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Sociologia – Profº. José Amaral

1) O que é desigualdade social?
1.1)Das desigualdades naturais às desigualdades sociais
- Das desigualdades naturais às desigualdades sociais. Antes de se tornar objeto de estudo sociológico, as
desigualdades entre os homens foram tomadas como algo natural. Como nos atenta Tom Bottomore, “... os
escritores da Antiguidade e da Idade Média, quando se referiam ao problema da hierarquia social, tendiam
sempre a apresentar uma racionalização e justificação da ordem estabelecida, frequentemente em termos de uma
doutrina religiosa relativa à origem dos escalões sociais” (Bottomore, 1968).
A existência da desigualdade social é tão antiga quanto a existência de sociedades humanas. O debate sobre
sua natureza e suas causas é um tema antigo da filosofia social. Como exemplo, podemos citar Aristóteles, que
salientava - sua obra Política – as diferenças entre escravos e homens livres, homens e mulheres em termos de suas
capacidades cívicas e racionais (Turner, 1986).
Foi somente nos tempos modernos, e particularmente depois das Revoluções Americana e Francesa, que a
desigualdade passou a ser condenada pelas doutrinas sociais que surgiam. A idéia de igualdade havia ganhado
novas dimensões através de pensadores liberais – como, por exemplo, John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778). Suas idéias constituem a filosofia iluminista, que proclamava a igualdade entre todos os
homens como princípio jurídico e que se opunha aos privilégios legais e políticos de uma aristocracia –
remanescentes do sistema de estamentos feudais. Alguns destes autores, como o próprio Locke e Montesquieu
(1689-1755), propõem que o Estado passe por uma reforma política visando à representatividade da sociedade
civil. O poder absoluto das monarquias era questionado em sua legitimidade e visto como extremamente negativo.
Ao lado da formulação de novos princípios políticos, estes pensadores contribuíram para que a organização
das sociedades em grupamentos sociais não se inserisse em uma ordem natural e invariável de coisas. Para eles,
mais especialmente para Jean-Jacques Rousseau, ela era um produto humano e se submetia a mudanças históricas.
No Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens (1754-1755), Rousseau
diferenciou a diferença natural entre os homens e a desigualdade moral ou política, a qual “depende de um tipo de
convenção, e é implantada, ou pelo menos autorizada, pelo consentimento dos homens” (Bottomore, 1968). O
autor francês considerava que a propriedade privada era fundamental para a reprodução das desigualdades.
A distinção feita por Rousseau implicou explicar as desigualdades através das formas como os homens se
organizavam, isto é, através de fenômenos tipicamente sociais. As desigualdades deixavam de ser legitimadas pela
vontade de Deus ou pelas diferenças naturais entre os homens.
As formulações de Rousseau foram fundamentais para que tivéssemos um primeiro estranhamento em
relação às desigualdades. Porém, podemos dizer que o autor permaneceu no âmbito das especulações filosóficas.
Ao afirmar ser a desigualdade produzida pela propriedade privada, ele não fez estudos históricos que comprovavam
suas assertivas. Os seus pensamentos ainda permaneciam como hipóteses, ou seja, como idéias que deveriam ser
verificadas pelos dados sobre a vida em sociedade.

1
Embora os escritos de Rousseau não fossem rigorosamente científicos, eles contribuíram para a mudança
de percepção dos homens acerca dos fenômenos sociais que os cercavam. Podemos dizer, todavia, que o
estranhamento promovido por ele e pelas doutrinas iluministas não passou de uma condenação moral, já que não se
procurava explicar as desigualdades, mas justificar a construção de uma nova ordem social. Elas repercutiram,
sobretudo, nos círculos de burgueses franceses e serviram de estímulo à Revolução de 1789.

- A nova ordem social e a explicação individualista. A nova ordem social trazida pelas Revoluções Francesa e
Americana é chamada de ordem moderna. A construção desta ordem se pauta pelos ideais iluministas de justiça e
igualdade e, por isso, condena os sistemas sociais que conferem privilégios a determinados grupos sociais e que
marginalizam indivíduos de acordo com suas características particulares (como o sexo, a cor, o grupo étnico etc.). 1
O sociólogo Bryan Turner define a ordem social moderna como uma ordem que envolve “a ênfase no
desempenho e na mobilidade social de acordo com o talento e habilidade, e não de acordo com a idade ou o
sexo, por exemplo” (Turner, 1986: 18).
Se a modernidade implicou uma atenuação da reprodução das heranças sociais, ela não implicou sua
abolição. Não cabe aqui adiantar esta discussão, já que ela nos ocupará ao longo do bimestre.
Cabe aqui salientar que o liberalismo é uma doutrina muito complexa, havendo muitos autores
contribuíram para a sua formulação. Suas doutrinas se caracterizam pela centralidade conferida ao indivíduo e pela
defesa de sua liberdade. Vimos que liberais políticos como Locke e Rousseau defendiam a igualdade dos homens
perante à lei. Na mesma linha de pensamento, havia autores que defendiam um individualismo econômico, isto é, a
liberdade de comércio livre de qualquer restrição (como em Adam Smith).
Estes pensadores liberais defendiam a liberdade de comércio e a propriedade privada, o que logo repercutiu
favoravelmente nos círculos burgueses que defendiam a nova ordem social. Segundo essa doutrina, era
fundamental que as liberdades individuais fossem preservadas, pois cada indivíduo, buscando satisfazer os seus
próprios interesses, estaria contribuindo para o bem-estar da coletividade.
Deturpações deste pensamento levaram a considerações que exaltavam a virtude do burguês, que
acumulava riquezas através das atividades na indústria, no comércio e nas finanças. O seu enriquecimento era
encarado como uma forma de benefício para todos os indivíduos. A riqueza era fruto do trabalho e acessível
através dele.
Inversamente, a pobreza e a desigualdade eram encaradas frutos do fracasso individual. Se aos
operários era dada a oportunidade do trabalho e, mesmo assim, eles permaneciam miseráveis, eles só poderiam ser
fracassados que não tinham a mesma atitude de poupança e investimento dos burgueses. Esta visão da
desigualdade é uma explicação individualista, já que se considerava que a posição social de um indivíduo era
dada a partir de sua capacidade natural de prosperar através da sua competência no trabalho.
Vemos, assim, que nas sociedades modernas surgiu um discurso que tentava legitimar a organização da
sociedade através de desigualdades supostamente inatas entre os homens. Nas palavras de Bottomore, tenta-se
“assegurar uma correspondência aproximada entre a hierarquia de capacidades naturais e as distinções de
1

Os sistemas sociais que se configuram deste modo são definidos como tradicionais. Turner os define assim: sistemas sociais
baseados “na hierarquia, na particularidade, em posições sociais fixas e na alocação da estima e do poder de acordo com
características particulares e adscritas dos indivíduos” (Turner, 1986: 18).

2
escalão, socialmente reconhecidas”2. Este tipo de doutrina liberal serviu para legitimar as desigualdades, para
apresentá-las aos homens como algo natural, exatamente como as visões de mundo tradicionais atribuíam as
desigualdades como resultado da vontade de Deus ou de privilégios familiares herdados.
Neste ponto, é importante observar que surgiram formas de legitimar as novas desigualdades sociais. Elas
apresentavam as desigualdades como fruto das decisões individuais, e não como decorrentes do conjunto de
atividades e relações sociais vigentes.

- Novas linhas de pensamento: quais as condições de produção e reprodução das desigualdades? Seguindo o
caminho deixado pelos escritos de Rousseau, para quem “a desigualdade entre os homens tinha de ser pensada a
partir das condições vigentes” 3, estudos que procuraram relacionar as desigualdades à forma como os homens se
organizavam começaram a ser produzidos. Karl Marx (1818-1883) se destaca nesse conjunto.
Para este autor, a desigualdade não era resultado das ações individuais, mas da organização do modo de
produção capitalista. Estes tipos de sociedade se baseiam na exploração da mão-de-obra assalariada expropriada
dos meios de produção: isto significa que os trabalhadores não possuem todos os instrumentos de trabalho
necessários para produzirem aquilo de que precisam para a própria sobrevivência.
Desse modo, eles se vêem obrigados a vender sua força de trabalho em troca de salários. Só que o salário
cobre apenas uma parte daquilo que os burgueses/capitalistas recebem em troca, os produtos do trabalho. Em outras
palavras, o preço do trabalho (o salário) corresponde a uma parte do que os proletários produzem nas indústrias.
Caso fosse diferente, não haveria lucro para os capitalistas.
Para Marx, o capitalismo cria uma situação na qual os trabalhadores se vêem despojados do fruto do
próprio trabalho, que é apropriado pelos burgueses/capitalistas.
O modo de produção capitalista gera uma desigualdade estrutural, já que a base de seu funcionamento é a
exploração do proletariado por parte dos burgueses, concentrando a riqueza (excedente do trabalho) nas mãos
destes.
Marx ainda aponta para a existência de um Exército Industrial de Reserva, ou seja, de um conjunto de
proletários cuja força de trabalho não é utilizada, isto é, de um conjunto de trabalhadores desempregados. A
existência desse exército faz com que os trabalhadores empregados se envolvam no processo produtivo,
submetendo-se à exploração dos donos da fábrica, pois temem perder a fonte de subsistência. Assim, para os
capitalistas, era lucrativo que houvesse trabalhadores desempregados e em estado de miséria. A desigualdade e a
pobreza, diz Marx, são fenômenos estruturais do sistema capitalista. Elas não são frutos exclusivos das ações
individuais.
Para Marx, as desigualdades estão diretamente ligadas ao modo de produção capitalista. Poderíamos dizer,
inclusive, que as desigualdades são intrínsecas a este sistema social.
Marx contribuiu para a constituição da sociologia. A essas contribuições, soma-se o estudo das
desigualdades, consideradas como fenômenos não-naturais e entendidas a partir do modo como os homens travam
relações entre si. Vale observar que, desse modo, Marx dá um passo além de Rousseau, pois abandona as

2
3

Id. Ibid.
Rezende, Maria José de. As desigualdades sociais. In: Tomazi, Nelson (org.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual, 2000.

3
conjecturas filosóficas e se debruça sobre fenômenos empíricos (dados observáveis), elaborando teorias e conceitos
sobre o funcionamento da sociedade capitalista.
- A desigualdade é multidimensional. Bottomore nos faz uma observação importante para começar a discutir o
que seriam propriamente as desigualdades sociais: “as desigualdades relativas à classe social não devem ser
encaradas como idênticas à desigualdade humana em geral”4. Embora, como veremos, as desigualdades nas
sociedades modernas sejam fortemente condicionadas pela estrutura de classes sociais, há outras formas de
desigualdade, de privilégio e de dominação que não decorrem das diferenças de classe. Dentro de
determinadas sociedades, existem desigualdades originadas por diferenças de raça, linguagem, gênero,
religião etc.
Veremos que as desigualdades não são inerentes ao modo de produção capitalista. Sociedades de castas e
feudais também experimentaram as desigualdades. E, nelas, a reprodução da herança social era muito mais “dura”
do que é na sociedade de classes, na qual a ascensão é possível ainda que bastante difícil e limitada.
Veremos também que, nas modernas sociedades capitalistas, continua havendo transmissão de vantagens e
desvantagens de uma geração à outra. E isto acontece mesmo quando há um predomínio de doutrinas sociais
igualitárias, caudatárias do iluminismo e que se expressam, por exemplo, nas constituições de vários países.
Bibliografia:
Bottomore, Tom (1968). As classes na sociedade moderna. Rio de Janeiro: Zahar Ed.
Tomazi, Nelson (2000) (org.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual.
Turner, Bryan (1986). Equality. Londres/Nova Iorque: Tavistock Publications.
Atividades de fixação:
1) Por que Jean-Jacques Rousseau contribuiu para que as desigualdades não fossem mais vistas como um
fenômeno natural?
2) Quais as diferenças entre a ordem social moderna e a ordem social tradicional?
3) Em que consiste a explicação individualista da desigualdade?
4) Através dos conceitos de expropriação e apropriação, Marx nos mostra que a desigualdade é estrutural no
sistema capitalista, isto é, ela existe independentemente da ação individual. Explicite os significados desses
conceitos.
5) O que significa dizer que a desigualdade é multidimensional?

4

Bottomore, op.cit., pág. 12.

4

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  • 1. Sociologia – Profº. José Amaral 1) O que é desigualdade social? 1.1)Das desigualdades naturais às desigualdades sociais - Das desigualdades naturais às desigualdades sociais. Antes de se tornar objeto de estudo sociológico, as desigualdades entre os homens foram tomadas como algo natural. Como nos atenta Tom Bottomore, “... os escritores da Antiguidade e da Idade Média, quando se referiam ao problema da hierarquia social, tendiam sempre a apresentar uma racionalização e justificação da ordem estabelecida, frequentemente em termos de uma doutrina religiosa relativa à origem dos escalões sociais” (Bottomore, 1968). A existência da desigualdade social é tão antiga quanto a existência de sociedades humanas. O debate sobre sua natureza e suas causas é um tema antigo da filosofia social. Como exemplo, podemos citar Aristóteles, que salientava - sua obra Política – as diferenças entre escravos e homens livres, homens e mulheres em termos de suas capacidades cívicas e racionais (Turner, 1986). Foi somente nos tempos modernos, e particularmente depois das Revoluções Americana e Francesa, que a desigualdade passou a ser condenada pelas doutrinas sociais que surgiam. A idéia de igualdade havia ganhado novas dimensões através de pensadores liberais – como, por exemplo, John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Suas idéias constituem a filosofia iluminista, que proclamava a igualdade entre todos os homens como princípio jurídico e que se opunha aos privilégios legais e políticos de uma aristocracia – remanescentes do sistema de estamentos feudais. Alguns destes autores, como o próprio Locke e Montesquieu (1689-1755), propõem que o Estado passe por uma reforma política visando à representatividade da sociedade civil. O poder absoluto das monarquias era questionado em sua legitimidade e visto como extremamente negativo. Ao lado da formulação de novos princípios políticos, estes pensadores contribuíram para que a organização das sociedades em grupamentos sociais não se inserisse em uma ordem natural e invariável de coisas. Para eles, mais especialmente para Jean-Jacques Rousseau, ela era um produto humano e se submetia a mudanças históricas. No Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens (1754-1755), Rousseau diferenciou a diferença natural entre os homens e a desigualdade moral ou política, a qual “depende de um tipo de convenção, e é implantada, ou pelo menos autorizada, pelo consentimento dos homens” (Bottomore, 1968). O autor francês considerava que a propriedade privada era fundamental para a reprodução das desigualdades. A distinção feita por Rousseau implicou explicar as desigualdades através das formas como os homens se organizavam, isto é, através de fenômenos tipicamente sociais. As desigualdades deixavam de ser legitimadas pela vontade de Deus ou pelas diferenças naturais entre os homens. As formulações de Rousseau foram fundamentais para que tivéssemos um primeiro estranhamento em relação às desigualdades. Porém, podemos dizer que o autor permaneceu no âmbito das especulações filosóficas. Ao afirmar ser a desigualdade produzida pela propriedade privada, ele não fez estudos históricos que comprovavam suas assertivas. Os seus pensamentos ainda permaneciam como hipóteses, ou seja, como idéias que deveriam ser verificadas pelos dados sobre a vida em sociedade. 1
  • 2. Embora os escritos de Rousseau não fossem rigorosamente científicos, eles contribuíram para a mudança de percepção dos homens acerca dos fenômenos sociais que os cercavam. Podemos dizer, todavia, que o estranhamento promovido por ele e pelas doutrinas iluministas não passou de uma condenação moral, já que não se procurava explicar as desigualdades, mas justificar a construção de uma nova ordem social. Elas repercutiram, sobretudo, nos círculos de burgueses franceses e serviram de estímulo à Revolução de 1789. - A nova ordem social e a explicação individualista. A nova ordem social trazida pelas Revoluções Francesa e Americana é chamada de ordem moderna. A construção desta ordem se pauta pelos ideais iluministas de justiça e igualdade e, por isso, condena os sistemas sociais que conferem privilégios a determinados grupos sociais e que marginalizam indivíduos de acordo com suas características particulares (como o sexo, a cor, o grupo étnico etc.). 1 O sociólogo Bryan Turner define a ordem social moderna como uma ordem que envolve “a ênfase no desempenho e na mobilidade social de acordo com o talento e habilidade, e não de acordo com a idade ou o sexo, por exemplo” (Turner, 1986: 18). Se a modernidade implicou uma atenuação da reprodução das heranças sociais, ela não implicou sua abolição. Não cabe aqui adiantar esta discussão, já que ela nos ocupará ao longo do bimestre. Cabe aqui salientar que o liberalismo é uma doutrina muito complexa, havendo muitos autores contribuíram para a sua formulação. Suas doutrinas se caracterizam pela centralidade conferida ao indivíduo e pela defesa de sua liberdade. Vimos que liberais políticos como Locke e Rousseau defendiam a igualdade dos homens perante à lei. Na mesma linha de pensamento, havia autores que defendiam um individualismo econômico, isto é, a liberdade de comércio livre de qualquer restrição (como em Adam Smith). Estes pensadores liberais defendiam a liberdade de comércio e a propriedade privada, o que logo repercutiu favoravelmente nos círculos burgueses que defendiam a nova ordem social. Segundo essa doutrina, era fundamental que as liberdades individuais fossem preservadas, pois cada indivíduo, buscando satisfazer os seus próprios interesses, estaria contribuindo para o bem-estar da coletividade. Deturpações deste pensamento levaram a considerações que exaltavam a virtude do burguês, que acumulava riquezas através das atividades na indústria, no comércio e nas finanças. O seu enriquecimento era encarado como uma forma de benefício para todos os indivíduos. A riqueza era fruto do trabalho e acessível através dele. Inversamente, a pobreza e a desigualdade eram encaradas frutos do fracasso individual. Se aos operários era dada a oportunidade do trabalho e, mesmo assim, eles permaneciam miseráveis, eles só poderiam ser fracassados que não tinham a mesma atitude de poupança e investimento dos burgueses. Esta visão da desigualdade é uma explicação individualista, já que se considerava que a posição social de um indivíduo era dada a partir de sua capacidade natural de prosperar através da sua competência no trabalho. Vemos, assim, que nas sociedades modernas surgiu um discurso que tentava legitimar a organização da sociedade através de desigualdades supostamente inatas entre os homens. Nas palavras de Bottomore, tenta-se “assegurar uma correspondência aproximada entre a hierarquia de capacidades naturais e as distinções de 1 Os sistemas sociais que se configuram deste modo são definidos como tradicionais. Turner os define assim: sistemas sociais baseados “na hierarquia, na particularidade, em posições sociais fixas e na alocação da estima e do poder de acordo com características particulares e adscritas dos indivíduos” (Turner, 1986: 18). 2
  • 3. escalão, socialmente reconhecidas”2. Este tipo de doutrina liberal serviu para legitimar as desigualdades, para apresentá-las aos homens como algo natural, exatamente como as visões de mundo tradicionais atribuíam as desigualdades como resultado da vontade de Deus ou de privilégios familiares herdados. Neste ponto, é importante observar que surgiram formas de legitimar as novas desigualdades sociais. Elas apresentavam as desigualdades como fruto das decisões individuais, e não como decorrentes do conjunto de atividades e relações sociais vigentes. - Novas linhas de pensamento: quais as condições de produção e reprodução das desigualdades? Seguindo o caminho deixado pelos escritos de Rousseau, para quem “a desigualdade entre os homens tinha de ser pensada a partir das condições vigentes” 3, estudos que procuraram relacionar as desigualdades à forma como os homens se organizavam começaram a ser produzidos. Karl Marx (1818-1883) se destaca nesse conjunto. Para este autor, a desigualdade não era resultado das ações individuais, mas da organização do modo de produção capitalista. Estes tipos de sociedade se baseiam na exploração da mão-de-obra assalariada expropriada dos meios de produção: isto significa que os trabalhadores não possuem todos os instrumentos de trabalho necessários para produzirem aquilo de que precisam para a própria sobrevivência. Desse modo, eles se vêem obrigados a vender sua força de trabalho em troca de salários. Só que o salário cobre apenas uma parte daquilo que os burgueses/capitalistas recebem em troca, os produtos do trabalho. Em outras palavras, o preço do trabalho (o salário) corresponde a uma parte do que os proletários produzem nas indústrias. Caso fosse diferente, não haveria lucro para os capitalistas. Para Marx, o capitalismo cria uma situação na qual os trabalhadores se vêem despojados do fruto do próprio trabalho, que é apropriado pelos burgueses/capitalistas. O modo de produção capitalista gera uma desigualdade estrutural, já que a base de seu funcionamento é a exploração do proletariado por parte dos burgueses, concentrando a riqueza (excedente do trabalho) nas mãos destes. Marx ainda aponta para a existência de um Exército Industrial de Reserva, ou seja, de um conjunto de proletários cuja força de trabalho não é utilizada, isto é, de um conjunto de trabalhadores desempregados. A existência desse exército faz com que os trabalhadores empregados se envolvam no processo produtivo, submetendo-se à exploração dos donos da fábrica, pois temem perder a fonte de subsistência. Assim, para os capitalistas, era lucrativo que houvesse trabalhadores desempregados e em estado de miséria. A desigualdade e a pobreza, diz Marx, são fenômenos estruturais do sistema capitalista. Elas não são frutos exclusivos das ações individuais. Para Marx, as desigualdades estão diretamente ligadas ao modo de produção capitalista. Poderíamos dizer, inclusive, que as desigualdades são intrínsecas a este sistema social. Marx contribuiu para a constituição da sociologia. A essas contribuições, soma-se o estudo das desigualdades, consideradas como fenômenos não-naturais e entendidas a partir do modo como os homens travam relações entre si. Vale observar que, desse modo, Marx dá um passo além de Rousseau, pois abandona as 2 3 Id. Ibid. Rezende, Maria José de. As desigualdades sociais. In: Tomazi, Nelson (org.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual, 2000. 3
  • 4. conjecturas filosóficas e se debruça sobre fenômenos empíricos (dados observáveis), elaborando teorias e conceitos sobre o funcionamento da sociedade capitalista. - A desigualdade é multidimensional. Bottomore nos faz uma observação importante para começar a discutir o que seriam propriamente as desigualdades sociais: “as desigualdades relativas à classe social não devem ser encaradas como idênticas à desigualdade humana em geral”4. Embora, como veremos, as desigualdades nas sociedades modernas sejam fortemente condicionadas pela estrutura de classes sociais, há outras formas de desigualdade, de privilégio e de dominação que não decorrem das diferenças de classe. Dentro de determinadas sociedades, existem desigualdades originadas por diferenças de raça, linguagem, gênero, religião etc. Veremos que as desigualdades não são inerentes ao modo de produção capitalista. Sociedades de castas e feudais também experimentaram as desigualdades. E, nelas, a reprodução da herança social era muito mais “dura” do que é na sociedade de classes, na qual a ascensão é possível ainda que bastante difícil e limitada. Veremos também que, nas modernas sociedades capitalistas, continua havendo transmissão de vantagens e desvantagens de uma geração à outra. E isto acontece mesmo quando há um predomínio de doutrinas sociais igualitárias, caudatárias do iluminismo e que se expressam, por exemplo, nas constituições de vários países. Bibliografia: Bottomore, Tom (1968). As classes na sociedade moderna. Rio de Janeiro: Zahar Ed. Tomazi, Nelson (2000) (org.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual. Turner, Bryan (1986). Equality. Londres/Nova Iorque: Tavistock Publications. Atividades de fixação: 1) Por que Jean-Jacques Rousseau contribuiu para que as desigualdades não fossem mais vistas como um fenômeno natural? 2) Quais as diferenças entre a ordem social moderna e a ordem social tradicional? 3) Em que consiste a explicação individualista da desigualdade? 4) Através dos conceitos de expropriação e apropriação, Marx nos mostra que a desigualdade é estrutural no sistema capitalista, isto é, ela existe independentemente da ação individual. Explicite os significados desses conceitos. 5) O que significa dizer que a desigualdade é multidimensional? 4 Bottomore, op.cit., pág. 12. 4