O BNDES subsidia grandes empresas com juros abaixo da taxa Selic, custando ao governo mais de R$18 bilhões por ano em subsídios, valor maior que o orçamento anual do Bolsa Família. Ao favorecer a formação de conglomerados, o BNDES compromete a defesa da concorrência e seu papel deveria ser financiar projetos de infraestrutura de alto retorno social e baixa lucratividade para o setor privado.
BNDES financia grandes empresas com subsídios maiores que Bolsa Família
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São Paulo, domingo, 17 de julho de 2011
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'BNDES é Bolsa Família para
acionistas'
Juros subsidiados pelo banco público superam verbas de
programa assistencial do governo, diz ex-banqueiro
Para Haddad, atuar em favor da formação de
conglomerados como o 'Carreçúcar' prejudica a defesa da
concorrência
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Crítico de longa data da atuação do BNDES, o economista
Cláudio Haddad, 64, acredita que a confusa participação do
banco na frustrada compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar
deveria provocar um debate sobre o papel da instituição.
O desempenho do BNDES favorece as grandes empresas com
juros subsidiados: pelas suas contas, o banco dá em subsídios, a
acionistas das empresas, mais do que o orçamento do Bolsa
Família.
Além disso, diz ele, o banco compromete a defesa da
concorrência, ao favorecer a formação de conglomerados, e
solapa a política monetária, ao emprestar recursos com juros
mais baixos do que a taxa básica do Banco Central.
Para Haddad, que teve passagem pelo BC, foi banqueiro e hoje
é presidente da escola de negócios Insper (Instituto de Ensino e
Pesquisa), o BNDES deveria voltar ao papel de origem, de
financiar projetos de infraestrutura. A seguir, trechos da
entrevista.
Folha - Qual deveria ser o papel do BNDES?
Cláudio Haddad - O foco principal deveria ser o de identificar
situações em que a rentabilidade social do investimento é alta e a
lucratividade é baixa, e financiar esse tipo de projeto. Estou
falando de projetos de infraestrutura, que poderiam ser tocados
2. falando de projetos de infraestrutura, que poderiam ser tocados
em parceria com o setor privado. Em vez de emprestar para
grandes empresas, que têm capacidade de captar recursos no
mercado, o BNDES pode ser indutor do desenvolvimento.
Entregar recursos públicos e subsidiados dessa maneira é um
desperdício.
A que subsídio se refere?
Como os recursos são públicos, o custo de captação é o da
dívida pública, basicamente o da taxa Selic [referência do
mercado, hoje em 12,25% ao ano]. Se o BNDES empresta a
taxas abaixo desse custo, está havendo subsídio, quer o BNDES
diga que sim ou diga que não.
Contabilmente o BNDES usava a justificativa de que, com a
utilização de recursos do FAT [Fundo de Amparo ao
Trabalhador], remunerados a 6% ao ano, não haveria subsídio se
o BNDES emprestasse acima dessa taxa. É uma falácia, porque
o custo relevante é aquele pelo qual o Tesouro capta.
Hoje, depois das capitalizações, os subsídios estão mais
patentes. O governo capitalizou o BNDES com recursos
captados a mais de 12% ao ano, e o banco empresta cobrando
a TJLP [taxa de juros de longo prazo], que é de 6% ao ano ""a
diferença, de mais de 6%, é o subsídio.
Qual o custo desse subsídio?
Cerca de R$ 18 bilhões por ano. Num cálculo rápido, são os
6% da diferença aplicados sobre o valor das captações, de
quase R$ 300 bilhões. O governo está dando muito mais do que
um Bolsa Família por ano a quem pega dinheiro no BNDES [o
orçamento do programa para este ano é de R$ 13,4 bilhões]. E
quem se beneficia são os acionistas das empresas.
E o papel de financiador de longo prazo?
É importante, mas o BNDES poderia emprestar a longo prazo
com taxas reajustáveis, sem subsídios. Havendo dinheiro
subsidiado, é evidente que as empresas vão preferir usá-lo. Mas
não se trata de demanda nova por crédito, e sim de uma
substituição do que seria tomado na rede bancária. Tanto que,
depois das capitalizações dos últimos anos, o crédito do setor
privado às empresas deu uma travada. Na estrutura de
empréstimos bancários, o BNDES tem uma fatia de mais de
15%, o que é significativo. Também é preciso considerar que o
mercado de capitais, com os IPOs [sigla em inglês para
lançamento inicial de ações], se transformou numa fonte
importante.
Como avalia a orientação de favorecer a formação de
conglomerados com alcance global, os "campeões
nacionais"?
O país precisa ter grandes empresas, sem dúvida, mas sou muito
3. cético em relação a essa ideia. Dar dinheiro sem exigir metas de
desempenho, sem um objetivo claro e sem políticas paralelas,
como um esforço educacional, em geral leva ao fracasso. Se uma
empresa quiser virar campeã nacional, que faça isso por conta
própria, que seja uma campeã natural, e não artificial.
Não há contradição entre a ação do BNDES, que favorece
a formação de conglomerados, e a do Cade [Conselho
Administrativo de Defesa Econômica], que tenta proteger
a concorrência?
Sim. A política de formação de campeões, além de ser pouco
eficiente, promove concentração de poder econômico.
Quando o BNDES se afastou do seu objetivo original, de
financiar projetos de infraestrutura?
Talvez nos anos 70, quando resolveu ser a locomotiva do
crescimento e incentivar projetos de larga escala. Nos anos 90, o
governo FHC tentou mudar a orientação do BNDES, e o banco
ficou mais voltado para o mercado de capitais. No governo Lula,
o BNDES retomou o que tinha sido feito nos anos 70.
Hoje a política é parecida com a daquela época. Para aqueles
sem acesso ao BNDES, o fogo dos infernos, com juros lá cima;
para quem tem acesso, o paraíso total, com juros subsidiados.
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BNDES
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