O documento discute a noção de repetição na psicanálise de acordo com Freud e Lacan. A repetição não é mera reprodução do idêntico, mas sim aquilo que insiste e marca a articulação do sujeito com o objeto. Lacan distingue duas dimensões da repetição: automaton e tiquê. A repetição na transferência é fundamental para a experiência clínica da psicanálise.
1. Aquilo que insiste é aquilo que se repete?
Alexandre Simões
Abril de 2012
III Simpósio de Psicologia Hospitalar do Centro-oeste Mineiro:
daquilo que se repete: o sujeito e seus tropeços
3. Wiederholung:
repetição
Situações nas quais seus pacientes (por meio de
lembranças, atos, ideias, sonhos, sintomas, relações
amorosas) se mostravam embaraçados com um sofrimento
que, a despeito de ser tomado como tal, não cedia.
4. Uma manifestação clínica bastante
reconhecida deste Wiederholung:
pacientes que nos relatam circunstâncias
ou impasses distintos ocorridos em suas
vidas e que trazem uma sensação de
familiaridade fronteiriça com o déjà-vu:
mudam-se os cenários e
pessoas, todavia, mantém-se a
trama
5. Daí, a noção de „insistência conservadora‟ ou de
compulsão à repetição
repetição
compulsão
6. Menciono aqui uma situação na qual uma paciente
se depara, em meio a uma intensa dificuldade de
relacionamento com sua filha adolescente, com o
significante „mãe demais‟
Aos poucos, ela vai se dando
conta (e isto comporta
repercussões) de que o mãe
demais é proliferante: ele se
introduz na sua relação com
a própria mãe e com seus
alunos (ela é professora
universitária), servindo-
lhe, igualmente, como uma
cifra para a sua
culpabilidade
7. Mais uma cena da repetição em Freud:
o ato de reviver episódios que não são
recobertos inteiramente pelo prazer
fazer prazer
8. O ato de reviver episódios que não são
recobertos inteiramente pelo prazer
prazer
fazer
9. Na experiência clínica da psicanálise, é bastante
comum nos depararmos com tal circunstância: a
irredutibilidade do fazer ao prazer.
Em nossa atualidade, ela está cada vez mais
envelopada pela atmosfera ora do acidente, ora da
inevitabilidade:
os recorrentes acidentes (por exemplo, através dos meios de transporte)
protagonizados pelo paciente, as constantes fraturas em seu corpo, as
intercorrências médicas que agora fazem parte de sua vida, o encontro –
tal qual uma goteira que não cessa - com a droga, com os cuidados
com o peso corporal, etc.
10. Mais de um paciente, sob modos diversos, me expõe uma
forma de agir bastante curiosa:
Diante de uma adversidade (por
exemplo, a cena dos
desencontros familiares) eles se
cortam seguidamente com
estiletes, de forma tal que
realizam incisões e mutilações
superficiais sobre a pele.
Estas incisões que marcam as pernas e braços são um
tanto quanto dolorosas e incômodas e, em dado
momento, são os recursos que estas pessoas têm para
demarcar, de forma entalhada, seu lugar diante do Outro.
11. Há um „resíduo‟, um „excedente‟ na relação
entre o fazer e o prazer
O que faz com que o ato que se repete não esteja
inteiramente regulado pela lógica do prazer
12. Isto conduz Freud, bem
como a todos nós, a
fazer as seguintes
perguntas:
O que sustenta a repetição?
O paciente, quando é tomado pela
repetição, está investido de quê?
13. REPETIÇÃO: No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
poeticamente, todos tinha uma pedra no meio do caminho
nós temos alguma tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
ressonância, em
nós, da “pedra no meio Nunca me esquecerei desse
acontecimento
do caminho”
na vida de minhas retinas tão
fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do
caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
14. Na cena clínica há
uma dimensão
fundamental na qual
a repetição não é só
referida, falada ou
descrita, mas é posta
em ato.
Transferência como uma
arena na qual a
repetição se apresenta
15. Freud argumenta que
enquanto o paciente se
encontra em tratamento
analítico, ele
inexoravelmente irá se
deparar com esta
compulsão à repetição.
A repetição é uma maneira de recordar sem que a pessoa se
dê conta do que está ocorrendo, ou seja, quando o paciente
repete, ele atua
sem saber que está repetindo
17. A repetição, neste quadro, é definida como
algo que faz oposição ao saber
Trabalhando na perspectiva da primeira
tópica, Freud acredita que para lidar com a repetição
e superar a resistência é preciso tornar consciente o
que está inconsciente
18. Vale indagar:
O que querem nossos
pacientes, por meio daquilo que
neles insiste em repetir?
O que pode uma análise face à
pedra no meio do caminho?
20. Atenção: a repetição que interessa à experiência clínica
possibilitada pela psicanálise não coincide com um sentido
habitual que podemos dar à noção de repetição
Ou seja: não está em jogo a reprodução do idêntico
21. Diferentemente de uma mera reedição
a repetição é a própria pulsação – aquilo que
insiste - que marca a articulação do sujeito
com o objeto
22. Lacan nos convida a discernir
duas dimensões da repetição:
Automaton -> repetição que faz
fronteira com o significante (o
significante atribui ao sujeito o seu
lugar) -> regular, serial, automático
-> submetimento
Tiquê-> repetição que faz
fronteira com o objeto -> encontro
24. Ressaltaria aqui, a título de
exemplo, um analisando que
me fala de sua intensa atração
por mulheres e, ao mesmo
tempo, da impossibilidade de
sustentar, com ao menos uma
delas, uma relação
que, segundo ele, o “levasse
para outro lugar”.
A captura é bem reveladora quando
ele, ao detalhar suas investidas, diz que
se interessa particularmente “por
mulheres que sejam cobiçadas por
outros homens” e que, ao estarem ao
lado dele, deixam no ar: “o que ele tem?
Como ele consegue?”
25. Em um momento inicial, Lacan
(tanto quanto Freud) aborda o
inconsciente como memória.
Em pouco tempo, a experiência
clínica o conduz às impossibilidades
e tropeços deste modelo.
Lacan, posteriormente, nos propõe
que uma análise avança menos por
conta do circuito do
conhecimento, e muito mais pela via
proporcionada pelas experiências
do engano.
26. Em outros termos, o Inconsciente é
apresentado como um modo de saber que
atua sobre o corpo do ser falante, por meio de
uma ausência.
27. Tiquê e nó:
Uma paciente, em meio a um momento bastante
tenso de sua vida (que terá como um dos resultados
a separação de seu marido), inicia um périplo por
vários médicos, clínicas e exames invasivos por
conta de sintomas bem difusos que se instalaram em
seu corpo. No período de apenas um ano, ela chegou
a ser reconhecida em três categorias diagnósticas
distintas e muito severas, com prognósticos
sombrios.
Nada, ainda foi muito esclarecido, a não ser a insistência
repetitiva do elemento opaco que habita o corpo desta
mulher.
28. Na prática do analista:
ter conduzido um tratamento não serve em muito, em
certo nível, para dirigir outro. Não apenas não
serve, mas, de algum modo, é preciso esquecer um
tratamento para conduzir outro.
Esta é a conhecida tese de Freud: cada tratamento deve ser
conduzido pelo analista como se fosse o primeiro.
29. Em suma:
O automaton deve possibilitar a
tiquê
30. Prosseguiremos amanhã, com o tema de encerramento:
Transferência: via de saída deste circuito
Até lá!
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ALEXANDRE
SIMÕES
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