Este documento discute a importância de se pensar em propostas de educação bilíngue que levem em conta a perspectiva e as narrativas dos alunos surdos. Apresenta três principais narrativas surdas sobre suas experiências educacionais: 1) a supressão do uso da língua de sinais, 2) práticas pedagógicas excludentes e 3) dificuldades na "escola dos ouvintes". Defende que propostas bilíngues devem priorizar a língua de sinais e a cultura surda, respe
2. Segunda Boaventura de Souza Santos…
Vivemos num tempo de perguntas fortes e de
respostas fracas.
As perguntas fortes são as que se dirigem não
apenas às nossas opções de vida individual e
colectiva, mas sobretudo às raízes, aos
fundamentos que criaram o horizonte das
possibilidades entre que é possível optar.
São, por isso, perguntas que causam uma
perplexidade especial.
3.
As respostas fracas são as que não conseguem
reduzir essa perplexidade e que, pelo contrário, a
podem aumentar. As perguntas e as respostas
variam de cultura para cultura, de região do mundo
para região do mundo.
4.
Mas a discrepância entre a força das perguntas e a
fraqueza das respostas parece ser comum. Decorre
da multiplicação em tempos recentes das zonas de
contacto entre culturas, religiões, economias,
sistemas sociais e políticos e formas de vida
diferentes em resultado do que chamamos
vulgarmente globalização.
5. As Narrativas Surdas
Pensar políticas educacionais tendo como foco os
movimentos surdos.
Os movimentos surdos de resistência
As narrativas como histórias contadas sobre esses
movimentos.
6. Os Movimentos Surdos
São movimentos de resistência. Resistência a que? A
quem?
O que é a resistência surda?
As narrativas surdas como narrativas da inclusão:
fundamental importância!!!
Como posso fazer inclusão educacional se nem sei
quem estou “hospedando”?.
11. A racionalidade e a representação surda
Vivemos tempos de uma racionalidade
indolente, preguiçosa, que se considera única,
exclusiva e que não se exercita para ver a riqueza
inesgotável do mundo.
Essa racionalidade cria ausências por meio de
uma monocultura do saber, monocultura do
tempo linear, monocultura do monocultura da
naturalização das diferenças, monocultura da
escala dominante (global=hegemônico;
local/particular=invisível) e uma monocultura
do produtivismo capitalista.
12. Assim, segundo Santos
(2007)…
Tradução é um processo intercultural, intersocial.
Utilizamos uma metáfora transgressora da tradução
linguística: é traduzir saberes em outros saberes,
traduzir práticas e sujeitos de uns aos outros, é
buscar inteligibilidade sem “canibalização”, sem
homogeneização (SANTOS, 2007, p. 39).
13.
Proponho traduzir, as narrativas surdas em
possibilidades políticas.
Que narrativas são essas que se colocam para nós?
Onde elas se localizam?
14. 1- A Supressão do uso da língua de
sinais.
Nós tínhamos que falar. A professora tinha um pedaço de
pau que batia em nossas mãos. Eu chorava muito com ela.
Eu procurava a diretora da escola e ela dizia que a
professora estava certa porque era coisa de macaco falar em
sinais. As pessoas ficavam zombando dizendo que eu era
macaca porque fazia sinais. Isso era muito ruim! Nas aulas
de treino da fala, eu errava as palavras e a professora me
beliscava. Uma vez chegou a apertar o meu nariz ao ponto
de sangrar porque eu não consegui falar o “R”. Era uma
coisa horrível! Mas nada de Português mesmo. Era um
monte de palavras soltas.” (S. 38 anos)
15.
“Eu vi uma situação uma vez que me chocou: a professora
mandava a gente comer banana quando errávamos uma
palavra. Não precisava comer a banana se por acaso
acertássemos a palavra falada. Mas se errássemos... tinha que
comer a banana. Era como se estivesse nos chamando de
macacos. O surdo sofre mesmo. Isso foi na APAE”. (E. 23
anos)
16. 2- As práticas pedagógicas/clínicas na
escola: o currículo e as práticas
rotineiras
Eu larguei a escola porque ninguém agüentava as
atividades repetidas. Era sempre a mesma coisa. Todos os
dias a mesma coisa, a mesma coisa... Eu me revoltei e não
quis saber mais. A professora sempre ensinava: A-B-C-D,
e no dia seguinte, A-B-C-D. Ai, horrível! As professoras
velhas que ensinam a mesma coisa até hoje precisam sair.
É preciso tirá-las de lá.
17.
E de Matemática, era adição e subtração apenas. Só isso que se
ensinava. Eu queria que também ensinassem multiplicação,
divisão. Isso elas não davam para mim. Só a mesma coisa.
Conteúdo de bebê.
“Não ensinavam nada de História, Geografia, Biologia. Nada.
Sempre a mesma coisa. Apenas estudávamos Matemática e
Português. Sempre. E só atividade infantilizada”. (L. 48 anos)
18. 3- A “escola dos ouvintes”: o
movimento de inclusão atual
“Os surdos que estudam na 5ª série, na escola de ouvintes,
tem a vantagem de passar de série e de aprender conteúdos
não aprendidos na escola de surdos. Na escola de surdos,
eles não aprendem porque ficam a mercê das loucuras orais
das professoras. Não tem conteúdo. Inclusive, os surdos
ficam sem acompanhamento. Mas tem o outro surdo. Não
sei o que acontece com esta situação. Não sei o que é
melhor ou pior. Eles são aprovados nas séries de 5ª a 8ª
porque na aula de reforço na escola de surdos, os conteúdos
são dados para eles copiarem e levar tudo bonito e pronto
para outra escola. Continuam sem aprender”. (E. 50 anos)
19.
“Saí um dia a escola de surdos depois da quarta série e fiquei
só na escola de ouvintes sempre repetindo a quinta série. Três
vezes. Onde estavam meus amigos surdos? Nós
conversávamos escondido. Agora... não precisava mais.
Ninguém me entendia! Então abandonei a escola dos ouvintes
também. Fiquei triste e falei com minha mãe, reclamando: ‘Ah!
Estudar para quê?” (C.32 anos)
20.
“Numa escola ouvinte, o surdo fica isolado. Só recebendo
mensagens faladas sem ter contato em língua de sinais. Só se
aprende com um amigo do lado, porque a gente copia tudo do
amigo. O professor ouvinte é muito chato. Dá muito trabalho.”
(L. 48 anos)
21.
Na escola dos surdos não tem conteúdo. Mas na escola dos
ouvintes tem conteúdo e não tem cultura surda. É preciso
juntar os dois: conteúdo e cultura surda”. (S. 54 anos)
22. 4- As propostas educacionais dos
narradores surdos
“Meu sonho é uma escola com professores surdos,
com surdos aprendendo tudo em sinais. Com
intérpretes também. As crianças precisam
aprender sinais.” (C. 32 anos)
“Aprender o Português é tudo que quero.
Português é muito importante para fazer provas,
concursos. Eu queria uma escola onde os surdos
aprendessem o Português tranquilamente. Sem
problema algum.” (M. 38 anos)
23.
Uma escola para mim tem que ter intérprete em todas as
disciplinas, e professores surdos. Os ouvintes atrapalham.
Eu sonho com intérpretes... Nós entenderíamos mais
rápido. Esse é o jeito do surdo. É melhor assim.” (C. 32
anos)
24. Um equívoco...
Educação Bilíngue: apenas duas línguas...
Estamos lutando pelo que?
Educação Bilíngue como espaço de luta.
25. A PRÁTICA DA INCLUSÃO
BILÍNGUE: UMA PRÁTICA
EDUCACIONAL
A proposta de uma pedagogia blíngue no espaço educacional e
nas políticas municipais.
A lei e o decreto.
Lei 10.436/02- as políticas linguísticas relacionadas à Língua de
Sinais, se instauram no Brasil por meio dessa lei.
O decreto 5626/05 nos dá orientações sobre como produzir
políticas educacionais para que a escola se utilize dela a fim de
garantir uma educação bilíngüe para os surdos.
.
26.
Práticas bilíngues: pensar as lutas, os conflitos e as
tensões como protagonistas de uma política
educacional.
Uma política educacional bilíngue deve levar em
conta os sujeitos surdos como protagonistas do
processo.
27. Atitude e contraconduta
Atitude: capacidade do homem de elaboração de sua própria
subjetividade, de governar a si mesmo. E a isso, chama de
ATITUDE. Não é apenas um trabalho político, mas estético.
Foucault denomina de contraconduta “[...] movimento tão
específicos quanto esse poder pastoral, movimentos específicos
que são resistências, insubmissões, algo que poderíamos
chamar de revoltas específicas de conduta [...]. São movimentos
que têm como objetivo outra conduta, isto é: querer ser
conduzido de outro modo, por outros condutores e por outros
pastores, para outros objetivos e para outras formas de
salvação.” (FOUCAULT, 2008, p. 257).
28. Intelectual Específico
Se pensarmos a nossa trajetória histórica, já fomos
“apenas” intérpretes em igrejas e acabávamos em
associações. Éramos bons cristãos, familiares. Ou
ainda, quando não familiares, simpatizantes com a
causa surda por algum chamado de Deus, por
alguma missão especial. Nosso trabalho sempre foi
altamente relacionado a uma vivência pessoal com o
sujeito surdo. Acabamos nos subjetivando, para o
bem ou para o mal, a uma causa política, moral de
defesa dos surdos.
29. Pensando propostas
bilíngues
Para pensar propostas bilíngues, é fundamental conhecer
princípios que são inegociáveis. Segundo Lopes e Guedes
(2010), no primeiro plano, compreender o sujeito surdo
como sujeito cultural, com sua língua, sua história (como
já contamos aqui), seus anseios. Prestar atenção ao que o
surdo diz é um passo importantíssimo para um bom
projeto bilíngue. Compreender a concepção de inclusão
do sistema que faz parte e sustentar a visão de surdos,
identidades, línguas e culturas são fundamentais.
Também é importante fazer uma distinção clara do que
sejam as concepções utilizadas pelo sistema do qual o
professor faz parte: a surdez como anormalidade ou o
surdo como sujeito cultural. Afinal, é a partir do que
pensamos que construímos e constituímos nossas
práticas.
30.
No planejamento das atividades que comporão o AEE, é
preciso que a escola (e não somente o professor que
atuará no AEE ou o professor do aluno surdo), tenha
maior clareza sobre os significados que a palavra inclusão
possui na instituição. Além disso, é preciso que os
professores tenham maior elementos teóricos para
sustentar a visão de surdos, de identidade, de língua e de
cultura surda – noções fundamentais para que um
currículo possa ser construído com os surdos –. Também é
importante que a escola seja capaz de fazer distinções
entre concepções de educação de surdos baseadas em
uma visão de anormalidade surda e concepções de
educação de surdos baseadas na diferença cultural surda
(LOPES; GUEDES, 2010).
31. Princípios para uma
possível educação bilíngue
Todo o aluno surdo deve estar em companhia de outros surdos.
Surdos com experiências e níveis linguísticos e de aprendizagem
diferentes estimulam o aprendizado uns dos outros.
Nem toda a experiência visual acarreta em aprendizado, mas
todo o aprendizado surdo passa por uma experiência visual.
A convivência surda deve ser estimulada não somente em
horários de trabalho previstos no AEE.
De preferência em cada turma seja matriculado mais de um
aluno surdo.
32.
A presença de professores ouvintes fluentes em LIBRAS e
de professores surdos na escola é fundamental para a
realização de atividades com os alunos.
Ter na escola profissionais intérpretes de LIBRAS para
mediar as aulas onde os alunos surdos tiverem incluídos.
Todos os professores devem ter clareza que ser surdo é uma
questão de identidade linguística-cultural.
Ter um plano de difusão da LIBRAS na escola.
33.
A LIBRAS é a primeira língua dos alunos surdos, portanto deve
ser priorizado os espaços de convivência com ela. O Português
em sua modalidade escrita é a segunda língua dos surdos
brasileiros e como tal deve ser tratada na escola.
Todas as atividades com os alunos devem ser planejadas com
antecedência para que providências em relação a construção
visual do que será ensinado seja tomada.
Todas as atividades e as aulas planejadas pelos professores
devem ser repassadas no mínimo um dia antes para o intérprete
de LIBRAS.
Intérprete não é professor.
Professor no momento que está em aula, não consegue ser
intérprete concomitantemente.
34. Considerações Finais
É possível finalizar?
Como estão as nossas políticas denominadas
inclusivas?
O que são os movimentos surdos nessa perspectiva?
35.
O Movimento surdo e a educação- relações intrínsecas.
Vivemos em uma atualidade fluida na educação dos surdos.
Saímos de uma condição (o surdo como deficiente) para ir ao
encontro de outra: o surdo como sujeito cultural. Mas sempre
oscilando. E essa mudança, cria espaços-tempos diferenciados
na formação dos professores de surdos.
Passamos então a procurar os sujeitos professores conhecedores
da Língua de sinais e produtores de um saber importante.
Porém, a língua de sinais passa a ser bandeira na política em
que o movimento surdo defende para uma escola bilíngue de
qualidade. E em meio a tantos movimentos, a pergunta: o que é
uma educação bilíngue? Como formar professores bilíngues