passaram a nos visitar com um
intervalo de meses.
O último a nos visitar, o Mickey, foi assim. Apareceu em casa um dia para assistir televisão. Viu a
novela e foi embora. Não conseguimos matá-lo porque de cima do sofá ninguém conseguia ir até
a área de serviço buscar a vassoura para pegá-lo.
A segunda visita foi discreta, ele pegou meu bolo de limão da cozinha e comeu sem ao menos se
despedir.
Na terceira eu mesmo o vi na cozinha comendo tudo. Assustado, o bichano correu para trás da
geladeira.
Com uma comitiva de doze amigos, todos armados com cabos de vassouras, botas sete léguas,
bastões, tacos de beisebol, tentamos tirá-lo de lá, até que por muita insistência ele desfilou
entre nós, enquanto alguns fechavam os olhos e batiam em direção ao vento com seus porretes
acertando em todos os móveis e outros corriam e subiam nas cadeiras mais altas.



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Mickey foi até a sala e entrou no sofá.
Aí só tapeceiro para tirar mesmo. E guarda noturno. Ah, esses fazem qualquer coisa para agradar.
Chamamos o nosso, o Gilson, que pelo rádio chamou o cunhado, especialista em matar ratos em
sofás.
Seu cunhado chegou com um espeto de churrasco e uma lanterna nas mãos. Entraram como se
fossem da SWAT, olhando em tudo, pediram distância dos móveis e se posicionaram atrás do sofá.
Puxa daqui, empurra dali.
Minutos depois o sofá já estava de ponta cabeça. Enquanto alguns comentavam a atuação
profissional de Gilson e seu cunhado, minha mãe negociava o sofá com a empregada, e minha
irmã junto com dez amigas gritava na escada.
Alumeia aqui – gritava o cunhado.
Olha ele ali – respondia Gilson.
Agora aqui, alumeia logo.
Tá ali.
Alguns minutos depois com extrema maestria o cunhado de Gilson levanta o espeto e num único
movimento espeta-o no lado oposto do sofá, olhando para a minha mãe com cara de “terá que
comprar outro”. Airrrrrrr – grita o bichano.
Diria que foi o grito mais apavorante que ouvi.
Este foi o fim do Mickey, um companheiro de novelas, ladrão de bolos de limão, enfim, o rato
corajoso que desafiou dezenas de pessoas em busca de alimento e um cantinho para descansar.
Ainda bem que o sofá era gostosinho.
A empregada não quis alegando problemas espirituais com a alma do bichinho. O cunhado foi
embora com ar de guerreiro vencedor. Nós lamentamos até hoje morte tão violenta. Que Deus o
tenha.


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Dia de eleição




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Dia de eleição é sempre igual. Já vi eleições grandes, médias, pequenas e de cidade pequena,
que é algo notável. Já vi eleição de presidente, de deputado, de governador e de prefeito. Vi até
uma eleição que não elegia ninguém, você só tinha que escolher se queria votar no futuro ou
não. Por esses motivos, acredito que somos o povo que mais entende de eleição. Vira e mexe
vem alguém de outro país aprender sobre os nossos métodos. Alguns dizem que eles vêm para
aprender sobre a nossa rapidez com as urnas, mas isso é uma tremenda bobagem. No fundo
acredito que eles vêm ver nosso povo votando, sem dúvida algo inesquecível.
A semana de eleição no país sempre tem as suas características. Alguns amigos brigam porque
discordam das opiniões contrárias, os programas de televisão só falam dos números das
pesquisas. Uma hora apresentam um candidato como vencedor, noutra hora apresentam
outros. Os debates têm mais audiência que novela das oito, mesmo que ninguém entenda ou
acredite em nada do que é dito.
Os candidatos andam pelas ruas com seus assessores apertando as mãos das pessoas e pedindo
votos e quando chegam em casa vão direto tomar banho.




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As empregadas param de discutir sobre a vida dos personagens de novela e dedicam parte do
tempo a discutir sobre os rumos eleitorais.
Agora no dia da eleição vê-se pelo país o que nunca se vê: sujeira nas ruas, familiares ligando
pedindo votos para pessoas que você nunca viu. Amigos ligando e chamando para jantares
gratuitos, festas de quinze anos então pipocam com mestres de cerimônia patrocinadores e você
ali no meio tentando entender o que aconteceu com a novela das oito.
Tudo isso tem um fundo de graça, mas nada como a votação.
Você chega à escola onde vota. Isso se não for mesário. Mesário é um coitado que durante anos
é convocado a sentar numa mesa, carimbar e carimbar e sorrir para no final ganhar um lanche
de mortadela. O pior é que ele sempre é o que não precisa do lanche. Já vi mesário jogar o
lanche no lixo, coisa de gente sem amor à pátria.
A escola geralmente é longe de sua casa, porque você sempre se muda depois que alcança certa
idade e a escola fica lá, quase no seu inconsciente, mas mesmo assim você consegue achá-la.
Lugar para estacionar é quase uma lenda, ruas limpas então nem se fala. Grupos com camisetas
diferentes, de candidatos diferentes reúnem-se perto da escola cantando músicas antigas e
liberando o astral, aguardando somente o dia acabar para receberem seus vinte e cinco reais,
que obviamente serão gastos com algo proibido. Velhinhas reúnem-se em frente à escola só
para ver quem chega e começar um papo antigo.
A fila para a sala de votação então é praticamente uma comédia brasileira. Amigos se
reencontram e contam histórias antigas, alguns gordos demais, outros magros demais, mas
sempre diferentes. Ao final sempre se abraçam e mandam o clássico “vamos marcar”. Vamos
marcar o quê? Nunca se marca nada com amigos antigos, porque o ser humano só utiliza a regra
do espaço e tempo quando ganha algo em troca. Pode parecer piegas, mas encontrar amigos
antigos é sensacional, a gente ganha saudades e novos amigos.

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Na sala você sempre conhece um dos mesários e faz uma clássica piada com o fato de ele
trabalhar na mesa e você não, o que o faz pensar mais ainda em patriotismo. Sempre tem um
velhinho na sua frente que demora um século e você fica imaginando o que os gringos veem de
maravilhoso no nosso sistema de votação.
As fotos da urna eletrônica são sempre ruins o que faz com que você tenha sempre um
sentimento de dúvida em quem está votando. Não importa quantas vezes votou você sempre
fica com frio na barriga e imagina que a sua votação será uma catástrofe e que a máquina vai
apitar na hora do seu voto anunciando que você fez algo errado.
As velhinhas continuam lá, aguardando a sua saída para te dar um velho abraço molhado de
vestidinho de cetim e uma carada, daquelas que doem as bochechas e lambuzam as orelhas,
além de sempre olharem para você e soltarem o velho “como está magrinho”, mesmo que você
esteja com duzentos quilos.
Assim é o dia da eleição, você deixa de viajar, deixa de comer com a sogra e descobre ao final do
dia que o máximo que conseguiu fazer foi rir do belo dia. Deixo aqui uma ideia original de
fazermos a votação pela internet, quem sabe você consegue fazer tudo isso mais rápido, sem
passar pelos papéis na rua, velhinhas, mesários e amigos antigos.
E salve os mesários!




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Pura ilusão




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Ir ao supermercado sem dinheiro é um exercício fabuloso para quem conhece marcas de
produtos e vive disso.
O primeiro item cortado é o desodorante spray a R$ 9,90. Vamos de bisnaguinha mesmo a R$
2,15. O creme de barbear então nem pensar. O grande de spray e gel a R$ 17,80 fica longe do
carrinho, vamos daquele estilo pasta de dentes a R$ 3,45. O shampoo tem que ser aqueles do
Paraguai que pesam cinco quilos e custam R$ 1,80 e ainda vem com condicionador, o clássico
dois em um.
Uma das coisas mais hilariantes no mercado é o suco. Você vê aquele mexicano-brasileiro que
custa R$ 5,60 e o brasileiro concorrente a R$ 6,39 e vai correndo no Kisuco dos animais marinhos
a R$ 0,75. Tem o da foca, o do pinguim e o do leão marinho. Cada um tem um sabor, mas todos
têm o mesmo gosto. Meio confuso, mas só dá pra entender quem toma.
O refrigerante então é uma desgraça. A gente vê um de R$ 3,15 e outro de R$ 2,69 e corre para
o de R$ 1,25, coisa de louco, como pode ser tão diferente.
Homem solteiro na padaria de mercado tem que ser macho, e macho que é macho só para na
padaria por três itens: pão, manteiga e leite. Essa coisa de croissant é coisa de boiola. Tem
homem que compra os três itens e ainda pede um tal de achocolatado. Dá pra acreditar?




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Comida de cachorro é mais cara do que de gente, então aconselho a todos a acostumarem os
dogs a comerem camarão, lagosta e outros bichos do mar. Cachorro não é peixe, mas sabe
nadar, então sabe comer esses moluscos também.
O setor de balas, esse sim vale a pena. Tem chiclete até de melancia, uma bola de quase três
centímetros de diâmetro. Você coloca um desses na boca e fica sem respirar até ele virar
massinha.
No meio de tudo isso você passa em frente ao quiosque de sonho, onde uma garota com um
vestidinho e um sorriso maroto convida os gordinhos ao suicídio corporal.
Os gordinhos fazem de tudo para passar em frente ao quiosque para poder botar a culpa na
garota do vestidinho. Na quarta vez eles falam sem culpa que aquilo os persegue por algum
motivo. E comem uns cinco sonhos de uma vez.
Mulheres compram cremes de R$ 30,00 e travam no leite. Um custa um centavo a menos e elas
saem todas sorridentes com a economia realizada.
No caixa sempre tem um monte de baboseiras que a gente sempre acha que falta em casa. Pilha,
revista, lâmina de barbear, fósforo, tem até mata ratos. Mesmo que você nunca tenha visto um
você sempre fica com a mão coçando e leva uma caixinha, quem sabe um dia eles aparecem em
seu apartamento.
O pior é que quando você chega no carro lembra que esqueceu de comprar as coisas mais
importantes e sempre promete ir na próxima semana só para pegar aquele item. Pura ilusão.
Pura ilusão.




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Vem cá me dar um beijinho




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Era a primeira loucura que faria por alguém. Pensou nos detalhes, pensou em tudo e chegou à
conclusão que tinha que fazê-lo.
Sabia onde ela estudava, sabia que gostava de loucuras de amor.
Só não sabia ainda se aquilo daria em alguma coisa.
Chamou para a missão seu companheiro de loucuras.
- Cara, é simples. A gente vai à noite e coloca a faixa em frente à escola dela.
- O que você vai escrever na faixa?
- Ah, sei lá. Acho que “sou louco por você”.
- Louco? Você está louco?
- Tô, por isso vou escrever na faixa.
- Tá bom, não vou discutir. Que horas nós vamos.
- Vamos à noite.
E lá chegaram quando ainda passava das onze e tudo estava escuro. Levaram cordas, escadinha,
coragem e a faixa.
Muro alto e um pequeno poste em frente à escola. Do outro lado da rua só um muro alto sem
postes e um monte de árvores dentro da propriedade.



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- Vou subir no muro e você me joga a faixa.
- Tá bom, cuidado hein?!
Cinco minutos depois.
- Manda a faixa.
- Cuidado. Você vai cair.
#¨%(¨)%(*¨$(*%¨$(¨%)(*$¨(%*$¨%)@(*%¨@*
Hei quem está aí? - perguntou um guarda dentro da propriedade, quando viu um jovem caindo de
cima do muro.
- Ô seu guarda, eu caí.
O guarda olhava bem para os olhos dele. Olhava para a sua roupa. Ligou a lanterna e seu crachá
apareceu.
GUARDA NOTURNO – MANICÔMIO SANTA RITA
- Epa, peraí seu guarda, o senhor não está pensando que eu sou louco né?
- Pela faixa que você carrega nas mãos eu diria que você já se entregou.
- Peraí, eu tava pendurando para uma garota, ela estuda...
- Aqui só tem homem, e você eu já conheço. Primeiro era astronauta, depois era o Steven
Spielberg, agora quer namorar, vai para a solitária!
- Não. Peraí seu guarda, abaixa a arma, eu estou com outra pessoa ali fora...
- Sei... Sei.
- Amigo, grita aí desse lado!
Silêncio total.
- Vamos! Você conhece as regras, vamos para a solitária, bem calmos.
- Seu guarda, o senhor não está entendendo, eu não sou louco, não sou!
- Não altere a voz, lembre-se dos cuidados, se gritar serei obrigado a dar remédio.

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- Que loucura, eu não sou louco! Eu não sou louco!
- Não?
- Não!
-   Quer tomar remédio?
-   Não. Não encoste em mim, senão te processo.
- Voltou a ser juiz é?
- Não, eu já disse que não sou louco. Você é um louco, e essa arma nem deve ser de verdade.
- Como não? Sempre uso arma de verdade. Essa daqui é nuclear, posso te fazer virar um
macaco.
- Ai meu Deus, saquei tudo, você não é guarda, você um dos loucos.
- Sim, sou louco por você também, vem cá me dar um beijinho.




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O tal do erre




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Quem já teve oportunidade de ir ao Rio de Janeiro sabe do que um erre é capaz. Carioca que é
carioca adora um erre. E um ditongo.
Carioca começa a conversa com o clássico “e aiã”?
Fora o já tradicional “s” que vira “ch”, que pode ser bem observado em “gochtosa”.
Enfim, entendemos que são sotaques regionais, assim como o paulista tem mania de colocar “i”
onde não tem. Mas até aí a gente aceita, agora trocar “s” por “r” é coisa de gente maluca. É por
este motivo que digo que carioca é um dos seres mais difíceis do mundo. Leia a frase abaixo e
imagine que é um gringo e tentará fazer uma tradução:
- E aiã, vamo azará umach gochtosas não é mermo?
O gringo pensando.
- And let’s f. some hot girls, isn’t it?
Ou imagine o mesmo gringo em São Paulo:
- Meu vamo lá para a balada, tá enteindeindo?
- Mines, let’s go to the ballad, do you understand?


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O gringo agora em Porto Alegre:
- Ba tchê, queres comer uns cacetes pela manhã?
- ($^#(^(#^#, Do you want to eat some breads tomorrow morning?
E na Bahia:
- Meu rei, vamo logo ali, logo ali, no pelô?
- My king, let’s go there, over there, at the pelô?
E imagine agora se o gringo estivesse em Minas:
- Sô, vamos visitari a tia Clemira na fazenda de seu Tito, vamo nessa?
- Mr, let’s visit aint Clemira at Tito’s farm, let’s go?
São coisas do Brasil eu sei, mas que o gringo enlouqueceu na terceira frase, isso sim.




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Direita ou esquerda




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Genro: Não sei por que temos que fazer esse curso?
Noiva: É verdade, mas acho que tem muitos detalhes, temos que prestar bastante atenção viu
seu Luis Augusto?
Pai: Olha, casamento é coisa séria, eu venho dizendo isso sempre, aliás, o curso é apenas uma
parte do que há por vir e...
Mãe: A gente já conversou bastante sobre isso, mas a vida é assim, a gente vai ficando velha e.
peraí, esse folheto tem algo de errado!
Genro: O que dona Nice?
Pai: Nice, o que tem de errado?
Noiva: É mãe, o que tem de errado?
Mãe: Aqui diz que o pai da noiva entra com ela pelo lado esquerdo, pelo que me lembro é do
lado direito, vocês não viram ontem na novela?!
Genro: Novela? Eu não tenho tempo nem de comer minha noiva... Ops... Almoçar, quanto mais
ver novela.
Pai: Nice, esses caras de novela sempre erram, o pai entra pela esquerda porque é a defesa da
noiva.
Genro: Hã?
Noiva: Hã?
Mãe: Hã?

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Pai: O lado esquerdo geralmente é o mais fraco e ali o pai protege a noiva.
Genro: De mim?
Pai: É de você, seu burro! Não, é conceitual, ele defende a filha de ataques, sejam quais forem.
Genro: Mas peraí, eu não vou deixar minhas outras namoradas irem ao casório, fique tranqüilo.
Noiva: Mãe. Olha ele tá falando de novo delas.
Mãe: Guto, já conversamos sobre isso.
Genro: Peraí, se o pai está na esquerda, onde eu estou?
Pai: Você ainda não está até o padre dizer que você é marido dela você não é nada.
Genro: Não é o que sua filha fala pra mim na cama.
Noiva: Guto!
Mãe: Afinal, você entra pela esquerda ou pela direita?
Genro: Dá pra pular essa parte e a gente falar da estratégia para a grana da gravata?
Pai: Vamos seguir o folheto Nice, eles sabem o que fazem...
Mãe: Mas a novela...
Genro: Foda-se a novela Nice, vamos para a gravata.
Noiva: Guto!
Pai: Eu entrarei como a igreja pedir, vamos seguir as regras.
Mãe: ok, mas que é pela direita é.
Noiva: Tá bom mãe, vamos falar então das flores.
Genro: E a gravata?
Noiva: Depois Guto, depois.
Genro: Vou dormir então e vocês me acordam na gravata!




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Doze de vinte e quatro




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- Banco Sul, Janice bom dia!
- Quem fala?
- Banco Sul Janice.
- Janice, aqui é a Roberta, sou cliente da agência Pacaembu.
- Ok, senhora como posso ajudá-la?
- Jane.
- Janice.
- Ops, Janice, tenho um cartão de crédito e acabei de receber uma fatura no valor de trinta e
dois reais referente à parcela um de quatro da anuidade.
- Ok senhora.
- É um absurdo Jane.
- OK, senhora, o Banco Sul acredita muito no relacionamento com os seus clientes, há algo que
eu possa fazer?
- Eu quero cancelar o cartão. A loja Baianas está me oferecendo o mesmo cartão internacional
por três de doze, como pode ser tão diferente?!
_ Senhora Roberta, aguarde um minuto que passarei para o setor de relacionamento.
- Não Jane...
Tu ru... Ru... Ru ru ru ru.


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- Relacionamento Cláudio Nóbrega bom dia senhora Roberta, como podemos ajudá-la?
- Carlos, tô com um sério problema, acabei de receber minha fatura e...
- Um minuto senhora, faturas é no outro telefone, estou transferindo...
- NÃOOOOO!
Tu ru ru ru ru ru ru ru ru....ru ru ru ru...ru ru ru ru.
- Relacionamento Faturas, Karen Yoshiba, boa tarde.
- Peraí, boa tarde?
- Senhora, é meio-dia, após o meio dia sempre falamos boa tarde.
- Ok, deixa pra lá, Toshiba, é o seguinte, é você quem resolve as anuidades erradas?
- Sim senhora, como posso ajudá-la?
- É o seguinte, recebi a fatura com o valor de quatro de trinta e dois e tenho uma outra proposta
de três de doze da loja Baianas, vocês cobrem?
- Senhora, o valor de quatro de trinta e dois é para todos os clientes, não podemos alterar e...
- Como não Toshiba, você disse que resolveria...e agora?
-Senhora, o cartão Banco Sul Visto Internacional pode ser utilizado em qualquer lugar do mundo
e tem seguro de...
- Já sei de tudo isso, mas não quero pagar quatro de trinta e dois, dá para reduzir? Senão eu
cancelo.
- Senhora, não podemos alterar o valor.




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- Tá bom então eu cancelo!
Silêncio do outro lado.
- A senhora tem certeza de que não quer ter ao seu lado o cartão que tem mais
pontuações de fide...
- Vai à merda Toshiba, cancela logo então e tchau!
Tu tu tu tu tu tu...
Cinco minutos depois.
- Banco Sul Joyce boa tarde.
- Quem fala?
- Banco Sul Joyce.
- Josi, aqui é a Roberta, quero falar com o setor de relacionamento faturas.
- Ok, senhora, estou transferindo.
Tu ru ru ru ru ru ru ru ru....ru ru ru ru...ru ru ru ru.
- Relacionamento faturas Karina Rúmen boa tarde.
- Catarina, aqui é a Roberta, eu acabei de falar aí com a Janice e a Toshiba sobre um cartão
meu, você poderia me transferir para a gerência?
- Senhora, nós não temos gerência nessa unidade, como posso ajudá-la?
- Josi, eu liguei para cancelar meu cartão e a Toshiba cancelou.
- Senhora como posso ajudá-la?
- Ela não devia ter cancelado, devia ter lutado para me manter com o cartão ou eu não sou
importante para vocês e...



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- Senhora. Ficamos muito felizes, a senhora quer recadastrar seu cartão multi visto
internacional?
- Quero ora bolas, eu gosto dele, mas quatro de trinta e dois é f...
- Senhora. Podemos fazer em mais parcelas.
- Ah, tá vendo Josi, você sim fala a minha língua.
- Ok senhora, meu nome é Karina.
- Tá bom Catarina, manda bala então, quero o internacional. Vocês têm também o credicred?
- Temos sim. E a senhora já tem conosco um crédito pré-aprovado de um mil e quinhentos reais
para gastos nacionais, dois mil e quinhentos para internacionais e quinhentos para saques aqui
ou fora do Brasil. A senhora quer fazê-lo?
- Quero, não preciso de adicionais ok?
- Ok, posso fazer nas mesmas condições do Visto multi internacional?
- Sim, faça então nas mesmas condições.
- Ok, senhora confirmando, a senhora quer o cartão multi visto internacional e o cartão
credicred internacional com seguros totais ficando em doze de vinte e quatro reais?
- É isso aí Toshiba, pode mandar.
- Ok, senhora, somente confirmando seu endereço ainda é o Rua das...




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Ospelhinho




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Tem gente que é louca por dinheiro. Alguns são loucos por mulher. Tem uma porção de gente
que não sai de casa para não sujar os sapatos e tem uma maioria, principalmente de homens,
que não sai de casa para não sujar o carro.
Tenho um amigo assim, o Valtinho, ele é louco por carros. Ele pode morrer de fome, mas vai
morrer dentro de seu mustang 67. Comprou quando ainda era novo, hoje tem quarenta e
sete. Desde então dedica a maior parte do seu final de semana a limpar o tal mustang e
mostrá-lo aos mais íntimos.
Dia desses aconteceu algo que nem ele poderia imaginar. Dia comum no meio da semana.
Convidou seu novo chefe para jantar em seu apartamento. Aliás, um belo apartamento na
zona sul de São Paulo. Combinou às oito e trinta.
Como seu chefe acabara de se mudar para São Paulo - ainda estava sem carro, sem
apartamento próprio e sem os filhos, que haviam ficado para as provas de final de ano -,
aceitou o convite de um subordinado.
O Valtinho é daqueles que não faz drama por isso, foi buscar o chefe e a esposa. A sua, a
Karlinha ficou em casa terminando a salada de rúcula, que já sabia por intermédio do
Valtinho, faria o maior sucesso com o chefe.



                              Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
Faltava parte do tempero quando a Karlinha viu que só conseguiria se o tivesse em mãos.
Pensou em ligar para o Valtinho, mas como sempre, ele havia esquecido o celular na mesa da
sala. O Valtinho sempre foi meio desligado.
Pegou a chave do Mustang e foi. O mercado era perto e ela já havia dirigido o carrão quando
ainda eram solteiros.
Nada aconteceu até a hora em que ela chegou dentro da garagem e foi surpreendida pela
Dona Mônica, chileninha brava que guardava seu carro ao lado do Mustang. Dona Mônica
dirigia mal e havia pegado parte da vaga. Karlinha fez algumas manobrinhas e colocou o
carrão lá, só arranhou o espelhinho da direita no pilar, mas passou o dedo na língua e no
espelhinho e deixou pra lá. Talvez o Valtinho nem notasse.
Pegou o elevador e subiu. O elevador pára no térreo e quem entra? Valtinho, seu chefe e a
esposa, mulher fina de seus trinta e cinco anos, dessas que passam parte do dia no
cabelereiro e a outra parte no shopping. O homem já era mais tranqüilo, mas notava-se que
era fino, daqueles que não levantam a voz.
Após as devidas apresentações, Karlinha se vê num momento ótimo para dizer que havia
batido o retrovisor e solta de forma rápida a bela frase:
- Bem, raspei ospelhinho.
-   Quê?
- Raspei ospelhinho, não adianta brigar comigo, a Dona Mônica do oitenta e dois foi a culpada.
O Valtinho constrangido com a situação pede desculpas ao chefe.



                               Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
- Peço desculpas, são coisas de marido e mulher, depois conversaremos com calma. A propósito,
o senhor conhece muito sobre vinhos não?
- Valter Henrique não vou deixar nada para depois, eu tenho que falar sobre isso agora, para
depois não ficarmos brigando à toa. Foi de leve, você nem vai perceber, vai até gostar, pois ficou
mais harmônico com o restante.
- Karla, estou ficando constrangido. Isso é coisa de marido e mulher.
- E porteiro da garagem.
- O quê? Ele também sabe?
- Na verdade ele viu tudo.
- O quê? Você deixou todo mundo ver?
- Não, estava meio escuro, só ele e a Dona Mônica do oitenta e dois. Acho que o Vitor, filho do
casal holandês do trinta e um também viu, mas não tenho certeza.
- Como assim não tem certeza?!
- Sei lá, estava cheio de gente, mas tentei ser discreta ao deixar o local.
- Você fez isso em público?
- Olha vocês não querem discutir isso em casa, nós voltamos outro dia. Não tem problema
algum.
- Senhor, isso é tão comum, tantas mulheres raspam nesse prédio e ninguém fala nada, aliás,
existe uma empresa especializada em consertar problemas como esse?


                                 Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
Como assim? Você já envolveu o porteiro, a chilena e o ferrugem, agora quer botar uma
empresa na história?
- Bem, não foi tão feio assim, foi de leve.
- De leve quanto?
- Não tirou a cor natural, apareceu uma partezinha só, eu passei a mão na língua na hora e
joguei uma salivinha e vi que já deu uma melhorada.
- E todo mundo viu isso?
- Só o porteiro e a Dona Mônica.
- E o ferrugem?
- Acho que não viu, mas ele veio depois e me perguntou se eu estava ferrada.
- E você disse o que?
- Que dependia de você.
- Meu Deus, você deve estar bêbada. Chefe por favor, não interprete mal, ela deve estar sob
uso de drogas, remédios. Você sabe, quando a mulher chega numa certa idade...
- Não quero ouvir mais nada, foi o bastante, vamos de táxi.
O elevador pára e o chefe sai com a mulher a tiracolo indo para o outro elevador.
- Chefe!
- Por favor, conversamos amanhã, resolva o problema de sua mulher, pelo jeito só você
poderá resolver.
- Não sei não, acho que qualquer mecânico poderia né bem? Ele só precisa...



                               Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
- Não quero ouvir mais nada Karla, olha aí o chefe foi embora e você continua com essa
história estúpida. Você está bêbada?
- Não, só não quero que você fique bravo comigo, eu prometo que consertarei.
- Você acha que se resolve assim? Isso demora.
- O porteiro disse que era só passar uma tintinha.
- Põe tintinha nisso Karlinha, mas que me deu vontade de ver como ficou, ah, isso deu. Me
mostra?
- Só se for agora, vamos na garagem.
- Vamos lá! Chama o elevador que você vai ver agora o mecânico entrar em ação...




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Creizi




Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
O Luiz Ângelo é um amigo e tanto. Pena que de tão loucas as suas ações todos os amigos o
chamam de “crazy”. Minha mãe, que nunca aprendeu inglês chama o coitado de “creizi”. Acho
até que é mais divertido chamá-lo deste apelido “aportugueizado”.
O Creizi é tão louco que numa viagem de intercâmbio para a Europa, torrou em um único dia o
dinheiro que seus pais juntaram para os seis meses de viagem e ligou de uma praça, onde
dormia na neve, chorando para voltar.
Seu pai dizia que ele vivia sob o uso de drogas. Só assim mesmo para acreditar.
Recentemente o Creizi fez dezoito anos e todos ficaram felizes. Seus pais são de uma família
tradicional em minha cidade e tudo indicava que um dia o Creizi assumiria todos os negócios da
família. Qualquer pai tem um sonho como esse. Mas não o pai de Creizi. Ele temia o momento
em que seu filho pudesse sair por aí, fazendo baderna pelo mundo.
No dia de seu aniversário, o Creizi esperou seus pais dormirem e quando já era tarde, pegou o
carro do pai escondido. Um ômega de última geração, com bancos de couro, motor 4.1, direção
hidráulica, DVD, enfim, era o dia.
Saiu com o carro e bebeu todas.




                              Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
Quando era de madrugada o telefone da casa dele toca. Seu pai, de pijama, chinelos trocados
nos pés, levanta e vai até a mesinha atendê-lo.
Pai: - Alô... (com voz de Darth Vader)
Creizi: - Alô pai... Tudo bem? (chorando)
Pai – Luiz Ângelo, onde você tá? Tá bêbado? (bravo)
Mãe: - Quem é a essa hora Rubens? (com sono)
Pai: - É o Luiz Ângelo, mas ele tá bêbado...
Creizi: - Pai, eu não tô bêbado, pai. Quantos carros a gente tem? (chorando mais ainda)
Pai: - Luiz Ângelo, eu tô mandando. Volta já pra casa. Você tá completamente bê...
Creizi: - Pai, quantos carros a gente tem pai? (gritando no telefone)
Pai: - Eu tô mandando Luiz Ângelo, volta já! (gritando no telefone)
Creizi: - Eu volto pai, mas responde. Quantos carros a gente tem? (chorando e mal conseguindo
falar)
Pai: - Você já sabe, temos o ômega, o vectra e o gol da mamãe. Agora volta pra cas...
Creizi: - Não. Só temos o Vectra e o gol da mamãe... Acabou tudo. (chorando que nem bebê)


É por essas e outras que chamamos o Luiz Ângelo de creizi. Numa de suas festas, as formigas
invadiram o fogão de tanta coisa que misturaram na cozinha, colocaram seu cachorro no
microondas e jogaram o sofá na piscina. Isso foi quando o Creizi fez quinze anos. Até hoje acho
que é trauma desse fatídico aniversário.




                                Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
Seis Caneco




Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
A pobreza de espírito do pobre é algo assustador. Diria que daí vem sua maior pobreza.
Ande em ruas de bairros mais pobres e verá um desfile mágico de antigos carros de ricos:
monza, tempra, santana, opala, chevete e toda a sorte de carros da antiga.
Não verá nenhum carro popular porque simplesmente pobre não usa carro popular.
A pobreza de espírito começa quando o pobre sai para comprar o carro. Nunca leva a esposa,
sempre leva o primo e o cunhado, que na maioria das vezes é o que dá mais palpite.
Chegam à feira do automóvel e vão logo à sessão dos carros com motor 1.8 ou acima. Nunca
compram carros 1.6 para baixo. É incrível.
Depois de avaliar alguns chegam à conclusão que o melhor é comprar o santana CD 2.0 ano
1985. O cidadão chega em casa e quase apanha da esposa, mas anda com o santanão de
vidros abertos com o som ligado e os filhos no banco de trás.
Pobre que é pobre abre e fecha o vidro na frente do bar para mostrar que é elétrico. No
terceiro dia quebra a maquininha e tem que ir ao desmanche do pezão pra trocar.
Aproveita pra colocar umas calotinhas e sai de novo. Arrasando.




                              Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
Na estrada o pobre desfila mais ainda. Quer ver se o cidadão é pobre ou rico? Tente passá-lo.
Se for rico estará com um carro popular, sem calotas, nem rodas, somente a tal roda pretinha.
Se for pobre terá calotinhas e, em hipótese alguma, deixará você ultrapassar. Ainda mais se
os filhos estiverem no banco de trás.
Amigo leitor. Você poderá jogar farol alto, seta, arremessar todos os objetos do porta luvas e
o pobre coitado continuará lá, acelerando ainda mais, poluindo o ar com a fumacinha do
santanão.
Se encontrar com um desses, esqueça o manual de bom motorista e passe pela direita. Não
olhe para os lados senão vira racha.
Só faça isso se for pobre também e estiver a bordo de um original opalão seis caneco.




                              Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
Fim
Alberto Leite é formado em Comunicação pela UMESP, com MBA
pela FGV e Formação Executiva pela Fundação Dom Cabral e Kellogg
Business School, especializou-se nas áreas de Marketing e Vendas e na
Estratégia, nas áreas de inovação, digital e na criação de valor para
clientes.
De 2005 a 2012 escreveu mais de 400 artigos de gestão em revistas e
jornais, todos com muito bom humor.
Fez mais de 150 palestras pelo Brasil e pelo mundo sempre focando nos
temas de gestão Moderna com foco em resultados e alta performance de
equipes. Os temas “Mundo Novo” e “Mais do Mesmo”, temas de algumas
delas falam da gestão no ambiente colaborativo e o aumento de
desempenho de equipes.
Na área de pesquisas desenvolveu alguns dos maiores benchmarks do
setor da tecnologia da informação com a consultoria Deloitte e na área
hospitalar com a consultoria PWC.
É hoje também professor de inovação no MBA da FIA USP e CEO do Virtvs
Group.
Revela-se neste livro como um escritor de contos curtos, de linguagem
simples e
Sem perder o bom humor.

                                   Direitos Autorais reservados – Alberto Leite

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  • 4. Um agradecimento especial ao amigo Rick Zavala, responsável pela ilustração da capa (www.bigfun.com.br). Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 5. Seria Jesus um folião? Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 6. Muito se fala na quaresma. Na páscoa. Muito se fala na ressurreição de Cristo. Mas até hoje ninguém conseguiu me explicar a relação que existe entre a tal data histórica, o carnaval - que acontece sempre quarenta dias antes da páscoa e os coelhos que nesta data distribuem ovos gigantes de chocolate. Isto parece até uma história de Tim Burton. Acredito até que qualquer filme do Tim se faria mais consciente do que as relações acima citadas. Num dia de domingo, com a família reunida decidi provocar a turma. Gente, alguém sabe porque a páscoa é quarenta dias depois do carnaval? É a quaresma – respondeu a tia carola. E? É a quaresma - reforçou a tia. Mas tia, o que o carnaval tem a ver com a páscoa? Nada ué. O importante é que a páscoa é a ressurreição de Jesus. - falou firme a tia. Isso é o que importa – reiterou o tio que comia o frango. Mas tio, o que o coelho tem a ver com tudo isso? - Provoquei. Nada, é só comércio, o importante é a ressurreição – falou bravo. Tio, peraí, isso parece papo de fanático. Não tem nexo essa história de coelho, carnaval e ressurreição. - provoquei ainda mais. O que importa é a ressurreição – falou querendo encerrar o assunto. Olha gente, acho que ninguém aqui consegue me explicar essa história direito então não acredito em nenhuma delas. - provoquei de novo. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 7. Pensando bem, não tem nexo mesmo né? – disse a tia menos católica. Vamos mudar de assunto porque vocês estão falando de Jesus e isso é pecado – reiterou o tio agora mais bravo ainda. Tio. Seria Jesus um folião? Seria a páscoa quarenta dias depois, pois é o dia em que ele sarou da ressaca? – ironizei. Eu não falo mais nada, brinquem com isso e verão o resultado – Disse mais calmo. Que resultado tio? – ironizei de novo. Papai, o que é folião? – Questionou a priminha de dez anos. Filha vá brincar, seu primo tá brincando. - Falou o tio mais bravo. Tá bom, mas quero saber o que é folião – Perguntou a priminha. Gente, sendo folião ou não, o que importa é que foi salvo por um coelho, e isso é o que importa. – cheguei ao final da história. Todos em silêncio, até que uma tia, a mais louca, lavando louça vira pra todos: A dona Tute, lá da rua disse que o menino Jesus ressurreizou no carnaval. Ah tia, agora sim tá explicado. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 8. Casamento de Pobre Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 9. Algumas coisas são padronizadas em nossas vidas. Uma delas é o casamento de pobre. Festas de quinze anos também são, mas hoje em dia incomuns, as meninas preferem a tal viagem para Disney. Esta sim é padrão. Viagem para Porto Seguro após o colegial então é o máximo em falta de criatividade. Mas vamos ao casamento, que hoje em dia pode ser classificado em casamento de pobre, porque classe média no Brasil é pobre, e rico faz casamento diferente, com cachorro como dama de honra e tudo. Um dia desses li no jornal que um apresentador casou e colocou um anãozinho para entregar os brindezinhos finais. Nada contra os anãozinhos, mas isso parece mais uma apresentação circense e não um casamento. Vamos então ao casamento de pobre. Este sim é maravilhoso. Existem algumas verdades de casamento de pobre que devem ser observadas. A primeira delas é que quem manda no casamento não é a noiva nem o noivo, muito menos o pai. Quem manda no casamento todo é o fotógrafo. Ele é quem conhece o padre, o músico, o buffet, os trâmites todos e é ele quem posiciona tudo, manda em tudo. Quer saber onde a noiva está procure aquele pedestal com lâmpada quente do fotógrafo. O casamento sempre se inicia com amigos e parentes que nunca se encontram se olhando procurando ver quem está mais gordo e quem está com mais filhos. Os vestidos, cabelos, maridos e barrigas das outras são o assunto das mulheres. As músicas no altar geralmente são as mesmas, porque a moça do teclado não tem tempo para tirar outras músicas e passa aos noivos uma lista com meia dúzia de pérolas de casamento, como marcha nupcial, Ave Maria, entre outras. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 10. Geralmente a decoração não está de acordo com o que os noivos queriam, pois foi consenso entre dez casais que utilizam a igreja no mesmo dia. Uma noiva pediu rosas vermelhas, outra gérbera, aí já viu, a igreja parece a mata atlântica. Na festa a coisa se torna mais padrão ainda. Num telão de dimensões razoáveis é sempre passado um filme dos noivos em fotos de crianças, onde nunca imaginariam se conhecer. Fotos tiradas de forma amadora por seus pais, tios, cachorros, etc. As pessoas esboçam beicinhos de que vão chorar, mas nessa hora o dj para tudo e inicia uma bela música para a entrada dos noivos. Todos olham, as garotas levantam e os garotos, namorados e maridos aproveitam esse momento para beber mais. O casal entra e faz o discurso. Já vi discurso longo, curto, em português, inglês, de frente e de trás, de noivos e de pais. Todos são, sem discussão nenhuma, ruins. O baile começa com a valsa, que hoje em dia se transformou em jazz, bolero, até tango. No início do baile começam a se formar mesas enormes de tias de interior com seus vestidos de cetim, que passam boa parte do tempo falando de doenças, maridos que bebem - e olha lá ele de novo bebendo -, de crianças malcriadas e de como a noiva estava linda e que provavelmente o noivo não é pra ela. Tem sempre um tio de oitenta anos que passou a vida bebendo, tem cirrose e fica negociando com os garçons um copinho de guaraná que na verdade não é guaraná, enquanto sua esposa de setenta reclama o tempo todo. O mais engraçado nisso é que geralmente ela vai antes e o velhinho fica aí vivo da silva bebendo. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 11. As crianças dão um show à parte correndo, dando pontapés no traseiro dos garçons e puxando as toalhas até que por volta das onze dormem. Alguns homens vão para a pista, todas as mulheres vão, com exceção das tias do interior. Os que vão colocam as gravatas na cabeça e bebem a noite inteira olhando para as amigas da noiva e imaginando o que fariam se as suas esposas não estivessem ali. As garotas vão à pista olhando os vestidos das outras e raras vezes puxam conversa com alguém, ficam só dançando e dançando. As mulheres mais velhas, essas sim, desbancam todas, dançando la bamba em ritmo de salsa mexicana. Enquanto tudo isso acontece os noivos estão andando falando com todos e pegando uma grana com a gravata. Assim é o casamento de pobre, dez por cento vai embora nos primeiros vinte minutos, logo após a coxinha de frango. Oitenta por cento vai logo após o bolo e tem sempre dez por cento que não vai embora, só quando o segurança do buffet põe pra fora. Os noivos geralmente nessa hora estão em outro lugar gastando muita energia pra tirar os grampos do cabelo da noiva. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 12. Seu Delegado prenda o Tadeu! Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 13. Ela, uma senhora de pouco mais de setenta. Muita idade para pouca vivência. Casada uma única vez. Viúva, com uma única filha. Esta, casada. Ele, publicitário famoso, ganhador de prêmios e elogios, casado com a única filha dela. A velhinha, além de pouca coisa para pensar, era carola. Carola, mas não daquelas que ia à missa todos os domingos. Era daquelas que às vezes não ia aos domingos, pois já tinha ido os outros seis dias, em dois períodos. Participava da criação do ato litúrgico. Sonhava com Jesus quase todos os dias e aos domingos cozinhava um delicioso frango ao molho de pimentão verde para a filha, o genro e o neto Tadeu. Era Natal, durante quarenta e cinco longos e entediantes dias, a velha tinha trabalhado junto com três amigas do Teuto (Centro Comunitário de Terceira Idade) onde dançava todas as primeiras quartas de cada mês ao som de Ray Connif. Trabalhara durante aqueles longos dias para construir um lindo presépio, feito com papel pedra, água, lindos bonecos de barro, papel luminoso, areia e mais uma porção de ingredientes que mais parecia um kit colagem para crianças do primário. Notava-se que a velha estava fora de si pois no meio do presépio ela colocara alguns carrinhos de ferro do Tadeu. Adorava os três magos, mas tinha certa predileção por São José. Não sabia ao certo o porquê, mas muito provavelmente porque seus braços levantados aos céus agradeciam a presença do rei dos reis numa pequena manjedoura em seu próprio e modesto lar. Era maravilhoso. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 14. Sua esposa Maria, com ar desolado, às vezes triste, às vezes sofrido, às vezes superior, era assustadora na opinião da velha. José, este sim, era digno daquele olhar supremo. Esquentava o almoço de domingo, que antecederia a semana do Natal quando ouviu a campainha. Sempre trancava a porta com medo da violência das cidades. Era a filha com o marido e o filho. Após os cumprimentos todos vão para a cozinha. Tadeu usava uma linda mochilinha nas costas que parecia pesada. Seu pai querendo entrar em assunto sério com a velha, pede ao filho que vá brincar na sala com sua nova coleção de soldadinhos Comandos em Ação. Precisava de espaço para contar à velha que ela seria avó novamente, de uma menina agora. Não sabia ao certo qual seria o impacto da notícia. Podia sorrir. Podia morrer. A senhora está bem? Ah, sim. Só aquela dorzinha das costas. Você sabe né, gente velha é assim, sempre tem alguma coisa fora do lugar e... Mãe, de novo não. Mas minhas costas doem. Não há mal nenhum em falar disso. É que precisamos contar uma novidade. Ah, me conta filha. Renda-se! Renda-se – gritou Tadeu na sala. A velha vai até a sala e solta um grito apavorante. Em seguida um barulho de queda acompanha o grito. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 15. O casal sai da cozinha e encontra a velha caída na sala com a mão na boca. Morta. Atrás do sofá os gritos do filho denunciavam a presença de uma guerra. Uma guerra de bonecos. Os dois entreolham-se e dão a volta no sofá. Do outro lado, a imagem dramática de mais de cem soldados Comandos em Ação cercando a casa de José. Jesus caído de bruços e Maria presa numa gaiolinha. São José com os braços para os céus se rendia perante a maioria à sua frente. Soldados, aviões, jatos, mísseis que acabaram por destruir toda a casa e matar os animais que ali estavam. Os três reis que tanto viajaram para levar presentes ao menino Jesus, presos em camburões blindados choramingavam a derrota. Tadeu, sem se importar com o mundo à sua volta gritava com voz de demônio: Renda-se! Renda-se Osama! Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 16. Vende-se uma sogra morta Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 17. Poucas pessoas me deixavam tão tranquilo numa conversa quanto o Geraldo. Também pudera, com este nome, alguma qualidade aquele senhor precisava ter. Olhando-o fisicamente era um senhor de uns cinquenta e cinco anos de idade, nem gordo, nem magro. Corpo flácido, sedentário. Sua caminhada diária deveria compreender quinze metros, somando a garagem de sua casa e a distância entre o elevador e sua mesa. Mas com tudo isso era um senhor agradável, sempre com uma boa história para contar. Conhecia o mundo como poucos, pois viajara em toda a sua vida profissional para todos os cantos do mundo e conhecera também muita gente interessante. Gozava de uma excelente posição numa empresa, cliente da agência onde eu trabalhava. Na época, como atendimento da agência, eu tinha uma única missão: atendê-lo bem e fazer com que gastasse a maior soma em propaganda. Se possível todo o seu investimento de marketing, coisa quase impossível de ser feita, pois o Geraldo só acreditava em uma coisa: os mares bálticos são azuis, os brasileiros, verdes. Isso estava se tornando uma tarefa difícil e o Geraldo só dava atenção para um conjunto de horríveis malas diretas que enviadas mês a mês a um grupo de milhares de pessoas, traziam um retorno provável. Após dois anos atendendo-o semanalmente, desisti e decidi que seu pagamento mensal fixo era suficiente para a nossa sobrevivência e que a minha estaria comprometida se eu continuasse a visitá-lo, gastando somas e somas em dinheiro com estacionamento, combustível e tempo. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 18. Decidi virar o jogo chamando meu chefe para uma conversa. Liguei de meu ramal e perguntei se ele poderia me receber. - Pode vir, estarei desocupado nos próximos quarenta minutos. Levanto-me e, antes de sair, ouço meu telefone tocar. Pelo identificador vejo que era o Geraldo. Penso por um instante. Olho para os lados. Deveria atender, poderia me dar força para pedir substituição. Atendo. Alberto, é você? Olá Geraldo, como vão as coisas? Caminhando (resposta corriqueira, como se ele caminhasse muito). Aconteceu algo? Para mim e para você. Preciso fazer um anúncio. O que? Um anúncio? (metade da agência se levanta, o Geraldo iria anunciar). É? Estou indo aí. Não precisa, vou dar o briefing por telefone mesmo. É simples, mas quero visibilidade. Quero o maior jornal do país. Que bom, estou feliz. Feliz por que? Você nunca anuncia. Até hoje, meu rapaz. Até hoje. Qual a novidade que merece um anúncio desses. Você sabe quanto custa um anúncio desses não sabe? Tenho uns amigos, eles comentaram comigo já. Bom, mas vamos à novidade. Qual é? Infelizmente a notícia não é boa. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 19. Não? Não. O que é então? Pensando bem é melhor colocar seu mídia no telefone também, pois merece mais mídia, talvez três jornais. Geraldo, já que quer visibilidade, vamos para a TV. É. Pensando bem você tem razão, de uma vez só acertaremos muitas pessoas que a conheceram. Ela quem? Minha sogra. Sua sogra vai lançar algum produto? Não, ela morreu. ? Espero que vocês não me cobrem criação nem taxas de produção e veiculação, afinal estamos falando de anunciar um falecimento. Geraldo, você quer muita produção? Fotos? Trilha sonora? Não, nem viva ela gostava. Isso parece slogan Geraldo. É verdade, gostei, quando entramos no ar? Espere um minuto e já te retorno. Chefe, o Geraldo acaba de ligar. Precisamos conversar. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 20. O primeiro terceiro lugar Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 21. Nada mais fazia diferença a não ser o fato de seu reinado ter terminado. Será que haveria chance de volta? Seus amargos pensamentos denunciavam um ligeiro não. Em toda a sua vida tinha sido idolatrado, querido, amado, solicitado, enfim, uma infinidade de idos e ados que fazem de um homem um deus. Aliás, onde estaria essa divindade numa hora dessas já que sua vida não passava mais de uma ida e volta ao Gim’s, famoso bar de seu bairro e que por vezes o acolheu em momentos como aquele? Sua história incluía concursos na escola com apenas oito anos de idade, venda de mais de vinte milhões de cópias de discos, mais de cento e vinte filmes em cartaz, algumas estatuetas de bajuladores que utilizavam seu nome para convidar outros cantores e celebridades para festas patrocinadas por empresas que mal sabiam por que estavam lá. Seu nome fora até utilizado em campanhas de sabonetes. Ele mal sabia de onde vinha e para onde ia o dinheiro que recebia. Era muito, isso ele sabia. Nos últimos meses dedicava-se à fortuita missão de levantar-se, ir até o banheiro e tomar café sem cair. Seu peso mudara consideravelmente a ponto de não ser mais reconhecido nas ruas. Isso abala até vendedor de seguros que muda de bairro, pode imaginar uma celebridade. As drogas o consumiam até a alma e para ajudar tudo isso, seus agentes cada vez mais enriqueceram com suas obras enquanto ele vivia agora do pouco que sobrara. Diria em poucas palavras que era o fim do mundo. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 22. Naquele domingo congelante fora até o Gim’s para comer um hambúrguer como na época do ginásio, quando o agora proprietário e amigo era apenas um dos garçons. Foi numa das festas de Natal que decidiu presentear alguém de fora de sua família e comprou o Gim’s para o rapaz, que nunca soube como agradecer. Sentava na mesma mesa há alguns anos. De chapéu na cabeça e sempre sentado de costas para a porta nunca era reconhecido, nem pelos mais fanáticos, ainda mais que agora ostentava ligeiros quarenta quilos a mais. O lanche estava uma delícia. Seu amigo, dono da lanchonete olhava-o com pena. Vez ou outra passava pela mesa e acenava fazendo a careta tradicional do amigo que não sabe como ajudar. O milk shake, pouco para tamanho do corpo, foi reposto pelo amigo. Naquela noite em especial haveria no Gim’s um concurso de covers de nada mais nada menos do que nosso amigo famoso. Ele não sabia. O amigo proprietário não imaginava que ele apareceria e preparou a festa para que o público do bar pudesse relembrar sua melhor fase e, posteriormente poderia virar até um documentário. Chamara duas redes locais de televisão, rádios locais, amigos dos jornais, que sempre iam ao Gim’s ter notícias do amigo famoso. Aos poucos o Gim’s foi acomodando dezenas de pessoas prontas para o concurso. Alguns se aventuravam levando trajes, microfones iguais aos utilizados pela celebridade e poucos saberiam um dia que ele próprio sentava na última mesa do bar. Uma noite realmente mágica. O mestre de cerimônias, dono do Gim’s, sobe ao palco e inicia o concurso fazendo um discurso profundamente honesto e sensível sobre seu companheiro famoso, sem desviar o olhar para a sua mesa, o que o faria chorar. Sem dúvida nenhuma. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 23. Havia uma dúzia de inscritos e todos almejavam ganhar este concurso para poder declamar em toda a região quem era o mais parecido com o famoso. Sentado a poucos metros nosso amigo ouve seu nome algumas vezes, mas pouco se lembrava de quando isso não acontecera nos últimos anos. Não dera muita bola até que o primeiro participante sobe cantando sua primeira canção, escrita em poucos minutos na própria cama, quando seu coração partido fora dilacerado pela garota mais linda que conhecera em toda a sua vida. Lembrou que numa de suas turnês encontrou com ela saindo dos camarins e de tão bêbado quase vomitou em cima dela, sorrindo e gritando aos ventos que o mundo girava. Era triste aquilo, poderia estar com ela no Gim’s cantando seus sucessos, ouvindo piadas. A tristeza foi aumentando até que o segundo candidato subiu e cantou uma de suas mais alegres canções, levantando todos que ali estavam. Percebeu na hora qual a situação que ali se encontrava. Não podia virar-se, pois muitos o reconheceriam. O que fazer então? Olhou para o balcão e seu amigo se esforçava para atender a todos os clientes, junto a alguns de seus familiares. Percebeu a grandiosidade de seu ato quando comprara aquele bar para o amigo, era uma daquelas pessoas que valia a pena ajudar. Por alguns instantes pensou no que faria e pelo ímpeto de amizade e até por falta de massagem em seu ego levantou-se e, antes que o último candidato subisse foi até a mesa que ficava ao lado do palco e dirigindo-se para a esposa de seu amigo que ali ficara atendendo os candidatos atrasados disse: Gostaria de me candidatar. Mas você é ele, você não pode. Posso sim, será um presente aos candidatos poder cantar. Por favor, deixe-me tentar. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 24. OK, se você deseja... O bar é seu mesmo. É de seu marido. Quantas vezes terei que falar isso? Já sei. Cento e cinquenta. Isso mesmo. OK. Pode subir. O último já desceu. OK. Farei então uma música de meu último disco: a décima terceira. Ótima escolha. Adoro esta canção, manda ver. Psiu. A pequena escada parecia interminável. Aos poucos o palco foi aparecendo. O microfone no centro do palco parecia alto demais, lembrou que com a idade foi diminuindo, mas não imaginava quanto. É só uma última apresentação – pensava sozinho. Aos poucos se imaginou em um grande estádio com mais de cem mil pessoas assistindo-o e gritando seu nome. Os pouco mais de cem pessoas que lotavam o Gim’s se perguntavam o que aquele gordo faria. Aos primeiros acordes do videokê fechou os olhos e durante quatro minutos desfilou sua linda voz pela canção. A plateia achou-o muito bom, comparado aos melhores imitadores. Foi aplaudido de pé, assim como outros três candidatos. Desceu sem se apresentar, apesar dos insistentes pedidos da plateia. Sentou-se na mesma mesa e dali em diante seu coração parecia aliviado. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 25. Seu amigo feliz com a atuação gloriosa de seu companheiro foi até a mesa dos juízes, jornalistas locais e críticos de música conhecidos da época glamorosa do sucesso de seu companheiro. Aos poucos os envelopes foram se fechando e sendo entregues no balcão. Enquanto isso acontecia, uma linda garota se aproximou da última mesa e sem pedir senta-se em uma das cadeiras. Você canta muito bem. Obrigado. Quer sentar conosco? Não, estou bem aqui. Lembrei dele quando você subiu apesar de vocês serem bem diferentes. Ah é, fui seu amigo no passado. Deve ser por isso. Com certeza, dizem que pareço muito com minha melhor amiga, apesar de sermos totalmente diferentes. Isso acontece de vez em quando. Bom, estaremos em nossa mesa, a quatro, caso queira se sentar conosco. Como os resultados ainda demorariam a sair levantou-se e, como de costume deixou sobre a mesa um maço de dólares dobrados de forma desorganizada. Passou entre a multidão que não notou sua saída. Nos dias que se passaram dedicou-se a olhar para a sua casa e se apoiar nas paredes enquanto as drogas faziam efeito em seu pesado corpo. Passada uma semana, decidiu sair de casa para ver como o mundo estava. Ao abrir a porta da frente deparou-se com pelo menos uma dúzia de jornais sendo que o primeiro deles falava sobre o concurso. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 26. “Concurso abre portas para novas estrelas” – era o título da matéria Com pouca velocidade abriu o jornal e caiu desmaiado. Matéria Concurso abre portas para novas estrelas No último domingo, a mais famosa lanchonete da região, o Gim’s, promoveu o maior concurso de cantores dos últimos tempos. Com treze inscritos teve uma premiação inusitada. Uma pessoa que sentava na casa e não sabia nada sobre o concurso decidiu participar e conseguiu ficar em terceiro lugar... Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 27. Chama o Síndico Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 28. Guilherme era aos trinta e cinco anos diretor de uma importante empresa de marketing e vivia como muitos solteiros desejariam viver um dia. Tinha um apartamento numa das melhores regiões da cidade, um carro esporte, uma geladeira, dessas que têm água gelada e suco de laranja na porta, bastando apenas pressionar o copo no espaço vazio. Tinha um som, com pelo menos duzentos CDs para o abate das mulheres que acreditavam ali encontrar seu príncipe encantado. A última coisa que ele queria era uma princesa, queria sim várias escravas eróticas e encontrar, entre elas, a que menos falava e com ela se casar. Independente de ser cachorro ou não era um excelente amigo, filho e extremamente profissional, dando exemplo a todos que o seguiam. Numa noite de terça-feira pegou o elevador e, para sua surpresa, ele parou quatro andares antes do seu. Durante alguns segundos ficou paralisado, pois o perfume que dali vinha hipnotizaria até cobra morta do Iraque. Aos poucos a porta se abriu e a mulher mais linda que já vira em toda a sua vida lá estava apenas sorrindo. Olhando para ele e para o demonstrador de andares fez cara de quem errou o botão e fechou a porta. Sem deixar a sua timidez de lado abriu a porta: Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 29. Estou subindo apenas quatro andares, você pode entrar e depois descer. Está bem. (Meu Deus, ela não fala muito, diz apenas o necessário. É ela). Faz tempo que mora aqui? Uns três anos. Nunca te vi. Que estranho. Vivo viajando, só fico aqui de segunda e terça. (Meu Deus, ela não fica aqui no final de semana. É ela). O que faz? Trabalho com exportação. (Meu Deus. É inteligente. É ela). Nisso o elevador chega. Desculpa ser tão direto, mas quase não conheço ninguém aqui na cidade, você poderia me falar sobre algum restaurante bacana? Estou indo para um, se quiser ir comigo... (Meu Deus. Convidou-me para um jantar. É ela). Se não for te atrapalhar! Imagina. Vamos? Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 30. (Meu Deus. Ela não pediu para eu me arrumar. É ela). Preciso me aprontar, prometo não demorar. Está tão bem assim. (Meu Deus. Éééééééé ela). Preciso pelo menos trocar de camisa. Posso esperar em seu apartamento? (Meu Deus. Meu Deeeeeeeeusss). Lógico. Comprei este apartamento há pouco tempo e estou tentando me acostumar a viver sozinho. Às vezes é difícil. Eu sei, vivo tão só que às vezes choro à noite deitada em minha cama. (Meu Deuuuuuuuuus, meu Deeeeeuuuuuuuuuuus). Que apartamento bacana! Gostou? Adorei, principalmente as fotos de modelos nuas na parede, acho tão bacanas essas fotos, muita luz, pouca roupa. E as fotos de carros antigos, sensacionais, barulhentos, sem conforto. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 31. (Ahhhhhhhhhhhhhhhhh) Só um minuto e já vamos. Fique tranquilo. No quarto Guilherme só pensava numa coisa: comer a garota. Homem é um ser que só pensa nisso, e quando não pensa nisso é porque está fazendo isso. Pronto, já estou pronto. Oi, cadê você? Estou na varanda. Ah, aqui a vista é ótima. Pensando bem, que tal pedirmos alguma coisa aqui no seu apartamento, tomar um vinho e assistir ao jogo do bragantino. - (Meu Deuuuuuus. Essa mulher é demais). Passados alguns minutos os dois já estavam na cama, transando loucamente. A primeira vez tinha sido totalmente dominada por ela. A segunda, a seu pedido, foi dominada por Guilherme. A terceira dominada pela pílula que ele ganhara num evento farmacêutico. Na quarta, quando os dois já estavam bem íntimos e o remédio estava no auge, ela dá aquele grito ensurdecedor: Aiiiiiiiiiiii, eu quero tudo. Tuuuuuuuuuuuuudo. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 32. - (Meu Deus será que é ela?). Não grite tão alto, o vizinho pode chamar o síndico. Não chama não. Chama sim. Não chama não. Eu sou a síndica. - (Meuuuuuuuu Deuuuuuuuus. É ela.). Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 33. Malabarismo tem limite Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 34. Não podemos esquecer de mandar a proposta hoje hein? Fique tranquilo, mandarei assim que chegar. Esses semáforos sempre demoram. Olha em frente aquele carro o garoto fazendo malabarismo. Ele é o único daqui que faz com cinco bolinhas. Ele deveria trabalhar em festinhas infantis, ganharia uns cem reais por dia tranquilamente. É verdade. Você tem moeda aí? Não tenho, mas ele está em frente de outro carro. Aquele cara vai dar. OK. Meu Deus o que é isso? Ela é bem grandinha para fazer malabarismo não é não? É sim, e o pior é que ela é vesga. Como será que ela fará? Se ela conseguir, quanto daremos? Ah, vamos dar uns dois reais. Legal. Ela está tirando as bolinhas do bolso. Uma. Duas. Epa, só tem duas bolinhas, assim até minha avó de setenta anos faz. Mas sua avó é vesga? Não. Por quê? Porque a garota é, e aí dificulta. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 35. Mas são duas bolinhas. Até cego eu jogaria duas bolinhas para o alto. Mas cego é diferente. Vesgo atrapalha por que ela não vê duas bolinhas, vê umas três. Ou nenhuma. É, ou nenhuma. Meu Deus, ela deixou cair a bolinha. Ela não conseguiu. Meu Deus não podemos dar nada a ela. Cara, com esta linda performance ela deveria receber uma bolada, nunca vi nada igual. Dê três reais para ela. Pensando bem, é melhor dar cinco, pois ela é vesga. E? E aí que ela vai se atrapalhar e pode perder o dinheiro. Cinco é melhor. É. Cinco é melhor. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 36. Caso com o acaso Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 37. Senhor Luis Augusto Neves, aceita Talita Cordeiro como sua legítima esposa? Não... Ops... Sei lá... Quer dizer... Sim... Epa... A igreja entra em pandemônio, as pessoas começam a falar em voz alta. O pobre rapaz todo vermelho e quase desmaiando é levado ao canto do altar pelos padrinhos, por seu pai e o sogrão. Algumas velhinhas desmaiam e são socorridas por parentes que não se conhecem. Coroinhas e carolinhas puxa-sacos do padre fazem o sinal da cruz fazendo caretas. Mas por que desistir agora? Não sei, estava tudo indo bem... Fiquei nervoso, acho que sou novo para casar, ter filhos, me divorciar... Divorciar? Você está louco? – grita o sogro. Calma, ele está sob forte pressão, vamos dar fôlego a ele. Filho fique calmo. Nisso as coisas pareciam estar calmas. O rapaz foi convencido a voltar ao altar. Mas onde estava a noiva? A noiva na confusão toda decidiu ir embora e na frente da igreja algumas pessoas tentavam convencê-la a voltar. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 38. Volte filha, o Guto é um bom rapaz e estava nervoso. Não quero mãe, ele me fez passar vergonha na frente de todos. Quero que ele morra. Morra! Calma, meu filho também não é um assassino. Vamos voltar, pois ele está no palco esperando você, olha lá que lindo. Altar, Zilda, altar. Ah, qualquer coisa, mas lá está ele. Vamos entrar novamente? Tá bom, eu volto, mas só se tiver música de novo. Tá bom vamos. De repente aparece uma pessoa estranha na frente da noiva, que agora aguardava o pai voltar do altar para a entrada replay. A senhora vai entrar de novo com música? A senhora tá no céu, eu ainda não casei, senhorita, por favor, e vou entrar com música sim. Mas acertamos somente cinco, preciso que alguém pague a sexta. Mãe, por favor, pague. Estou sem a carteira filha, seu pai está nervoso. Pode até bater nos músicos, vamos sem música mesmo. Não entro sem música mãe. (começa a choradeira com direito a bochecha pretinha de rímel e tudo) Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 39. Meu Deus, Jorge, a Talita só entra com música e eles só tocam se pagarmos, minha carteira está no carro. A minha também, mas que absurdo vamos cantar então?! Tá bom. La la la la...la la la la...la la la la la la la la la la. E assim reiniciam a entrada com o coral de Jorge e Zilda atrás. A filha de véu nem olhava para os lados de vergonha. Chega ao altar e dá a mão para o noivo. Nitidamente ele estava com medo, mas seu sorriso era bonito, nem parecia sorriso de noivo. Cadê o padre? Meu Deus cadê o padre? Começa novamente o alvoroço, o padre havia sumido. Será que foi ao banheiro? Padre vai ao banheiro? Lógico que sim. Mas na hora da missa? Quem disse que isso é missa? Sei lá, na hora do casamento. E se for diarréia? Sei lá, escala outro padre. Você acha que é jogo de vôlei? Chama o coroinha sênior! Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 40. Não está, foi junto com ele, está tentando convencê-lo a voltar. Mãe será que esse casamento sai? (começa a choradeira de novo). Uma das velhinhas que aguardava ansiosamente a netinha casar para poder morrer em paz coloca a mão no peito e morre. A mãe tenta acalmar a noiva. Calma filha é sempre assim, calma. Não é não, o da Ritinha não foi assim. Por que você está comemorando hein Guto? Eu? Não estou comemorando não, é que... É que. Sei... Você é um cachorro, não quero mais casar com você. Também não quero. Sua gorda. Gorda? Mãeeee, ele me chamou de gorda. (recomeça a choradeira) Uma faixa é levantada pelos amigos do noivo. Os dizeres são: “Deixem esse homem ser feliz”. Senhoras e senhores, eu sou o pai da noiva, já paguei as bebidas e as comidas, já que não tem casamento vamos festejar. Todos cantando comigo: Coral, adiante a música da saída. La la la la... Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 41. O show Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 42. Estavam todos ansiosos para o início do show. Num canto reservado e separado por cordas e seguranças, a banda, com seus amigos vips bebiam e aguardavam o momento que entrariam no camarim para a troca de roupas. O repórter identificado pelo crachá de imprensa, junto com seu amigo cinegrafista entra no cenário montado e com as luzes acesas inicia pequenas entrevistas, sem antes combinar nada com a assessoria da banda. Diretamente para o canal 12, qual o seu nome? Karina. Karina é a primeira vez que vem ao show deles? Não, sou namorada do vocalista. Que legal, muita expectativa? Sim, a maior é que ele chegue, porque até agora nada, acho até que está com outra e... Diretamente para o canal 12, qual o seu nome? Souza. Souza, qual a expectativa para o show? Nenhuma, na verdade sou o dono da casa e estou feliz com o público, mas acabaram de me avisar que a banda é ruim, eu não sei o que fazer, os meus sócios vão me matar e... Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 43. Diretamente para o canal 12, qual o seu nome? Nilson. Nilson, você é namorado de alguém da banda ou sócio da casa? Não, sou o baixista. Baixista? Você só tem um braço. Mas eu toco com uma mão só. É, na verdade eles me ligaram há um mês e me pediram para tocar e eu vim. Diretamente para o canal 12, qual o seu nome? Renata. Renata, o que você espera deste show tão aguardado? Aguardado? Onde você viu isso? Talvez o número de pessoas aqui dentro deva responder isso. Talvez o refrigerante grátis hoje diga mais, não? Diretamente para o canal 12, qual o seu nome? Ricardo. Ricardo, o que você acha que vai acontecer hoje? Acho que o dólar vai crescer e a bolsa cai em dois pontos percentuais no fundo de curto prazo e... Peraí, você é o que? Sou o advogado, irmão do guitarrista. E também economista nas horas vagas. Esse programa é de variedades e entretenimento, não de economia. Eu sei, mas como sou candidato a vereador preciso fazer uma média, aliás, meu número é... Diretamente para o canal 12, qual o seu nome? Mmmmmm. Diretamente para o canal 12, qual o seu nome? Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 44. Mmmmmmm. Fala logo, qual o seu nome? Hei, o cara é mudo, o que você quer com ele? – pergunta uma terceira pessoa. Só queria entrevistá-lo. Pra que entrevistar o backing vocal se o vocalista principal está chegando? O quê? Vocês todos são loucos, este show é uma loucura, onde já se viu? Vou embora agora mesmo. Antes ligue a câmera. Diretamente para o canal 12, o meu nome é Miro Santa Helena, correspondente de guerra, jornalista político e estou agora cobrindo o show mais maluco deste planeta, venham todos os loucos, venham todos os Ets, estão todos aqui. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 45. Rato no sofá Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 46. Minha casa teve poucas baratas, poucas formigas. Minha casa nunca teve um besouro, mas teve lagartixa e rato. Apesar de ser um sobrado sempre foi invadida pelos roedores. Esses sim dão medo em qualquer um. São grandes, mordem e transmitem centenas de doenças, assim como as pombas, mas isso é outra estória. Uma época eles apareciam com mais frequência e, de repente, passaram a nos visitar com um intervalo de meses. O último a nos visitar, o Mickey, foi assim. Apareceu em casa um dia para assistir televisão. Viu a novela e foi embora. Não conseguimos matá-lo porque de cima do sofá ninguém conseguia ir até a área de serviço buscar a vassoura para pegá-lo. A segunda visita foi discreta, ele pegou meu bolo de limão da cozinha e comeu sem ao menos se despedir. Na terceira eu mesmo o vi na cozinha comendo tudo. Assustado, o bichano correu para trás da geladeira. Com uma comitiva de doze amigos, todos armados com cabos de vassouras, botas sete léguas, bastões, tacos de beisebol, tentamos tirá-lo de lá, até que por muita insistência ele desfilou entre nós, enquanto alguns fechavam os olhos e batiam em direção ao vento com seus porretes acertando em todos os móveis e outros corriam e subiam nas cadeiras mais altas. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 47. Mickey foi até a sala e entrou no sofá. Aí só tapeceiro para tirar mesmo. E guarda noturno. Ah, esses fazem qualquer coisa para agradar. Chamamos o nosso, o Gilson, que pelo rádio chamou o cunhado, especialista em matar ratos em sofás. Seu cunhado chegou com um espeto de churrasco e uma lanterna nas mãos. Entraram como se fossem da SWAT, olhando em tudo, pediram distância dos móveis e se posicionaram atrás do sofá. Puxa daqui, empurra dali. Minutos depois o sofá já estava de ponta cabeça. Enquanto alguns comentavam a atuação profissional de Gilson e seu cunhado, minha mãe negociava o sofá com a empregada, e minha irmã junto com dez amigas gritava na escada. Alumeia aqui – gritava o cunhado. Olha ele ali – respondia Gilson. Agora aqui, alumeia logo. Tá ali. Alguns minutos depois com extrema maestria o cunhado de Gilson levanta o espeto e num único movimento espeta-o no lado oposto do sofá, olhando para a minha mãe com cara de “terá que comprar outro”. Airrrrrrr – grita o bichano. Diria que foi o grito mais apavorante que ouvi. Este foi o fim do Mickey, um companheiro de novelas, ladrão de bolos de limão, enfim, o rato corajoso que desafiou dezenas de pessoas em busca de alimento e um cantinho para descansar. Ainda bem que o sofá era gostosinho. A empregada não quis alegando problemas espirituais com a alma do bichinho. O cunhado foi embora com ar de guerreiro vencedor. Nós lamentamos até hoje morte tão violenta. Que Deus o tenha. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 48. Dia de eleição Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 49. Dia de eleição é sempre igual. Já vi eleições grandes, médias, pequenas e de cidade pequena, que é algo notável. Já vi eleição de presidente, de deputado, de governador e de prefeito. Vi até uma eleição que não elegia ninguém, você só tinha que escolher se queria votar no futuro ou não. Por esses motivos, acredito que somos o povo que mais entende de eleição. Vira e mexe vem alguém de outro país aprender sobre os nossos métodos. Alguns dizem que eles vêm para aprender sobre a nossa rapidez com as urnas, mas isso é uma tremenda bobagem. No fundo acredito que eles vêm ver nosso povo votando, sem dúvida algo inesquecível. A semana de eleição no país sempre tem as suas características. Alguns amigos brigam porque discordam das opiniões contrárias, os programas de televisão só falam dos números das pesquisas. Uma hora apresentam um candidato como vencedor, noutra hora apresentam outros. Os debates têm mais audiência que novela das oito, mesmo que ninguém entenda ou acredite em nada do que é dito. Os candidatos andam pelas ruas com seus assessores apertando as mãos das pessoas e pedindo votos e quando chegam em casa vão direto tomar banho. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 50. As empregadas param de discutir sobre a vida dos personagens de novela e dedicam parte do tempo a discutir sobre os rumos eleitorais. Agora no dia da eleição vê-se pelo país o que nunca se vê: sujeira nas ruas, familiares ligando pedindo votos para pessoas que você nunca viu. Amigos ligando e chamando para jantares gratuitos, festas de quinze anos então pipocam com mestres de cerimônia patrocinadores e você ali no meio tentando entender o que aconteceu com a novela das oito. Tudo isso tem um fundo de graça, mas nada como a votação. Você chega à escola onde vota. Isso se não for mesário. Mesário é um coitado que durante anos é convocado a sentar numa mesa, carimbar e carimbar e sorrir para no final ganhar um lanche de mortadela. O pior é que ele sempre é o que não precisa do lanche. Já vi mesário jogar o lanche no lixo, coisa de gente sem amor à pátria. A escola geralmente é longe de sua casa, porque você sempre se muda depois que alcança certa idade e a escola fica lá, quase no seu inconsciente, mas mesmo assim você consegue achá-la. Lugar para estacionar é quase uma lenda, ruas limpas então nem se fala. Grupos com camisetas diferentes, de candidatos diferentes reúnem-se perto da escola cantando músicas antigas e liberando o astral, aguardando somente o dia acabar para receberem seus vinte e cinco reais, que obviamente serão gastos com algo proibido. Velhinhas reúnem-se em frente à escola só para ver quem chega e começar um papo antigo. A fila para a sala de votação então é praticamente uma comédia brasileira. Amigos se reencontram e contam histórias antigas, alguns gordos demais, outros magros demais, mas sempre diferentes. Ao final sempre se abraçam e mandam o clássico “vamos marcar”. Vamos marcar o quê? Nunca se marca nada com amigos antigos, porque o ser humano só utiliza a regra do espaço e tempo quando ganha algo em troca. Pode parecer piegas, mas encontrar amigos antigos é sensacional, a gente ganha saudades e novos amigos. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 51. Na sala você sempre conhece um dos mesários e faz uma clássica piada com o fato de ele trabalhar na mesa e você não, o que o faz pensar mais ainda em patriotismo. Sempre tem um velhinho na sua frente que demora um século e você fica imaginando o que os gringos veem de maravilhoso no nosso sistema de votação. As fotos da urna eletrônica são sempre ruins o que faz com que você tenha sempre um sentimento de dúvida em quem está votando. Não importa quantas vezes votou você sempre fica com frio na barriga e imagina que a sua votação será uma catástrofe e que a máquina vai apitar na hora do seu voto anunciando que você fez algo errado. As velhinhas continuam lá, aguardando a sua saída para te dar um velho abraço molhado de vestidinho de cetim e uma carada, daquelas que doem as bochechas e lambuzam as orelhas, além de sempre olharem para você e soltarem o velho “como está magrinho”, mesmo que você esteja com duzentos quilos. Assim é o dia da eleição, você deixa de viajar, deixa de comer com a sogra e descobre ao final do dia que o máximo que conseguiu fazer foi rir do belo dia. Deixo aqui uma ideia original de fazermos a votação pela internet, quem sabe você consegue fazer tudo isso mais rápido, sem passar pelos papéis na rua, velhinhas, mesários e amigos antigos. E salve os mesários! Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 52. Pura ilusão Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 53. Ir ao supermercado sem dinheiro é um exercício fabuloso para quem conhece marcas de produtos e vive disso. O primeiro item cortado é o desodorante spray a R$ 9,90. Vamos de bisnaguinha mesmo a R$ 2,15. O creme de barbear então nem pensar. O grande de spray e gel a R$ 17,80 fica longe do carrinho, vamos daquele estilo pasta de dentes a R$ 3,45. O shampoo tem que ser aqueles do Paraguai que pesam cinco quilos e custam R$ 1,80 e ainda vem com condicionador, o clássico dois em um. Uma das coisas mais hilariantes no mercado é o suco. Você vê aquele mexicano-brasileiro que custa R$ 5,60 e o brasileiro concorrente a R$ 6,39 e vai correndo no Kisuco dos animais marinhos a R$ 0,75. Tem o da foca, o do pinguim e o do leão marinho. Cada um tem um sabor, mas todos têm o mesmo gosto. Meio confuso, mas só dá pra entender quem toma. O refrigerante então é uma desgraça. A gente vê um de R$ 3,15 e outro de R$ 2,69 e corre para o de R$ 1,25, coisa de louco, como pode ser tão diferente. Homem solteiro na padaria de mercado tem que ser macho, e macho que é macho só para na padaria por três itens: pão, manteiga e leite. Essa coisa de croissant é coisa de boiola. Tem homem que compra os três itens e ainda pede um tal de achocolatado. Dá pra acreditar? Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 54. Comida de cachorro é mais cara do que de gente, então aconselho a todos a acostumarem os dogs a comerem camarão, lagosta e outros bichos do mar. Cachorro não é peixe, mas sabe nadar, então sabe comer esses moluscos também. O setor de balas, esse sim vale a pena. Tem chiclete até de melancia, uma bola de quase três centímetros de diâmetro. Você coloca um desses na boca e fica sem respirar até ele virar massinha. No meio de tudo isso você passa em frente ao quiosque de sonho, onde uma garota com um vestidinho e um sorriso maroto convida os gordinhos ao suicídio corporal. Os gordinhos fazem de tudo para passar em frente ao quiosque para poder botar a culpa na garota do vestidinho. Na quarta vez eles falam sem culpa que aquilo os persegue por algum motivo. E comem uns cinco sonhos de uma vez. Mulheres compram cremes de R$ 30,00 e travam no leite. Um custa um centavo a menos e elas saem todas sorridentes com a economia realizada. No caixa sempre tem um monte de baboseiras que a gente sempre acha que falta em casa. Pilha, revista, lâmina de barbear, fósforo, tem até mata ratos. Mesmo que você nunca tenha visto um você sempre fica com a mão coçando e leva uma caixinha, quem sabe um dia eles aparecem em seu apartamento. O pior é que quando você chega no carro lembra que esqueceu de comprar as coisas mais importantes e sempre promete ir na próxima semana só para pegar aquele item. Pura ilusão. Pura ilusão. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 55. Vem cá me dar um beijinho Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 56. Era a primeira loucura que faria por alguém. Pensou nos detalhes, pensou em tudo e chegou à conclusão que tinha que fazê-lo. Sabia onde ela estudava, sabia que gostava de loucuras de amor. Só não sabia ainda se aquilo daria em alguma coisa. Chamou para a missão seu companheiro de loucuras. - Cara, é simples. A gente vai à noite e coloca a faixa em frente à escola dela. - O que você vai escrever na faixa? - Ah, sei lá. Acho que “sou louco por você”. - Louco? Você está louco? - Tô, por isso vou escrever na faixa. - Tá bom, não vou discutir. Que horas nós vamos. - Vamos à noite. E lá chegaram quando ainda passava das onze e tudo estava escuro. Levaram cordas, escadinha, coragem e a faixa. Muro alto e um pequeno poste em frente à escola. Do outro lado da rua só um muro alto sem postes e um monte de árvores dentro da propriedade. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 57. - Vou subir no muro e você me joga a faixa. - Tá bom, cuidado hein?! Cinco minutos depois. - Manda a faixa. - Cuidado. Você vai cair. #¨%(¨)%(*¨$(*%¨$(¨%)(*$¨(%*$¨%)@(*%¨@* Hei quem está aí? - perguntou um guarda dentro da propriedade, quando viu um jovem caindo de cima do muro. - Ô seu guarda, eu caí. O guarda olhava bem para os olhos dele. Olhava para a sua roupa. Ligou a lanterna e seu crachá apareceu. GUARDA NOTURNO – MANICÔMIO SANTA RITA - Epa, peraí seu guarda, o senhor não está pensando que eu sou louco né? - Pela faixa que você carrega nas mãos eu diria que você já se entregou. - Peraí, eu tava pendurando para uma garota, ela estuda... - Aqui só tem homem, e você eu já conheço. Primeiro era astronauta, depois era o Steven Spielberg, agora quer namorar, vai para a solitária! - Não. Peraí seu guarda, abaixa a arma, eu estou com outra pessoa ali fora... - Sei... Sei. - Amigo, grita aí desse lado! Silêncio total. - Vamos! Você conhece as regras, vamos para a solitária, bem calmos. - Seu guarda, o senhor não está entendendo, eu não sou louco, não sou! - Não altere a voz, lembre-se dos cuidados, se gritar serei obrigado a dar remédio. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 58. - Que loucura, eu não sou louco! Eu não sou louco! - Não? - Não! - Quer tomar remédio? - Não. Não encoste em mim, senão te processo. - Voltou a ser juiz é? - Não, eu já disse que não sou louco. Você é um louco, e essa arma nem deve ser de verdade. - Como não? Sempre uso arma de verdade. Essa daqui é nuclear, posso te fazer virar um macaco. - Ai meu Deus, saquei tudo, você não é guarda, você um dos loucos. - Sim, sou louco por você também, vem cá me dar um beijinho. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 59. O tal do erre Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 60. Quem já teve oportunidade de ir ao Rio de Janeiro sabe do que um erre é capaz. Carioca que é carioca adora um erre. E um ditongo. Carioca começa a conversa com o clássico “e aiã”? Fora o já tradicional “s” que vira “ch”, que pode ser bem observado em “gochtosa”. Enfim, entendemos que são sotaques regionais, assim como o paulista tem mania de colocar “i” onde não tem. Mas até aí a gente aceita, agora trocar “s” por “r” é coisa de gente maluca. É por este motivo que digo que carioca é um dos seres mais difíceis do mundo. Leia a frase abaixo e imagine que é um gringo e tentará fazer uma tradução: - E aiã, vamo azará umach gochtosas não é mermo? O gringo pensando. - And let’s f. some hot girls, isn’t it? Ou imagine o mesmo gringo em São Paulo: - Meu vamo lá para a balada, tá enteindeindo? - Mines, let’s go to the ballad, do you understand? Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 61. O gringo agora em Porto Alegre: - Ba tchê, queres comer uns cacetes pela manhã? - ($^#(^(#^#, Do you want to eat some breads tomorrow morning? E na Bahia: - Meu rei, vamo logo ali, logo ali, no pelô? - My king, let’s go there, over there, at the pelô? E imagine agora se o gringo estivesse em Minas: - Sô, vamos visitari a tia Clemira na fazenda de seu Tito, vamo nessa? - Mr, let’s visit aint Clemira at Tito’s farm, let’s go? São coisas do Brasil eu sei, mas que o gringo enlouqueceu na terceira frase, isso sim. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 62. Direita ou esquerda Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 63. Genro: Não sei por que temos que fazer esse curso? Noiva: É verdade, mas acho que tem muitos detalhes, temos que prestar bastante atenção viu seu Luis Augusto? Pai: Olha, casamento é coisa séria, eu venho dizendo isso sempre, aliás, o curso é apenas uma parte do que há por vir e... Mãe: A gente já conversou bastante sobre isso, mas a vida é assim, a gente vai ficando velha e. peraí, esse folheto tem algo de errado! Genro: O que dona Nice? Pai: Nice, o que tem de errado? Noiva: É mãe, o que tem de errado? Mãe: Aqui diz que o pai da noiva entra com ela pelo lado esquerdo, pelo que me lembro é do lado direito, vocês não viram ontem na novela?! Genro: Novela? Eu não tenho tempo nem de comer minha noiva... Ops... Almoçar, quanto mais ver novela. Pai: Nice, esses caras de novela sempre erram, o pai entra pela esquerda porque é a defesa da noiva. Genro: Hã? Noiva: Hã? Mãe: Hã? Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 64. Pai: O lado esquerdo geralmente é o mais fraco e ali o pai protege a noiva. Genro: De mim? Pai: É de você, seu burro! Não, é conceitual, ele defende a filha de ataques, sejam quais forem. Genro: Mas peraí, eu não vou deixar minhas outras namoradas irem ao casório, fique tranqüilo. Noiva: Mãe. Olha ele tá falando de novo delas. Mãe: Guto, já conversamos sobre isso. Genro: Peraí, se o pai está na esquerda, onde eu estou? Pai: Você ainda não está até o padre dizer que você é marido dela você não é nada. Genro: Não é o que sua filha fala pra mim na cama. Noiva: Guto! Mãe: Afinal, você entra pela esquerda ou pela direita? Genro: Dá pra pular essa parte e a gente falar da estratégia para a grana da gravata? Pai: Vamos seguir o folheto Nice, eles sabem o que fazem... Mãe: Mas a novela... Genro: Foda-se a novela Nice, vamos para a gravata. Noiva: Guto! Pai: Eu entrarei como a igreja pedir, vamos seguir as regras. Mãe: ok, mas que é pela direita é. Noiva: Tá bom mãe, vamos falar então das flores. Genro: E a gravata? Noiva: Depois Guto, depois. Genro: Vou dormir então e vocês me acordam na gravata! Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 65. Doze de vinte e quatro Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 66. - Banco Sul, Janice bom dia! - Quem fala? - Banco Sul Janice. - Janice, aqui é a Roberta, sou cliente da agência Pacaembu. - Ok, senhora como posso ajudá-la? - Jane. - Janice. - Ops, Janice, tenho um cartão de crédito e acabei de receber uma fatura no valor de trinta e dois reais referente à parcela um de quatro da anuidade. - Ok senhora. - É um absurdo Jane. - OK, senhora, o Banco Sul acredita muito no relacionamento com os seus clientes, há algo que eu possa fazer? - Eu quero cancelar o cartão. A loja Baianas está me oferecendo o mesmo cartão internacional por três de doze, como pode ser tão diferente?! _ Senhora Roberta, aguarde um minuto que passarei para o setor de relacionamento. - Não Jane... Tu ru... Ru... Ru ru ru ru. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 67. - Relacionamento Cláudio Nóbrega bom dia senhora Roberta, como podemos ajudá-la? - Carlos, tô com um sério problema, acabei de receber minha fatura e... - Um minuto senhora, faturas é no outro telefone, estou transferindo... - NÃOOOOO! Tu ru ru ru ru ru ru ru ru....ru ru ru ru...ru ru ru ru. - Relacionamento Faturas, Karen Yoshiba, boa tarde. - Peraí, boa tarde? - Senhora, é meio-dia, após o meio dia sempre falamos boa tarde. - Ok, deixa pra lá, Toshiba, é o seguinte, é você quem resolve as anuidades erradas? - Sim senhora, como posso ajudá-la? - É o seguinte, recebi a fatura com o valor de quatro de trinta e dois e tenho uma outra proposta de três de doze da loja Baianas, vocês cobrem? - Senhora, o valor de quatro de trinta e dois é para todos os clientes, não podemos alterar e... - Como não Toshiba, você disse que resolveria...e agora? -Senhora, o cartão Banco Sul Visto Internacional pode ser utilizado em qualquer lugar do mundo e tem seguro de... - Já sei de tudo isso, mas não quero pagar quatro de trinta e dois, dá para reduzir? Senão eu cancelo. - Senhora, não podemos alterar o valor. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 68. - Tá bom então eu cancelo! Silêncio do outro lado. - A senhora tem certeza de que não quer ter ao seu lado o cartão que tem mais pontuações de fide... - Vai à merda Toshiba, cancela logo então e tchau! Tu tu tu tu tu tu... Cinco minutos depois. - Banco Sul Joyce boa tarde. - Quem fala? - Banco Sul Joyce. - Josi, aqui é a Roberta, quero falar com o setor de relacionamento faturas. - Ok, senhora, estou transferindo. Tu ru ru ru ru ru ru ru ru....ru ru ru ru...ru ru ru ru. - Relacionamento faturas Karina Rúmen boa tarde. - Catarina, aqui é a Roberta, eu acabei de falar aí com a Janice e a Toshiba sobre um cartão meu, você poderia me transferir para a gerência? - Senhora, nós não temos gerência nessa unidade, como posso ajudá-la? - Josi, eu liguei para cancelar meu cartão e a Toshiba cancelou. - Senhora como posso ajudá-la? - Ela não devia ter cancelado, devia ter lutado para me manter com o cartão ou eu não sou importante para vocês e... Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 69. - Senhora. Ficamos muito felizes, a senhora quer recadastrar seu cartão multi visto internacional? - Quero ora bolas, eu gosto dele, mas quatro de trinta e dois é f... - Senhora. Podemos fazer em mais parcelas. - Ah, tá vendo Josi, você sim fala a minha língua. - Ok senhora, meu nome é Karina. - Tá bom Catarina, manda bala então, quero o internacional. Vocês têm também o credicred? - Temos sim. E a senhora já tem conosco um crédito pré-aprovado de um mil e quinhentos reais para gastos nacionais, dois mil e quinhentos para internacionais e quinhentos para saques aqui ou fora do Brasil. A senhora quer fazê-lo? - Quero, não preciso de adicionais ok? - Ok, posso fazer nas mesmas condições do Visto multi internacional? - Sim, faça então nas mesmas condições. - Ok, senhora confirmando, a senhora quer o cartão multi visto internacional e o cartão credicred internacional com seguros totais ficando em doze de vinte e quatro reais? - É isso aí Toshiba, pode mandar. - Ok, senhora, somente confirmando seu endereço ainda é o Rua das... Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 71. Tem gente que é louca por dinheiro. Alguns são loucos por mulher. Tem uma porção de gente que não sai de casa para não sujar os sapatos e tem uma maioria, principalmente de homens, que não sai de casa para não sujar o carro. Tenho um amigo assim, o Valtinho, ele é louco por carros. Ele pode morrer de fome, mas vai morrer dentro de seu mustang 67. Comprou quando ainda era novo, hoje tem quarenta e sete. Desde então dedica a maior parte do seu final de semana a limpar o tal mustang e mostrá-lo aos mais íntimos. Dia desses aconteceu algo que nem ele poderia imaginar. Dia comum no meio da semana. Convidou seu novo chefe para jantar em seu apartamento. Aliás, um belo apartamento na zona sul de São Paulo. Combinou às oito e trinta. Como seu chefe acabara de se mudar para São Paulo - ainda estava sem carro, sem apartamento próprio e sem os filhos, que haviam ficado para as provas de final de ano -, aceitou o convite de um subordinado. O Valtinho é daqueles que não faz drama por isso, foi buscar o chefe e a esposa. A sua, a Karlinha ficou em casa terminando a salada de rúcula, que já sabia por intermédio do Valtinho, faria o maior sucesso com o chefe. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 72. Faltava parte do tempero quando a Karlinha viu que só conseguiria se o tivesse em mãos. Pensou em ligar para o Valtinho, mas como sempre, ele havia esquecido o celular na mesa da sala. O Valtinho sempre foi meio desligado. Pegou a chave do Mustang e foi. O mercado era perto e ela já havia dirigido o carrão quando ainda eram solteiros. Nada aconteceu até a hora em que ela chegou dentro da garagem e foi surpreendida pela Dona Mônica, chileninha brava que guardava seu carro ao lado do Mustang. Dona Mônica dirigia mal e havia pegado parte da vaga. Karlinha fez algumas manobrinhas e colocou o carrão lá, só arranhou o espelhinho da direita no pilar, mas passou o dedo na língua e no espelhinho e deixou pra lá. Talvez o Valtinho nem notasse. Pegou o elevador e subiu. O elevador pára no térreo e quem entra? Valtinho, seu chefe e a esposa, mulher fina de seus trinta e cinco anos, dessas que passam parte do dia no cabelereiro e a outra parte no shopping. O homem já era mais tranqüilo, mas notava-se que era fino, daqueles que não levantam a voz. Após as devidas apresentações, Karlinha se vê num momento ótimo para dizer que havia batido o retrovisor e solta de forma rápida a bela frase: - Bem, raspei ospelhinho. - Quê? - Raspei ospelhinho, não adianta brigar comigo, a Dona Mônica do oitenta e dois foi a culpada. O Valtinho constrangido com a situação pede desculpas ao chefe. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 73. - Peço desculpas, são coisas de marido e mulher, depois conversaremos com calma. A propósito, o senhor conhece muito sobre vinhos não? - Valter Henrique não vou deixar nada para depois, eu tenho que falar sobre isso agora, para depois não ficarmos brigando à toa. Foi de leve, você nem vai perceber, vai até gostar, pois ficou mais harmônico com o restante. - Karla, estou ficando constrangido. Isso é coisa de marido e mulher. - E porteiro da garagem. - O quê? Ele também sabe? - Na verdade ele viu tudo. - O quê? Você deixou todo mundo ver? - Não, estava meio escuro, só ele e a Dona Mônica do oitenta e dois. Acho que o Vitor, filho do casal holandês do trinta e um também viu, mas não tenho certeza. - Como assim não tem certeza?! - Sei lá, estava cheio de gente, mas tentei ser discreta ao deixar o local. - Você fez isso em público? - Olha vocês não querem discutir isso em casa, nós voltamos outro dia. Não tem problema algum. - Senhor, isso é tão comum, tantas mulheres raspam nesse prédio e ninguém fala nada, aliás, existe uma empresa especializada em consertar problemas como esse? Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 74. Como assim? Você já envolveu o porteiro, a chilena e o ferrugem, agora quer botar uma empresa na história? - Bem, não foi tão feio assim, foi de leve. - De leve quanto? - Não tirou a cor natural, apareceu uma partezinha só, eu passei a mão na língua na hora e joguei uma salivinha e vi que já deu uma melhorada. - E todo mundo viu isso? - Só o porteiro e a Dona Mônica. - E o ferrugem? - Acho que não viu, mas ele veio depois e me perguntou se eu estava ferrada. - E você disse o que? - Que dependia de você. - Meu Deus, você deve estar bêbada. Chefe por favor, não interprete mal, ela deve estar sob uso de drogas, remédios. Você sabe, quando a mulher chega numa certa idade... - Não quero ouvir mais nada, foi o bastante, vamos de táxi. O elevador pára e o chefe sai com a mulher a tiracolo indo para o outro elevador. - Chefe! - Por favor, conversamos amanhã, resolva o problema de sua mulher, pelo jeito só você poderá resolver. - Não sei não, acho que qualquer mecânico poderia né bem? Ele só precisa... Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 75. - Não quero ouvir mais nada Karla, olha aí o chefe foi embora e você continua com essa história estúpida. Você está bêbada? - Não, só não quero que você fique bravo comigo, eu prometo que consertarei. - Você acha que se resolve assim? Isso demora. - O porteiro disse que era só passar uma tintinha. - Põe tintinha nisso Karlinha, mas que me deu vontade de ver como ficou, ah, isso deu. Me mostra? - Só se for agora, vamos na garagem. - Vamos lá! Chama o elevador que você vai ver agora o mecânico entrar em ação... Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 77. O Luiz Ângelo é um amigo e tanto. Pena que de tão loucas as suas ações todos os amigos o chamam de “crazy”. Minha mãe, que nunca aprendeu inglês chama o coitado de “creizi”. Acho até que é mais divertido chamá-lo deste apelido “aportugueizado”. O Creizi é tão louco que numa viagem de intercâmbio para a Europa, torrou em um único dia o dinheiro que seus pais juntaram para os seis meses de viagem e ligou de uma praça, onde dormia na neve, chorando para voltar. Seu pai dizia que ele vivia sob o uso de drogas. Só assim mesmo para acreditar. Recentemente o Creizi fez dezoito anos e todos ficaram felizes. Seus pais são de uma família tradicional em minha cidade e tudo indicava que um dia o Creizi assumiria todos os negócios da família. Qualquer pai tem um sonho como esse. Mas não o pai de Creizi. Ele temia o momento em que seu filho pudesse sair por aí, fazendo baderna pelo mundo. No dia de seu aniversário, o Creizi esperou seus pais dormirem e quando já era tarde, pegou o carro do pai escondido. Um ômega de última geração, com bancos de couro, motor 4.1, direção hidráulica, DVD, enfim, era o dia. Saiu com o carro e bebeu todas. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 78. Quando era de madrugada o telefone da casa dele toca. Seu pai, de pijama, chinelos trocados nos pés, levanta e vai até a mesinha atendê-lo. Pai: - Alô... (com voz de Darth Vader) Creizi: - Alô pai... Tudo bem? (chorando) Pai – Luiz Ângelo, onde você tá? Tá bêbado? (bravo) Mãe: - Quem é a essa hora Rubens? (com sono) Pai: - É o Luiz Ângelo, mas ele tá bêbado... Creizi: - Pai, eu não tô bêbado, pai. Quantos carros a gente tem? (chorando mais ainda) Pai: - Luiz Ângelo, eu tô mandando. Volta já pra casa. Você tá completamente bê... Creizi: - Pai, quantos carros a gente tem pai? (gritando no telefone) Pai: - Eu tô mandando Luiz Ângelo, volta já! (gritando no telefone) Creizi: - Eu volto pai, mas responde. Quantos carros a gente tem? (chorando e mal conseguindo falar) Pai: - Você já sabe, temos o ômega, o vectra e o gol da mamãe. Agora volta pra cas... Creizi: - Não. Só temos o Vectra e o gol da mamãe... Acabou tudo. (chorando que nem bebê) É por essas e outras que chamamos o Luiz Ângelo de creizi. Numa de suas festas, as formigas invadiram o fogão de tanta coisa que misturaram na cozinha, colocaram seu cachorro no microondas e jogaram o sofá na piscina. Isso foi quando o Creizi fez quinze anos. Até hoje acho que é trauma desse fatídico aniversário. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 79. Seis Caneco Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 80. A pobreza de espírito do pobre é algo assustador. Diria que daí vem sua maior pobreza. Ande em ruas de bairros mais pobres e verá um desfile mágico de antigos carros de ricos: monza, tempra, santana, opala, chevete e toda a sorte de carros da antiga. Não verá nenhum carro popular porque simplesmente pobre não usa carro popular. A pobreza de espírito começa quando o pobre sai para comprar o carro. Nunca leva a esposa, sempre leva o primo e o cunhado, que na maioria das vezes é o que dá mais palpite. Chegam à feira do automóvel e vão logo à sessão dos carros com motor 1.8 ou acima. Nunca compram carros 1.6 para baixo. É incrível. Depois de avaliar alguns chegam à conclusão que o melhor é comprar o santana CD 2.0 ano 1985. O cidadão chega em casa e quase apanha da esposa, mas anda com o santanão de vidros abertos com o som ligado e os filhos no banco de trás. Pobre que é pobre abre e fecha o vidro na frente do bar para mostrar que é elétrico. No terceiro dia quebra a maquininha e tem que ir ao desmanche do pezão pra trocar. Aproveita pra colocar umas calotinhas e sai de novo. Arrasando. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 81. Na estrada o pobre desfila mais ainda. Quer ver se o cidadão é pobre ou rico? Tente passá-lo. Se for rico estará com um carro popular, sem calotas, nem rodas, somente a tal roda pretinha. Se for pobre terá calotinhas e, em hipótese alguma, deixará você ultrapassar. Ainda mais se os filhos estiverem no banco de trás. Amigo leitor. Você poderá jogar farol alto, seta, arremessar todos os objetos do porta luvas e o pobre coitado continuará lá, acelerando ainda mais, poluindo o ar com a fumacinha do santanão. Se encontrar com um desses, esqueça o manual de bom motorista e passe pela direita. Não olhe para os lados senão vira racha. Só faça isso se for pobre também e estiver a bordo de um original opalão seis caneco. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite
  • 82. Fim
  • 83. Alberto Leite é formado em Comunicação pela UMESP, com MBA pela FGV e Formação Executiva pela Fundação Dom Cabral e Kellogg Business School, especializou-se nas áreas de Marketing e Vendas e na Estratégia, nas áreas de inovação, digital e na criação de valor para clientes. De 2005 a 2012 escreveu mais de 400 artigos de gestão em revistas e jornais, todos com muito bom humor. Fez mais de 150 palestras pelo Brasil e pelo mundo sempre focando nos temas de gestão Moderna com foco em resultados e alta performance de equipes. Os temas “Mundo Novo” e “Mais do Mesmo”, temas de algumas delas falam da gestão no ambiente colaborativo e o aumento de desempenho de equipes. Na área de pesquisas desenvolveu alguns dos maiores benchmarks do setor da tecnologia da informação com a consultoria Deloitte e na área hospitalar com a consultoria PWC. É hoje também professor de inovação no MBA da FIA USP e CEO do Virtvs Group. Revela-se neste livro como um escritor de contos curtos, de linguagem simples e Sem perder o bom humor. Direitos Autorais reservados – Alberto Leite