2. Sumário
IParte - A revelação
1. Revelação Divina ..............................................................................................................4
2. Paradoxo, Mistério e Contradição ........................................................................................7
3. Revelação Geral Imediata e
Mediada ..................................................................................9
4. A Revelação Especial e a
Bíblia ........................................................................................11
5. A Lei de Deus..................................................................................................................12
6. Os Profetas de Deus........................................................................................................13
7. O Cânon das Escrituras...................................................................................................14
8. A Interpretação da Bíblia.................................................................................................16
9. A Interpretação Pessoal ..................................................................................................18
IIParte - A Natureza e os Atributos de Deus
10. A Incompreensibilidade de Deus....................................................................................20
11. A Triunidade de Deus....................................................................................................22
12. A Auto-Existência de Deus.............................................................................................23
13. A Onipotência de Deus..................................................................................................24
14. A Onipresença de Deus..................................................................................................26
15. A Onisciência de Deus...................................................................................................27
16. A Santidade de Deus .....................................................................................................29
17. A Bondade de Deus.......................................................................................................30
18. A Justiça de Deus..........................................................................................................32
IIIParte - As Obras e os Decretos de Deus
19.A Criação......................................................................................................................34
20. A Providência ...............................................................................................................36
21. Os Milagres ..................................................................................................................38
22. A Vontade de Deus........................................................................................................39
23. A Aliança.......................................................................................................................41
24. A Aliança das Obras......................................................................................................42
IVParte - Jesus Cristo
25. A Divindade de Cristo....................................................................................................44
26. A Subordinação de Cristo..............................................................................................45
27. A Humanidade de Cristo................................................................................................46
28. A Impecabilidade de Cristo............................................................................................47
29. O Nascimento Virginal...................................................................................................48
30. Jesus Cristo como o Unigênito.......................................................................................49
31. O Batismo de Cristo.......................................................................................................51
32. A Glória de Cristo..........................................................................................................52
33. A Ascensão de Cristo.....................................................................................................53
34. Jesus Cristo como Mediador..........................................................................................55
35. Os Três Ofícios de Cristo ...............................................................................................56
36. Os Títulos de Jesus.......................................................................................................57
PARA COMPREENDER AS ESCRITURAS
O preparo doutrinário dos convertidos é sempre um desafio para a igreja. Onde
encontrar material? Qual será o nível adequado9 Que formatação e abordagem serão mais
convenientes?
É um privilégio apresentar Verdades Essenciais da Fé Cristã aos pastores e líderes.
Criada por RC Sproul, mestre em Bíblia, essa obra foi originalmente publicada em um só
volume, mas decidimos dividi-la em três cadernos e acrescentar as perguntas para avaliação e
discussão, buscando torná-la mais útil no preparo dos crentes. A lista de assuntos dos dois
outros cadernos encontra-se em cada um deles.
Nossa época defende que basta crer, não importa em quê. Uma vez que a fé cristã é
proposicional e a Palavra de Deus é a regra de fé e prática para o cristão, o conflito está
armado e precisaremos de boa bagagem bíblica para resistir aos ataques do subjetivismo, do
relativismo ou do agnosticismo dos nossos dias.
Esta série certamente vai ajudar-nos a melhor compreender as Escrituras e a termos
1
3. 1
mais firmeza em nossa fé.
Por isso, bom estudo.
Cláudio Marra–Editor
PARTE
I
4. 1
REVELAÇÃO DIVINA 1
Salmos 19.1-14; Efésios 3.1-13; 2 Timóteo 3.14-17; Hebreus 1.1-4
Tudo o que sabemos sobre o Cristianismo nos foi revelado por Deus. Revelar
significa “tirar o véu”. Tem a ver com remover a cobertura e descobrir algo que está
encoberto.
Quando meu filho era pequeno, nossa família desenvolveu uma tradição anual
para comemorar seu aniversário. Em vez da prática geral de entregar os presentes,
fazíamos isso por meio da nossa versão caseira do programa de televisão “Vamos Fazer
um Trato”. Eu escondia os presentes destinados a ele, por exemplo, dentro de uma
gaveta, debaixo do sofá ou atrás de uma cadeira. Então lhe dava algumas opções:
“Você pode ganhar o que está na gaveta da minha escrivaninha ou o que está no meu
bolso”. O ponto principal do jogo era o “grande trato do dia”. Eu colocava três
cadeiras, uma ao lado da outra, cada uma delas coberta com um lençol. Cada lençol
encobria um presente. Na primeira cadeira colocávamos um presente simples, na
segunda o presente principal que ele iria ganhar e sobre a terceira uma muleta que ele
havia usado quando quebrou a perna aos sete anos de idade.
Meu filho escolheu a cadeira com a muleta por três anos consecutivos! (No final,
sempre permitíamos que trocasse a muleta pelo presente.) No quarto ano, estava
determinado a não escolher mais a muleta. Desta vez, eu escondi o presente principal
junto com a muleta, na mesma cadeira, e deixei a ponta da muleta aparecendo por
baixo do lençol. Ao ver a ponta da muleta, meu filho evitou cuidadosamente aquela
cadeira. Ganhei de novo!
A parte mais divertida da brincadeira era tentar adivinhar onde o presente estava
escondido. Tratava-se contudo de um trabalho de mera suposição, pura especulação.
A descoberta do verdadeiro tesouro só podia ser feita depois que o lençol era removido
e o presente ficava exposto.
O mesmo acontece com o nosso conhecimento de Deus. A especulação fútil sobre
Deus é mera tolice. Se queremos conhecê-lo de verdade, temos de depender daquilo
que ele revela sobre si mesmo.
A Bíblia declara que Deus se revela de várias maneiras. Manifesta sua glória na
natureza e por meio dela. Revelou-se nos tempos antigos por meio desonhose visões.
As marcas da sua providência se manifestam nas páginas da História. Revela-se nas
Escrituras inspiradas. O ponto mais alto da sua revelação é visualizado em Jesus
Cristo, tornando-se ser humano — o que os teólogos chamam de “encarnação”.
O autor da Carta aos Hebreus escreveu:
Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais,
pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro
de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Hebreus 1.1,2
Embora a Bíblia fale das “diversas maneiras” em que Deus se revela,
distinguimos entre dois tipos principais de revelação — a geral e a especial.
A revelação geral é chamada assim por duas razões: (1) ela é geral no conteúdo e
(2) é revelada para uma audiência geral.
Conteúdo geral
A revelação geral nos proporciona o conhecimento de que Deus existe. “Os céus
proclamam a glória de Deus”, diz o salmista. A glória de Deus é manifesta nas obras
das suas mãos. Essa manifestação é tão clara e visível que nenhuma criatura pode
5. deixar de percebê-la. Ela revela o poder eterno de Deus e sua divindade (Rm 1.18-23).
A revelação na natureza, porém, não proporciona uma revelação plena de Deus. Não
nos dá informações sobre o Deus Redentor que encontramos na Bíblia. O Deus que se
revela na natureza, entretanto, é o mesmo Deus que se revela na Bíblia.
Público geral
Nem todas as pessoas no mundo já leram a Bíblia ou ouviram a proclamação do
Evangelho. A luz da natureza, porém, brilha sobre todos, em todos os lugares, em
todo o tempo. A revelação geral de Deus acontece diariamente. Deus nunca fica sem
um testemunho de si mesmo. O mundo visível é como um espelho que reflete a glória
do seu Criador.
O mundo é um palco para Deus. Ele é o ator principal, que aparece em primeiro
plano e no centro. Nenhuma cortina pode fechar-se para obscurecer sua presença.
Basta um olhar de relance na criação para se perceber que a natureza não é sua
própria mãe. Não existe a tal “Mãe Natureza”. A natureza em si mesma não tem
poderes para produzir qualquer tipo de vida. A natureza, em si, é estéril. O poder de
produzir vida reside no Autor da natureza—Deus. Colocar a natureza como a fonte de
vida é confundir a criatura com o Criador. Todas asformas de adoração da natureza,
portanto, são atos de idolatria e silo abomináveis para Deus.
A luz da força da revelação geral, todo ser humano sabe que Deus existe. O
ateísmo envolve a negação total de algo que é reconhecido como verdadeiro. Por isso a
Bíblia diz: “Diz o insensato no seu coração: Não há Deus” (SI 14.1). Quando as
Escrituras tratam tão severamente o ateu, chamando-o de “insensato”, elas estão
fazendo um julgamento moral dele. Ser insensato, em termos bíblicos, não significa
ter pouco entendimento ou falta de inteligência; é ser imoral. Como o temor do Senhor
é o princípio da sabedoria, assim a negação de Deus é o máximo da loucura.
1
DEUS
REVELAÇÃO
SERES HUMANOS
Semelhantemente, o agnóstico nega a validade da revelação geral. () agnóstico,
porém, é menos berrante que o ateu. Ele não nega terminantemente a existência de
Deus. Pelo contrário, ele declara que as evidências são insuficientes para se decidir de
uma maneira ou de outra quanto à existência de Deus. Prefere suspender seu
julgamento, deixando o tema da existência de Deus uma questão em aberto. A luz da
clareza da revelação geral, entretanto, a posição do agnosticismo não é menos
abominável para Deus do que a do ateísta militante.
Para qualquer pessoa, porém, cuja mente e coração'estão abertos, a glória de
Deus é maravilhosa de se ver — desde os bilhões de universos no firmamento, até as
partículas subatômicas que formam a menor das moléculas. Que Deus incrível nós
servimos!
Sumário
1.O cristianismo é uma religião revelada.
2.A revelação de Deus é uma automanifestação. Ele remove o véu que nos impede de
conhecê-lo.
3.Não podemos conhecer a Deus por meio de especulação.
4.Deus se revelou de várias maneiras ao longo da História.
5.A revelação geral é comunicada a todos os seres humanos.
6.O ateísmo e o agnosticismo são baseados na negação daquilo que as pessoas sabem
6. ser a verdade.
7.A insensatez tem por fundamento a negação de Deus.
8.A sabedoria tem por fundamento o temor de Deus.
Para discussão e avaliação
1.Qual a diferença entre “Conteúdo geral” e “público geral”?
2.Que argumentos o autor usa para combater a ideia da natureza como “mãe”?
3.Qual a diferença entre ateísmo e agnosticismo?
4.Que revelações sobre o caráter e a natureza de Deus podem ser observadas na natureza?
5.Há alguma forma convincente de tentarmos explicar a origem da vida e de todas as
coisas criadas excluindo completamente a existência de Deus? Porquê?
6.Certas pessoas ouvem a pregação da Palavra de Deus por muitos anos sem nenhuma
reação diante de suas verdades. Permanecem indiferentes a tudo o que diz respeito a
Deus e às coisas santas. Mas, no momento em que se convertem, tudo aquilo que
sempre ouviram com indiferença passa a fazer sentido para eles e de repente sua atenção
é despertada. O que aconteceu com essas pessoas que chegam até mesmo a dizer: “Como
é que eu não compreendi isso antes?”
1
Revelação geral:
Deus, o Criador.
Revelação Especial:
Deus o Redentor, é
revelado aos que
ouvem.
Revelação comunicada a
todos os humanos
7. PARADOXO, MISTÉRIO E CONTRADIÇÃO 2
Mateus 13.11; Mateus 16.25; Romanos 16.25-27; 1 Coríntios2.7; 1Coríntios 14.33
Ainfluência de vários movimentos em nossa cultura, tais como a Nova Era, as religiões
orientais e a filosofia irracional tem provocado uma crise no entendimento. Uma nova forma de
misticismo tem surgido, a qual exalta o absurdo como a marca registrada da verdade religiosa.
Lembremo-nos da máxima do Zen Budismo, de que “Deus é uma mão batendo palmas” como uma
ilustração desse padrão.
Dizer que Deus é uma mão batendo palmas tem uma ressonância profunda. Tal afirmação
confunde a mente consciente, pois é um golpe nos padrões normais de pensamento. Soa “profundo”
e intrigante, até analisarmos cuidadosamente e descobrirmos que na raiz é simplesmente destituída
de sentido.
A irracionalidade é um tipo de caos mental. Fundamenta-se na confusão que se opõe ao Autor
de toda a verdade, o qual não é de forma alguma autor de confusão.
O Cristianismo bíblico é vulnerável a tais correntes de irracionalidade exaltada, porque
irracionalidade admite candidamente que existem muitos paradoxos e mistérios na própria Bíblia.
Existem linhas que separam o paradoxo, o mistério e a contradição; embora sejam tênues, essas
linhas divisórias são cruciais e é importante que aprendamos a distingui-las.
Quando tentamos perscrutar as profundezas de Deus, somos facilmente confundidos.
Nenhum mortal pode compreender a Deus exaustivamente. A Bíblia revela coisas sobre Deus que
sabemos serem verdadeiras, a despeito da nossa incapacidade de entendê-las totalmente. Não
temos um ponto de referência humano para entender, por exemplo, um ser que é três em termos de
pessoa, mas um só em essência (a Trindade), ou um ser que é uma pessoa com duas naturezas
distintas, humana e divina (a pessoa de Cristo). Essas verdades, tão certas, como são, são
“elevadas” demais para podermos compreendê-las.
Encontramos problemas similares no mundo natural. Sabemos que a força da gravidade
existe, mas não a entendemos e nem tentamos defini-la como irracional ou contraditória. Amaioria
das pessoas concorda que o movimento é uma parte integrante da realidade, embora a essência do
movimento em si tenha deixado filósofos e cientistas perplexos por milênios. Há muito mistério
sobre a realidade e muitas coisas que não entendemos. Isso, porém, não justifica um salto no
absurdo. A irracionalidade é fatal tanto para a religião como para a ciência. De fato, ela é mortal
para qualquer verdade.
O filósofo cristão Gordon H. Clark certa vez definiu um paradoxo como “uma cãibra entre as
orelhas”. Seu comentário espirituoso destina-se a destacar que aquilo que às vezes é chamado de
paradoxofreqüentemente nada mais é do que preguiça mental. Clark, entretanto, reconhecia
claramente o papel legítimo e a função do paradoxo. A palavraparadoxo vem de uma raiz grega que
significa “parecer ou aparentar”. Paradoxos são difíceis de entender porque à primeira vista
“parecem” contradições, mas quando são sujeitos a um exame minucioso, freqüentemente pode-se
encontrar as soluções. Por exemplo, Jesus disse: Quem perde a vida por minha causa achá-la-á
(Mt.10:39). Aparentemente, isso soa semelhante à declaração de que “Deus é uma mão batendo
palmas”. Soa como uma contradição. O que Jesus queria dizer, contudo, é que se alguém perde sua
vida em um sentido, irá encontrá-la em outro sentido. Já que a perda e a salvação têm sentidos
diferentes, não há contradição. Eu sou pai e filho ao mesmo tempo, mas obviamente não no mesmo
relacionamento com a mesma pessoa.
O termo paradoxo é freqüentemente mal-interpretado como sendo sinônimo de contradição,
agora, inclusive, aparece em alguns dicionários como um significado secundário desse termo. Uma
contradição é uma afirmação que viola a lei clássica da não-contradição. A Lei da não-contradição
declara que A não pode ser A e não-A ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Quer dizer, algo não
pode ser o que é e não ser o que é ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Essa é a mais
fundamental de todas as leis da lógica.
Ninguém pode entender uma contradição, porque uma contradição é inerentemente
incompreensível. Nem mesmo Deus pode entender contradições; entretanto, certamente ele pode
reconhecê-las pelo que são—falsidades. A palavra contradiçãovem do latim “falar contra”. Às vezes
1
8. é chamada uma antinomia, que significa “contra a lei”. Para Deus, falar em contradições seria ser
intelectualmente anormal, falar com uma língua bipartida. Até mesmo insinuar que o Autor da
verdade poderia cair em contradição seria um grande insulto e uma blasfêmia irresponsável. A
contradição é a arma do mentiroso — o pai da mentira, que despreza a verdade.
Existe uma relação entre mistério e contradição, que facilmente nos leva a confundir ambos.
Não entendemos mistérios. Não podemos entender contradições. O ponto de contato entre ambos os
conceitos é seu caráter ininteligível. Os mistérios podem não ser claros para nós agora
simplesmente porque nos falta a informação ou a perspectiva para entendê-los. A Bíblia promete
que no céu teremos mais luz sobre os mistérios que agora não podemos entender. Mais luz pode
resolver os atuais mistérios. Não existe, entretanto, luz suficiente nem no céu nem na Terra para
resolver uma óbvia contradição
Sumário
1.Paradoxoé uma contradição aparenteque, quando examinada com mais cuidado, pode
apresentar uma solução.
2.Mistério é algo desconhecido para nós no presente, mas que pode ser solucionado.
3.Contradição é uma violação da Lei da não-contradição. E impossível ser resolvida, tanto
pelos mortais como pelo próprio Deus, tanto neste mundo como no mundo vindouro.
Para discussão e avaliação
1. Quais são alguns dos mistérios da fé e da natureza que o autor cita neste capítulo?
2. Qual é o ponto em comum entre mistério e contradição? E em que aspecto eles são
1
diferentes?
3. Por causa dos seus paradoxos, a Bíblia tem sido considerada a “mãe de todas as heresias”.
Com que auxílio contamos, a partir de textos bíblicos como 2 Coríntios 4.3-6 e João
14.16,17 e 26 para não cairmos no erro de ensinar falsas idéias a partir de textos
extraídos da própria Bíblia?
4. A Bíblia fala de um mistério que esteve oculto desde os tempos eternos, mas que foi
revelado à humanidade através da vida e obra de Jesus Cristo (Rm.16.25-27). Você crê
que outros mistérios só serão revelados na eternidade, quando estivermos junto ao Pai?
Quais seriam alguns destes mistérios para você?
5. Qual é a sua atitude diante da Bíblia quando você se depara comtextos que apresentam
aparentes contradições?
9. REVELAÇÃO GERAL IMEDIATA E MEDIADA 3
Salmos 19.1-4; Atos 14.8-18; Atos 17.16-34; Romanos 1.18-23; Romanos 2.14-15
Quando eu era menino e minha mãe queria que fizesse algo para ela sem demora, acentuava a
ordem usando o advérbio imediatamente. Ela dizia: “Filho, vá para o seu quartoimediatamente”.
Minha mãe usava a palavra imediatamente para referir-se a um evento no tempo que devia
ocorrer sem qualquer bloco de tempo intermediário. Na teologia, o termo imediato significa algo
mais. Significa que algo acontece sepassar por nenhum agente, objeto ou meio intermediários. E
uma ação que ocorre sem a participação de intermediários.
Na teologia bíblica podemos distinguir dois tipos de revelação geral— aquela que é
comunicada por meio de um agente intermediário e aquela que é comunicada diretamente. Quando
falamos de revelação geral mediada, nos referimos à revelação transmitida por meio de alguma
coisa. Quando os céus revelam a Deus, tornam-se os mediadores, ou o meio pelo qual Deus
manifesta sua glória. Neste sentido, todo o universo é um meio de revelação divina. A criação dá
testemunho do seu Criador.
A Bíblia diz que a toda a Terra está repleta da glória de Deus. Lamentavelmente, com
freqüência nós ignoramos essa glória que nos cerca. Temos a tendência de viver de maneira
superficial. Estamos desatentos diante da maravilha que Deus nos proporciona em sua gloriosa
criação. Estamos desligados e fora de contato. As idéias religiosas são inúteis se não expressam
algo real.
A presença sublime de Deus está em toda a nossa volta. Ainda assim, muitas vezes estamos
cegos e surdos para ela. Não compreendemos sua linguagem. Exige mais do que simplesmente
parar para cheirar as flores. A flor contém mais do que um aroma suave ou um perfume agradável.
Ela transpira a glória do seu Criador. Todos nós estamos em contato com a revelação divina,
quando reconhecemos a glória de Deus na natureza. A natureza não é divina. A glória de Deus,
entretanto, enche a natureza e é revelada nela e por meio dela.
Além de revelar sua glória indiretamente por meio da criação, Deus também se revela
diretamente à mente humana. Essa é chamada revelação geral imediata.
O apóstolo Paulo fala da Lei de Deus escrita em nosso coração (Rm.2.12-16). João Calvino
falou sobre um senso do divino, o qual Deus implanta na mente de cada pessoa. Ele disse:
Nós, inquestionavelmente, afirmamos que os homens têm em si mesmos certo senso da
divindade; e isto, por um instinto natural. ...Deus mesmo dotou todos os homens com certo
conhecimento de sua divindade, cuja memória ele constantemente renova e ocasionalmente
amplia. (Institutas, II,I,43).
Todas as culturas atestam a presença de alguma atividade religiosa, confirmando a incurável
natureza religiosa da humanidade. Os seres humanos são religiosos no seu âmago. O caráter de tal
religiosidade pode ser grosseiramente idolatra, mas até mesmo a idolatria, ou melhor,
principalmente a idolatria, dá uma evidência desse conhecimento inato que pode ser distorcido, mas
jamais destruído. Lá bem no fundo da nossa alma nós sabemos que Deus existe e que nos deu suas
Leis. Procuramos sufocar esse conhecimento a fim de escapar dos seus mandamentos. Por mais
que nos esforcemos, porém, não podemos calar essa voz interior. Ela pode ser abafada, mas jamais
ser destruída.
1
10. Sumário
1. A glória de Deus é evidente em toda a nossa volta. Ela é mediada pela criação de Deus.
2. Os seres humanos são religiosos por natureza.
3. Deus implanta em todos os seres humanos um conhecimento inato de si mesmo. Isso se
1
chama revelação geral imediata.
Para discussão e avaliação
1. Como a natureza é instrumento para a revelação geral mediada de Deus?
2. Onde é que Deus implantou o senso inato de si mesmo nos seres humanos?
3. Que fato confirma a natureza religiosa da humanidade?
4. Se toda a humanidade tem a lei de Deus gravada em seus corações, porque nem
todos obedecem a esta lei?
5. É possível pessoas não terem o conhecimento da Palavra de Deus e mesmo assim
levarem vidas honestas e íntegras, em relação aos padrões dos homens?
6. A revelação de Deus através da natureza é suficiente para a salvação de alguém? (Rm
1.18-23)
7. A consciência humana funciona como um indicador da existência de Deus? Porquê?
11. REVELAÇÃO ESPECIAL E A BÍBLIA 4
Salmos 119; João 17.17; 1 Tessalonicenses 2.13; 2 Timóteo 3.15-17; 2 Pedro 1.20-21
Quando foi tentado por Satanás no deserto, Jesus o repreendeu com as palavras: “Está
escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt
4.4). Historicamente, a igreja tem efeito ecoar o ensino de Jesus, afirmando que a Bíblia é a
vox Dei, a “voz de Deus” ou o verbum Dei, a “Palavra de Deus”. Chamar a Bíblia de “a Palavra
de Deus” não significa sugerir que ela foi escrita pela própria mão de Deus, ou que caiu do céu
num pára-quedas. A própria Bíblia claramente chama a atenção para seus muitos autores
humanos. Se a estudarmos cuidadosamente, percebemos que cada autor humano tem seu
próprio estilo literário peculiar, seu próprio vocabulário, ênfase especial, perspectiva e outros
aspectos. Já que a produção da Bíblia envolveu esforço humano, como pode ser ela
considerada Palavra de Deus?
Bíblia é chamada de Palavra de Deus por causa da sua reivindicação, acreditada pela
igreja, de que os escritores humanos não escreveram simplesmente suas próprias opiniões,
mas que suas palavras foram inspiradas por Deus. O apóstolo Paulo escreve: “Toda Escritura
é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16). A palavra inspiração é uma tradução da palavra grega que
significa “sopro de Deus”. Quer dizer, Deus soprou a Bíblia. Assim como temos de expelir ar
de nossa boca quando falamos, assim, em última análise, a Bíblia é Deus falando.
Embora a Bíblia tenha chegado a nós por intermédio das mãos de autores humanos, a
fonte suprema das Escrituras é Deus. Por isso os profetas podiam prefaciar suas palavras,
dizendo: “Assim diz o Senhor”. Por isso Jesus também podia dizer: “A tua palavra é a verdade”
(Jo 17.17) e “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35).
A palavra inspiração também chama a atenção para o processo pelo qual o Espírito Santo
superintendeu a produção da Bíblia. O Espírito guiou os autores humanos para que as
palavras deles não fossem nada menos que a Palavra de Deus. Não sabemos como Deus
superintendeu a redação original da Bíblia. Inspiração, entretanto, não significa que Deus
ditou sua mensagem para aqueles que redigiram a Bíblia. Ao invés disso, o Espírito Santo
comunicou as exatas palavras de Deus por intermédio dos escritores humanos.
Os cristãos afirmam a infalibilidade e a inerrância da Bíblia porque, em última análise,
Deus é seu autor. E porque Deus é incapaz de inspirar algo falso, sua palavra é totalmente
verdadeira e digna de toda confiança. Qualquer literatura humana, elaborada pelos meios
normais, está sujeita a erros. A Bíblia, porém, não é um projeto humano normal. Se a Bíblia
foi inspirada por Deus e a sua redação foi supervisionada por ele, então não pode ter erros.
Isso não significa que as traduções da Bíblia que temos hoje não estejam isentas de erro,
mas que os manuscritos originais eram absolutamente corretos. Isso também não significa
que cada declaração da Bíblia seja a expressão da verdade. O escritor do livro de Eclesiastes,
por exemplo, declara que “no além para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma” (Ec 9.10). O escritor estava falando do ponto de vista
do desespero humano e sabemos que esta declaração não expressa a verdade, de acordo com
outros textos bíblicos. A Bíblia expressa a verdade até mesmo ao revelar a falsa argumentação
de um homem desesperado.
Sumário
1. A inspiração é o processo por meio do qual Deus soprou sua palavra.
2. Deus é a fonte suprema da Bíblia.
3. Deus é o superintendente supremo da Bíblia.
4. Somente os manuscritos originais da Bíblia eram isentos de erros.
Para discussão e avaliação
1. O que significa a expressão “A Bíblia é um livro divino-humano”?
2. O que é inspiração?
3. Por que o autor afirma que Deus é a fonte suprema da Bíblia?
4. O que o autor quis dizer ao afirmar que Deus é o superintendente da Bíblia?
5. Sua fé nas Escrituras seria abalada caso alguma escavação arqueológica descobrisse hoje uma
terceira carta que Paulo escreveu aos coríntios e que não foi incluída na Bíblia?
1
12. 6. Como é que podemos saber de fato que o que lemos na Bíblia vem de Deus?
7. Há alguma coisa, hoje, além da Bíblia, que dita regras e normas de condutas para a vida dos
crentes? Se sim, a sua autoridade é inferior, superior ou está em pé de igualdade com as
Escrituras Sagradas?
8. “O sopro inspirativo” de Deus ainda sopra por outros meios hoje? Quais seriam alguns deles?
1
A LEI DE DEUS 5
Êxodo20:1-17; Salmos 115:3; Mateus 5:17-20; Romanos 7:7-25; Gálatas3:23-29
Deus governa seu universo por meio de leis. A própria natureza opera sob seu governo
providencial. As assim chamadas leis da natureza descrevem meramente a maneira normal de
Deus estabelecer a ordem em seu universo. Essas "leis" são expressões da sua vontade
soberana.
Deus não está sujeito a nenhuma lei fora de si mesmo. Não existe nenhuma regra
cósmica independente a qual Deus seja obrigado a obedecer. Ao contrário, Deus é a sua
própria lei. Isso significa simplesmente que ele age de acordo com seu próprio caráter moral, o
qual não só é moralmente perfeito, mas também é o padrão supremo da perfeição. Suas ações
são perfeitas porque sua natureza é perfeita e ele sempre age de acordo com sua natureza.
Portanto, Deus nunca é arbitrário, extravagante ou caprichoso. Ele sempre faz o que é certo.
Como criaturas de Deus, também se requer de nós que façamos o que é certo. Deus exige
que vivamos segundo sua lei moral, a qual ele nos revelou na Bíblia. Alei de Deus é o padrão
supremo de justiça e a norma suprema para se julgar o certo e o errado. Como nosso criador
soberano, Deus tem autoridade para impor obrigações sobre nós, exigir nossa obediência e
obrigar nossa consciência. Deus também tem o poder e o direito de punir a desobediência
quando violamos sua lei. (Pecado pode ser definido como desobediência à lei de Deus.)
Algumas leis na Bíblia são baseadas diretamente no caráter de Deus. Tais leis refletem
os elementos transculturais e permanentes das relações divinas e humanas. Outras leis foram
planejadas de acordo com condições temporárias da sociedade. Isso significa que algumas leis
são absolutas e eternas, enquanto que outras podem ser anuladas por Deus por razões
históricas, tais como as leis alimentares e cerimoniais de Israel. Somente o próprio Deus pode
revogar tais leis Os seres humanos em hipótese alguma têm a autoridade para anular as leis
de Deus
Não somos autônomos. Ou seja, não podemos viver de acordo com nossas próprias leis.
A condição moral da humanidade é de heteronomia: vivemos sujeitos à lei de outrem. A forma
específica da heteronomia sob a qual vivemos é a teonomia, ou seja, a lei de Deus.
Autonomia = auto nomos = lei própria
Heteronomia = hetero nomos = lei de outrem
Teonomia = Theos nomos = lei de Deus
Sumário
1. Deus governa o universo por meio de leis. A lei da gravidade é um exemplo de uma das
leis de Deus para a natureza. As leis morais de Deus são exibidas nos Dez Mandamentos
2. Deus tem a autoridade para impor obrigações sobre suas criaturas.
3. Deus age de acordo com a lei do seu próprio caráter.
4. Deus revela sua lei moral à nossa consciência e nas Escrituras.
5. Somente Deus tem a autoridade para revogar suas leis.
Para discussão e avaliação
1.Por que as leis cerimoniais e dietéticas de Israel foram anuladas por Deus?
2. Como soberano, que autoridade tem Deus sobre nós, em relação à lei?
3.Por que a lei de Deus é perfeita?
4.Que conseqüências podemos sofrer por desobedecer a lei de Deus? Cite alguns
exemplos.
5. Que privilégios obtemos em obedecer à lei de Deus?
13. 6. As leis de Deus privam o homem de privilégios que ele poderia desfrutar caso elas não
1
existissem?
OS PROFETAS DE DEUS 6
Deuteronômio 18.15-22; Isaías 6; Joel2.28-32; Mateus 7.15-20; Efésios 4.11-16
Os profetas do Antigo Testamento foram pessoas que receberam um chamado único de Deus e
que receberam suas mensagens de maneira sobrenatural, as quais deveriam transmitir a nós. Deus
transmitiu sua palavra através dos lábios e dos escritos dos profetas.
A profecia envolvia predição do futuro (preanunciar) e proclamação e exortação atuais da palavra
de Deus (anunciar em seguida). Os profetas eram revestidos de tal maneira pelo Espírito Santo que
suas palavras eram palavras de Deus. Por isso as mensagens proféticas geralmente eram prefaciadas
com a frase: "Assim diz o Senhor".
Os profetas foram os reformadores da religião de Israel. Chamavam o povo de volta à adoração
pura e à obediência a Deus. Embora os profetas fossem críticos quanto à maneira como a adoração dos
israelitas freqüentemente se degenerava num mero ritual, eles não condenavam nem atacavamas
formas originais de adoração que Deushaviadado a seu povo. Os profetas não eram revolucionários nem
anarquistas religiosos Sua tarefa era purificar, não destruir, reformar, não substituir o culto de Israel.
Os profetas também se preocupavam profundamente com a justiça social e a integridade. Eram a
consciência de Israel, chamando o povo ao arrependimento. Também funcionavam como promotores
legais da aliança de Deus. Eles “intimavam” a nação por ter violado os termos da aliança com Deus.
Os profetas falavam com autoridade divina porque Deus os chamava especificamente para serem
Seu porta-vozes. Não herdavam sua função, nem eram eleitos para exercê-la. O chamado imediato de
Deus, juntamente com o poder do Espírito Santo, constituíam as credenciais dos profetas.
Os falsos profetas foram um problema constante em Israel. Ao invés de proferir os oráculos de
Deus, transmitiam seus próprios sonhos e opiniões — dizendo ao povo somente o que este queria ouvir.
Os verdadeiros profetas freqüentemente eram severamente perseguidos e rejeitados por seus
contemporâneos por se recusarem a comprometer a proclamação de todo o conselho de Deus.
Geralmente, os livros dos profetas são divididos em "profetas maiores" e "profetas menores". Essa
distinção não se refere à maior ou menor importância dos profetas, mas ao volume dos seus escritos
canônicos. Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel são chamados de profetas maiores, porque escreveram
mais, enquanto que Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu,
Zacarias, Malaquias são referidos como os profetas menores, porque seus livros são bem menores.
Os apóstolos do Novo Testamento possuíam muitas das características dos profetas do Antigo
Testamento. Os apóstolos e os profetas juntos são considerados como o fundamento da igreja.
Sumário
DEUS = Autor Supremo
INSPIRAÇÃO
Autores Humanos
BÍBLIA
1. Os profetas do Antigo Testamento foram agentes da revelação divina.
2. A profecia envolvia pré-anúncio e anúncio.
3. Os profetas foram os reformadores do culto e da vida dos israelitas.
4. Somente aqueles chamados diretamente por Deus tinham autoridade para
serem seus profetas.
5. Os falsos profetas expressavam suas próprias opiniões e falavam o que o povo queria ouvir.
6. Profetas maiores e menores são designados assim de acordo com o volume enão pela
importância dos seus escritos.
Para discussão e avaliação
1. Quais eram as credenciais de um profeta no Antigo Testamento?
2. Qual era o ministério dos profetas no Antigo Testamento?
3. Hoje em dia, o dom de profeta tem sido muitas vezes entendido pelas igrejas evangélicas como
aquela pessoa que prevê o futuro, revelando coisas tais como o que vai acontecer com a vida dapessoa,
com quem ela vai se casar, qual emprego vai arrumar etc. Este tipo de profeta segue o modelo mostrado
no A. Testamento?
14. 4. Há falta de profetas na igreja de hoje, que mostrem os seus desvios e a chamem de volta ao
1
arrependimento e à prática da justiça? Por quê?
5. Seriam esses profetas hoje tão necessários para a igreja como foram os da época do Antigo
Testamento para o povo de Israel? Por quê?
6. Os seus ditos e/ou escritos teriam o mesmo peso de autoridade que os que estão registrados
na Bíblia?
7. Quais aspectos da vida e do culto da igreja evangélica seriam repreendidos caso os profetas do
Antigo Testamento realizassem seus ministérios hoje?
O CÂNON DAS ESCRITURAS 7
Lucas 24.44-45; 1 Coríntios 15.3-8; 2 Timóteo 3.16-17; 2 Pedro 1.19-21; 2 Pedro 3.14-16
Geralmente pensamos na Bíblia como um livro grande. Na verdade, trata-se de uma
pequena biblioteca composta de 66 livros individuais. Juntos, tais livros compõem o que
chamamos cânon da Escritura Sagrada. O termo cânon deriva-se de uma palavra grega que
significa "vara de medir", "padrão", ou "norma". Historicamente, a Bíblia tem sido a regra
autoritativa de fé e prática na Igreja.
Com referência aos livros que compõem o Novo Testamento, existe completo acordo entre
católicos romanos e protestantes. Existe, entretanto, forte divergência entre os dois grupos
sobre o que deveria ser incluído no Antigo Testamento. Os católicos romanos consideram os
livros chamados apócrifos como sendo canônicos, enquanto o protestantismo histórico não os
considera. (Os livros apócrifos foram escritos depois que o Antigo Testamento já estava com-pleto
e antes que começasse o Novo Testamento.) O debate concernente aos apócrifos
concentra-se na questão mais ampla do que era considerado canônico pela comunidade
judaica. Existem fortes evidências de que os apócrifos não eram incluídos no cânon palestino
dos judeus. Por outro lado, tudo indica que os judeus que viviam no Egito teriam incluído tais
livros (traduzidos para o grego) no cânon alexandrino. Evidências recentes, entretanto, lançam
dúvidas sobre isso.
Alguns críticos da Bíblia argumentam que a Igreja não tinha a Bíblia como tal até quase
o início do quinto século. Isso, porém, é uma distorção de todo o processo do desenvolvimento
canônico. A Igreja reuniu-se em concilio em várias ocasiões nos primeiros séculos para decidir
as disputas sobre quais livros pertenciam propriamente ao cânon. O primeiro cânon formal do
Novo Testamento foi criado pelo herege Marcião, o qual produziu sua própria versão
expurgada da Bíblia. Para combatê-lo, a Igreja descobriu que era preciso declarar qual o
conteúdo exato do Novo Testamento.
Embora a grande maioria dos livros que atualmente se acham incluídos no Novo
Testamento claramente funcionava com autoridade canônica desde que foram escritos, houve
alguns poucos livros cuja inclusão no cânon do Novo Testamento foi muito debatida. Esses
livros incluíam Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse.
Houve também vários livros que disputavam a condição de canônicos, mas que não
foram incluídos. A maioria esmagadora desses livros compunha-se de obras espúrias escritas
por hereges gnósticos do século II. Tais livros nunca receberam uma consideração séria. (Esse
ponto é menosprezado pelos críticos que alegam que mais de dois mil volumes resultaram
numa lista de 27. Daí eles perguntam: "Quais são as probabilidades de que os 27 selecionados
sejam os corretos?") De fato, apenas dois ou três livros que não foram incluídos no cânon
foram realmente levados em consideração. Foram estes: 1 Clemente, O Pastor de Hermas e O
Didaquê. Estes livros não foram incluídos no cânon das Escrituras porque não foram escritos
por apóstolos e os próprios autores reconheceram que a autoridade deles estava subordinada
aos apóstolos
Alguns cristãos ficam preocupados com o fato de que houve um processo de seleção
histórica. Ficam perturbados com a dúvida: "Como podemos saber que o cânon do Novo
Testamento inclui os livros certos?" A teologia tradicional católica romana responde a essa
pergunta apelando para a infalibilidade da igreja. A igreja então é vista como "criadora" do
cânon, tendo, portanto, a mesma autoridade que a própria Bíblia. O protestantismo clássico
nega que a igreja seja infalível e também que ela "tenha criado" o cânon. A diferença entre o
catolicismo romano e o protestantismo pode ser resumida da seguinte maneira:
Visão do Catolicismo Romano.
15. O Cânon é uma coleção infalível de livros infalíveis.
Visão do Protestantismo Clássico.
O Cânon é uma coleção falível de livros infalíveis.
Visão dos Críticos Liberais.
O Cânon é uma coleção falível de livros falíveis.
Embora os protestantes creiam que Deus teve um cuidado especial e providencial para
assegurar que os livros certos fossem incluídos, nem por isso consideram que ele tenha
tornado a igreja infalível. Os protestantes também lembram aos católicos romanos que a igreja
não "criou" o cânon A igreja identificou, reconheceu, recebeu e se submeteu ao cânon das
Escrituras. O termo usado pela igreja em Concilio foi "recipimus", que significa "nós
recebemos".
Qual foi o critério de avaliação dos livros? As assim chamadas marcas de canonicidade
incluíam o seguinte: 1. Tinham de ter autoria ou endosso apostólico; 2 Tinham de ser
recebidos como autoritativos pela igreja primitiva; 3. Tinham de estar em harmonia com os
livros a respeito dos quais não havia dúvidas.
Embora numa época de sua vida Martinho Lutero tenha questionado a canonicidade de
Tiago, posteriormente mudou de opinião. Não existe nenhuma razão séria para se ter um
mínimo de dúvida de que os livros atualmente incluídos no cânon do Novo Testamento não
sejam os verdadeiros.
Sumário
1. O termo cânon deriva-se do grego e significa "norma" ou "padrão". O cânon é usado
para descrever a lista autoritativa de livros que a igreja reconheceu como Escrituras Sagradas,
e portanto sua "regra" de fé e prática.
2. Além dos 66 livros da Bíblia aceitos pelos protestantes, os católicos romanos também
aceitam os Livros Apócrifos como Escritura autoritativa.
3. Para combater as heresias, a Igreja descobriu que era preciso declarar quais livros
tinham sido reconhecidos como sendo autoritativos.
4. Existem alguns livros no cânon que foram assuntos de debate (Hebreus, Tiago, 2
Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse) e alguns livros cuja inclusão foi considerada, mas que
não foram admitidos no cânon, incluindo 1 Clemente, O Pastor de Hermas e O Didaquê.
5. A Igreja não criou o Cânon, mas apenas reconheceu os livros que tinham as marcas de
canonicidade e que portanto tinham autoridade na Igreja.
6. As marcas de canonicidade incluíam: (1) autoria ou endosso apostólico; (2) autoridade
reconhecida na Igreja primitiva e (3) estar em harmonia com os livros que já faziam parte
inquestionável do cânon.
Para discussão e avaliação
1. Por que os livros apócrifos não foram aceitos pelos protestantes como sendo
1
canônicos?
2. Por que os livros de 1 Clemente, O Pastor de Hermas e O Didaquê não foram incluídos
no cânon do Novo Testamento?
3. Como podemos saber que o cânon do Novo Testamento incluiu os livros certos?
4. Qual a diferença entre a visão dos católicos romanos, dos protestantes e da crítica
liberal quanto ao cânon?
5. Que perigo está por trás do fato de aceitarmos a doutrina de que a Igreja criou o
cânon e não apenas o reconheceu?
6. Podem homens falhos decidir qual livro é e qual não é inspirado por Deus? Que
instrumentos utilizaram para isso?
7. Em que podemos identificar a soberania do Espírito Santo na formação do cânon?
16. A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA 8
Atos 15.15-16; Efésios 4.11-16; 2 Pedro 1.16-21; 2 Pedro 3.14-18
Qualquer documento escrito, para poder ser compreendido, precisa ser interpretado.
Nosso país possui indivíduos altamente capacitados, cuja tarefa diária é interpretar a
Constituição. Eles formam o Supremo Tribunal Federal. Interpretar a Bíblia é uma tarefa
muito mais solene do que interpretar a Constituição de um país. Requer grande cuidado e
diligência.
A Bíblia é o seu próprio Supremo Tribunal. A regra principal de interpretação bíblica é:
"A Bíblia é sua própria intérprete". Esse princípio significa que a Bíblia deve ser interpretada
pela própria Bíblia. O que é obscuro em uma parte da Bíblia pode ser esclarecido em outra
parte. Interpretar a Bíblia pela Bíblia significa que não devemos colocar uma passagem contra
outra. Cada texto deve ser entendido não somente à luz do seu contexto imediato, mas
também à luz do contexto da Bíblia como um todo.
Além disso, entendido adequadamente, o único método legítimo e válido de interpretação
da Bíblia é o da interpretação literal. Existe, contudo, muita confusão a respeito dessa idéia de
interpretação. Interpretação literal, estritamente falando, significa que devemos interpretar a
Bíblia assim como está escrito. Um substantivo é interpretado como substantivo e um verbo,
como um verbo. Quer dizer que todas as formas usadas na redação da Bíblia devem ser
interpretadas de acordo com as regras normais que regem tais formas. Poesia deve ser tratada
como poesia. Relatos históricos devem ser tratados como História. Parábolas como parábolas,
hipérboles como hipérboles, e assim por diante.
Nesse aspecto, a Bíblia deve ser interpretada de acordo com as regras que governam a
interpretação de qualquer outro livro. Em algumas de suas características, a Bíblia é diferente
de qualquer outro livro que já foi escrito. Em termos de interpretação, entretanto, deve ser
tratada como qualquer outro livro.
A Bíblia não deve ser interpretada de acordo com nossos próprios desejos e preconceitos.
Devemos buscar entender o que ela de fato diz e nos guardarmos de forçar nossos próprios
pontos de vista sobre ela. Este é o passatempo dos hereges: buscar base bíblica para
doutrinas falsas que não têm base no texto. O próprio Satanás citou as Escrituras de maneira
ilegítima, num esforço para seduzir Jesus Cristo a pecar (Mt 4.1-11).
A mensagem básica da Bíblia é simples e clara o suficiente para que até uma criança
possa entender. Mesmo assim, o "alimento sólido" da Bíblia requer estudo e atenção
cuidadosos para ser entendido adequadamente. Algumas questões tratadas na Bíblia são tão
complexas e profundas que mantêm os maiores eruditos constantemente envolvidos no
esforço de resolvê-las.
Existem alguns princípios de interpretação que são básicos para todo estudo saudável da
Bíblia. Incluem o seguinte: (1) As narrativas devem ser interpretadas à luz das passagens de
"ensino". Por exemplo, a história de Abraão oferecendo Isaque no Monte Moriá pode sugerir
que Deus não sabia que Abraão tinha uma fé genuína. As passagens didáticas da Bíblia,
porém, deixam claro que Deus é onisciente; (2) aquilo que é implícito sempre deve ser
interpretado à luz do que é explícito; nunca deve ser o contrário. Isto é, se um texto específico
parece ter uma idéia ou lição implícita, não devemos aceitar a implicação como correta se for
contrária a algo que é declarado explicitamente em outro lugar da Bíblia; (3) as leis da lógica
governam a interpretação da Bíblia. Por exemplo, se sabemos que todos os gatos têm cauda,
não podemos deduzir que alguns gatos não têm. Se é verdade que alguns gatos não têm
1
17. cauda, então não pode ser verdade também que todos os gatos têm. Isso não é apenas uma
questão de leis técnicas de inferência; é uma questão de senso comum. Mesmo assim, a
grande maioria das interpretações equivocadas da Bíblia é causada por deduções ilegítimas
extraídas da Bíblia.
Sumário
1. A Bíblia é sua própria intérprete.
2. Devemos interpretar a Bíblia literalmente — assim como está escrito.
3. A Bíblia deve ser interpretada como qualquer outro livro.
4. Partes obscuras da Bíblia devem ser interpretadas pelas partes mais claras.
5. O implícito deve ser interpretado à luz do explícito.
6. As leis da lógica governam aquilo que pode ser racionalmente deduzido da Bíblia.
Para discussão e avaliação
1. O que significa a regra principal da interpretação bíblica "A Escritura sagrada é sua
1
própria intérprete"?
2. O que o autor quer dizer quando afirma que a Bíblia deve ser interpretada como
qualquer outro livro?
3. O que significa para você o fato de que a Bíblia tanto pode ser entendida por uma
criança, quanto há passagens que envolvem um esforço intenso e prolongado por parte dos
estudiosos para esclarecê-la?
4. Qual é o principal motivo pelo aparecimento da maioria das interpretações errôneas
de passagens bíblicas?
5. De que maneira uma correta interpretação da Bíblia pode afetar a vida de alguém?
6. Se todos podem ler e entender a Bíblia, não corremos o risco de haver diferentes
interpretações para a mesma passagem? Como fazemos num caso destes?
7. Como o sentido de um texto obscuro pode ser esclarecido?
18. A INTERPRETAÇÃO PESSOAL 9
Neemias 8.8; 2 Timóteo 2.15; 2 Timóteo 3.14-17; Hebreus 1.1-4; 2 Pedro 1.20,21
Dois dos grandes legados que recebemos da Reforma foram o princípio da interpretação
pessoal da Bíblia e a sua tradução para a língua do povo. O próprio Lutero colocou em foco
essas questões. Quando se apresentou diante da Dieta de Worms (um concilio no qual foi
acusado de heresia por causa de seus ensinamentos), ele declarou:
"A menos que eu seja convencido pela Escritura, minha consciência continuará cativa da
Palavra de Deus — não aceito a autoridade de papas e concílios, porque se têm contraditado.
Não posso nem quero retratar-me, porque ir contra a consciência não é certo nem seguro. Que
Deus me ajude. Amém."
A declaração de Lutero, e sua subseqüente tradução da Bíblia para sua língua vernácula,
tiveram dois efeitos. Primeiro, tirou da Igreja Católica Romana o direito exclusivo de
interpretação. O povo não mais ficaria à mercê das doutrinas da igreja, tendo de aceitar as
tradições ou ensino eclesiástico como tendo autoridade igual à da Palavra de Deus. Segundo,
colocou a interpretação nas mãos do povo. Essa mudança foi mais problemática. Levou aos
mesmos excessos sobre os quais a Igreja Romana estava envolvida — interpretações subjeti-vas
do texto que levam ao afastamento da fé cristã histórica.
O subjetivismo tem sido o grande perigo da interpretação pessoal. O princípio da
interpretação pessoal não significa que o povo de Deus tenha o direito de interpretar a Bíblia
da maneira que bem entende. Juntamente com o "direito" de interpretar as Escrituras vem
também a responsabilidade de interpretá-las corretamente. Os crentes têm liberdade de
descobrir as verdades das Escrituras, mas não são livres para fabricar suas próprias
verdades. São chamados para entender os sólidos princípios de interpretação e evitar os
perigos do subjetivismo.
Portanto, buscar um entendimento objetivo das Escrituras de maneira nenhuma reduz a
Bíblia a algo frio, abstrato e sem vida. O que estamos fazendo é buscar entender o que a
Palavra diz em seu contexto antes de prosseguirmos para a tarefa igualmente necessária de
aplicá-la à nossa vida. Uma declaração em particular pode ter numerosas aplicações pessoais
possíveis, mas só pode ter um único significado correto. O direito de interpretar a Bíblia leva
junto consigo a obrigação de interpretá-la com exatidão. A Bíblia não é um "nariz de cera" que
pode ser moldado e assumir a forma desejada pelo intérprete.
Sumário
1. A Reforma deu à Igreja uma tradução da Bíblia na língua comum e a cada crente o
direito e a responsabilidade de interpretar a Bíblia pessoalmente.
2. A tradição da igreja, embora seja instrutiva como um guia, não tem autoridade igual à
1
da Bíblia.
3. A interpretação pessoal não equivale a uma licença para o subjetivismo.
4. O princípio da interpretação pessoal leva consigo a obrigação de buscar a
interpretação correta da Bíblia.
5. Embora cada texto bíblico tenha múltiplas aplicações, ele tem um único significado
19. 1
correto.
Para discussão e avaliação
1. Antes do movimento da Reforma Protestante, como era feita a interpretação bíblica?
2. Por que a interpretação bíblica, colocada na mão do povo, demonstrou ter sido um
problema surgido com o movimento da Reforma Protestante?
3. Qual a diferença entre interpretar e aplicar o texto bíblico?
4. Por que o subjetivismo apresenta tanto risco para a correta interpretação bíblica?
5. Livre exame da Bíblia tem levado crentes a praticarem a "livre interpretação" da Bíblia
em benefício próprio? Como?
6. Livre exame da Bíblia contribui para o crescimento espiritual do cristão? Por quê?
7. Por que os cristãos não fazem uma única interpretação da Bíblia, aceita por todos,
que evitaria divergências e o surgimento de tantas denominações diferentes?
8. Um mesmo texto da Bíblia pode falar de diferentes maneiras com alguém? Como isso
é possível?
PARTE
II
20. A INCOMPREENSIBILIDADE DE DEUS 10
Jó 38.1-41.34; Salmos 139. 1-18; Isaías 55.8-9; Romanos 11.33-36; 1Coríntios2.6-16
Durante uma palestra nos Estados Unidos, um estudante perguntou ao teólogo suíço
Karl Barth: "Dr. Barth, qual foi a coisa mais profunda que o Senhor já aprendeu em seu
estudo da teologia?" Barth pensou por um momento e depois respondeu: "Jesus me ama, isto
eu sei, pois a Bíblia assim o diz" (trecho de corinho para crianças). Os estudantes sorriram
diante da resposta tão simplista, mas a risada deles tornou-se um sorriso tímido quando
lentamente perceberam que Barth estava falando sério.
Karl Barth deu uma resposta simples para uma pergunta profunda. Ao fazer isso, estava
chamando a atenção pelo menos para duas noções de vital importância. (1) Na verdade cristã
mais simples reside uma profundidade que pode ocupar a mente das pessoas mais brilhantes
por toda uma vida. (2) Mesmo no aprendizado da teologia mais sofisticada, realmente nunca
ultrapassamos o nível de uma criança no entendimento das misteriosas profundidades e
riquezas do caráter de Deus.
João Calvino usava outra analogia. Ele dizia que Deus fala conosco numa espécie de
balbucio. Como os pais se empenham em falar numa "linguagem de bebê", quando se dirigem
a seus filhos pequenos, assim também Deus, para se comunicar conosco, míseros mortais,
precisa condescender a falar de maneira que possamos compreender.
Nenhum ser humano tem a habilidade de compreender a Deus exaustivamente. Existe
uma barreira que impede a compreensão total e abrangente de Deus. Somos criaturas finitas;
Deus é um ser infinito. Nisso reside o nosso problema. Como o finito pode compreender o
infinito? Os teólogos medievais tinham uma frase que se tornou um axioma dominante em
todo estudo posterior de teologia: "O finito não pode apreender (ou conter) o infinito". Nada é
mais óbvio do que isso: um objeto infinito não pode ser comprimido dentro de um espaço
finito.
Esse axioma comunica uma das doutrinas mais importantes do Cristianismo ortodoxo. E
a doutrina da incompreensibilidade de Deus. O termo pode ser mal-interpretado. Pode nos
sugerir que, já que o finito não pode "apreender" o infinito, então não podemos saber nada
sobre Deus. Se Deus está além da compreensão humana, isso não insinua que toda a nossa
discussão religiosa não passa de tagarelice teológica e que, quando muito, somos deixados
com um altar destinado a um Deus desconhecido?
Essa de maneira alguma é a intenção. A incompreensibilidade de Deus não significa que
não sabemos nada sobre ele. Antes significa que nosso conhecimento é parcial e limitado,
muito além de um conhecimento ou de uma compreensão plena. O conhecimento que Deus
nos dá por meio da revelação é real e útil. Podemos conhecer a Deus na mesma medida em
que ele escolhe se revelar a nós. O finito pode "apreender" o infinito, mas o finito jamais
poderá abarcar completamente o infinito. Sempre haverá mais sobre Deus do que podemos
1
21. 1
apreender
A Bíblia se refere a isso da seguinte maneira: "As coisas encobertas pertencem ao Senhor,
nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos para sempre " (Dt
29.29). Martinho Lutero referia-se a dois aspectos de Deus — o oculto e o revelado. Uma
porção do conhecimento divino permanece oculta de nossa vista. Trabalhamos à luz do que
Deus nos revelou.
Sumário
1. Existe um profundo significado mesmo na verdade cristã mais simples.
2. Não importa quão profundo seja o nosso conhecimento teológico, sempre haverá
muitos aspectos da natureza e caráter de Deus que permanecerão um mistério para nós.
3. Nenhum ser humano pode ter um conhecimento pleno de Deus.
4. A doutrina da incompreensibilidade de Deus não significa que não podemos conhecer
nada sobre ele. Significa que nosso conhecimento é limitado, restringido por nossa
humanidade.
Para discussão e avaliação
1. O que significa o axioma teológico "O finito não pode conter o infinito"?
2. A noção da grandeza de Deus não pode nos desanimar na busca de conhecê-lo mais?
Não seria inútil, de nossa parte, continuar tentando compreender um Deus que é de todo
incompreensível?
3. Que verdade da fé cristã soa como mais profunda para você? E qual parece ser a mais
simples?
22. A TRIUNIDADE DE DEUS 11
Deuteronômio 6.4; Mateus 3.16-17; Mateus 28.19; 2 Coríntios 13.14; 1 Pedro 1.2
A doutrina da Trindade é difícil e complexa para nós. As vezes pensamos que o
Cristianismo ensina a noção absurda de que 1 + 1 + 1 = 1. Esta equação é claramente falsa. O
termo Trindade não descreve a relação de três deuses, mas de um único Deus que é três
pessoas. Trindade não significa triteismo, ou seja, que existem três seres que juntos são Deus.
A palavra Trindade é usada num esforço para definir a plenitude da Deidade, tanto em termos
da sua unidade como da sua diversidade.
A formulação histórica da Trindade é que Deus é um em essência e três em pessoas.
Embora tal fórmula seja misteriosa e mesmo paradoxal, de maneira nenhuma é contraditória.
A unidade da Deidade é afirmada em termos de essência ou ser, enquanto que sua diversidade
é expressa em termos de pessoas.
Embora o termo trindade não seja encontrado na Bíblia, o conceito claramente está lá.
Por um lado, a Bíblia afirma veementemente a unidade de Deus (Dt 6.4). Por outro lado, ela
afirma claramente a plena divindade das três pessoas da Deidade: o Pai, o Filho e o Espírito
Santo. A Igreja tem rejeitado as heresias do modalismo e do triteismo. O modalismo nega a
distinção das pessoas dentro da Deidade, alegando que Pai, Filho e Espírito Santo são apenas
modos pelos quais Deus se revela. O triteismo, por outro lado, declara falsamente que existem
três seres que juntos formam Deus.
O termo pessoa não significa uma distinção em essência mas uma diferente subsistência
na Divindade. A subsistência na Deidade é uma diferença real, mas não essencial, no sentido
de uma diferença no ser. Cada pessoa subsiste ou existe "sob" a pura essência divina.
Subsistência é uma diferença dentro do escopo do ser, não um ser ou uma essência separada
Todas as pessoas da Deidade possuem todos os atributos divinos.
Existe também uma distinção na obra realizada pelas pessoas da Trindade Num sentido,
a obra da salvação é comum a todas as três pessoas da Trindade Mesmo assim, na maneira de
atividade existem diferentes operações assumidas pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo. O
Pai inicia a criação e a redenção; o Filho redime a criação; o Espírito Santo regenera e
santifica, aplicando a redenção aos crentes.
1
23. A Trindade não se refere a partes de Deus ou mesmo a seus papéis. As analogias
humanas, como a do homem que é pai, filho e marido, não conseguem captar o mistério da
natureza de Deus.
A doutrina da Trindade não explica plenamente o mistério do caráter de Deus. Ao
contrário, simplesmente estabelece o limite do qual não devemos passar. Define os limites da
nossa reflexão finita. Exige que sejamos fiéis à revelação bíblica de que em um sentido Deus é
um e em outro sentido diferente ele é três.
Sumário
1. A doutrina da Trindade afirma a triunidade de Deus.
2. A doutrina da Trindade não é uma contradição: Deus é um em essência e três em pessoa.
3. A Bíblia afirma que Deus é único e também afirma a divindade do Pai, do Filho e do Espírito
1
Santo.
4. A Trindade distingue-se pelo trabalho realizado pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo.
5. A doutrina da Trindade estabelece os limites da especulação humana a respeito da natureza de
Deus.
Para discussão e avaliação
1. O que são as doutrinas do "monismo" e do "triteísmo"?
2. Quais são as diferentes operações do Pai, Filho e Espírito Santo na obra da salvação?
3. De que modo a doutrina da Trindade pode afetar nossa vida de oração?
4. Que diferença faz sabermos das obras que cada uma das três pessoas da Trindade realizou e
continua realizando no plano da salvação?
5. A doutrina da Trindade pode atrapalhar um incrédulo a aceitar o evangelho como verdadeiro?
Ela deveria ser ensinada para alguém que está sendo evangelizado? Por quê?
6. Quando adoramos a Deus, adoramos uma só pessoa, ou três?
A AUTO EXISTÊNCIA DE DEUS 12
Salmos 90.2; João 1.1-5; Atos 17.22-31; Colossenses 1.15-20; Apocalipse 1.8
Quando a Bíblia declara que Deus é o Criador do universo, ela indica que Deus mesmo é
incriado. Existe uma distinção crucial entre o Criador e a criação. A criação porta o selo do
Criador e testemunha de sua glória. A criação, porém, nunca deve ser adorada. Ela não é
suprema.
É impossível que alguma coisa crie a si mesma. O conceito de autocriação é uma
contradição de termos, uma afirmação sem sentido. Peço ao leitor que faça uma pausa e
pense um pouco. Nada pode ser autocriado. Nem mesmo o próprio Deus pode criar a si
mesmo. Para que Deus pudesse criar a si mesmo, teria de existir antes de si mesmo. Nem
mesmo Deus pode fazer isso.
Todo efeito deve ter uma causa. Isso é verdadeiro (por definição). Deus, porém, não é um
efeito. Ele não tem um início e, portanto, não tem uma causa antecedente. Ele é eterno. Ele
sempre foi ou é. Ele tem, dentro de si, o poder de ser. Ele não necessita de assistência de
fontes externas para continuar a existir. Isso é o que se subentende pela idéia de auto-existência.
Bem compreendido, trata-se de um conceito sublime e impressionante. Não
conhecemos nada que se compare a ele. Tudo o que percebemos em nossa estrutura de
referência é dependente e foi criado. Não podemos compreender plenamente algo como auto-existente.
Entretanto, só porque é impossível (por definição) que uma criatura seja auto-existente,
não significa que seja impossível para o Criador ser auto-existente. Deus, assim como nós,
não pode ser autocriado. Deus, porém, diferentemente de nós, pode ser auto-existente. De
fato, essa é a própria essência da diferença entre o Criador e a criação. E isso que faz dele o
ser supremo e a fonte de todos os outros seres.
O conceito de auto-existência não viola nenhuma lei da razão, da lógica ou da ciência. É
24. uma noção racionalmente válida. Em comparação, o conceito da autocriação viola as leis mais
básicas da razão, da lógica e da ciência — a lei da não-contradição. A auto-existência é
racional; a autocriação é irracional.
A noção de alguma coisa ser auto-existente não só é racionalmente possível, como é
racionalmente necessária. Além disso, a razão exige que se algo é, então algo deve ter, em si
mesmo, o poder de ser. De outra maneira nada existiria. A menos que algo exista em si
mesmo, não seria possível existir absolutamente nada.
Talvez a questão mais antiga e mais profunda de todas seja: por que existe algo, ao invés
de nada? Uma resposta necessária pelo menos para parte desta pergunta é por que Deus
existe. Deus existe em si mesmo eternamente. Ele é a fonte e o manancial de toda existência.
Só ele tem, em si mesmo, o poder de existir. O apóstolo Paulo declara nossa dependência do
poder do ser de Deus para nossa própria existência, quando diz: "Pois nele vivemos, e nos
movemos, e existimos (At 17.28).
Sumário
1 Todo efeito deve ter uma causa.
2. Deus não é um efeito; Ele não tem uma causa.
3. Aautocriação é um conceito irracional.
4. A auto-existência é um conceito racional.
5. A auto-existência não só é racionalmente possível, mas é racionalmente necessária.
Para discussão e avaliação
1. Deus é autocriado ou auto-existente? Por quê?
2. Por que o autor afirma que autocriação é irracional e auto-existência é racional?
3. Por que o autor afirma que a noção da auto-existência não só é possível, como também
1
necessária?
4. Se Deus existe antes de tudo, sempre existiu e é a origem criadora de tudo, há alguma coisa
que possa ser maior do que Deus?
5. Por que o homem moderno continua recusando aceitar a idéia de que Deus é a causa de tudo o
que foi criado?
6. O que podemos fazer quando compreendemos a verdade da "auto-existência" de Deus?
7. Como a compreensão da "auto-existência" de Deus pode afetar nossa adoração e nossos atos de
culto?
A ONIPOTÊNCIA DE DEUS 13
Gênesis 17.1; Salmos 115.3; Romanos 11.36; Efésios 1.11; Hebreus 1.3
Todo teólogo mais cedo ou mais tarde tem de responder a uma pergunta feita por um
aluno, a qual é colocada como um "quebra-cabeça que não pode ser montado". A antiga
pergunta é: Deus pode criar uma pedra tão grande que ele mesmo não possa movê-la? A
primeira vista, essa pergunta parece encurralar o teólogo com um dilema insolúvel. Se
respondermos que sim, estamos dizendo que existe algo que Deus não pode fazer: Ele não
pode mover a pedra. Se respondermos que não, então estamos declarando que Deus não pode
criar tal pedra. De qualquer maneira que respondermos, seremos forçados a pôr limites no
poder de Deus.
Esse problema nos faz lembrar de uma outra charada: O que acontece quando uma força
irresistível se choca contra um objeto irremovível? Podemos conceber uma força irresistível.
Podemos, igualmente, conceber um objeto irremovível. O que não podemos conceber é a
coexistência dos dois. Se uma força irresistível encontra um objeto irremovível, e o objeto se
move, o mesmo não poderia mais ser chamado com propriedade de irremovível. Se o objeto
não se mover, então nossa força "irresistível" não poderia mais ser chamada, com propriedade,
irresistível. Portanto, vemos que a realidade não pode conter ambos — uma força irresistível e
um objeto irremovível.
Enquanto isso, voltemos à rocha que não pode ser movida. O dilema colocado aqui (como
no caso da força irresistível) é um falso dilema. É falso porque é construído sobre uma
25. premissa falsa. Supõe que "onipotência" significa que Deus pode fazer qualquer coisa. Como
termo teológico, contudo, onipotência não significa que Deus pode fazer qualquer coisa. A
Bíblia indica várias coisas que Deus não pode fazer: Ele não pode mentir (Hb 6.18). Não pode
morrer. Não pode ser eterno e criado. Não pode agir contra sua própria natureza. Não pode ser
Deus e não ser Deus ao mesmo tempo e na mesma relação.
O que onipotência realmente significa é que Deus mantém poder absoluto sobre sua
criação. Nenhuma parte da criação está fora do alcance e da abrangência do seu controle
soberano. Portanto, existe uma resposta correta para o dilema da pedra. O quebra-cabeça
pode ser montado. A resposta é não. Deus não pode criar uma pedra tão grande que não seja
capaz de movê-la. Por quê? Se Deus criasse tal pedra, ele estaria criando algo sobre o qual não
teria poder. Estaria assim destruindo sua própria onipotência. Deus não pode deixar de ser
Deus; ele não pode deixar de ser onipotente.
Quando a virgem Maria estava confusa pelo anúncio do anjo Gabriel a respeito da
concepção de Jesus no ventre dela, o anjo lhe disse: “para Deus não haverá impossíveis em
todas as suas promessas " (Lc 1.37). Aqui o anjo lembra Maria da onipotência de Deus. Creio
que mesmo os anjos são capazes de usar hipérbole. Estreitamente considerado, o anjo
expressou uma teologia equivocada. Mas a compreensão bíblica mais ampla, porém, aponta
para o sentido de que o poder de Deus vai muitíssimo além do poder da criatura. O que pode
ser impossível para nós é possível para Deus. Dizer que nada é impossível para Deus significa
que ele pode fazer qualquer coisa que queira fazer. Seu poder não é limitado por limitações
finitas. Nada ou "coisa nenhuma" pode restringir seu poder. Mesmo assim, seu poder é ainda
restringido pelo quê e quem ele é. O pecado é impossível para ele porque ninguém pode pecar
sem querer pecar. Deus não pode cometer pecado porque jamais desejará fazê-lo. Jó chegou
ao âmago dessa questão quando declarou: Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos
pode ser frustrado (Jó 42.2).
Para o cristão, a onipotência de Deus é uma grande fonte de conforto. Sabemos que o
mesmo poder que Deus demonstrou ao criar o universo está à disposição dele para assegurar
nossa salvação. Ele mostrou esse poder na saída do povo de Israel do Egito. Mostrou seu
poder sobre a morte na ressurreição de Cristo. Sabemos que nenhuma parte da criação pode
frustrar seus planos para o futuro. Não existe nem uma molécula independente, solta no
universo, e que seja capaz de comprometer os planos de Deus. Embora os poderes e as forças
deste mundo ameacem fazer isso, não tememos. Podemos descansar no conhecimento de que
nada pode resistir ao poder de Deus. Ele é o Deus Todo-Poderoso.
Sumário
1. Onipotência não significa que Deus pode fazer qualquer coisa. Ele não pode agir
1
contra sua natureza.
2. Onipotência refere-se ao poder soberano de Deus, sua autoridade e seu controle sobre
a ordem criada.
3. A onipotência, embora seja uma ameaça para o ímpio, é uma fonte de conforto para o
crente.
4. O mesmo poder que Deus exibiu na criação é manifestado na nossa redenção.
5. Nada no universo pode atrapalhar ou frustrar os planos de Deus.
Para avaliação e discussão
1. O que significa a onipotência de Deus?
2. Por que a doutrina da onipotência divina é fonte de conforto para o homem?
3. Medo e pavor são reações corretas diante da consciência plena do poder de Deus?
4. Que áreas da vida são afetadas quando começamos a compreender a extensão do
poder de Deus?
5. Deus pode impedir que a maldade continue progredindo tão rapidamente como
acontece nos dias de hoje? Se pode, por que ele não o faz?
26. A ONIPRESENÇA DE DEUS 14
Jó 11.7-9; Jeremias 23.23. 24; Atos 17.22-31
Projeção astral não passa de fantasia. Pessoas podem afirmar que podem deixar seus
corpos e fazer uma viagem à Califórnia ou à índia e voltar sem precisar usar um trem, avião
ou navio. Na verdade estão iludidas ou estão tentando enganar os outros com tais alegações.
Mesmo que a alma ou o espírito de uma pessoa pudesse se "projetar" dessa maneira e
"perambular" pelo planeta, tais viagens só poderiam incluir um lugar de cada vez. Nosso
espírito humano continua sendo finito e nem agora nem nunca será capaz de estar em mais
de um lugar ao mesmo tempo. Somente um Espírito infinito tem o poder da onipresença.
Quando falamos da onipresença de Deus geralmente queremos dizer que sua presença
está em todos os lugares. Não existe um lugar onde Deus não esteja. Mesmo assim, sendo
espírito. Deus não ocupa um lugar, no sentido físico em que os objetos ocupam lugar no
espaço. Deus não tem propriedades físicas que ocupem lugar no espaço. A chave para
entender esse paradoxo é pensar em termos de outra dimensão. Abarreira entre Deus e nós
não é uma barreira de tempo ou espaço. Para se encontrar com Deus, não existe um "aonde"
ir ou um "quando" vai acontecer. Estar na presença imediata de Deus é entrar numa outra
dimensão.
1
27. Existe um segundo aspecto da onipresença de Deus que freqüentemente negligenciamos.
A idéia de omnis relaciona-se não somente com os lugares onde Deus está, mas também a
quanto dele está presente naquele determinado lugar. Deus não só está presente em todos os
lugares, mas Deus está totalmente presente em cada lugar. Isso é chamado sua imensidade.
Os crentes que moram em São Paulo experimentam a plenitude da presença de Deus,
enquanto que os crentes que moram em Moscou experimentam a mesma presença. Sua
imensidade, pois, não se refere ao seu tamanho, mas à sua capacidade de estar totalmente
presente em todos os lugares.
A doutrina da onipresença de Deus com razão nos enche de perplexidade. Além da reverência
que ela gera, essa doutrina também se revela confortadora. Podemos sempre ter certeza da
atenção integral de Deus. Nunca vamos ter de esperar na fila ou marcar um horário para estar
com Deus. Quando estamos na presença de Deus, ele não está preocupado com os
acontecimentos do outro lado do planeta. Esta doutrina evidentemente, de maneira alguma é
confortante para o não-crente. Não existe lugar para se esconder de Deus. Não existe nenhum
cantinho do universo onde Deus não esteja. O ímpio que está no infernonão está separado de
Deus — está separado somente de sua benevolência. A ira de Deus está constantemente com
ele.
Davi, que muitas vezes exaltou a glória da onipresença de Deus nos Salmos, nós dá um
resumo poético desta doutrina:
Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos
céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se
tomo as asas da alvorada e me detenha nos confins dos mares, ainda lá me haverá
de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Salmo 139.7-10
Sumário
1. Somente um Espírito infinito pode ser onipresente.
2. Deus não é limitado pelo tempo e espaço. Seu Ser transcende o tempo e o espaço.
3. A onipresença de Deus inclui sua imensidade, pela qual ele pode estar presente em
sua plenitude em todo tempo, em todos os lugares.
4. A onipresença de Deus é um conforto para o crente e um terror para o não-crente.
Para discussão e avaliação
1.Comente esta frase: "Estar na presença de Deus é entrar em uma nova dimensão".
2.Por que a doutrina da onipotência divina é motivo de conforto para o cristão?
3.Por que ela é fonte de desconforto para o descrente?
4.A comunhão pessoal com Deus pode ser afetada mediante a correta compreensão da
1
sua onipresença?
5.Pode esta doutrina servir de "desculpa" para alguns cristãos freqüentarem lugares que
não sejam convenientes a um cristão ir? Por quê?
6.Se Deus está em todo o lugar, por que nos reunimos num templo, em um determinado
momento, para um serviço religioso chamado "culto de adoração"?
A ONISCIÊNCIA DE DEUS 15
Salmos 147.5; Ezequiel 11.5; Atos 15.18; Romanos 11.33-36; Hebreus 4.13
Minha primeira experiência com o conceito de onisciência foi com algo relacionado com
meu entendimento infantil sobre o Papai Noel. Alguém me disse que ele "fazia uma lista e a
conferia duas vezes". Eu também pensava que o coelho da Páscoa vivia no sótão da nossa casa
(fora da época da Páscoa) de onde podia me vigiar sem ser visto.
A palavra onisciência significa "ter todo (omnis) conhecimento (ciência)". É um termo que
só pode ser aplicado apropriadamente a Deus. Somente um ser infinito e eterno é capaz de
conhecer todas as coisas. O conhecimento de uma criatura finita é sempre limitado por um
ser finito.
Deus, sendo infinito, é capaz de reconhecer todas as coisas, entender todas as coisas e
28. assimilar tudo. Ele nunca aprende algo ou adquire um novo conhecimento. O futuro, bem
como o passado e o presente, são totalmente conhecidos por ele. Nada pode surpreendê-lo.
Devido ao fato de que o conhecimento de Deus excede imensamente o nosso (porque é
muito mais elevado), alguns cristãos acreditam que o pensamento de Deus difere radicalmente
em natureza do nosso. Por exemplo, tem-se tornado comum entre os cristãos a afirmação de
que Deus opera numa lógica diferente da nossa. Esse conceito é conveniente quando
tropeçamos num ponto difícil em nossa teologia. Se nos encontramos fazendo afirmações
contraditórias, aliviamos nossa tensão apelando para a lógica diferente de Deus. Podemos
dizer: "Isso pode ser contraditório para nós, mas não na mente de Deus".
Tal raciocínio é fatal para o Cristianismo. Por quê? Se Deus de fato tem uma lógica
diferente, ou seja, aquilo que é contraditório para nós é lógico para ele, então não temos razão
para confiar numa única palavra da Bíblia. Qualquer coisa que a Bíblia nos diga então pode
significar exatamente o oposto para Deus. Na mente de Deus, o bem e o mal podem não ser
opostos e o Anticristo pode na verdade ser o Cristo.
O conhecimento superior de Deus lhe permite resolver mistérios que nos deixam
perplexos. Isso, porém, aponta para uma diferença de grau no conhecimento de Deus, não
para uma diferença no tipo de lógica que ele usa. Visto que Deus é racional, nem ele mesmo
pode conciliar contradições.
A onisciência de Deus também emana da sua onipotência. Deus não é todo-ciente
simplesmente por ele aplicar seu intelecto superior num estudo profundo do universo e todo o
seu conteúdo. Ao contrário, Deus conhece tudo porque ele criou tudo e sua vontade prevalece
sobre tudo. Como o governante soberano sobre o universo, Deus tem o controle do universo.
Embora alguns teólogos tentem separar as duas coisas, é impossível para Deus conhecer
todas as coisas sem ter o controle e é impossível para ele controlar tudo sem conhecer tudo.
Como todos os atributos de Deus, a onisciência e a onipotência são interdependentes, duas
partes necessárias do todo
A onisciência de Deus, como sua onipotência e onipresença, também se relaciona ao
tempo. O conhecimento de Deus é absoluto no sentido em que ele é eternamente consciente
de todas as coisas. O intelecto de Deus é diferente do nosso no sentido em que ele não tem de
"acessar" informações, como um computador tem de acessar um arquivo. Todo o
conhecimento está sempre diretamente diante dele.
O conhecimento que Deus tem de todas as coisas é uma faca de dois gumes. Para o
crente, essa idéia oferece segurança — Deus está no controle, ele entende. Deus não fica
confuso diante dos problemas que nos confundem. Para o não-crente, entretanto, a doutrina
destaca o fato de que a pessoa não pode esconder-se de Deus. Seus pecados estão expostos.
Como Adão, eles tentam ocultar-se. Não existe, porém, nenhum lugar no universo em que o
olhar de Deus, seja em amor ou em ira, não possa perscrutar.
A onisciência de Deus é também uma parte crucial da sua promessa de introduzir a
justiça no mundo. Para que um juiz possa estabelecer um veredicto perfeitamente justo,
primeiro tem de conhecer todos os fatos. Nenhuma evidência pode ser oculta do escrutínio de
Deus. Ele conhece todas as circunstâncias atenuantes.
Sumário
1.Onisciência significa "todo conhecimento".
2.Somente um ser infinito pode possuir conhecimento infinito
3. Deus tem um grau de conhecimento muito mais elevado do que o das criaturas, mas
1
que é do mesmo tipo de lógica.
4. Atribuir um tipo diferente de lógica a Deus é fatal para o Cristianismo
5. A onisciência de Deus é baseada em seu ser infinito e em sua onipotência.
6. A onisciência de Deus é crucial para o seu papel como Juiz do universo.
Para discussão e avaliação
1.Por que é perigoso pensar que os pensamentos de Deus diferem radicalmente do tipo
do nosso?
2.Por que a doutrina da onisciência de Deus é motivo tanto de segurança como de
29. 1
perturbação?
A SANTIDADE DE DEUS 16
Êxodo 3.1-6; 1 Samuel 2.2; Salmos 99.1-9; Isaías 6.1-13; Apocalipse 4.1-11
A primeira oração que aprendi quando criança foi uma simples ação de graças à mesa de
refeições: "Deus é grande; Deus é bom; e nós lhe agradecemos este alimento".
As duas virtudes atribuídas a Deus nesta oração, grandeza e bondade, podem ser
definidas por uma única palavra bíblica — santo. Quando falamos da santidade de Deus,
costumamos associá-la quase que exclusivamente com sua pureza e justiça. Certamente a
idéia de santidade contém essas virtudes, mas elas não são o significado primário de
santidade.
A palavra bíblica santo tem dois significados distintos. O significado primário é
30. "separação" ou "distinção". Quando dizemos que Deus é santo, chamamos a atenção para a
profunda diferença que existe entre ele e todas as criaturas. Referimo-nos à majestade
transcendente de Deus, sua augusta superioridade, em virtude do quê ele é digno de toda
honra, reverência, adoração e louvor. Ele é "distinto" ou diferente de nós em sua glória.
Quando a Bíblia fala de objetos santos, de pessoas santas ou de tempo santo, ela se refere a
coisas que foram postas à parte, consagradas ou diferenciadas pelo toque de Deus sobre elas.
O solo onde Moisés estava em pé, perto da sarça ardente, era um solo santo, porque Deus
estava presente ali de uma maneira especial. E a proximidade do divino que torna o ordinário
subitamente extraordinário, e torna aquilo que é comum em algo incomum.
O significado secundário de santo se refere às ações puras e justas de Deus. Deus faz o
que é certo. Ele nunca faz o que é errado. Deus sempre age de maneira certa porque sua
natureza é santa. Assim, podemos distinguir entre a justiça interna de Deus (sua natureza
santa) e a justiça externa de Deus (suas ações).
Porque Deus é santo, ele é grandioso e bom. Não há nenhum mal misturado à sua
bondade. Quando-somos chamados para ser santos, isso não significa que participamos da
majestade divina de Deus, mas que devemos ser diferentes da nossa natureza pecaminosa
normal como criaturas caídas. Somos chamados para espelhar e refletir o caráter e a atividade
moral de Deus. Temos que imitar sua bondade.
Sumário
1. Santidade tem dois significados distintos: (1) "distinção" ou ser "separado" e (2) "puro e
1. Distinção(majestade)
1
justo nas ações".
=
2. Pureza (justiça)
2. Somos chamados para ser santos — para refletir a justiça e a pureza de Deus
Para discussão e avaliação
1.Quais são os dois sentidos bíblicos para a palavra “santo”?
2.O que significa o primeiro?
3.O que significa o segundo?
4.Deus nos pede coisas impossíveis de se realizarem? Então qual é o verdadeiro
significado da exortação bíblica para sermos santos? Nós podemos ser realmente santos nesta
vida?
5.Que conseqüências a compreensão da santidade de Deus pode trazer para a vida
prática do cristão?
6.A santidade de Deus está relacionada com a exclusividade que Ele exige de todos os
seus filhos: "Não terás outros deuses diante de mim..."(Êx 20.3)? Porquê?
7.É verdadeira a afirmação que "somente um povo santo andará com o Senhor"? Sim,
não, por quê?
A BONDADE DE DEUS 17
Êxodo 34.6, 7; Salmos 25. 8-10; Salmos 100.1-5; Tiago 1.17
SANTO
31. Uma das coisas mais divertidas da vida é ver um cachorrinho ou um gatinho perse-guindo
a própria sombra. Ficam tentando inutilmente apanhá-la. Quando eles se movem, a
sombra também se move. Isso não acontece com Deus. Tiago declara: “Toda boa dádiva e todo
dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou
sombra de mudança”(Tg 1.17).
Deus nunca muda. Com ele não existe “sombra de mudança”. Isso sugere que Deus é
imaterial e portanto não pode projetar uma sombra e também que não existe nele um "lado
sombrio", num senso figurativo ou moral. Sombras sugerem trevas, e em termos espirituais
trevas pressupõem o mal. Desde que não há mal em Deus, também nele não há nenhum sinal
de trevas. Ele é o Pai das luzes.
Quando Tiago acrescenta que não há “sombra de mudança” em Deus, não é suficiente
entender essa afirmação meramente em termos do ser imutável de Deus. Ela refere-se
também ao caráter de Deus. Deus não só é totalmente bom, como também é consistentemente
bom. Deus não sabe como ser outra coisa senão ser bom.
A bondade está tão intimamente conectada a Deus que até mesmo filósofos pagãos como
Platão equipararam a bondade suprema, a bondade mais elevada, ao próprio Deus. A bondade
de Deus refere-se tanto ao seu caráter quanto ao seu comportamento. Suas ações procedem e
emanam do seu ser. Ele age de acordo com o que ele é. Assim como uma árvore corruptível
não pode produzir frutos incorruptíveis, assim também um Deus incorruptível não pode
produzir frutos corruptíveis.
A Lei de Deus reflete sua bondade. Deus é bom não porque obedece alguma lei cósmica
fora dele mesmo, que o julga, ou porque ele define o que é bom e portanto pode agir de forma
ilegal e usar sua autoridade para declarar que sua ação foi boa. A bondade de Deus tampouco
é arbitrária ou caprichosa. Deus obedece uma lei, mas a lei que ele obedece é a lei do seu
próprio caráter. Deus sempre age de acordo com seu próprio caráter, o qual é eterno, imutável
e intrinsecamente bom. Tiago ensina que todo dom perfeito e toda boa dádiva vêm de Deus.
Ele não só é o padrão supremo da bondade — ele é a Fonte de toda bondade.
Um dos versículos mais populares do Novo Testamento é Romanos 8.28: “Sabemos que
todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados
segundo o seu propósito”. Esse texto sobre a providência divina é tão difícil de compreender
quanto é popular. Se Deusé capaz de fazer com que tudo o que nos acontece funcione para o
nosso bem; então, em última análise tudo o que nos acontece é positivo. Temos de ser
cuidadosos aqui e colocar a ênfase na palavra última. No plano terreno, as coisas que nos
acontecem podem de fato ser ruins (devemos ter cuidado para não chamar o bem de mal ou o
mal de bem). Enfrentamos aflições, miséria, injustiças e muitos outros males. Ainda assim,
Deus em sua bondade transcende todas essas coisas e age nelas para o nosso bem. Para o
cristão, no final, não existem tragédias. No final, a providência de Deus opera em todos esses
males que estão próximos de nós para o nosso benefício.
Martinho Lutero entendeu esse aspecto da boa providência de Deus quando disse: “Se
Deus me dissesse para comer o estrume de animais que fica nas ruas, eu não só comeria,
como iria saber que aquilo era bom para mim”.
Sumário
1. As criaturas têm sombras projetadas pelas trevas do pecado.
1
SOMBRA
CRIATURA
DEUS SEM SOMBRA
2. Não existe um lado sombrio em Deus.
3. Deus não está sujeito a nenhuma lei
Lei
Deus
4. Deus não está isento de lei.
Lei/DEUS
32. 1
5. Deus é lei para si mesmo.
Para discussão e avaliação
1. O que significa a expressão bíblica "sombra de mudança"? (Tg 1.17)
2. Qual foi o filósofo pagão que equiparou a bondade maior com Deus?
3.Por que a lei de Deus reflete a sua bondade? Ela não parece demonstrar mais a
severidade de Deus?
4. Por que é difícil aceitarmos as coisas dolorosas da vida, mesmo sabendo que elas
operam juntamente com o propósito de Deus para nós?
A JUSTIÇA DE DEUS 1
33. 1
8
Gênesis 18.25; Êxodo 34.6, 7; Neemias 9.32, 33; Salmos 145.7; Romanos 9.14-33
Justiça é uma palavra que ouvimos diariamente. Ela é usada nos relacionamentos pessoais,
nas convenções sociais, com respeito à legislação e nos vereditos pronunciados nos tribunais.
Embora seja muito comum, essa palavra tem deixado perplexos os filósofos que tentam defini-la.
Às vezes conectamos ou equipáramos justiça com aquilo que é conquistado ou merecido.
Falamos sobre pessoas que receberam aquilo que mereciam em termos de recompensa ou de
punição. As recompensas, porém, nem sempre são baseadas nos méritos. Suponha que façamos
um concurso de beleza e declaramos que um prêmio será dado à pessoa que for considerada mais
bonita. Se a "beleza" ganha o prêmio, não é porque exista algum mérito em ser bonito. Ao
contrário, ajustiça é feita quando o concorrente mais bonito é justamente recompensado com o
prêmio. Se os juízes votam em alguém que não consideram o mais bonito (por razões políticas ou
porque foram subornados), então o resultado do concurso será injusto.
Pelas razões como as mencionadas acima, Aristóteles definiu justiça como "dar a uma pessoa
aquilo que lhe é devido". O que é "devido" pode ser determinado por obrigações éticas ou por um
acordo pré-estabelecido. Se uma pessoa recebe uma punição mais severa do que seu crime merece,
tal punição é injusta. Se alguém recebe uma recompensa inferior à que mereceu, então a
recompensa é injusta.
Como, pois, a misericórdia se relaciona com ajustiça? Misericórdia e justiça obviamente são
elementos diferentes, embora às vezes sejam confundidas. A misericórdia ocorre quando aquele
que errou recebe uma punição menor do que merçcia ou uma recompensa maior do que lhe era
devida.
Deus tempera sua justiça com misericórdia. Sua graça é essencialmente um tipo de misericórdia.
Deus é gracioso para conosco quando retém o castigo que merecemos e quando recompensa nossa
obediência, a despeito do fato de que é nossa obrigação obedecê-lo, de maneira que não há mérito e não
merecemos nenhuma recompensa. Com Deus, a misericórdia é sempre voluntária. Ele nunca tem a
obrigação de ser misericordioso. Deus reserva a si o direito de exercer sua graça de acordo com o
beneplácito de sua vontade. Por isso disse a Moisés: "Terei misericórdia de quem me aprouver ter
misericórdia, e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão " (Rm 9.15).
Muitas pessoas às vezes se queixam de Deus não distribuir sua graça ou sua misericórdia
igualmente a todas as pessoas, que ele, portanto, não é justo. Achamos que, se Deus perdoa uma
pessoa, então ele tem a obrigação de perdoar todas.
Vemos, porém, claramente nas Escrituras que Deus não trata todos da mesma maneira. Ele
se revelou a Abraão de uma maneira que não se revelou a nenhum outro pagão no mundo antigo.
Revelou sua graça a Paulo de uma maneira que não revelou a Judas Iscariotes.
Paulo recebeu graça de Deus, Judas Iscariotes recebeu justiça. Misericórdia e graça são formas de
não-justiça, mas não são atos de injustiça. Se o castigo de Judas fosse mais severo do que ele merecia,
então ele teria do que reclamar. Paulo recebeu graça, mas isso não requer que Judas também recebes-se.
Se graça é exigida de Deus, ou seja, se Deus é obrigado a ser gracioso, então não estamos mais
falando de graça, mas de justiça.
Biblicamente, justiça é definida em termos de retidão. Quando Deus é justo, ele está fazendo o
que é reto. Abraão fez a Deus uma pergunta retórica, a qual só poderia ter uma resposta óbvia: "Não
fará justiça o Juiz de toda a terra?" {Gn 18.25). Semelhantemente, o apóstolo Paulo formulou uma
pergunta retórica similar: "Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum " (Rm
9.14).
Sumário
1. Justiça é dar o que é devido.
2. Ajustiça bíblica está vinculada à retidão, ou seja, fazer o que é reto.
3. A injustiça está fora da categoria da justiça e é uma violação da justiça. A misericórdia também
está fora da categoria da justiça, mas não representa uma violação da justiça. -
Para discussão e avaliação
1.Qual é o exemplo que o autor cita para demonstrar que recompensa nem sempre é baseada no
mérito?
2.Quando somos recompensados por Deus pela nossa obediência, Ele está demonstrando graça
ou justiça? Por quê?
3.A justiça de Deus o obriga a punir todo pecado, conforme a lei: "A alma que pecar essa morrerá"
- Ezequiel 18.4. Então, como conseguimos o perdão dos nossos pecados?
4.Deus está obrigado a exercer sempre a justiça, pois ele é justo. Que conseqüência isto traz na
vida do cristão? E na do não-cristão?
34. 5.Pode Deus exceder na aplicação da justiça a alguém? Ou pode ele recompensar alguém menos
1
do que ele merece? Por quê?
PARTE
II
I
35. 1
A CRIAÇÃO 19
Gênesis 1; Salmos 33.19; Salmos 104.24-26; Jeremias 10.1-16; Hebreus 11.3
Todas as coisas têm um início no tempo e no espaço. Eu tive um início; você teve um
início. Acasa onde moramos teve um início. As roupas que vestimos tiveram um início. Houve
um tempo em que nossas casas, nossas roupas, carros, máquinas de lavar não existiam; nem
nós mesmos existíamos. Essas coisas não eram. Nada pode ser mais óbvio.
Estamos cercados por coisas e pessoas que obviamente tiveram um início e por isso
somos tentados a pular para a conclusão de que tudo teve um início. Tal conclusão,
entretanto, seria um salto fatal no abismo do absurdo. Seria fatal para a religião. Também
seria fatal para a ciência e para a razão.
Por quê? Não dissemos que todas as coisas no tempo e no espaço tiveram um início? Não
seria o mesmo dizer simplesmente que tudo teve um início? De maneira alguma. Lógica e
cientificamente é simplesmente impossível que todas as coisas tenham tido um início. Por
quê? Se tudo o que existe um dia teve um início, então teria havido um tempo em que nada
existia.
Pare por um momento e reflita. Tente imaginar a existência de nada. Absolutamente
nada. Nem mesmo podemos conceber a existência de absolutamente nada. O próprio conceito
é meramente a negação de alguma coisa.
Se já houve, porém, um tempo em que absolutamente nada existia, o que haveria agora?
Certo. Nada! Seja houve um tempo em que não havia nada, então, pela lógica irresistível essa
situação deveria persistir e continuaria sempre a não existir nada. Não haveria nem mesmo o
"sempre" durante o qual nada existiria.
Por que podemos estar certos, ou melhor, absolutamente certos de que seja houve um
tempo em que não havia nada, então hoje deveria continuar não existindo nada? A resposta é
espantosamente simples, a despeito do fato de que pessoas extremamente inteligentes às
vezes tropeçam no óbvio. A resposta é simples porque você não pode obter algo a partir de
nada. Uma lei absoluta da ciência e da lógica diz que ex nihilo nihilfit, quer dizer, “a partir do
nada, nada procede”. O nada não pode produzir coisa alguma. Nada não pode rir, cantar,
chorar, trabalhar, dançar ou respirar. O nada certamente não pode criar. O nada não pode
fazer nada porque ele é nada. Ele não existe. O nada não tem nenhum poder porque não tem
existência.
Para que alguma coisa procedesse do nada, teria de possuir o poder da autocriação.
Teria de ser capaz de criar a si própria ou trazer a si própria à existência. Isso, porém, é um
completo absurdo. Para que alguma coisa criasse ou produzisse a si própria teria de ser antes
de existir. Entretanto, se algo já existe, não tem necessidade de ser criado. Para criar a si
próprio, algo teria de ser e teria de não ser, existir e não existir ao mesmo tempo e no mesmo
contexto. Isso é uma contradição. Essa idéia viola uma das mais fundamentais de todas as
leis da razão e da ciência — a lei da não-contradição.
Se sabemos alguma coisa, então sabemos que, se as coisas existem hoje, então de
alguma maneira, em algum lugar, algo não teve início Sabemos de brilhantes pensadores,
como Bertrand Russell, o qual em seu famoso debate com Frederick Copelston argumentou
que o presente universo é o resultado de uma "série infinita de causas finitas". Isso coloca
uma série sucessiva de eventos, um causando o outro, operando retrospectivamente para
sempre na eternidade. Essa idéia simplesmente dá uma dimensão infinita ao problema da
autocriação. É um conceito fundamentalmente absurdo. O fato de que ele tenha sido proposto
por sábios não o torna menos absurdo. É pior do que absurdo. Absurdos podem ser reais.
Esse conceito, porém, pela lógica, é impossível.
Russell pode negar a lei de que nada procede do nada, mas não pode refutá-la sem
cometer suicídio mental. Sabemos (com base na lógica) que, se as coisas existem hoje, então
deve ter havido algo que não teve início. A pergunta então é: o quê ou quem seria?
Muitos estudiosos sérios acreditam que a resposta para esse o quê é encontrada dentro