A revista aborda três temas principais: 1) O lançamento de um edital no valor de R$ 51,7 milhões para fomentar pesquisas sobre biodiversidade no Brasil; 2) O mapeamento de áreas de risco em São Luís do Maranhão, que identificou 176 residências em alto risco; 3) O desenvolvimento de um novo tipo de feijão mais nutritivo e resistente a doenças pelo Instituto Agronômico de Campinas.
Orientações para uso de taxi no encob - INEMA/CODIS/INTERAÇÃO SOCIAL
Exploração de ouro em Jacobina pela Yamana Gold
1. Com Ciência Ambiental
novembro 2010 Seções
8 Notas Ambientais
14 Entrevista
90 Teses
94 Livros
96 Agenda
98 Quadrinho ambiental
34
Geração plug and play
SUMÁRIO
18
Biodiversidade
revelada
Lançamento de edital no
valor de R$ 51,7 milhões
fomenta pesquisas sobre
os biomas brasileiros,
ampliando o conhecimento e a
competência nacional na área
e atendendo aos anseios da
comunidade acadêmica no Ano
Internacional da Biodiversidade
Viúvas da silicose
Lavra de ouro no Polígono
das Secas expõe lado
insustentável da mineração
na Bahia. Em Jacobina, viúvas
dos garimpeiros vítimas da
silicose ainda lutam na Justiça
para receber indenizações,
enquanto área do entorno da
mina continua degradada pela
poluição ambiental
Riscos mapeados
Prefeitura de São Luís mapeia
áreas vulneráveis e identifica
176 residências em situação
de alto risco nos 18 bairros e
47 ruas visitadas pelas equipes
da Defesa Civil da capital
maranhense. Dados levantados
auxiliarão gestores públicos a
construir cidade mais resiliente,
avalia especialista
54 66
Eletrificação da frota mundial de veículos mobiliza indústria
automobilística, que lança e pesquisa cada vez mais a
tecnologia dos carros recarregáveis. Em 2011, haverá
uma enxurrada desses modelos no mercado, relata o
correspondente Jim Motavalli, dos EUA. Nos 50 anos do
Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, 22 híbridos
e elétricos comprovaram essa revolução e seduziram o
público recorde que passou pela 26ª edição da mostra
Cidades Seguras –
Sudeste
Governo paulista inaugura
Sistema de Previsão e Alerta
contra Enchentes. Em Minas
Gerais, Defesa Civil lança
o Plano de Emergência
Pluviométrico 2010/2011
para enfrentar os fenômenos
climáticos adversos
provocados pelo La Niña
Mapeamento de riscos
A atuação do poder público
no mapeamento das regiões
vulneráveis a desastres
é ponto de partida para
investimentos direcionados
às comunidades expostas,
avaliam os pesquisadores
Antonio Edésio Jungles e
Rafael Schadeck, do CEPED/
UFSC
76 82
2. Diretora de redação: Cilene Victor
EDITOR-CHEFE: Paulo Fernando
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO: Natalí Alencar
DIRETOR DE ARTE: Nilthon Fernandes
REVISÃO: Sérgio Simões
TRADUÇÃO (Inglês/Espanhol): Luciana Ginezi
Redação
redacao@comcienciaambiental.com.br
Conselho editorial
Carlos Celso do Amaral e Silva e
Rubens Born (Sudeste),
Taís Pitta Cotta (Centro-oeste),
Domingos Barretos Tucano (Norte),
Verônica Falcão (Nordeste), Cecy Oliveira (Sul),
Frederico Dava (África), Fá Stolenwerk (Alemanha)
e Horst Otterstetter (Estados Unidos)
ColaboRADORES
Reportagens e artigos: Antônio Edésio Jungles e Rafael
Schadeck (SANTA CATARINA); Efraim Neto (BRASÍLIA);
Fernando Rebouças (RIO DE JANEIRO); Gervásio Lima (BAHIA);
Jim Motavalli (EUA); Júlio César da Cruz Correia e Luiz Carlos
Magalhães (Maranhão); Natalí Alencar e Paulo Fernando.
Fotografias: Moacir Prado
On-line: Anderson Santos e Francisco Freire
Agradecimento: Agência Reuters e fotógrafos Zuppani
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Revista Com Ciência Ambiental é
uma publicação mensal da Lua Nova
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a opinião da revista Com Ciência Ambiental
Proibida a reprodução parcial ou total do conteúdo
da revista sem autorização por escrito da Editora
Foto capa: carro elétrico (Paulo Fernando)
Fotos sumário: carro da Toyota (Paulo Fernando), artesanato (Gervásio
Lima), Litoria infrafrenata Amphibia (Fr.academic.ru), casinha e cidade
de São Paulo (Paulo Fernando)
São Paulo
Tel. 55 (11) 2062-5255
a edição de maio,
Com Ciência Ambiental publica o
caderno especial Percebendo Riscos,
Reduzindo Perdas – um espaço des-
tinado à divulgação do conhecimento
sobre as mais diversas questões rela-
cionadas aos riscos de desastres.
O caderno, uma das ações do
projeto PCRD (Promoção da Cultura
de Riscos de Desastres), da Secretaria
Nacional de Defesa Civil, em cooperação
técnica com o Ceped (Centro Universi-
tário de Estudos e Pesquisas sobre De-
sastres) da UFSC (Universidade Federal
de Santa Catarina) e em parceria com a
revista Com Ciência Ambiental, tem o
propósito de fomentar o diálogo e a troca
de conhecimento, opiniões, ideias e im-
pressões entre os diversos atores sociais
sobre essa importante temática contem-
porânea, vislumbrando promover, por
meio de seu público formador de opi-
nião, a cultura de riscos de desastres em
detrimento à velha cultura de desastre.
Assim, desde a sua primeira edição,
o caderno publica, mensalmente, um
artigo sobre os riscos de desastres e suas
implicações científicas, sociais, políticas,
culturais, ambientais e econômicas.
Na edição anterior, publicamos
no caderno o artigo Desafios do Mape-
amento de Áreas de Riscos, assinado por
Antônio Edésio Jungles e Rafael Scha-
deck, respectivamente diretor e coorde-
nador de projetos do Ceped da UFSC,
uma das mais importantes instituições
produtoras de conhecimento da área.
Alguns erros no processo de edição
e impressão, porém, fizeram com que a
nossa equipe editorial tomasse a decisão
de reimprimir o referido artigo, minimi-
zando com isso quaisquer prejuízos aos
nossos leitores e articulistas.
A decisão de publicar novamente o
artigo nesta edição não poderia ser mais
providencial, uma vez que brindaremos
os leitores com duas abordagens sobre
a mesma temática: o mapeamento de
áreas de riscos. No primeiro artigo,
o caderno traz as impressões de dois
agentes públicos de Defesa Civil sobre
a questão do mapeamento de áreas de
riscos, porém, com foco em uma reali-
dade: a de São Luís do Maranhão.
Assinado por Luiz Carlos Maga-
lhães e Júlio César da Cruz Correia, o
artigo é um brinde ao que gosto de chamar
de “homens de boa vontade” e um exem-
plo real de que é possível fazer, mesmo
quando se tem pouco ou nenhum recurso.
Na sequência, o texto de Jungles
e Schadeck faz uma discussão sob a luz
do conhecimento científico, sem, no
entanto, afastar-se da realidade social,
política, econômica e cultural.
O erro e a decisão de republicar o
segundo artigo aqui citado permitiram o
encontro de duas abordagens na mesma
seção. Por um, caminhamos pela estrada
da ciência, pelo conhecimento sólido
que, ainda, poucas cidades brasileiras
têm por perto. Pelo outro, a estrada é
sinuosa, mas necessária se quisermos
construir cidades mais seguras frentes
aos riscos de desastres.
Boa leitura!
Cilene Victor
Diretora de Redação
Sobre um erro
providencial
www.comcienciaambiental.com.br
Desde
AmbentalCOM CIÊNCIA
EDITORIAL
3. Agro-
nômico de Campinas desenvolveu um
novo tipo de feijão para o mercado
brasileiro. O grão, batizado como IAC
Formoso, é 23% mais rico em prote-
ínas e possui tempo de cozimento 20
minutos menor do que cultivares como
Pérola Embrapa e IAC Alvorada.
Além dessas vantagens ao con-
sumidor final e à dona de casa, a nova
cultivar também beneficia os produto-
res. Segundo o órgão ligado à Secretaria
de Agricultura e Abastecimento do
Estado de São Paulo, da germinação
à colheita ele se desenvolve em apenas
75 dias, 20 a menos em relação às va-
riedades mais comuns.
A experiência é resultado de sete
anos de estudos feitos pela equipe do
pesquisador Alisson Fernando Chiora-
to, do Centro de Grãos e Fibras do IAC,
e as sementes deverão estar disponíveis
para comercialização a partir de feve-
reiro de 2011.
“É um feijão resistente a doen-
ças como antracnose, mancha angular,
murcha de fusarium. Tem excelente
qualidade e caldo grosso, devido à
liberação de sólidos solúveis totais
durante o cozimento dos grãos”, es-
clarece. A tolerância à bacteriose ainda
reduz em 30% seus custos de produção
e o IAC Formoso facilita a rotação de culturas com milho e soja, cujos ciclos
respectivos são de 120 e 140 dias.
De acordo com o centro de pesquisa, o índice de produtividade medido
em 25 regiões do estado aponta 34 sacas por hectare em lavouras irrigadas e
plantações em sequeiro. A nova variedade foi desenvolvida pelo Programa de
Melhoramento de Genética do Feijão, que desde a década de 1930 já lançou 40
cultivares, dos quais seis estão em uso, entre as quais, o feijão carioca.
Curso da Unesp
populariza
conhecimento
abertas aos estudantes do
ensino médio e professores do nível básico as ins-
crições para o curso gratuito “Difundindo e Popu-
larizando a Ciência”, a ser ministrado entre 24 e 29
de janeiro de 2011, das 8h30 às 17h30, no campus
de Botucatu da Universidade Estadual Paulista.
Realizado desde 2007, o projeto, que pro-
move a difusão e a socialização do conhecimento
usando como ferramenta avanços recentes nas áreas
de biologia, ciências e tecnologias, envolve pesqui-
sadores e alunos de graduação e pós do Instituto
de Biociências da Unesp
Por meio do aperfeiçoamento de docentes e
alunos de escolas de ensino fundamental e médio,
especialmente da rede pública, a iniciativa visa en-
curtar as distâncias entre o conhecimento produzido
nos centros de pesquisa e a realidade das escolas e,
consequentemente, da população em geral.
Além das aulas, serão oferecidas oficinas
com os temas “Experimentando genética”, “Expe-
rimentando a botânica, “Investigando a vida das
plantas” e “Reprodução de A a Z”.
A metodologia do curso engloba a organi-
zação e realização das oficinas, acompanhamento
e implementação de ações educativas e seleção de
alunos para a realização de estágios técnicos em
laboratórios de pesquisa da universidade.
As inscrições poderão ser feitas no site ibb.
unesp.br até 31 de dezembro por meio de um
formulário que deve ser preenchido e enviado por
e-mail ou correio. A Unesp oferecerá auxílio para
alimentação e transporte aos participantes.
Estão O Instituto
IAC desenvolve feijão
mais nutritivo
De.academic.ruewww1.cptec.inpe.br
Com Ciência Ambiental 98Com Ciência Ambiental
NOTAS • Ciência nas escolas NOTAS • Pesquisa agrícola
4. Tão nutritivo
quanto o açaí
é um fruto típico do sertão
nordestino, muito semelhante ao açaí e conhecido pelo
sucesso que faz como suplemento alimentar saudável.
O uso de produtos orgânicos, naturais e ecológicos
entre os praticantes de esporte ou pessoas submetidas
a rotinas em jornadas de trabalhos cansativos e estres-
santes é uma tendência em todas as regiões do país.
De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária), os percentuais de minerais
na composição da polpa do pericarpo dos coquinhos das
duasespéciessãocaracterísticosdeumalimentosaudável.
O pesquisador José Barbosa dos Anjos explica
que no licuri são encontrados zinco, potássio e fósforo
em quantidade maior até do que no açaí. No caso do
cálcio e do ferro, os teores registrados no fruto da Ama-
zônia são levemente superiores. “O efeito nutricional
da ingestão de polpa de licuri ou de açaí é praticamente
o mesmo”, garante o engenheiro agrônomo.
Ao contrário do açaí, o licuri ainda não foi des-
coberto pela maioria da população, inclusive até mes-
mo na sua área de ocorrência natural: norte de Minas
Gerais, passando por toda a porção oriental e central
da Bahia, até o sul de Pernambuco, abrangendo ainda
os estados de Sergipe e de Alagoas. Nessas regiões,
ainda predomina a exploração extrativa da palmeira
por grande contingente de agricultores familiares.
“Seu cultivo tem muito campo para crescer,
pois ao agregar valor ao fruto da espécie nativa, além
de ter ampliada a sua valorização, fortalece e confere
sustentabilidade a um negócio extrativista que se
expande por extensa área do semiárido brasileiro, em
especial o território baiano”, salienta.
O licuri d e
Pesquisas Tecnológicas do Estado de
São Paulo inaugurou, em parceria com
a Abimaq (Associação Brasileira da In-
dústria de Máquinas e Equipamentos),
o Lasag (Laboratório de Sistemas de Ar
Comprimido e Gases).
Com investimento de R$ 1,1
milhão, o local é pioneiro na análise de
equipamentos e peças utilizadas nesses
sistemas e transporte de gases, como
compressores, filtros, válvulas e secadores,
entre outros, e permite certificar a quali-
dade de instalações do gênero em plantas
industriais, comerciais e hospitalares.
“Esses segmentos precisavam
de um órgão técnico que pudesse ca-
racterizar, por meio de testes e ensaios
confiáveis, equipamentos e sistemas
de ar comprimido”, explica o diretor
do CMF (Centro de Metrologia de
Fluidos), Kazuto Kawakita.
Na indústria, diversos equipa-
mentos e processos utilizam o ar com-
primido e, atualmente, as verificações
são realizadas por empresas especiali-
zadas contratadas ou são feitas pelos
próprios fabricantes.
“Nossos testes terão o diferen-
cial de serem desenvolvidos por um
instituto que tem credibilidade com-
provada e reconhecimento pelo merca-
do”, revela o presidente da comissão de execução do projeto, Jayme Bydlowski.
Segundo Kawakita, o trabalho do Lasag também dará subsídios para
que a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) regulamentem o assunto no país, produzindo
normas de uso do ar comprimido nos diferentes setores da economia.
O novo laboratório tem área de 300 metros quadrados e está instalado
no prédio 45 do campus do IPT, na Cidade Universitária, em São Paulo.
O Instituto
IPT e Abimaq inauguram
laboratório de gases
Riverbanksoutdoorblog.com
NOTAS • Sabores do Brasil NOTAS • Ciência & tecnologia
Com Ciência Ambiental 1110Com Ciência Ambiental
5. d a
UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul) lançou em outubro mais um livro de pano
do Projeto Brincando com Letras, doado às escolas
municipais de Dourados.
Os 40 exemplares do livro Somos o meio
ambiente foram produzidos pelos professores da
rede pública, por meio de cursos oferecidos pela
instituição de ensino superior. “Esse livro parece algo
simples, mas tem um significado muito grande, pois,
além de estar disponível à comunidade, é fruto de
parcerias que visam promover a tecnologia social”,
salienta o vice-reitor da UEMS, Adilson Crepalde.
O projeto Brincando com Letras começou
após o Iman (Instituto Municipal do Meio Am-
biente) levar os conceitos de reciclagem às escolas
do município. “O Imam nos procurou e apresentou
a necessidade de mostrar às crianças a importância
da preservação ambiental”, explica Graci Marlene
Pavan, uma das coordenadoras do projeto.
Segundo a pesquisadora, é por meio da
brinquedoteca da universidade que eles oferecem o
curso de confecção de livros de pano, que pode ser
trabalhado com diversos temas, mas por enquanto
está focado no meio ambiente.
“Além do livro compor a biblioteca da escola,
deve ser usado nas aulas das séries iniciais”, ressalta
a diretora do departamento de Ensino da Secre-
taria, Marinetes Nelvo Nunes, lembrando que os
professores também estão capacitados para oferecer
a oficina aos demais membros do corpo docente da
escola onde lecionam.
A brinquedoteca
NOTAS • Literatura sustentável
12Com Ciência Ambiental
Livro de pano
chega às escolas
públicas
6. Apesar do crescimen-
to econômico e avanços
sociais registrados nos úl-
timos anos, grandes desa-
fios aguardam a presidente
eleita Dilma Rousseff. No
tocante à agricultura e pecu-
ária, as principais demandas
a serem resolvidas pela ocu-
pante da vaga a ser deixada
por Luiz Inácio Lula da Silva
no Palácio do Planalto estão
relacionadas ao crédito, ga-
rantia de renda ao produtor
e defesa sanitária.
Segundo o engenheiro
agrônomo Roberto Rodri-
gues, professor titular do
Departamento de Economia
da Unesp (Universidade Es-
tadual Paulista), campus de
Jaboticabal, as cadeias pro-
dutivas também estão preo-
cupadas com a valorização do
real e o apagão logístico que
assombra o país.
“O PAC [Programa de
Aceleração do Crescimento]
é muito positivo, mas faltou
ampliarmos as PPPs [Parce-
rias Público-Privadas]”, avalia
o especialista, que coordena
o Centro de Agronegócio da
Fundação Getúlio Vargas.
Para consolidar a susten-
tabilidade do setor e assegu-
rar a expansão da atividade
responsável por 25% do PIB
(Produto Interno Bruto),
40% das exportações e 1/3 dos
empregos do país, Rodrigues
defende mais investimentos
públicos em pesquisa, desen-
volvimento e inovação.
“Temos a melhor tecno-
logia tropical do planeta e
somos líderes na produção de
alimentos e agroenergia, o que
atrai capitais para cá”, ressalta.
Na entrevista concedida
à Com Ciência Ambiental
durante o movimentado Con-
gresso da Indústria 2010, o
ex-ministro da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento cri-
ticou as mudanças do Código
Florestal propostas pelo de-
putado Aldo Rebelo (PCdoB-
-SP) e detalhou os seis pilares
fundamentais que sustentarão
o crescimento do agronegócio
nos próximos anos.
Paulo Fernando
DE SÃO PAULO
Roberto Rodrigues
Inovação tecnológica garante
sustentabilidade do agronegócio
ENTREVISTA
Com Ciência Ambiental 1514Com Ciência Ambiental
PauloFernando
Redução do volume de investimentos públicos
em pesquisas e extensão rural pode, no
entanto, comprometer a competitividade
brasileira, alerta especialista
7. CCA – O que o futuro governo
precisa fazer para descentrali-
zar o escoamento da produção
agrícola nacional e fomentar
as exportações?
Roberto Rodrigues – Investir
em logística, infraestrutura e
portos – e também no trans-
porte para chegar-se ao porto.
Investimento na área portuária
seria uma solução muito plausí-
vel, mas se não houver ampliação
do acesso ao porto, o produtor
fica com uma taça na mão: o
volume é grande, mas o pé é pe-
queno. Por-
tanto, é pre-
ciso investir
na ferrovia
Norte-Sul,
nas rodo-
v i a s , i n -
clusive na
Belém-Brasília,paraqueessesca-
minhos facilitem as exportações.
No Espírito Santo e no Ceará,
também há uma série de portos
que demanda investimentos
maciçosemrevitalizaçãoeacesso.
CCA – Quais segmentos do
agronegócio são mais afetados
pela deficiente infraestrutura
logística do Brasil?
Rodrigues – Os agricultores
sofrem para introduzir insumos
no país. Nós importamos quase
60% do adubo empregado no
Brasil, que entra por Santos,
mas o consumo está no Mato
Grosso, no Tocantins, Mara-
nhão e em outros estados. A
pergunta tem as duas vertentes,
abrangendo nossas dificuldades
para importar e exportar. É
lógico que a resposta está nos
produtos com maior volume
de exportação. A soja, por
exemplo, é um produto que
exportamos mais da metade da
nossa produção. Então, a cadeia
produtiva do complexo soja é o
setor com maior demanda, so-
bretudo se considerarmos que
um estado competitivo nesse
segmento, Mato Grosso, tem
um apagão logístico e escoa a
produção a partir de Paranaguá.
Nunca vai dar para competir
com um produto americano
que sai pelo rio Mississipi, pelo
porto do México. Nossa soja sai
perdendo nessa competição, em
função do custo logístico.
CCA – O PAC não está solu-
cionando esse problema?
Rodrigues – Antes do governo
Lula não havia planejamen-
to estratégico da logística e
estrutura. Agora, temos um
projeto que, se devidamente
implementado com autoriza-
ção adequada, dará uma nova
malha logística para o país.
O PAC, assim como todo o
projeto logístico portuário por
trás desse programa, é muito
positivo, é um avanço. Quanto
aos investimentos, ainda não
foi feito o que se desejava.
Faltou ainda uma ampliação
das PPPs, faltou dinheiro de
fora para essa área, que agora
está querendo aportar por aqui.
Em resumo, os avanços nessa
área são menores na prática
de investimentos do que no
planejamento estratégico.
CCA – Mas houve avanços nos
últimos anos?
Rodrigues – Sim, entre os quais,
um muito importante. Só 4,8%
das fazendas dispunham de
sistemas de armazenagem em
2003. Hoje, esse número é de
11%. Isso significa que mais que
dobrou, inclusive em números
absolutos, porque a produção
aumentou também. Portanto, o
crescimento foi significativo, o
que é um dado interessante para
o produtor rural.
ENTREVISTA
Com Ciência Ambiental 1716Com Ciência Ambiental
Roberto Rodrigues
CCA – Que investimentos o
próximo governo deve priorizar
para fortalecer a sustentabilida-
de econômica e ambiental da
atividade agrícola brasileira?
Rodrigues – Nos últimos 20
anos, a área plantada com grãos
cresceu 25%, enquanto a produ-
ção registrou aumento de 127%.
Isso é sustentabilidade, porque
salvamos floresta e cerrado com
tecnologia sustentável. Agora, o
que precisamos é investir em seis
pilares fundamentais.
CCA – Quais seriam esses
pilares?
Rodrigues – O primeiro é uma
política de renda adequada.
Todos os países agrícolas têm
uma política nesse sentido e nós
precisamos de uma que funcione
adequadamente. Precisamos de
um crédito rural novo, nossa lei
tem 45 anos. Imagina o que não
aconteceu nesses anos? Enfim,
necessitamos de uma política de
renda consistente. O segundo
pilar é uma política de tecnologia
– você diz muito bem, nós temos
tecnologia sustentável no Brasil.
Contudo, a tecnologia é um pro-
cesso dinâmico; se você deixa de
investir, você perde velocidade,
sobretudo em relação aos seus
concorrentes. Então, o investi-
mento em ciência é fundamental
e estamos começando a viver
uma fase em que a indústria de
insumos agrícolas multinacional
começa a investir em tecnologia
no país, ocupando um espaço
relevante que antes era ocupado
pelas empresas agrícolas públi-
cas, como a Embrapa. É preciso
cuidado. Temos de colocar mais
dinheiro na pesquisa pública. O
terceiro pilar é o comércio. Não
adianta nada agregar valor ao
produto para mandar para fora,
se não houver acordos comerciais
privados para redistribuição. A
questão de comércio também
implica acordos em nível gover-
namental, além da promoção
comercial no exterior. O quarto
pilar é a defesa sanitária, que é
nosso calcanhar de Aquiles. Tem
de haver política de governo,
que deve tomar uma decisão e
impor uma regra que não seja
apenas optativa. O quinto ponto
fundamental é infraestrutura
logística, cuja ênfase é priorizar
os investimentos de acordo com
os volumes que entram ou saem
do país. Por fim, o sexto pilar é a
questão institucional, é a estra-
tégia do governo. O Ministério
da Agricultura tem uma estraté-
gia formidável, tem tudo pronto
lá, tem câmaras setoriais para
cada uma das cadeias produti-
vas, mas a implementação de
políticas depende do orçamento
e quem o faz é o Ministério do
Planejamento. Liberação de
recursos é com o Ministério da
Fazenda. Juros, Banco Central.
Investimento logístico, Ministé-
rio dos Transportes. Agroenergia,
Ministério de Minas e Energia.
Floresta, Ministério do Meio Am-
biente. Ou seja, há uma estratégia
de Estado com política pública
desenhada na teoria, mas que
na prática não funciona. Por-
tanto, a institucionalidade é
essencial, porque a estratégia se
desenha adequadamente.
CCA – E o polêmico texto do
novo Código Florestal?
Rodrigues – Ninguém gostou
da proposta do Aldo Rebelo. Isso
para mim tem um significado
muito importante, porque se
alguém tivesse gostado e alguém
não, uma parte seria prejudica-
da. Eu acredito que o assunto
ainda será muito discutido no
parlamento, não será esse rela-
tório final do deputado federal
que será aprovado, pois o texto
desagrada tanto os ambientalis-
tas quanto os produtores rurais.
CCA – E que propostas os re-
presentantes do agronegócio
brasileiro poderão levar à reunião
do clima em Cancún, no México?
Rodrigues – O agronegócio já
tem propostas muito interes-
santes ligadas ao sequestro de
carbono e à remuneração dos
serviços ambientais prestados
pela natureza. A nossa ideia é
avançar positiva e propositiva-
mente, criando vantagens para
quem poupar, e não castigos.
Temos de colocar mais
dinheiro na pesquisa pública e
investir na infraestrutura
8. Em um dos municípios do
Polígono das Secas está a maior
reserva de ouro da América do Sul,
a Serra de Jacobina, com potencial
de 1,2 mil toneladas do metal pre-
cioso. Jacobina, localizada a 330
quilômetros de Salvador, é conheci-
da como Cidade do Ouro, terra de
alegrias, mas também de tristezas
e exemplo dos desafios que o setor
de mineração deve enfrentar para
alcançar a verdadeira responsabili-
dade socioambiental.
Um dos maiores fantasmas da
Cidade do Ouro e dos municípios
vizinhos é, sem dúvida, a silicose.
Não é difícil encontrar na região
alguém com a doença ou que tenha
sido impactada por ela, como as
chamadas “viúvas da silicose”.
Com Ciência Ambiental 1918Com Ciência Ambiental
Gervásio Lima
da Bahia
Responsabilidade socioambiental
SXC
desafia
Exploração de
OURO
sustentabilidade
9. Com Ciência Ambiental 2120Com Ciência Ambiental
SXCeGervásioLima
Responsabilidade socioambiental
A silicose, doença pulmonar
fibrótica crônica, progressiva,
irreversível e incurável, é de
origem tipicamente ocupacio-
nal causada pela inalação da
poeira da sílica (partículas cris-
talinas do dióxido de silício). A
exposição à sílica e ao silicato é
comum em quase todas as ope-
rações de mineração, de obras e
túneis. Fábricas de vidro, corte
de pedras, produção de abra-
sivos e metais e o trabalho em
fundições são outras ocupações
com risco de exposição.
A manifestação da doença
ocorre após uma média de oito a
dez anos de exposição ao mine-
ral, considerado carcinogênico.
Como a silicose é uma doen-
ça que causa graves transtornos
à saúde do trabalhador, determi-
nando incapacidade ao trabalho,
invalidez ou morte, a OMS (Or-
ganização Mundial de Saúde) e
a OIT (Organização Internacio-
nal do Trabalho) lançaram em
1995 um programa visando a sua
erradicação. O risco de adquirir
silicose depende basicamente de
três fatores: concentração de po-
eira respirável, porcentagem de
sílica livre e cristalina na poeira
e a duração da exposição.
Vários são os casos de ex-
mineradores que contraíram
a doença durante o período
que trabalharam nas galerias
da JMC (Jacobina Mineração
e Comércio), empresa que em
2006 passou a ser controlada pela
canadense Yamana Gold Inc.
Uma dessas vítimas é Ranulfo
Pereira da Silva, de 59 anos de
idade. Após trabalhar 10 anos
no subsolo, operando um equi-
pamento para perfurar rochas,
conhecido como “martelo”,
Buquira, como é chamado pelos
amigos e familiares, descobriu
que também passou a fazer parte
da triste estatística dos doentes
da silicose. Apesar de ter des-
coberto a doença em 1991, ele
continuou trabalhando até 1994,
quando se aposentou por tempo
de serviço (15 anos de subsolo).
Para complementar a renda da
família, pois o salário mínimo
que recebe da Previdência nunca
foi o bastante para sustentar a es-
posa e três filhos, Buquira abriu
um comércio para vender lan-
ches e bebidas. Depois de mais
de dez anos, o pior aconteceu, a
doença se agravou. Por conta da
dispnéia, com hipoxemia crônica
e hipercapnia, necessita de oxi-
genoterapia domiciliar contínua.
O estado, o município e a
Jacobina Mineração e Comér-
cio, a pedido do Sindicato dos
Mineiros, ajudam nas despesas
com viagens para tratamento
em Salvador e com a troca dos
cilindros de oxigênio. A Secre-
taria de Saúde do Estado enviou
um aparelho que transforma o
ar ambiente em oxigênio, di-
minuindo substancialmente os
custos com os cilindros.
Buquira conta que à época
em que trabalhava no subsolo,
os trabalhadores não dispunham
de equipamento de proteção
individual. “A gente trabalhava
de bermuda. A única coisa que
recebíamos eram luvas”, contou,
dizendo em seguida que nunca
foi avisado do risco de contrair al-
gum tipo de doença ocupacional.
Segundo os médicos, Ra-
nulfo Pereira só ficará livre dos
cilindros de oxigênio com um
transplante de pulmão. Apesar
de grave, seu estado de saúde
não tirou sua vontade de viver.
Sua alegria e seu humor conti-
nuam o mesmo. Buquira não
esconde sua satisfação quando
recebe a visita dos amigos. Com
o sorriso no rosto, ele anuncia
para todos que já faz parte da
fila para transplante de pulmão.
“Só depende agora de um pul-
mão novo, para eu ficar novo de
novo”, comentou esperançoso e
alegre Buquira.
10. GervásioLima
Com Ciência Ambiental 2322Com Ciência Ambiental
Responsabilidade socioambiental
Uma das “viúvas da silicose” é Etelvita
Mesquita de Souza, que era esposa de Expe-
dito Benício de Souza, falecido em 1993, com
apenas 29 anos. Recém-casada, Etelvita diz que
o sonho do casamento e a alegria do “emprego
certo” duraram pouco tempo. “O trabalho que
lhe rendeu a doença durou seis anos e a nossa
felicidade foi encerrada depois de pouco mais
de dois anos”, desabafa a viúva, relatando em
seguidaasdificuldadesquepassouapósa morte
do esposo. “Tive de trabalhar em casa de família
(doméstica) para sustentar minha filha que
tinha pouco mais de dois anos. Foi um baque
em nossas vidas, pois ainda não tínhamos con-
seguido uma estrutura”.
A dificuldade financeira de Etelvita não
demorou muito para ser resolvida. Ao contrá-
rio de várias outras mulheres que perderam
seus maridos pela mesma causa, ela, orienta-
da pelo Sindicato dos Mineiros de Jacobina,
passou a ser pensionista e entrou com um
processo na Justiça contra a empresa minera-
dora, cobrando indenização por acidente de
trabalho. Ela ganhou o processo e hoje, apesar
de triste pela perda do ente querido, comemora
a vitória que poucas até hoje conseguiram.
Tristeza para uns, alegria para outros, as-
sim é vista a empresa mineradora de ouro de
Jacobina. A atividade da mineração, incluindo
tanto o garimpo quanto a mecanização, esteve
associada ao discurso do desenvolvimento
construído pela companhia e também adota-
do por diversos segmentos da sociedade local.
A instalação da mineradora sempre represen-
tou a possibilidade de emprego e renda.
Viúvas da silicose
11. SCXeGervásioLima
Com Ciência Ambiental 2524Com Ciência Ambiental
Responsabilidade socioambiental
O diretor do sindicato dos Mineiros
de Jacobina e Região, o aposentado em
mineração José Primo dos Santos, de 70
anos, diz orgulhoso poder, ainda que in-
diretamente, estar envolvido com a área.
Ele que trabalhou durante 16 anos na
JMC, como mecânico de manutenção, em
beneficiamento de amianto, faz questão de
salientar que sempre tomou cuidado com
a sua proteção individual. Sem perder o
sotaque da sua origem soteropolitana,
Primo, como é conhecido, diz: “você acha
que ia dá mole? Você me deixe viu”.
Sua preocupação com a saúde do
trabalhador é tanta, que Primo é cadeira
cativa em diversos conselhos dirigidos
para prevenção de doenças ocupacionais.
Ele faz parte do Conselho de Saúde do
município de Jacobina, do Conselho
Gestor do Cerest (Centro Regional de
Referência em Saúde do Trabalhador) e da
Cist (Comissão Intersetorial de Saúde do
Trabalhador do Estado da Bahia).
Como membro do sindicato que
representa a categoria, Primo é enfático
ao comentar o atual comportamento da
empresa Jacobina Mineração e Comér-
cio, em relação à segurança do trabalho.
“Reconhecemos que a atual empresa que
explora a mina tem investido bastante em
equipamentos de segurança”.
Além das mortes causadas por doenças ocu-
pacionais como a silicose, outras vidas foram
perdidas por conta de diversos acidentes de
trabalho ocorridos desde a abertura das minas
de ouro em Jacobina. Ó último caso de morte foi
registrado recentemente, no dia 11 de outubro.
O operário Gustavo Ferreira dos Santos, de 33
anos, morreu após ser esmagado por uma cor-
reia transportadora quando trabalhava na bri-
tagem da metalurgia. Gustavo, que era casado
e pai de um casal de filhos, havia começado a
trabalhar na Yamana Gold na área de fundição
de ouro há quatro meses.
Em nota enviada à imprensa, a JMC la-
mentou o fato ocorrido. Segundo a empresa,
no momento do acidente, o funcionário estava
supervisionando o transporte de minério por
meio de correia transportadora. Imediatamente
após o acidente, a mineradora movimentou sua
equipe de segurança ao local para interromper
as operações e prestar socorro ao acidentado
que, infelizmente, não resistiu aos ferimentos.
A companhia informou que determinou uma
investigação sobre as causas do acidente e a apli-
cação de medidas corretivas, como parte de seu
procedimento normal de segurança e prevenção
de acidentes. Ainda em nota, a mineração afirma
que seus funcionários são obrigados a participar
do exercício Diálogos Diários de Segurança, que
reforça de forma permanente os conceitos dessas
práticas a toda sua equipe de trabalho.
Segurança do trabalho Palavra do Sindicato
Segundo Primo, recentemente o
Ministério do Trabalho e Emprego,
atendendo à proposta do Programa
Nacional de Eliminação de Silicose,
divulgou portaria, proibindo o jate-
amento de areia, utilizado para lim-
peza de peças metálicas, polimento
de peças da indústria metalúrgica,
fosqueamento de vidros e na constru-
ção e manutenção de embarcações.
“Espera-se que medidas semelhantes
sejam adotadas na área de mineração,
principalmente no que diz respeito
à exigência da qualidade dos equi-
pamentos de proteção individual”,
cobra o sindicalista.
12. SXCeGervásioLima
Com Ciência Ambiental 2726Com Ciência Ambiental
Responsabilidade socioambiental
Foi justamente com o objetivo de aprimorar
a profissão e melhorar a renda, que o então
estudante e aprendiz de soldador e torneiro me-
cânico Sebastião Dário Oliveira do Nascimento,
em 1973, decidiu pedir emprego na empresa
Unigeo Geologia e Mineração S/A, que fazia
os trabalhos de sondagens para a instalação da
mina. Sua primeira ocupação foi de amostrador,
chegando até a função de chefe de oficina. Fo-
ram quase trinta anos dedicados à mineração.
Funcionário responsável, Tiãozinho, como é
conhecido pelos amigos, nunca faltou um dia de
trabalho, não folgando nem nos períodos cedidos
quando do nascimento dos quatro filhos que
tem com sua esposa, Elzita Vieira Nascimento.
Toda essa dedicação lhe valeu o Prêmio Operário
Padrão, concedido, em 1983, pelo Sesi (Serviço
Social da Indústria (hoje denominado de Prê-
mio SESI Qualidade no Trabalho - PSQT), em
reconhecimento às suas qualidades pessoais e
profissionais. “Depois da minha família, a mina
era tudo para mim. Praticamente tudo que tenho
hoje foi adquirido com o salário que recebia da
mineração”, conta com entusiasmo.
Mesmo com toda a preocupação com segu-
rança, várias ocorrências ainda são registradas,
na maioria dos casos acidentes que segundo
técnicos em segurança do trabalho são provo-
cados por imperícias do trabalhador.
Entre os acidentados, encontramos Josael
Carmo da Silva, de 30 anos. Depois de um
ano e dois meses trabalhando na instalação de
tubulação em uma das galerias da mina, Silva
se acidentou. Com fratura completa com frag-
mento ósseo da clavícula (conforme relatório
médico), o jovem mineiro está impossibilitado
de retornar ao trabalho. Além de reclamar da
falta de apoio da empresa para o seu problema,
Silva diz que esse é o segundo dos males que
o trabalho em mineração causou a sua família.
Segundoele,oseupai,DanielJosaelFerreirada
Silva, morreu em 1998 vítima de consequências
causadas pela silicose adquirida no período em
que trabalhou também na mineração, mas o
médico que expediu o atestado de óbito colocou
como causa da morte ‘parada cardiorespiratória
e enfisema pulmonar’. “Se o médico tivesse co-
locado o real problema, minha mãe já poderia
receber uma indenização como acidente de
trabalho”,completa.Perguntadosedesejavoltar
a trabalhar na mina, ele responde: “Por causa
da mina eu perdi meu pai e estou incapaz para
o trabalho. Não quero voltar lá nunca mais”.
O número de pessoas contaminadas pela
silicose, somando as que já faleceram, ultrapas-
sa centenas. Em Jacobina e região, há dezenas
de mulheres que perderam os seus maridos
por causa da silicose, as chamadas “viúvas da
silicose”. Sem os esposos, geralmente as viúvas
passam necessidades financeiras até conseguir
a pensão por morte, depois de passar pela bu-
rocracia da Previdência Social.
Acidentes Operário Padrão
13. Panoramio
Com Ciência Ambiental 2928Com Ciência Ambiental
Responsabilidade socioambiental
O geólogo Luiz Frega-
dolli, gerente da área de
Segurança, Saúde, Meio
Ambiente e Comunidade,
reforça a participação do
erro humano nos aciden-
tes. Segundo ele, os avan-
ços tecnológicos e o uso de
equipamentos modernos,
de última geração, permi-
tiram a redução dos riscos
de acidentes e de doenças
ocupacionais. Fregadolli
explica que antes o con-
tato do trabalhador com
o perigo era inevitável por
conta dos equipamentos
que eram utilizados e que
hoje são obsoletos, como
o martelo usado para fu-
rar rochas. “Atualmente,
utilizamos máquinas per-
furativas que o operador
manuseia de dentro de
uma cabine, totalmente
segura”, informou.
Quanto à barragem de
rejeito, Fregadolli assegura
que ela não oferece risco à
saúde da população. O ge-
ólogo confirma que a antiga
barragem, motivo de várias
denúncias, ainda não foi
desativada totalmente. “Ela
é muito antiga e já chegou
ao seu limite. Estamos no
processo de fechamento,
usando uma nova tecno-
logia”, relata, ressaltando
que na nova barragem será
utilizada uma manta para
isolamento, algo de última
geração, capaz de evitar a
emissão de poeiras.
Fregadolli garante que
não existe risco de conta-
minação dos rios e riachos,
apesar de a barragem que
abastece a cidade ficar a
cerca de dois quilômetros
de distância do rejeito.
Quanto às denúncias dos
moradores que residem
no entorno da mina, o
geólogo disse desconhecer
qualquer caso registrado.
Para reforçar ainda mais
o discurso de preocupação
ambiental, o gerente da área
lembra a missão da empresa
que, segundo ele, é a “pro-
dução de metais preciosos,
criando valor aos acionistas
e garantindo os princípios
de saúde, de segurança e de
meio ambiente, proporcio-
nando aos colaboradores e
comunidades o desenvol-
vimento socioeconômico”.
“Nossa preocupação
com políticas ambientais
é tanta que fomos certifi-
cados com o ISO 14001,
norma internacional que
avalia a gestão ambiental”,
salientou, destacando entre
os principais motivos para
receber a qualificação, o
PGRS (Programa de Ge-
renciamento de Resíduos
Sólidos), que define como
deve ser feita a coleta, a se-
paração, o armazenamento
e a destinação final dos
resíduos e o PRAD (Plano
de Recuperação de Áreas
Degradadas).
Sobre as políticas so-
ciais da JMC, o gerente
administrativo e de recursos
humanos, Henrique Ma-
rins ressalta várias ações,
como o Projeto Integrar,
que disponibiliza à popula-
ção da cidade treinamentos,
cursos e apoios na área do
associativismo, como cria-
ção de cooperativa. A JMC
também tem realizado nos
últimos três anos o Dia
Integrar, que consiste na
oferta de serviços gratuitos
nas áreas de cidadania,
saúde, lazer e cultura.
Como programa de
responsabilidade social,
Marins destaca também
o Seminário de Parcerias,
criado para dar apoio a
projetos de cunho social,
ambiental e cultural às en-
tidades ou organizações so-
ciais da cidade. “Os projetos
apresentados são avaliados
e selecionados pela própria
comunidade. Para este
ano, disponibilizaremos
recursos na ordem de R$
120 mil aos projetos con-
templados”, informou.
Responsabilidade da empresa
14. No entorno da mina a céu aberto de João
Belo a área está extremamente impactada pela
poluição ambiental (água, ar, solo, acústica e vi-
sual), que destruiu toda beleza cênica da região.
Em audiência pública, realizada em março,
na sede da Acija (Associação Comercial e In-
dustrial de Jacobina), para discutir segurança do
trabalho, saúde do trabalhador e da população e
impactos ambientais provocados pela JMC, diver-
sos pontos foram abordados, principalmente os
que dizem respeito ao meio ambiente e à saúde.
Durante o evento, foram apresentadas
diversas propostas para amenizar ou erradicar
os efeitos nocivos causados pela prática da mi-
neração no complexo industrial da JMC. Em
relação ao meio ambiente, as propostas compen-
satórias foram a recuperação das APPs (Áreas
de Preservação Permanente) e desassoreamento
do conjunto de rios do entorno da mina até a
localidade do Pontilhão da Canavieira de Fora,
monitoramento eletrônico dos lançamentos de
efluentes e criação de comissão de fiscalização,
produção e distribuição permanente de mudas
nativas para campanhas escolares e sociais.
A professora Sara Oliveira Farias, em seu livro
“Enredos e tramas nas minas de ouro de Jacobi-
na”, resultado de sua tese de doutorado e lançado
em 2009, faz uma denúncia política e social sobre
as precárias condições de trabalho que levaram à
morte dezenas de trabalhadores acometidos pela
silicose (leia entrevista com a pesquisadora em
comcienciaambiental.com.br).
Razhodka.com
Com Ciência Ambiental 3130Com Ciência Ambiental
Responsabilidade socioambiental
Impactos ambientais
15. Personagens históricos na formação de
praticamente todas as cidades da Chapada
Diamantina, na Bahia, os garimpeiros de
Jacobina, responsáveis pelos primeiros
achados de diamantes nas lavras da região
em 1732 e depois o ouro, conforme conta o
historiador Raphael Fontes Cloux, voltam
a fazer história, com a conquista do ‘Título
de Imissão de Posse’ do Morro do Cruzeiro,
onde, depois de mais de 12 anos de uma
verdadeira batalha burocrática e judicial,
irão poder explorar legalmente o metal
precioso responsável pela maior geração
de emprego e renda da cidade.
O Título da Portaria de Lavra para a
Cooperativa Mista de Extração de Miné-
rios e Garimpeiros de Jacobina e Região foi
publicado no Diário Oficial da União em
29 de agosto de 2008, sob o nº no DNPM
873435/2007. Serão 49 hectares a ser explora-
dos, ficando toda essa área entre os bairros da
Grotinha, Serrinha e o Morro do Cruzeiro.
Para o geólogo José Rafael, idealizador
do projeto que culminou com a publicação
da portaria e entrega do título de imissão de
posse da área, a conquista dos garimpeiros
de Jacobina “é uma proposta única no Brasil
e talvez no mundo e que só foi possível por
um somatório que envolveu várias pessoas”.
Em nome do DNPM (Departamento Nacio-
nal de Pesquisa Mineral), Rafael informou
que todos os estudos indicaram viabilidade
técnica, econômica e ambiental, fazendo
desse tema inclusive objeto de uma mono-
grafia apresentada na França.
Tqn.comeGervásioLima
Com Ciência Ambiental 33
Responsabilidade socioambiental
Decisão inédita no país
O coordenador jurídico da entidade, Emmanuel
Gomes, não escondeu a emoção de quem acompa-
nhou a luta da classe desde as prisões e apreensões
dos materiais de trabalho dos garimpeiros, que
eram considerados ilegais, à fundação da coopera-
tiva há mais de uma década. “Essa conquista não
foi somente a burocracia, mas a política, a ação
dos garimpeiros”, destacou Gomes, referindo-se à
mobilização e aos entraves vencidos. “A partir de
agora o ouro irá ficar nas mãos dos trabalhadores,
em Jacobina”, completando que “mesmo com as
diferenças, todos precisam trabalhar juntos”.
Já Kurt Menchen, ex-diretor da Jacobina Mi-
neração e Comércio, multinacional que explora
o ouro e outros metais preciosos no município,
os garimpeiros atingiram um grande passo, com
a conquista da Portaria e da imissão de posse,
“saem de uma situação ilegal para uma situação
amplamente legal”, desejando aos envolvidos
que “o espírito empresarial se implante”, pois
esse é o primeiro exemplo, nesses moldes, no
Brasil e no mundo, “o mundo inteiro está ob-
servando o sucesso do negócio”.
O cooperado Jonas Reis Sampaio disse que o
início dos trabalhos de extração pelos garimpeiros,
por meio da cooperativa, é um sonho não só da
classe, mas também de todos os moradores da
região que sempre desejaram produzir emprego
e renda, a partir da riqueza do seu próprio solo.
“Não tenho dúvidas de que a partir do momento
que se iniciar a produção do ouro pela cooperativa
dos garimpeiros, Jacobina não será mais a mes-
ma”, entusiasma-se Jonas ao prever melhoras na
economia local com a comercialização do minério
explorado pelos cooperados.
32Com Ciência Ambiental