Este documento trata de um caso de apelação cível movido pelo Município de Imbituba contra Luiz Paulo dos Passos, um sindicato e um jornal local. O Município alegou danos morais por críticas feitas ao prefeito e vereadores. O juiz julgou improcedente a pretensão do Município, afirmando que as críticas se deram no exercício da liberdade de expressão e sem intenção de ofender pessoalmente. O recurso do Município também foi negado.
Direito civil e processual civil. principio da restituicao integral
Responsabilidade civil críticas ao prefeito e
1. Apelação Cível n. 2009.067907-7, de Imbituba
Relator: Des. Newton Trisotto
RESPONSABILIDADE CIVIL - CRÍTICAS AO PREFEITO E
AOS VEREADORES - MANIFESTAÇÃO DO DIREITO
FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO (CR, ART.
5º, INCISO IV) - PRETENSÃO INDENIZATÓRIA FOR-MULADA
PELO MUNICÍPIO JULGADA IMPROCEDENTE - RECURSO
DESPROVIDO
A Constituição da República assegura a liberdade de
expressão (art. 5º, inciso IV). Críticas ao prefeito e aos
vereadores, desde que não desbordem para ofensas
pes-soais, constituem manifestação desse direito.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2009.067907-7, da Comarca de Imbituba (2ª Vara), em que é agravante o Município
de Imbituba e apelados Luiz Paulo dos Passos e outros:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação
unânime, negar provimento ao recurso e determinar a remessa de fotocópias das
peças essenciais dos autos ao Ministério Público. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
O Município de Imbituba ajuizou "ação de danos morais" contra Luiz
Paulo dos Passos, o Sindicato dos Servidores Municipais de Imbituba e o Jornal
Diário do Sul. No capítulo da petição inicial reservado à descrição "DOS FATOS",
inscreveu:
"Em matéria veiculada no jornal Diário do Sul, datado de 17 de abril de 2008,
em sua página 04, o senhor Luiz Paulo dos Passos, presidente do Sindicato dos
Servidores Municipais de Imbituba, fez afirmações desonrosas e prejudiciais a moral
da Prefeitura municipal de Imbituba, não só por serem desonrosas e prejudiciais,
como também, por serem mentirosas.
As manifestações desonrosas também foram realizadas por meio de faixas
distribuídas por toda a cidade".
2. Apresentadas as contestações pelos réus Luiz Paulo dos Passos e o
Sindicato dos Servidores Municipais de Imbituba (fls. 41/48 e 62/71), e a réplica (fls.
88/98), o Juiz Fernando Seara Hickel julgou improcedente a pretensão formulada e
condenou o autor a pagar os honorários advocatícios, fixados R$ 600,00 (seiscentos
reais). Da sentença destaco os excertos que seguem, os quais revelam a natureza do
litígio:
"Inicialmente, decreto a revelia do demandado Jornal Diário do Sul, uma vez
que transcorrido in albis o prazo para oferecimento de resposta. Contudo, 'consoante
expressa o artigo 320, I, do Código de Processo Civil, havendo pluralidade de réus, a
defesa de um dos litisconsortes é o suficiente para obstar os efeitos da revelia sobre
os outros integrantes do pólo passivo da demanda' (Ap. Cív. n. 2002.010842-7, Des.
Sérgio Roberto Baasch Luz).
A prefacial de ilegitimidade passiva ad causam do réu Luiz Paulo dos Passo
deve ser afastada.
Alega o réu Luiz que as faixas e entrevista concedida pelo mesmo à imprensa
não se deu na condição de cidadão comum, mas sim como Presidente do Sindicato,
cuja pessoa jurídica já consta no pólo passivo da presente actio, razão pela qual não
seria parte legítima.
Contudo, razão não lhe assiste, uma vez que a pessoa jurídica por não poder
atuar por si mesma, faz-se presente, por meio das pessoas que compõem os seus
órgãos sociais, as quais praticam atos como se fossem o próprio ente social, nada
impedindo que a responsabilidade recaia, igualmente, sobre a pessoa física que
venha causar algum evento danoso, como ocorreu no caso em tela.
Em casos que se assemelham ao presente, assim decidiu o Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul:
'AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANO MORAL. DENÚNCIA CALUNIOSA.
LEGITIMIDADE PASSIVA. REPRESENTANTE LEGAL DE SINDICATO. A
exclusão do representante legal do sindicato, por ilegitimidade passiva, revela-se
prematura, pois, em tese, tal condição não lhe confere isenção de
responsabilidade por atos pessoais à testa da entidade que dirige, máxime
quando aqueles excederem ao mandato que lhe foi outorgado. Em um quadro
como esse poderia haver responsabilidade solidária entre representante e
representado, mas tal é questão a ser decidida depois de ampla cognição' (AI n.
70008870479, de Santo Ângelo, 10ª C.. Cív., Des. Luiz Ary Vessini de Lima).
Neste contexto, afasto a preliminar aventada.
No mérito, trata-se da ação indenizatória aforada pelo Município de Imbituba,
na qual pretende, em suma, a condenação dos réus ao pagamento de indenização
por danos morais, em decorrência de afirmações feitas por estes, as quais seriam
mentirosas, desonrosas e prejudiciais a sua imagem.
Cabe destacar, em princípio, o que vem a ser o dano moral e qual o
fundamento para atribuir a respectiva indenização ao lesado.
[...]
Assim, o dano moral se faz presente em decorrência de um ato ou conduta que
fere o psíquico, como exemplo, a agressão à tradição, à imagem, ao nome ou à
personalidade, dentre outras.
Gabinete Des. Newton Trisotto
3. In casu, cinge-se a controvérsia em verificar se houve, efetivamente, ofensa
à honra e à dignidade do autor ao serem exibidas faixas e veiculado matéria em
jornal, pois este reputa que tais fatos denegriram a imagem da gestão do governo
municipal perante seus co-cidadãos.
Em contrapartida, argumentam os réus que não houve ofensa contra o autor, já
que os fatos se deram apenas como forma de reivindicação para chamar a atenção
da população sobre a situação vivenciada pelos servidores.
De fato, conforme se infere das fotos encartadas aos autos (fl. 33), as faixas
traduzem a manifestação de servidores acerca da insatisfação nos salários por eles
percebidos. Das referidas faixas extrai-se:
'O magistério Público Municipal merece respeito. Abaixo a redução salarial!'
'Senhores vereadores, no mesmo dia em que aprovaram salário de R$
3.500,00 para os secretários municipais, tiveram a coragem de reduzir o salário
dos professores'.
Com efeito, dos textos acima transcritos não se consegue aferir o alegado
prejuízo sofrido pelo autor, uma vez que em nenhum momento os réus fizeram
qualquer afirmativa que tivesse a intenção nítida e deliberada de denegrir a honra,
dignidade ou o decoro do mesmo. Na verdade, trata-se realmente de uma
manifestação de protesto, já que servidores teriam tido a redução imotivada de seus
salários, fato este que, inclusive, restou demonstrado pelos documentos de fls.
56/61.
Do mesmo modo, não vislumbro na matéria veiculada no Jornal Diário do Sul
(fl. 31) qualquer afirmação desonrosa ou exacerbada a ponto de prejudicar a honra e
a imagem do autor, tratando-se de mera crítica acerca da administração pública, o
que por si só não traduz o dano moral perseguido.
Ademais, ressalta-se que o autor, na condição de ente federativo, está sempre
sujeito a ser alvo de críticas severas ou comentários desagradáveis, por sustentar o
grande ônus de lidar com o interesse de toda uma classe.
Neste contexto, restou evidenciado que a alegada ofensa à honra do autor não
restou configurada, visto que a intenção dos réus foi meramente reivindicatória, sem
qualquer propósito de comprometer a imagem do ente federativo de terceiro grau ou
de sua gestão.
À propósito, em situações semelhantes, já decidiu esta Corte:
'Meras referências a uma situação de fato publicadas em periódico sem o
ânimo nem o efeito de atingir a honra de outrem não configuram dano moral
passível de indenização' (Ap. Cív. n. 2005.041201-1, Des. Marcus Tulio
Sartorato).
No mesmo sentido:
'AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS – OUTDOOR QUE FAZ MENÇÃO AOS RECURSOS
DESTINADOS AO PARQUE DE ENERGIA EÓLICA DE ÁGUA DOCE –
AUSÊNCIA DE MENÇÃO EXPRESSA À PESSOA FÍSICA DO REQUERENTE
OU SEU CARGO DE PREFEITO – REQUERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA PARA A RETIRADA DA REFERIDA PUBLICIDADE – AUSÊNCIA DOS
REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA – INTELIGÊNCIA DO ART. 273
CPC – RECURSO IMPROVIDO.
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4. (...) - Se no texto contido no outdoor não há ofensa direta à pessoa física do
requerente, porquanto em nenhum momento há a menção de nomes ou do cargo
de Prefeito. Por isso, entende-se que não há verossimilhança das alegações, pois
por meio dos documentos carreados não se vislumbra ofensa direta ao
requerente. Além disso, também não está configurado o receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, pois, não havendo exposição expressa do
mesmo, não há que se falar em ofensa à sua honra e imagem' (AI n.
2006.030490-6, Des. Sérgio Roberto Baasch Luz).
Por fim:
'Para a responsabilidade civil não basta o dano, impõe-se a existência de
culpa, competindo a quem queira ser indenizado a prova da configuração desse
pressuposto, bem como do nexo de causa e efeito entre o fato, e a lesão.
É indispensável para a caracterização do delito de calúnia, a existência do
dolo, ou seja, a vontade de imputar a outrem, falsamente, a prática do crime;
entretanto, não havendo, nos autos, prova capaz de estabelecer a intenção da
parte em prejudicar a adversa, mister se faz a improcedência do pedido' (Ap. Cív.
n. 2004.002116-0, Des. Dionízio Jenczak).
Neste contexto, impõe-se a improcedência do pedido exordial" (fls. 101/107).
Inconformado, o vencido interpôs apelação, sustentando, em síntese,
que: a) "quanto aos professores houve um remanejamento do quadro, onde,
anteriormente, em visível inobservância do princípio da proporcionalidade, o professor
20 (vinte) horas ganhava o mesmo que o professor 40 (quarenta) horas"; o que
ocorreu foi "simplesmente uma readaptação do quadro de professores para que
tenham uma carreira sólida e sem surpresas, já que agora sabem quanto irão
ganhar em qualquer cargo que esteja no quadro"; b) "quanto aos aumentos dos
secretários, trata-se de verdadeira falácia, pois o aumento foi dado na gestão anterior
há mais de 4 (quatro) anos antes da manifestação (fl. 17)"; c) "vários contatos foram
feitos com o presidente do sindicato dos servidores municipais (fls. 19/26), todos sem
resposta ou sem manifestação de tentar resolver a readequação do quadro [...]. O que
se pleiteia não é o ressarcimento pela manifestação em si, e, sim, pelo seu conteúdo
desprovido de qualquer pertinência com a verdade e tendo o cunho eminentemente
de desprestigiar a administração local, haja vista que se estava em período
imediatamente anterior ao eleitoral" (fls. 109/112).
O recurso foi respondido (fls. 117/119).
VOTO
01. Aos fundamentos da sentença, parcialmente reproduzidos no
relatório, os quais adoto evitando assim tautologia, nada seria necessário acrescentar.
Apenas adiciono que:
a) A Constituição da República assegura a liberdade de expressão (art.
5º, inciso IV). Conforme assentado na ementa do Recurso Especial n. 801.249, "a
garantia constitucional de liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV) deve
respeitar, entre outros direitos e garantias fundamentais protegidos, a honra das
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5. pessoas, sob pena de indenização pelo dano moral provocado, como decorre dos
termos do art. 5º, V e X, da CF. Não se deve confundir, por consequência, liberdade
de expressão com irresponsabilidade de afirmação" (Min. Nancy Andrighi). Críticas ao
prefeito e aos vereadores, desde que não des-bordem para ofensas pessoais,
constituem manifestação desse direito.
b) Conforme a Súmula 227 da Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça, "a pessoa jurídica pode sofrer dano moral". Evidentemente, também a pessoa
jurídica de direito público. Na ementa do acórdão da Apelação Cível n.
2007.044523-6, assentou o Desembargador Jânio Machado:
"A pessoa jurídica de direito público pode sofrer dano moral,
configurado, na hipótese, pelo descrédito do Município em decorrência da
paralisação dos serviços contratados, o que importou na cobrança
equivocada de valores".
Todavia, no caso em exame, tem-se que as críticas foram dirigidas
exclusivamente aos vereadores e ao prefeito; não atingiram o Município. Destarte,
este sequer teria legitimidade para reclamar indenização por danos morais.
c) Rigorosamente, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários
advocatícios deveria ser atribuída ao prefeito, pois autorizou a propositura de
demanda na defesa de interesse pessoal e, ainda, sem um mínimo de consistência
jurídica.
02. Pelas razões expostas, nego provimento ao recurso e determino que
sejam remetidas ao Ministério Público fotocópias das peças essenciais dos autos.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, negaram provimento ao recurso e
determinaram a remessa de fotocópias das peças essenciais dos autos ao Ministério
Público.
Participaram do julgamento, realizado no dia 3 de agosto de 2010, os
Excelentíssimos Senhores Desembargadores Sérgio Roberto Baasch Luz e Paulo
Henrique Moritz Martins da Silva.
Florianópolis, 19 de agosto de 2010
Newton Trisotto
PRESIDENTE E RELATOR
Gabinete Des. Newton Trisotto