O documento trata de uma apelação cível e reexame necessário envolvendo um caso de abuso de autoridade policial. O autor alega ter sofrido agressões físicas e humilhações por policiais durante uma abordagem. O Estado recorre da sentença que o condenou a indenizar a vítima. O relator, após analisar as provas incluindo vídeo da abordagem, vota para manter a condenação mas reduzir o valor da indenização.
1. APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO No
675.046-9, DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE FOZ
DO IGUAÇU.
APELANTE: ESTADO DO PARANÁ.
APELADO: MILCEU PEREIRA DOS SANTOS.
RELATORA: DESa. DULCE MARIA CECCONI.
APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ABORDAGEM
POLICIAL. AGENTES QUE DESFEREM GOLPES NO
ROSTO DA VÍTIMA QUANDO INDAGADOS SE PODIAM
BAIXAR AS ARMAS. POSTERIOR PRISÃO E
ENCAMINHAMENTO AO JUIZADO ESPECIAL PARA
LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO POR
DESACATO QUANDO A VÍTIMA MANIFESTA A
INTENÇÃO DE DENUNCIÁ-LOS. ABUSO DE
AUTORIDADE CARACTERIZADO. USO DE ALGEMAS.
AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DE SEU
USO. SÚMULA VINCULANTE Nº 11, DO STF.
HUMILHAÇÃO INDEVIDA. VÍTIMA QUE EM MOMENTO
ALGUM DESACATOU OS AGENTES POLICIAIS OU
MANIFESTOU A INTENÇÃO DE RESISTIR À PRISÃO.
DEVER DE INDENIZAR. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO MORAL REDUZIDO PARA QUINZE
MIL REAIS. PRECEDENTES DESTA CÂMARA E DO STJ.
HARMONIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE
PROVIDA.
REEXAME NECESSÁRIO. JUROS MORATÓRIOS E
CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC.
PRECEDENTES DO STJ. JUÍZO A QUO QUE FIXOU O
TERMO INICIAL DE SUA INCIDÊNCIA NA DATA DA
SENTENÇA. MODIFICAÇÃO PARA ATENDIMENTO DO
ARTIGO 398, CC. IMPOSSIBILIDADE, EM RAZÃO DA
MAIOR ONEROSIDADE À FAZENDA PÚBLICA. SÚMULA
45, DO STJ. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
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2. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 2 de 17
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível
nº 675.046-9, da 1ª Vara Cível de Foz do Iguaçu, interposta pelo ESTADO DO
PARANÁ, contra a r. sentença que julgou procedente a Ação de Indenização
que lhe move MILCEU PEREIRA DOS SANTOS.
Na inicial o autor aduziu, em síntese que: a) no dia 01 de
abril de 2008 dirigiu-se à casa do Senhor Tradutor Oficial da região; b) em
frente à residência, foi abordado por policiais militares armados e sob ordens,
acatadas, de que ficasse imóvel, submeteu-se a revista pessoal; c) após a
revista, o autor tentou argumentar que não era bandido, obtendo resposta
ríspida sob os seguintes dizeres: “cala boca seu lixo, nego sujo, não te
perguntei nada” (fl. 04); d) houve abuso de autoridade e desrespeito ao
cidadão; e) cessadas as ofensas ao autor, um dos policiais (Sd. Miranda) atirou
os documentos do autor no chão a fim de aumentar a humilhação já sofrida,
fazendo-o juntá-los; f) inconformado com o tratamento recebido, disse aos
policiais que iria apresentar reclamação contra eles junto ao Quartel da Polícia;
g) em razão disso, foi imobilizado para receber tapas no rosto, desferidos pelo
Sg. Henri, Sd. Miranda e Sd. Alexandre e, na seqüência, conduzido à viatura
para que os policiais solicitassem informações sobre seus antecedentes; h)
com a informação de que o autor encontrava-se “sub judice” (fl. 04), os
agentes voltaram a agredi-lo, desta feita com socos e pontapés, já algemado
dentro da viatura; i) com o fim das agressões, o autor foi levado ao Fórum,
para lavratura de Termo Circunstanciado por desacato e resistência à prisão; j)
ainda no Fórum, onde ficou algemado por cerca de 2 (duas) horas, sofreu
pressão psicológica e ameaças, sob o argumento de que jamais ganharia uma
causa contra oito policiais; k) as câmeras de segurança da casa do Senhor
Tradutor flagraram as cenas da abordagem até o momento da imobilização; l)
o autor “ainda está respondendo Processo Criminal no Juizado Especial
Criminal como se tivesse agido contrariamente à lei(...)” (fl. 05); m) a
dignidade da pessoa humana foi ferida, uma vez que o autor foi tratado como
um criminoso; n) o fato de constar prévios antecedentes em seu nome não
autorizava os policiais a agirem daquele modo; o) foi violado o art. 5°, inc. X,
da Constituição Federal; p) as humilhações sofridas provocaram-lhe profundo
abalo emocional; q) o Estado deve ser responsabilizado pelo dano, vez que a
pessoa jurídica de direito público é quem deve responder pelos danos causados
por seus agentes.
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3. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 3 de 17
Pugnou, ao final, a procedência do pedido, requerendo o
arbitramento da indenização em 500 (quinhentos) salários mínimos, ou então,
em valor condizente, fixado pelo magistrado.
Em contestação, o réu defendeu, em resumo, que: a) os
policiais não abordaram o autor já com armas empunhadas; isso apenas
aconteceu após este tê-los desacatado, proferindo as seguintes palavras:
“peemezinhos de merda, não tem o que fazer, vão abordar bandido (...) vocês
vão se fuder, pois meu advogado é amigo do promotor” (fl. 89); b) os agentes
apenas agiram no cumprimento do dever legal, em decorrência da atitude
suspeita do autor; c) não houve a ofensa relatada pelo autor em nenhum
momento da abordagem, bem como não foram jogados ao chão seus
documentos; d) também não aconteceu agressão física ao autor e a utilização
de algemas fez-se necessária em razão da iminência de agressão aos policiais;
e) o espaço reservado na viatura impede agressão física dos servidores ao
suspeito; f) no fórum o autor continuou com palavras de desacato, sem
ninguém lhe usurpar do direito de se expressar; g) a conduta dos agentes não
foi arbitrária, vez que agiram no âmbito da razoabilidade em função da
resistência e desacato do autor; h) “a prisão do autor foi regular, não houve
qualquer ofensa a direito de personalidade, senão estrito cumprimento do
dever legal, a concluir que a ação policial foi permeada pela observância da
razoabilidade e proporcionalidade para fazer frente ao desacato” (fl. 94); i) não
cabe reparação ao particular quando da ocorrência do exercício regular do
direito; j) o valor pedido é incompatível com as finalidade da indenização de
cunho moral.
Houve impugnação a contestação às fls. 102/103.
Por ocasião da audiência de instrução e julgamento, foram
ouvidas duas (2) testemunhas (fls. 129/131), e o réu trouxe aos autos cópias
dos depoimentos prestados na esfera penal (fls. 133/137).
O Ministério Público, em parecer de Primeiro Grau, opinou
pela procedência do pedido, levando-se em conta as condições das partes,
evitando abusos na fixação dos valores.
Sentenciando, o Juízo a quo ditou a procedência da
demanda, condenando o réu ao pagamento de indenização por danos morais
ao autor no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
O requerido apelou da decisão, argüindo, em síntese, que:
a) os policiais agiram no exercício regular do “direito de abordagem de pessoas
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4. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 4 de 17
suspeitas” (SIC, fl. 162); b) o Ministério Público ofereceu denúncia contra o
autor em razão do crime de desacato por ele praticado; c) o CD utilizado como
prova não merece crédito, por possuir apenas vídeo, sem conteúdo do áudio;
d) a denúncia oferecida pelo Parquet se fundamenta em indícios de autoria e
materialidade do delito; e) as circunstâncias da abordagem não foram levadas
em consideração quando da prolação da sentença; f) o Juízo a quo violou os
princípios do dispositivo, da igualdade e da comunhão das provas, pois deixou
de considerar os depoimentos dos agentes em sua decisão, em favor do
contido apenas na imagem, sem qualquer resquício de som; e) a gravação
contida no CD anexo aos autos demonstra a expressão de insatisfação do
apelado em relação às autoridades policiais, caracterizando, portanto a
continuidade de ofensas aos agentes; f) a utilização das algemas foi
determinada apenas após a verificação por parte dos servidores de que o
apelado não cessaria seus desacatos; g) não há prova de agressão ao autor,
tampouco de que teve seus documentos jogados no chão; h) “houve apenas
revide imediato da autoridade policial ante as atitudes do apelado, o que
negou-se a apresentar documentos e ofendeu a credibilidade de toda a
corporação da Polícia Militar” (fl. 165); i) é imperiosa a redução do valor da
indenização estabelecido, vez que não houve prova inconteste sobre a
ocorrência de ilícito; j) o valor fixado a título de indenização é excessivo, pois
desproporcional à gravidade do fato e ao dano sofrido; k) o valor dos
honorários também deve ser reduzido, pois fere o princípio da equidade e da
proporcionalidade.
O apelado apresentou contrarrazões às fls. 172/176.
Chamada a se manifestar, a D. Procuradoria Geral de
Justiça, em parecer de lavra do Doutor Procurador de Justiça Luiz Carlos Lima
Vianna, entendeu pela desnecessidade de intervenção do Ministério Público no
processo.
É o relatório.
VOTO
No tocante ao recurso voluntário, de rigor seu
conhecimento, eis que presentes os requisitos de admissibilidade e, no mérito,
seu provimento parcial.
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5. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 5 de 17
Inicialmente, convém narrar como se deu a abordagem
pelos policiais militares, tal como registrado pela câmera de segurança da casa
na frente da qual ocorreu.
Os policiais militares vinham caminhando pela rua, no meio
da pista de rolamento e, quando terminavam de passar na frente da casa,
chegou o apelado de moto, atrás deles, no mesmo sentido.
Chegando em frente ao portão, o apelado estacionou, tirou
o capacete, já sendo recebido pelo funcionário do tradutor juramentado.
Antes do portão ser aberto, contudo, os policiais retornaram
e o abordaram, alguns com armas em punho, sendo que no mesmo instante o
apelado, sem manifestar nenhuma resistência, levou as mãos à cabeça e
soltou o capacete no chão.
Enquanto os policiais permaneciam com o recorrido em
mira, um deles procedeu a sua revista pessoal, nada sendo encontrado,
passando, então, a verificar os documentos que lhe foram apresentados.
Durante a conferência dos documentos, um dos agentes
policiais desfere 2 (dois) bofetões no rosto do apelado (15:40:21 do vídeo).
Inicia-se, então, uma discussão entre o apelado e os
policiais, que dura cerca de 30 (trinta) segundos, quando aquele que portava
os documentos os atira a cerca de 2 (dois metros) de distância.
O recorrido fica nitidamente indignado com o gesto e passa
a apontar para os documentos caídos ao chão, até que os apanha, quando
então 3 (três) policiais o imobilizam e o levam à viatura, saindo, portanto, do
campo de visão da câmera. Em momento algum, antes ou depois de ser
algemado, durante os cerca de 4 (quatro) minutos de duração do vídeo, o
apelado levantou as mãos ou fez qualquer gesto de ameaça ou resistência aos
policiais.
Não obstante o vídeo não tenha áudio, o que possibilitaria
identificar o motivo pelo qual o apelado levou o primeiro tapa, a testemunha
Sandrei de Melo, justamente o funcionário do tradutor juramentado que veio
recebê-lo no portão, afirmou que a discussão teve início quando a vítima pediu
aos policiais que baixassem as armas.
Convém colacionar a integralidade do depoimento dessa
testemunha:
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6. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 6 de 17
“que trabalha no escritório do tradutor Jonh Michel Burt há quatro anos; que já
tinha visto duas viaturas paradas na esquina, porém sem policiais;
posteriormente viu os policiais vindo da favela; algum tempo depois o autor
passou ao lado dos policiais e parou em frente ao portão; que o depoente então
desceu para atender Milceu; que os policiais estavam quase passando em frente
do escritório quando um deles virou, olhou em direção ao depoente e o autor e
gritou “mãos na cabeça”; que então o depoente se assustou e deu um passo
para trás e ficou observando; que o autor então soltou o capacete e colocou as
mãos na cabeça; que os policiais se aproximaram e enquanto um revistava o
autor os outros ficaram com as armas apontadas para eles; que como estava na
direção do autor, as armas também estavam apontadas para o depoente; que a
polícia então pediu a documentação do autor; o autor deu a documentação; que
depois de verificada a documentação, os policiais perguntaram para o autor o
que ele estava fazendo lá e o autor disse que era cliente do escritório e tinha
deixado uma documentação; que nesse ponto os policiais começaram a se
alterar, que os policiais perguntaram para o depoente o que era aquela
residência e o depoente respondeu que era um escritório de tradução; e os
policiais disseram ‘mas aqui embaixo’; que ainda continuaram com as armas
apontadas; que Milceu disse então ‘podem abaixar a arma?”; que então os
policiais mandaram o autor calar a boca e ficar quieto; que um dos policiais
xingou o autor de negro sujo; Milceu respondeu que era trabalhador; que um
dos policiais entrou no meio e deu um tapa na cara de Milceu e mandou ele
calar a boca; depois disso outro policial apontou a arma para o depoente e
mandou ele entrar na casa; o depoente então subiu a escada e continuou
olhando; os policiais então jogaram os documentos de Milceu no chão e foram
saindo; que o autor então pediu para entregar o documento dele na mão, já que
tinha entregado o documento na mão; que então outro policial voltou e deu
outro tapa na cara do autor, que os demais policiais voltaram para cima do
autor de novo, e o autor falou que era trabalhador, que aquilo não estava certo
e que ia denunciar os policiais na TV; o policial que bateu no autor disse que era
para o autor ir lá denunciar; que esse policial ainda bateu no peito e mostrou o
nome; que Milceu continuou dizendo que iria denunciar porque eles não
estavam certos; foi então que dois policiais algemaram o autor e torceram o
braço dele para trás e abaixaram o autor e foram levando o autor; deixaram a
moto e o capacete jogados no chão; foi nessa hora que o chefe do depoente
saiu no portão; que John perguntou o que estava acontecendo e o policial
perguntou o que o autor era de John, John respondeu que era cliente há muito
tempo e o policial falou que iam levar o autor; que John perguntou da moto e o
policial perguntou se poderia guardar a moto; o depoente abriu o portão e
pegou a moto e o capacete; nisso Milceu já estava na viatura (...) que o autor
não xingou ou bateu em qualquer policial (...) que o autor foi levado embora
dentro da viatura, na parte de trás.”
(fl. 131).
Veja-se que, após passar pela revista pessoal, os policiais já
tinham ciência de que o apelado estava desarmado e, por isso, não havia
motivo para continuarem com as armas em punho. O pedido do recorrido,
portanto, para que as guardassem, provavelmente porque estava intimidado
por elas, era razoável e sem nenhum fundo de desacato.
A resposta dos policiais, contudo, veio na forma de
agressões verbais, xingamentos, bofetões e outros comentários desarrazoados,
em evidente abuso de autoridade.
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7. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 7 de 17
Quando o apelado afirmou que iria denunciá-los, os agentes
resolveram prendê-lo por desacato, agravando ainda mais o desvio de
conduta, algemado-o sem o menor indício de que haveria resistência.
Frise-se: nada justificava a condução do apelado à viatura
policial para maiores averiguações, tampouco o uso de algemas, que só tem
cabimento diante de situações excepcionais, tal como orienta a Súmula
Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal:
“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado
receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por
parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por
escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente
ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se
refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
Nesse quadro, entendo que o apelado comprovou à
saciedade o abuso policial do qual foi vítima, sendo que as cópias dos
depoimentos prestados pelos policiais perante o Juizado Especial Criminal (fls.
133/137) não têm o condão de descaracterizar a ilegalidade.
Primeiro, porque tais depoimentos foram prestados
justamente pelos policiais que praticaram as agressões e apontaram as armas
indevidamente para o autor.
Segundo, porque suas afirmativas não estão em harmonia
com os demais elementos constantes dos autos.
A título de exemplo, veja-se que os policiais consideraram
suspeita a atitude do apelado apenas e tão somente porque parou em frente a
um escritório e desceu rapidamente:
“no momento em que os policiais saiam da favela o acusado chegou em uma
moto, parando-a e descendo rapidamente com vistas a entrarem [sic] em um
escritório”
(PM Ricardo Alexandre Siba, fl. 134)
Ora, não há absolutamente nada de suspeito no fato de uma
moto parar em frente a um escritório, seu condutor descer e ser recebido por
um funcionário junto ao portão. Esse fato é absolutamente corriqueiro no
cotidiano de todas as empresas que funcionam no país.
Essa mesma testemunha afirmou que o apelado não
atendeu, num primeiro momento, a abordagem policial, tendo sido necessário
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8. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 8 de 17
que o Sargento Henry repetisse a ordem mais de uma vez, “tentando inclusive
mobilizá-lo”.
O PM Edson Alves do Nascimento, que se apresentou como
“vítima” do apelado, e por isso deixou de prestar compromisso, também
afirmou que este se recusou a atender a voz de abordagem.
Nada mais absurdo, uma vez que se vê claramente do vídeo
que o recorrido prontamente atendeu ao comando policial, em nenhum
momento se recusando a ser revistado ou a apresentar os documentos.
Erlon Luiz Miranda, por sua vez, também foi ouvido como
informante, na qualidade de “vítima” do desacato do apelado. Afirmou, perante
o Juizado Especial Criminal, que “no momento em que se retiravam do local
[favela] aproximou-se o acusado conduzindo uma moto, tendo titubeado ao
avistar os policiais, que mesmo ante a voz de abordagem, o acusado continuou
por mais 50 metros aproximadamente; que os policiais correram atrás e ao
abordá-lo o acusado passou a xingá-los” (fl. 135).
A versão é inverossímil, pois o recorrido chegou por trás dos
policiais, e nenhum deles precisou persegui-lo, justamente porque estacionou
ao lado de dois dos agentes, na rua, como também se vê do vídeo encartado
aos autos.
O depoimento mais fantasioso, contudo, foi o do Sg. Henry
Francis Gianina Lamy, merecendo transcrição:
“Numa atividade de rotina nos deparamos com um motoqueiro e achamos por
bem de abordá-lo. Ocorre que o cidadão parou a moto e foi logo falando
impropérios para os policiais, meus colegas. Pedi que agisse com calma. O
cidadão continuou a falar palavrões, pelo que fui conversar com ele e explicar
que, se tudo estivesse em ordem, eu o liberaria. Aí ele me disse: ‘seu sargento
de merda, você vai se foder’ e levantou os braços como em posição de ataque.
Então segurei os seus braços e na sequência os meus colegas policiais o
algemaram. Não conhecia o cidadão e nada foi constatado contra ele.
Posteriormente fui entender porque procedeu daquela forma. É que parou na
frente da residência de seu advogado, onde sabia existir câmeras de segurança,
certamente esperando que o agredíssemos, para tirar proveito disso”.
(fl. 137).
As inverdades desse depoimento são inúmeras.
Em primeiro lugar, porque o apelado ao descer da moto,
não passou a ofender nenhum dos policiais.
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9. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 9 de 17
A verdade é que, ao descer da moto, ele retirou o capacete
e se dirigiu para o portão do escritório, iniciando uma conversa com o
funcionário do lado de dentro.
Na seqüência, quando abordado, o recorrido prontamente
acatou a ordem policial, se posicionando para revista. A postura do recorrido
era de absoluto respeito e submissão aos policiais.
Em segundo lugar, porque em momento algum o apelado
levantou os braços para atacar os policiais nos momentos que precederam sua
imobilização. Pelo contrário, os braços do apelado permaneceram abaixados e
seu corpo estava inclinado para baixo no momento em que os policiais se
dirigiram para colocar-lhe as algemas, pois tinha acabado de pegar os
documentos do chão (15:41:25 do vídeo).
A ponderação final do Sargento não passa de devaneio. O
apelado parou a moto em frente ao escritório de tradução (e não advocacia)
porque era seu cliente, e não para tentar ser ofendido e, depois, buscar
indenização. Mesmo porque até estacionar a moto e descer dela sequer fazia
idéia de que seria abordado.
Nesse quadro, percebe-se que os policiais tentaram
distorcer a realidade dos fatos para ocultar o abuso de autoridade que
cometeram contra o apelado.
A procedência do pedido indenizatório, portanto, foi medida
acertada, devendo ser mantida a sentença proferida em primeiro grau.
Com efeito, o excesso na abordagem policial, as
humilhações e ofensas verbais que foram dirigidas ao apelado configuram
situação vexatória e constrangimento caracterizadores de dano moral,
merecendo a devida reparação.
Nesse sentido, os seguintes precedentes do Superior
Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AGENTES POLICIAIS
MILITARES. ABUSO DE AUTORIDADE. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE. DANOS MORAIS. PEDIDO GENÉRICO.
POSSIBILIDADE. APLICABILIDADE DO ART. 515, § 3º, DO CPC. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. INVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.”
(REsp 926.628 / MT, 1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, DJ 18.06.2009, original sem
destaque).
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10. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 10 de 17
“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL.
PRISÃO ILEGAL. QUANTIFICAÇÃO DO DANO. CONTROLE PELO STJ.
POSSIBILIDADE. CRITÉRIO DA EXORBITÂNCIA OU IRRISORIEDADE DO VALOR.
1. Ação de indenização por danos morais sofridos em decorrência de
prisão ilegal e de lesão corporal praticada por policiais civis.
2. Na hipótese dos autos, conforme consta no aresto recorrido, os agentes
públicos "agiram de modo temerário e negligente com o autor, que
injustamente o preenderam, conduziram-no em viatura até a Central de
Polícia e desferiram-lhe golpes que lhe provocaram lesões".
3. A indenização por dano moral não é preço matemático, mas compensação
parcial, aproximativa, pela dor injustamente provocada. In casu, é mecanismo
que visa a minorar o sofrimento da vítima. Objetiva também dissuadir condutas
assemelhadas dos responsáveis diretos, ou de terceiros em condição de praticá-
las futuramente.
4. O montante indenizatório dos danos morais fixado pelas instâncias ordinárias
está sujeito a excepcional controle pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se
revelar exorbitante ou irrisório. Precedentes do STJ.
5. A título de danos morais, o Juízo de 1º Grau fixou o valor em R$ 12.000,00
(doze mil reais). O Tribunal local, ao dar parcial provimento à Apelação
interposta pelo Estado, reduziu a referida indenização para R$ 9.600,00 (nove
mil e seiscentos reais).
6. Caracteriza-se a especial gravidade dos fatos, decorrência da atuação
violenta e criminosa de agentes do Estado, pagos pelo contribuinte para
defender a sociedade, e não para aterrorizá-la.
7. Considerando as peculiaridades da demanda, o apelo deve ser provido a fim
de restabelecer a sentença.
8. Recurso Especial parcialmente provido.”
(REsp 631.650 / RO, 2ª T., Rel. Min. Hermann Benjamin, DJ 15.12.2009,
original sem destaque).
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. DANO MORAL. ABUSOS COMETIDOS POR POLICIAIS.
INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA 326/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA.
NÃO-INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ.”
(REsp 848508 / SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 13.02.2009,
original sem destaque).
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AGRESSÃO PROMOVIDA POR
POLICIAIS MILITARES. CONFIGURAÇÃO DO ATO ILÍCITO, DO DANO E
DO NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-
PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA
NÃO-CARACTERIZADA. SÚMULA 326/STJ. RECURSO DESPROVIDO.
1. O julgamento da pretensão recursal - seja para entender inexistente o ato
ilícito, seja para afastar a configuração do nexo causal e, assim, julgar
improcedente a pretensão condenatória – pressupõe, necessariamente, o
reexame dos aspectos fáticos da lide, atividade cognitiva vedada na via do
recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
2. Em regra, não é cabível, nesta via especial, o exame da justiça do valor
reparatório, porquanto tal providência depende da reavaliação de fatos e provas.
O Superior Tribunal de Justiça, por essa razão, consolidou entendimento no
sentido de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando
exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Essa excepcionalidade,
contudo, não se aplica à hipótese dos autos, em que a indenização foi fixada, no
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11. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 11 de 17
montante de vinte mil reais (R$ 20.000,00), com bom senso, dentro dos
critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
3. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, "na
ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao
postulado na inicial não implica sucumbência recíproca" (Súmula 326/STJ). Isso,
porque a procedência do pedido de indenização por danos morais não está
diretamente ligada à expressão econômica da demanda, e sim ao direito
material a ele vinculado, mormente porque não há critério legal para a fixação
do quantum indenizatório.
4. Recurso especial desprovido.”
(REsp 890804 / RR, 1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, DJ 12.11.2008, original sem
destaque).
“RESPONSABILIDADE DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
CONSTRANGIMENTO. AUTOR CONFUNDIDO COM ASSALTANTE. REDUÇÃO DO
QUANTUM. SÚMULA 7/STJ.
I - Trata-se de ação ajuizada contra o ESTADO, visando ao recebimento
de indenização por danos morais decorrente de abordagem policial, com
disparos efetuados contra o veículo do autor, que foi equivocadamente
reconhecido como assaltante e encaminhado à delegacia policial.
II - Na hipótese dos autos não há como se rever a fixação do valor indenizatório
fixado pelo Tribunal a quo, tendo em vista que os elementos fáticos utilizados
como base da fixação não estiveram presentes no âmbito do acórdão recorrido.
Incide na hipótese o comando inserto na súmula 7/STJ.
III - Recurso não conhecido.”
(REsp 1070230 / RN, 1ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 17.09.2008, original
sem destaque).
Desta Corte, registro os seguintes julgados:
“APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE
DANOS. DANOS MORAIS. ABUSO DE AUTORIDADE. POLICIAIS
MILITARES. ELEMENTOS PROBATÓRIOS COLIGIDOS PELOS AUTORES.
SUFICIÊNCIA À DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ILÍCITA.
CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE REPARAÇÃO. CULPA CONCORRENTE DAS
VÍTIMAS. INOVAÇÃO RECURSAL. VALOR ARBITRADO PARA A INDENIZAÇÃO.
REDUÇÃO. JUROS DE MORA. TERMO A QUO A SER CONSIDERADO. DATA DO
ARBITRAMENTO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. NECESSIDADE DE
ADEQUAÇÃO. Recurso voluntário parcialmente conhecido e, na parte conhecida,
parcialmente provido, mantendo-se no mais a sentença em sede de Reexame
Necessário, conhecido de ofício.”
(AC 648.551-8, 1ª C.C., Rel. Des. Ruy Cunha Sobrinho, DJ 10.08.2010, original
sem destaque).
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRESSÃO COMETIDA POR
POLICIAL MILITAR EM SERVIÇO. UTILIZAÇÃO DE FORÇA
DESNECESSÁRIA. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. DEVER DE
INDENIZAR. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 945
DO CÓDIGO CIVIL. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE
INDENIZAÇÃO. TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA. JUROS DE MORA NA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. SÚMULA 54 STJ. RECURSO PROVIDO
PARA REDUZIR O VALOR DA INDENIZAÇÃO. SENTENÇA MODIFICADA EM
PARTE.”
(AC 592.567-5, 1ª C.C., Rel. Juiz Fernando César Zeni, DJ 12.08.2010, original
sem destaque).
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12. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 12 de 17
“DIREITO ADMINISTRATIVO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
ABORDAGEM DE FORMA VIOLENTA POR POLICIAIS MILITARES
ABUSO DE PODER DANO MORAL E NEXO DE CAUSALIDADE
CONFIGURADOS INDENIZAÇÃO DEVIDA QUANTUM ADEQUADO
CORRETA A FIXAÇÃO DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA
MANUTENÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
RECURSOS NÃO PROVIDOS.
A abordagem de forma violenta por policiais militares representa mais
do que meros dissabores ao cidadão. O tratamento ofensivo, expondo a
pessoa à situação degradante, supõe o abalo psíquico e dele decorre a
obrigação de indenizar. O dano moral puro prescinde de prova, podendo ser
definido como a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apreciável de
uma pessoa. A indenização deve ser suficiente para compensar a vítima e
também para se converter em fator de desestímulo ao infrator, mas não pode
ocasionar enriquecimento ilícito do ofendido. Assim, para sua aferição, deve o
julgador atentar ao caso concreto, a fim de que seja a mais justa possível.”
(AC 643.736-1, 3ª C.C., Rel. Juiz Espedito Reis do Amaral, DJ 10.06.2010,
original sem destaque).
“RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. POLICIAIS
MILITARES. UTILIZAÇÃO DESMEDIDA DA FORÇA POLICIAL. EXCESSO
CONFIGURADO. NEXO CAUSAL COMPROVADO. REDUÇÃO DO DANO MORAL
FIXADO EM RELAÇÃO A UMA DAS VÍTIMAS. LESÃO DE MENOR INTENSIDADE.
RECURSO PROVIDO EM PARTE, MANTENDO-SE NO MAIS A SENTENÇA EM
REEXAME NECESSÁRIO.”
(ACRN 666.251-1, 2ª C.C., Rel. Des. Lauro Laertes de Oliveira, DJ 23.06.2010,
original sem destaque).
No tocante ao quantum indenizatório, fixado pelo Juízo a
quo em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), entendo que é excessivo e está a
merecer redução.
Esta Câmara, quando do julgamento da Apelação Cível nº
648.551-8, acima transcrita, da relatoria do eminente Desembargador Ruy
Cunha Sobrinho, fixou a indenização moral em R$ 15.000,00 (quinze mil reais)
em caso similar, orientação esta que deve ser observada também no presente
caso.
Este valor se aproxima daquele fixado pelo Superior
Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 631.650, também já transcrito, mas
por ter provocado lesões, foi fixado em quantia pouco superior: R$ 12.000,00
(doze mil reais).
Ora, a indenização deve ser fixada de forma razoável,
servindo de lenitivo à dor e humilhação que a vítima experimentou, mas sem
proporcionar-lhe um enriquecimento excessivo.
De outro lado, entendo que o valor de R$ 15.000,00 (quinze
mil reais) ora arbitrado reflete a gravidade da conduta dos policiais, sendo
proporcional à extensão do abalo moral que causaram ao apelado.
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13. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 13 de 17
No tocante aos honorários advocatícios, o magistrado fixou-
os em 18% (dezoito por cento) sobre o valor da condenação, o que totaliza R$
2.700,00 (dois mil e setecentos reais), com a redução do valor do dano moral,
quantia esta que reflete o zelo do procurador nos autos, o tempo de tramitação
do feito e a complexidade da matéria.
Depois, nada impede que a fixação de honorários em face
da Fazenda Pública seja feita em percentual sobre a condenação, desde que
fruto de apreciação equitativa do juiz, presente no caso.
Acerca do assunto, colaciono o seguinte precedente:
“É perfeitamente possível fixar a verba honorária entre o mínimo de 10% e o
máximo de 20%, mesmo fazendo incidir o § 4º do art. 20 citado, com base na
apreciação equitativa do juiz. Fixação do percentual de 10% (dez por cento) de
verba honorária advocatícia sobre o valor da causa (já que não houve
condenação) (STJ – 1ª T., AI 954.995-AgRg, Min. José delgado, j. 18.3.08, DJU
23.4.08).”
(NEGRÃO, Theotônio. GOUVÊA, José Roberto F. in Código de Processo Civil e
legislação processual em vigor, 41ª ed., Ed. Saraiva, 2009, p. 158).
O apelo, portanto, merece parcial provimento para reduzir o
valor da indenização moral para R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
REEXAME NECESSÁRIO
Conheço do Reexame Necessário, eis que o valor da
condenação da Fazenda Pública ultrapassa o limite previsto no § 2º, do artigo
475, do Código de Processo Civil.
Com efeito, considerando que, à data da prolação da
sentença, 60 (sessenta) salários mínimos correspondiam a R$ 27.900,00 (vinte
e sete mil e novecentos reais), e tendo o quantum indenizatório sido fixado em
R$ 30.000,00 (trinta mil reais), impõe-se proceder ao reexame da sentença.
Nessa seara, conveniente apreciar a legalidade dos juros
moratórios e correção monetária fixados pelo Juízo a quo, verba que integrou a
condenação mas não foi objeto de insurgência recursal voluntária.
A Lei Federal nº 11.960/2009 alterou a redação do artigo
1º-F, da Lei 9.494/97, que agora passou a dispor:
Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de
sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e
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14. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 14 de 17
compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo
pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à
caderneta de poupança.
Essa modificação, contudo, não pode alcançar a presente
demanda, pois foi ajuizada em momento anterior à alteração, conforme o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, fixado quando da alteração do
mesmo dispositivo, pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001.
Colho, a título de exemplo, os seguintes precedentes:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO AJUIZADA ANTES DA
EDIÇÃO DA MP 2.180-35/01. JUROS MORATÓRIOS. 12% AO ANO. AGRAVO
IMPROVIDO.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça com fundamento no
art. 543-C do CPC firmou compreensão segundo a qual o disposto no
art. 1º-F da Lei 9.494/97, que fixou em 6% ao ano os juros moratórios
sobre as condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de
verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, é
aplicável apenas nas ações ajuizadas após a entrada em vigor da MP
2.180-35/01, ou seja, 24/8/01 (REsp 1.086.944/SP, Rel. Min. MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA).
2. Agravo regimental improvido.”
(AgRg no REsp 1069739 / RS, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ
10.05.2010, original sem destaque).
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO RECURSAL.
INADMISSIBILIDADE. JUROS DE MORA. AÇÃO PROPOSTA ANTES DA VIGÊNCIA
DA MP. Nº 2.180-35/01. PERCENTUAL DE 12% AO ANO.
I - É vedado, em sede de agravo regimental, ampliar a quaestio trazida à baila
no recurso especial, colacionando razões não suscitadas anteriormente.
II - Os juros moratórios devem ser fixados no percentual de 12% ao ano
nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas
remuneratórias a servidores públicos, no caso de demanda ajuizada
antes do início da vigência da Medida Provisória n.º 2.180-35/2001, que
acrescentou o art. 1º-F à Lei n.º 9.494/97. Agravo regimental
desprovido”
(AgRg no REsp. 1.147.353/RS, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, DJ 10.05.2010,
original sem destaque).
Como a redação anterior do artigo 1º-F era aplicável apenas
às ações envolvendo verbas remuneratórias de servidores públicos, os juros
nas condenações da Fazenda Pública em sede de responsabilidade civil
seguiam então a regra do artigo 406, do Código Civil:
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem
sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados
segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional.
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15. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 15 de 17
No âmbito da Fazenda Nacional, os juros moratórios são
fixados pela taxa SELIC, a qual inclui, no seu bojo, também a correção
monetária do período.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela
necessidade de aplicação da taxa SELIC nessas situações:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. MORTE DE MENOR POR POLICIAIS. "CHACINA DA BAIXADA".
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO. VALOR IRRISÓRIO OU ABUSIVO. NÃO
CONFIGURADO.PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO. (...)
7. Desta feita, tratando-se de fato gerador que se protrai no tempo, a
definição legal dos juros de mora deve observância ao princípio do
direito intertemporal segundo o qual tempus regit actum.
8. Os juros hão se ser calculados, a partir do evento danoso (Súmula
54/STJ) à base de 0,5% ao mês, ex vi artigo 1.062 do Código Civil de
1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001).
9. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001) os
juros moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a
mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo
406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos
da Lei nº 9.250/95. Precedentes: REsp 688536/PA, DJ 18.12.2006; REsp
830189/PR, DJ 07.12.2006; REsp 813.056/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp 947.523/PE,
DJ 17.09.2007;REsp 856296/SP DJ 04.12.2006; AgRg no Ag 766853/MG,DJ
16.10.2006.”
(REsp 1.124.471 / RJ, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 01.07.2010, original sem
destaque).
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR MORTE DE
DETENTO EM CASA PRISIONAL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONDENAÇÃO
DO ESTADO AO PAGAMENTO DE PENSÃO MENSAL À FAMÍLIA DO FALECIDO
APESAR DO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COM IDÊNTICO
FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL SEM PEDIDO EXPRESSO NA INICIAL. DECISÃO ULTRA PETITA. TAXA DE
JUROS MORATÓRIOS E TERMO INICIAL. BALIZA DO CÓDIGO CIVIL POR TRATAR
DE ATO ILÍCITO.
(...)
3. Os juros moratórios incidem à taxa de 6% ao ano, nos termos do art.
1.062 do CC/1916, até o início da vigência do Novo Código Civil, quando
deverão se submeter à taxa Selic, nos termos da Lei 9.250/95 (art. 406
da Lei 10.406/01). Precedentes do STJ.
4. Recurso Especial parcialmente provido para a) excluir a indenização de danos
materiais, b) limitar o quantum dos danos morais ao pedido inicial e c) fixar a
taxa de juros moratórios, a partir do evento danoso, na alíquota de 0,5% ao
mês, até a entrada em vigor do Novo Código Civil, quando então deverá ser
observada a taxa Selic.”
(REsp 1125195 / MT, 2ª T., Rel. Min. Hermann Benjamin, DJ 01.07.2010,
original sem destaque).
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16. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 16 de 17
Assim, o correto é a aplicação da taxa SELIC ao valor da
condenação, abarcando não apenas a correção monetária como os juros
moratórios.
O Juízo a quo, contudo, determinou a aplicação de juros de
1% ao mês e correção monetária pelo INPC, ambos a partir da data da
sentença (26.11.2009).
A aplicação da taxa SELIC, contudo, é mais vantajosa, posto
que entre dezembro de 2009 e agosto de 2010, seu acúmulo foi de 6,03%
(seis inteiros e três centésimos percentuais), enquanto o INPC com juros de
1% (um por cento) somou, no mesmo período, 11,69% (onze inteiros e
sessenta e nove centésimos percentuais).
Impõe-se, diante disso, a reforma da sentença em sede de
Reexame Necessário, a fim de que o valor da condenação seja acrescido
apenas da taxa SELIC.
Em se tratando de responsabilidade civil por ato ilícito,
como no caso, os juros moratórios devem incidir a partir do evento danoso,
nos termos do artigo 398, do Código Civil, e não a partir da sentença, como
decidiu o magistrado.
Entendo, contudo, que na ausência de inconformismo da
parte autora nesse particular, a reforma desse item da sentença não pode se
dar em sede de reexame necessário, haja vista que agravaria a condenação
em face da Fazenda Pública, e esta evidentemente não era a finalidade que o
legislador tinha em vista ao editar a regra do artigo 475, do Código de
Processo Civil.
Daí a edição da Súmula nº 45, do Superior Tribunal de
Justiça: “No Reexame Necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação
imposta à Fazenda Pública”.
CONCLUSÃO
Por tais motivos, o meu voto é no sentido de: 1) dar parcial
provimento ao recurso de apelação, para reduzir o quantum indenizatório
moral para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), e 2) alterar a sentença em sede
de Reexame Necessário, para determinar que o valor da condenação seja
corrigido monetariamente pela taxa SELIC, que abrange também os juros de
mora, mantido o termo inicial de sua incidência a data da sentença.
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17. Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 17 de 17
Proponho, ao lado disso, que seja oficiado ao Comando
Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público, comunicando-se o ato ilícito
praticado pelos Policiais Militares Ricardo Alexandre Silva, Erlon Luiz Miranda,
Edson Alves do Nascimento e Henry Francis Gianina Lamy, ofícios estes que
deverão ser instruídos com cópias do presente acórdão e do CD que encontra-
se encartado aos autos.
DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da Primeira Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos,
em dar parcial provimento ao apelo, reformar a sentença em sede de reexame
necessário e determinar a expedição de ofício ao Comando Geral da Polícia
Militar e Ministério Público, nos termos do voto relatado.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores
Desembargadores RUY CUNHA SOBRINHO e RUBENS OLIVEIRA FONTOURA.
Curitiba, 19 de outubro de 2010.
DULCE MARIA CECCONI – Relatora.
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