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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE
MACAÉ– RJ
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
no uso de suas atribuições legais, através dos Promotores de Justiça que esta
subscrevem, vem, com fulcro no nos artigos 129, III, da Constituição Federal; 25,
IV, b, da Lei 8.625/93; e 1º, IV, 4º e 5º, I, todos da Lei 7347/85, propor:
A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A
COM PEDIDO LIMINAR
em face do MUNICÍPIO DE MACAÉ, pessoa jurídica de direito público interno,
situado na Avenida Presidente Sodré, nº 534, Centro, nesta cidade, que deverá
ser citado na forma do artigo 12, inciso II do Código de Processo Civil, pelos fatos
e fundamentos adiante expostos:
I - DO CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO
A presente ação civil pública tem por objeto questões
relevantes e diretamente relacionadas à defesa do patrimônio público e das
regras urbanísticas.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
2
De forma ampla e incontestável, o art. 129, III, da atual
Constituição da República prevê o cabimento da ação civil pública em tais
hipóteses, com a expressa menção a “outros interesses difusos e coletivos”.
A legislação infraconstitucional, seguindo a orientação superior,
fez constar expressamente (art. 1º da Lei nº 7.347/85) as hipóteses de cabimento
da ação civil pública, inserindo a defesa da ordem urbanística (inciso VI da Lei).
II - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Os artigos 127 e 129 da Constituição da República conferiram ao
Ministério Público a relevante função de defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, considerando a
Instituição como essencial à função jurisdicional do Estado, enumerando como
função institucional a promoção do inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.
A legislação ordinária, sendo assim, permitiu ao Ministério Público
a possibilidade de propor a ação civil pública (art. 5º, Lei nº 7.347/85), inclusive na
defesa da ordem urbana.
III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA
O município réu vem aprovando indiscriminadamente os pedidos
de licença para construção de edificações multifamiliares e comerciais no bairro
Praia do Pecado (junção dos bairros Morada das Garças e Vivendas da Lagoa),
em Macaé, o que vem provocando danos ao meio ambiente urbano e à qualidade
de vida da população, olvidando, dessa forma, a necessária aplicação do
principal instrumento de controle urbanístico da cidade, denominado Estudo
Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
3
IV - DOS FATOS
O Bairro Praia do Pecado (junção dos bairros Vivendas da
Lagoa e Morada das Garças) situa-se no município de Macaé, em uma estreita
faixa entre a Lagoa de Imboassica, o mar e a restinga, sendo constituído
basicamente por unidades residenciais. Dada a variedade de ecossistemas em
seu entorno, o local consiste em uma das mais belas regiões da cidade e um dos
pontos mais frequentados por turistas da região (vide fl. 56 e mapa de fl. 266).
Em 05.06.13, a partir de representação formulada por moradores
do bairro Praia do Pecado, pela AMMGAR e por representantes do movimento
“Deixa o Sol Entrar”, foi instaurado nesta Promotoria de Justiça o Inquérito Civil nº
127/2013/MA/MCE, com o objetivo de apurar a ocorrência de violações
urbanísticas no bairro.
Os autores da representação noticiaram pessoalmente (fls.
10/11), bem como por meio de documentos (fls. 12/152 e 167/168), que o bairro é
alvo de intensa especulação imobiliária, adensamento populacional desordenado
e de notória perda de qualidade de vida, já que o Município réu vem
autorizando e licenciando construções de empreendimentos comerciais e
multifamiliares de forma indiscriminada1
, ou seja, sem observar as diretrizes
traçadas no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), especialmente no que tange
à exigência de ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV .
1
É oportuno informar que tramita na 2ª PJTC deste núcleo o Inquérito Civil nº 079/2005/MA/MCE,
no qual se apura os impactos ao meio ambiente causados por determinados empreendimentos
imobiliários supostamente irregulares, construídos na faixa de orla entre a Praia Campista e Lagoa
de Imboassica (alcançando, portanto, a orla do bairro Praia do Pecado), destacando-se que foi
extraída cópia de parte dos referidos autos para a instrução do presente feito – fls. 175/264.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
4
IV.1 – DOS IMPACTOS URBANÍSTICOS VERIFICADOS NO BAIRRO PRAIA DO
PECADO
Nos documentos trazidos pelos noticiantes (fls. 12/152), foram
nitidamente evidenciados alguns dos impactos urbanísticos causados pela
inobservância de EIV no bairro:
a) Adensamento populacional desordenado (vide Relatório GAP
de fls. 218/227 e Estudo Técnico de fls. 56/71, de autoria do
Engenheiro Sanitarista e Ambiental Bruno Duarte Azevedo,
CREA – 2007141670, no qual se estima que no atual cenário o
bairro poderá alcançar densidade demográfica 41% superior à
densidade do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro / RJ);
b) Deficiência da rede de esgoto – saneamento (vide fls. 31/32,
54/55, 56/71, 82/83, 136, 180 - item 2, 235, fotografias de fls.
184/186 e Estudo de fls. 137/142, de autoria do Professor Titular
da UFRJ, Dr. Francisco de Assis Esteves, com o título “A
degradação sanitária e ambiental da Lagoa Imboassica e sua
relação com o aumento do gabarito dos prédios localizados em
sua bacia hidrográfica”).
c) Verticalização acentuada, com o consequente
sombreamento da orla e insuficiência de ventilação entre as
edificações (vide fls. 39, 72, 74, 75, 130, 132 e 144, 179 /180,
181 - item 4 e fotografias de fls. 191/198);
d) Saturação da mobilidade urbana - transporte,
estacionamento e circulação (vide fls. 17/18, 39/40, 180/181,
item 3, e 50).
e) Excessiva impermeabilização do solo (vide fl. 16 e 38).
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
5
Tais documentos relatam, ainda, o histórico legislativo do
município, bem como dos protestos e reivindicações sociais quanto aos impactos
urbanísticos no bairro, destacando-se que:
a) Em 19.12.2001, por meio da Lei 2.185/01 (vide fls. 29/30),
foi alterado o gabarito das edificações do bairro (que até
então era de 10 metros), permitindo-se construções de até
20 (vinte) metros, contados a partir do nível do eixo da via,
inexistindo gestão democrática no referido processo
legislativo;
b) Em 28.12.06, entrou em vigor o Plano Diretor de Macaé
(vide apenso I), o qual no art. 207 (fl. 139) enumerou o
Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV como
principal instrumento de Controle Urbano e Ambiental,
salientando-se que o art. 243, VII, “a” (fl. 155)
estabeleceu como prioridade a criação de lei, no prazo
de 01 ano, que definisse os empreendimentos que
dependeriam de EIV para obter licença ou autorização
para construção. A despeito do prazo de 01 ano
conferido pelo art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, a lei
que disciplina o EIV até a presente data não foi criada;
c) Já em 03.03.2010, passou a vigorar o então novo Código
de Urbanismo, mantendo-se para o bairro do Pecado
(Vivendas da Lagoa e Morada das Garças) o gabarito de
20 (vinte) metros (vide fl. 95 do “apenso II”), sendo
novamente ignorada a participação democrática na
discussão do tema;
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
6
d) As fotografias de fls. 35 e 65/71 demonstram o espantoso
progresso das edificações no bairro no período
compreendido entre 2003 a 2011;
e) Objetivando a preservação urbanística, moradores e
associações civis do bairro realizaram reuniões com o
Poder Público em 13.02.12, 23.02.12, 30.06.12, em março
de 2013, 10.04.13, 12.04.13, 18.04.13 e, finalmente, uma
audiência pública em 26.04.13, com a participação de
representantes dos Poderes Legislativo e Executivo
Municipal (vide fls. 41/48);
IV.2 – DA EDIÇÃO DOS DECRETOS nº 72/2013 E 139/2013
Em 29.04.13, isto é, 03 dias após a audiência pública em
referência no item “e” supra, o Município editou o DECRETO nº 72/2013, com o
seguinte teor (fl. 131):
“Dispõe sobre a suspensão temporária de concessão de alvará de licença e
autorizações construtivas, para a orla marítima do município nos lotes
limítrofes à Rua José Passo de Souza Júnior, localizada no loteamento
Morada das Garças e à Avenida Atlântica em toda sua extensão, incluindo os
loteamentos Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia Campista. Considerando o
deliberado em Audiência Pública realizada no dia 26.04.13 na Câmara Municipal de
Macaé; Considerando a dimensão dos atuais problemas urbanos de Macaé,
resultado principalmente da deficiência de infraestrutura correspondente ao
ritmo crescente do aumento populacional concentrado em determinadas
áreas da cidade, e levando em consideração o adensamento construtivo pré-
existente em alguns setores do município; Considerando a necessidade de
determinação de parâmetros urbanísticos específicos em conformidade com
Plano Diretor Municipal (Lei Complementar nº 76/2006), visando o
planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social da cidade;
Considerando a notória perda de qualidade de vida provocada por problemas
cotidianos como deficiências de transporte coletivo e insuficiência de
infraestruturas básicas como fornecimento de água, esgoto e até energia
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
7
elétrica, aliados igualmente à ausência de áreas verdes e ao
comprometimento do meio ambiente em que se insere a cidade;
Considerando que a verticalização acentuada em áreas próximas ao litoral do
município vem provocando sombreamento das praias, saturação da
mobilidade urbana, formação de “ilhas de calor” com formação de
“paredões” ao longo de toda a orla; Considerando a ausência de estudos
mínimos de capacidade de carga e limites de saturação populacional, bem
como a ausência de correlação entre as aprovações em andamento e a
capacidade real dos recursos naturais, agravada nos últimos anos por
alterações climáticas significativas; Considerando que a atividade urbanística a
ser executada pelo Poder Público Municipal se refere aos aspectos de
planejamento urbanístico, à ordenação e regime do solo, à execução das
urbanificações e à intervenção no uso do solo e na edificação pelos particulares;
Considerando a ausência de iniciativas referentes aos estudos de vizinhança
por parte do Município, bem como o desconhecimento dos critérios técnicos
utilizados em aprovações sumárias e/ou que não foram examinadas
detalhadamente no âmbito dos órgãos municipais que possuam relação com
a matéria aqui abordada; Considerando o disposto no Plano Diretor municipal (Lei
Complementar nº 76/2006), bem como na Constituição da República Federativa do
Brasil, no Estatuto das Cidades, na legislação ambiental e nos demais dispositivos
que regem a matéria, o Prefeito do Município de Macaé, no uso de suas atribuições
legais decreta: art. 1º Fica determinada a suspensão por 90 dias, podendo ser
prorrogada por igual período, caso haja a necessidade, a autorização de projetos
construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e
processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes à obras de
construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de
edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza,
para a orla marítima do município nos lotes limítrofes à Rua José Passo de Souza
Júnior, localizada no loteamento morada das Garças, e à Avenida Atlântica em toda
a sua extensão, incluindo os loteamentos Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia
Campista. Parágrafo Único: Consideram-se limítrofes os lotes que possuem testada
frontal, lateral ou de fundos para as vias especificadas no caput do artigo. Art. 2º
Ficará a cargo da Procuradoria-Geral do Município disciplinar questões específicas
referentes ao cumprimento deste decreto, onde propiciará auxílio e orientação para
o cumprimento no disposto no caput deste artigo, através de ato de sua
competência, mediante provocação por escrito. Art. 3º Este decreto entra em vigor
na data de sua publicação. Em 29.04.2013”.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
8
O aludido Decreto, publicado há menos de 03 (três) meses, se
afigura como verdadeiro atestado de culpa por parte do Município, tendo sido
expressamente admitido que as licenças e/ou autorizações construtivas no Bairro do
Pecado foram concedidas à revelia de “estudos de vizinhança por parte do
Município”, sendo asseverado “o desconhecimento dos critérios técnicos
utilizados em aprovações sumárias e/ou que não foram examinadas
detalhadamente no âmbito dos órgãos municipais” e, ainda, a “ausência de
estudos mínimos de capacidade de carga e limites de saturação populacional e
ausência de correlação entre as aprovações em andamento e a capacidade real
dos recursos naturais, agravada nos últimos anos por alterações climáticas
significativas”.
Apesar das absurdas constatações manifestadas pelo próprio Chefe
do Poder Executivo Municipal, os efeitos suspensivos de licenciamentos e/ou
autorizações do aludido decreto inexplicavelmente contemplaram apenas os lotes
limítrofes à orla marítima, excluindo de sua abrangência os lotes situados na área
“continental” do bairro. Tal restrição tornou inócuo o objetivo que, ao menos em tese,
o Município réu pretendia alcançar, qual seja, amenizar a grave situação urbanística
vivenciada no bairro como um todo. Em outras palavras, tratou-se de um decreto
“para inglês ver”, talvez engendrado com o fim de amenizar a pressão social sobre o
Poder Público sem desagradar os interesses econômicos do empresariado do ramo
da construção civil.
E o pior: a despeito do caótico cenário urbanístico no bairro
Praia do Pecado, foi publicado em 11.07.13 o Decreto Municipal nº 139/2013, o
qual, atendendo a solicitações apresentadas por construtores da cidade,
instituiu a simplificação de análise de processos para licenciamento de projetos
voltados à construção no município, tendo como meta a liberação de projetos
em até 60 dias. Tal decreto obteve ampla repercussão na mídia local e regional
(vide fls. 173/173B).
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
9
.V – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO
O planejamento urbano e as próprias regras que compõem o
direito urbanístico, denominado de meio ambiente artificial, decorrem da
Constituição da República, conforme se observa nos artigos 24, I, e 182 e
seguintes, dentre outros.
Considerado um dos principais instrumentos de política urbana, o
Plano Diretor rege a política urbana, atividade tipicamente municipal, devendo ser
elaborado pelo Governo e aprovado pela Câmara, sendo obrigatório para cidades
com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes.
Além das diversas figuras jurídicas criadas, tais como
desapropriação, usucapião, parcelamento compulsório, a Constituição da
República deixou certa margem de liberdade aos Municípios disciplinarem –
observada a competência legislativa concorrente – o ordenação do solo e o bem-
estar de seus habitantes.
Anunciou, todavia, que o direito de propriedade deve ser exercido
de forma a atender a sua função social, considerado inclusive como direito
fundamental (artigo 5º, XXIII). E mais precisamente, pontificou que a propriedade
urbana cumpre sua função social quando cumpre as regras de ordenação da
cidade contidas no plano diretor (artigo 182, § 2º).
V.1 – DO ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA - EIV
Dentre os instrumentos de proteção urbanística, o Estatuto da
Cidade criou o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV, destinado a
contemplar os impactos positivos e negativos de empreendimentos em relação à
qualidade de vida da população do local e das proximidades – art. 37 do Estatuto
da Cidade – Lei nº 10.257/01.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
10
O mesmo diploma legislativo traçou as seguintes diretrizes gerais
de ordenamento urbano:
“Art. 2
o
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes
diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e
futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
(...)
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua
área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento
urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
(...)
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
(...)
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
(...)
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
(...)
VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de
expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental,
social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização;
X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e
dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
11
privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens
pelos diferentes segmentos sociais;
(...)
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico;
(...)
Art. 4
o
Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) (...)
VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e ESTUDO PRÉVIO DE
IMPACTO DE VIZINHANÇA (EIV).”
Pela relevância e importância dos ensinamentos, vale a
transcrição do Prof. Celso Fiorillo sobre o assunto:
“Mais importante instrumento de atuação no meio ambiente artificial na
perspectiva de assegurar a dignidade da pessoa humana (art. 12, III, da
Constituição Federal), o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) tem como
objetivo compatibilizar a ordem econômica do capitalismo (arts. 1º, IV, e 170 da
Constituição Federal) em face dos valores fundamentais ligados às
necessidades de brasileiros e estrangeiros residentes no país justamente em
decorrência do trinômio vida - trabalho - consumo. O EIV segue
necessariamente os critérios impostos pelo art. 225, IV, da Constituição
Federal, o que se traduz em instrumento de natureza jurídica constitucional.
Daí ser despicienda, por inconstitucional, a primeira parte do art. 36 do Estatuto
da Cidade, que condiciona os empreendimentos e atividades privados ou
públicos sujeitos ao estudo à "lei municipal", posto que a exigência do estudo
se estabelece, ainda que na forma da lei, para qualquer instalação de obra ou
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
12
atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental.
Destarte, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) deverá sempre ser
executado observando-se, antes dos critérios legais, ou seja, dos critérios
específicos elaborados pelo Estatuto, algumas exigências prévias de índole
constitucional, a saber: 1) O Poder Público Municipal tem incumbência de
exigir o EIV tanto para instalação de obra como para instalação de
atividade potencialmente causadora de significativa degradação
ambiental; 2) O EIV será sempre necessariamente prévio à instalação de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação
ambiental; 3) Será sempre dada publicidade ao EIV, enquanto estudo
complexo realizado por equipe multidisciplinar, observando-se particularmente
no âmbito da Carta Magna a diretriz fixada no art. 12, II, que assegura o
fundamento da cidadania como constitutivo do Estado Democrático de Direito e
que terá desdobramentos na Lei n. 10.257 em face da gestão democrática da
cidade. O EIV evidencia sua existência no princípio da prevenção do dano
ambiental, decorrendo, portanto, da idéia antes fixada, sua essência
preventiva. O conteúdo do EIV deverá ser executado de forma a
contemplar tanto os efeitos positivos como os negativos do
empreendimento ou atividade e tem como objetivo explícito a tutela da
qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades
(art. 37, caput), ou seja, a que habita tanto os bairros regulares como
irregulares. As questões indicadas nos incisos I a VII do art. 37 estabelecem o
conteúdo mínimo do EIV; trata-se de previsão de diagnóstico da situação
ambiental presente (meio ambiente cultural, meio ambiente artificial, meio
ambiente do trabalho e meio ambiente natural), antes da implantação da obra
ou atividade, possibilitando fazer comparações com as alterações que
ocorrerão posteriormente, caso a obra ou atividade venha a ser autorizada.
Elaboradas as previsões necessárias com a indicação de eventuais medidas
mitigadoras do impacto, será necessária a elaboração de um programa de
acompanhamento e monitoramento destas. Vale fixar que cabe ao proponente
do projeto (obra ou atividade) o dever de arcar com as despesas necessárias.
O EIV deve ser realizado por equipe técnica multidisciplinar, que contará com
todos os profissionais ligados às questões sublinhadas pelos incisos I a VII do
art. 37, profissionais estes que avaliarão os impactos positivos e negativos
indicados no caput do art. 37. A responsabilidade civil do Poder Publico
Municipal, fixada por força do art. 225, § 111, IV, é idêntica às demais
hipóteses da responsabilidade constitucional por força de lesão ou ameaça aos
bens ambientais, sendo certo que podemos transportar para o EIV todo o
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
13
regime jurídico do EIA.” (em Curso de Direito Ambiental Brasileiro, Celso
Antonio Pacheco Fiorillo, Ed. Saraiva, 1ª ed., pág. 286/287).
Em Macaé, em atendimento ao disposto no art. 182, § 1º, da
Constituição da República, foi criado o Plano Diretor por meio da Lei
Complementar nº 076/2006 (Apenso I), tendo o mesmo recebido a seguinte
conceituação legal:
“Art. 2º O Plano Diretor é instrumento global e estratégico da política
municipal de desenvolvimento social, urbano, econômico, ambiental e
dos serviços de utilidade pública do município de Macaé, determinante
todos os agentes públicos e privados que atuam no município, tendo
como objetivo fundamental definir o conteúdo das políticas públicas, da
função social da cidade e da propriedade urbana, de forma a garantir o
acesso à terra urbanizada e regularizada, o direito à moradia, ao
saneamento básico, aos serviços urbanos públicos, ao transporte, ao
trabalho, à educação, às culturas, à saúde, ao lazer, ao meio ambiente
para as presentes e futuras gerações, voltado para implementar uma
gestão democrática e participativa, com vistas a reduzir as
desigualdades sociais e promover a elevação da qualidade de vida.
É oportuno destacar que o Plano Diretor prestigia o Estudo Prévio
de Impacto de Vizinhança como o principal instrumento de controle urbano e
ambiental da cidade:
“Art. 207 – Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança e o
respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança é o principal
instrumento de Controle Urbano e Ambiental.
Parágrafo único – O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança
– EIV e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança –
RIV, serão executados de forma a contemplar os efeitos
positivos e negativos do empreendimento ou atividade
quanto à qualidade de vida da população residente na área e
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
14
suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das
seguintes questões:
I – adensamento populacional;
II – equipamentos urbanos e comunitários;
III – uso e ocupação do solo;
IV – valorização imobiliária;
V – geração de tráfego e demanda de transporte público;
VI – ventilação e iluminação e sombreamento;
VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural;
VIII – poluição ambiental;
IX – risco à saúde e à vida da população”.
V.2 – DO DESCUMPRIMENTO DO PRAZO PARA A CRIAÇÃO DA LEI QUE
DISCIPLINE O EIV:
No título referente às disposições gerais e transitórias do Plano
Diretor, foram estabelecidos prioridades e prazos para execução pelo Poder
Público Municipal, sendo de fundamental relevância colacionar o seguinte
dispositivo:
“Art.243 – Ficam estabelecidas as seguintes prioridades e
prazos para execução e cumprimento pelo Poder Público
Municipal:
(...)
VII – Quanto aos instrumentos:
a) Criar Lei Municipal, dentro dos limites de suas atribuições
constitucionais, definindo os empreendimentos e as
atividades privadas ou públicas na área urbana que
dependerão da elaboração de Estudo Prévio de Impacto de
Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de
Vizinhança – RIV, para obter licença ou autorização para
parcelamento, construção, ampliação, renovação ou
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
15
funcionamento, bem como os parâmetros e os
procedimentos a serem adotados para a sua avaliação,
dentro do prazo de 1 (um) ano contado do início da vigência
desta Lei”.
Apesar de o Plano Diretor estabelecer como prioridade a
criação de Lei Municipal que discipline o Estudo Prévio de Impacto de
Vizinho - EIV, o que deveria ter ocorrido no prazo de um ano a partir
vigência daquele diploma legislativo, isto é, até 28.12.07, o Poder Público de
Macaé ainda não cumpriu sua obrigação.
E tal conduta omissa do Poder Público Municipal traz como
grave consequência a impossibilidade de exigência de EIV para
autorizações e licenciamentos de construção, na medida em que não foram
disciplinadas as hipóteses em que tal estudo será necessário.
O próprio Código de Urbanismo de Macaé (Lei Complementar
141/2010), ao tratar do EIV, esbarra no óbice causado pela mora legislativa
municipal:
“Art. 188 Será exigido o EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança para
análise da viabilidade de construção, implantação e funcionamento de
empreendimento ou atividade, em determinada área urbana, com a
finalidade de previsão dos impactos positivos e negativos que o mesmo
poderá ocasionar à qualidade de vida e ao bem estar dos que residem na
área do entorno.
(...)
§ 3º Lei municipal definirá, além de outros fatores, os tipos de
empreendimentos ou atividades que estarão sujeitos ao EIV, os
aspectos a serem analisados e as medidas que deverão ser adotadas
em função da aplicação dos princípios da prevenção e da precaução”.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
16
Nesse contexto, é possível verificar uma ligação direta entre
a mora legislativa e os danos ambientais e urbanísticos causados no bairro
Praia do Pecado, os quais foram amplamente demonstrados nestes autos e,
ademais, admitidos pelo próprio Município réu na fundamentação do
Decreto 72/2013 (fls. 131):
“Dispõe sobre a suspensão temporária de concessão de alvará de licença e
autorizações construtivas, para a orla marítima do município nos lotes
limítrofes à Rua José Passo de Souza Júnior, localizada no loteamento
Morada das Garças e à Avenida Atlântica em toda sua extensão, incluindo
os loteamentos Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia Campista.
(...)Considerando a necessidade de determinação de parâmetros
urbanísticos específicos em conformidade com Plano Diretor Municipal (Lei
Complementar nº 76/2006), visando o planejamento integrado do
desenvolvimento econômico e social da cidade; Considerando a notória
perda de qualidade de vida provocada por problemas cotidianos como
deficiências de transporte coletivo e insuficiência de infraestruturas
básicas como fornecimento de água, esgoto e até energia elétrica,
aliados igualmente à ausência de áreas verdes e ao comprometimento
do meio ambiente em que se insere a cidade; Considerando que a
verticalização acentuada em áreas próximas ao litoral do município
vem provocando sombreamento das praias, saturação da mobilidade
urbana, formação de “ilhas de calor” com formação de “paredões” ao
longo de toda a orla; Considerando a ausência de estudos mínimos de
capacidade de carga e limites de saturação populacional, bem como a
ausência de correlação entre as aprovações em andamento e a
capacidade real dos recursos naturais, agravada nos últimos anos por
alterações climáticas significativas; Considerando que a atividade
urbanística a ser executada pelo Poder Público Municipal se refere aos
aspectos de planejamento urbanístico, à ordenação e regime do solo, à
execução das urbanificações e à intervenção no uso do solo e na
edificação pelos particulares; Considerando a ausência de iniciativas
referentes aos estudos de vizinhança por parte do Município, bem
como o desconhecimento dos critérios técnicos utilizados em
aprovações sumárias e/ou que não foram examinadas detalhadamente
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
17
no âmbito dos órgãos municipais que possuam relação com a matéria
aqui abordada; Considerando o disposto no Plano Diretor municipal (Lei
Complementar nº 76/2006), bem como na Constituição da República
Federativa do Brasil, no Estatuto das Cidades, na legislação ambiental e
nos demais dispositivos que regem a matéria, o Prefeito do Município de
Macaé, no uso de suas atribuições legais decreta: art. 1º Fica determinada
a suspensão por 90 dias, podendo ser prorrogada por igual período, caso
haja a necessidade, a autorização de projetos construtivos, concessão de
alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de
requerimentos de consulta de viabilidade referentes à obras de construção,
reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de
edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer
natureza, para a orla marítima do município nos lotes limítrofes à Rua José
Passo de Souza Júnior, localizada no loteamento morada das Garças, e à
Avenida Atlântica em toda a sua extensão, incluindo os loteamentos
Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia Campista.(...) Em 29.04.2013”.
Caso o Poder Público houvesse cumprido suas obrigações no
prazo estabelecido no 243, VII, “a”, do Plano Diretor, a exigência de EIV teria
prevenido grande parte dos danos ambientais e urbanísticos acima relatados, já
que, nos termos do art. 207 do referido diploma legal, questões como
adensamento populacional, uso e ocupação do solo, geração de tráfego e
demanda de transporte público, ventilação, iluminação, sombreamento, paisagem
urbana, patrimônio natura, poluição ambiental, dentre outras, seriam
condicionantes à autorização e licenciamentos construtivos.
Ainda que com atraso de mais 05 (cinco) anos, lamentavelmente
inexiste perspectiva de que o Poder Público discipline a matéria. Muito pelo
contrário. Senão vejamos.
No curso desta investigação, foram expedidos 03 (três) ofícios à
Prefeitura (vide fls. 158/159, 163, 165 e 170), um deles recebido pelo próprio
Prefeito (fl. 170), requisitando informações quanto à exigência de EIV para a
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
18
construção de algum dos empreendimentos no Bairro da Praia do Pecado
(Morada das Garças e Vivendas da Lagoa), sendo certo que a municipalidade
ignorou as requisições, não respondendo os ofícios (vide certidões de fls. 163vº,
164, 169vº e 265)2
.
Por coincidência, em 11.07.13, ou seja, uma semana após
pessoalmente receber o ofício de fl. 170, o Chefe do Poder Executivo Municipal
publicou o Decreto nº 139/2013, o qual instituiu a simplificação de análise de
processos para licenciamento de projetos voltados à construção na cidade, tendo
como meta a liberação de projetos em até 60 dias (vide reportagens de fls.,
173/173B).
Já a Câmara Municipal de Macaé recebeu ofícios para que
informasse sobre o eventual trâmite de projeto de lei que disciplinasse o EIV, nos
termos do art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor (vide fls. 158, 161 e 164). Da mesma
forma que a Prefeitura, a Câmara não respondeu os ofícios (vide certidão de fls
163vº, 164, 169vº).
V.3 – DA NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO PODER
JUDICIÁRIO
Ao furtar-se a cumprir o prazo estabelecido no art. 243, VII, “a”, do
Plano Diretor, deixando de disciplinar o EIV, o Município réu torna letra morta toda
a legislação federal e municipal que trata do mais importante instrumento de
controle urbano e ambiental da cidade (art. 2º, IV, art. 4º, VI, e art. 37, todos da
Lei 10.257/01; art. 207 do Plano Diretor e art. 188 do Código de Obras), tendo
como consequência as já relatadas agressões urbanísticas no bairro Praia do
Pecado.
2
Diante da omissão no tocante às respostas de ofícios, foram extraídas cópias dos autos a fim de
apurar possíveis prática de atos de improbidade administrativa (Lei 8.429/92), bem como de
hipótese de crime (art. 10 da Lei 7.347/85) por parte do Prefeito Municipal.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
19
Ainda mais grave, a aludida inércia estatal viola frontalmente os
seguintes princípios estabelecidos na Constituição da República:
“Art. 182 A Política de desenvolvimento urbano, executada pelo
Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
(...)
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”.
Em lição lapidar, averbou CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO:
"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não
apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão
de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque,
com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a
estrutura nelas esforçada." (Curso de Direito Administrativo, 12ª
edição, Malheiros, 2000, p. 748).
No que tange à omissão normativa ambiental, colaciona-se a
doutrina do Professor J. J. Gomes Canotilho:
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
20
“O Estado terá o dever de agir normativamente quando a edição
de uma norma é condição indispensável à proteção do ambiente.
As dificuldades operatórias das omissões normativas
ambientalmente ecológicas não devem ser subestimadas. É óbvio
que o Estado tem o dever geral de emanar normas indispensáveis
à proteção de bens e direitos constitucionais. O problema está em
derivar deste dever geral um dever concreto de normação e a
forma de efetivar este último. Quando direitos fundamentais forem
objeto de agressões irreparáveis ou de ameaça efetiva de lesões
irreparáveis – e, tendencialmente os danos ao ambiente são
muitas vezes irreversíveis – poder-se-ia falar de um dever de
normação ambiental”. (Estado Constitucional Ecológico e
Democracia Sustentada, p. 6-7).
Se por um lado o Poder Judiciário não pode imiscuir-se na
atividade legislativa (art. 2º da CRFB), determinando, por exemplo, que a Câmara
Municipal legisle e discipline o EIV, por outro lado o Estado deve intervir no caso
em concreto, impondo limites ao poder público a fim de garantir à coletividade o
desenvolvimento social do bairro da Praia do Pecado, o bem-estar de seus
habitantes, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sadia qualidade de vida,
dentre outros princípios elencados nos arts. 182 e 225, ambos da Carta Maior.
Logo, ponderando-se os dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais em análise, chega-se à inexorável conclusão de que a
única forma de se evitar a continuidade das agressões urbanísticas e
ambientais relatadas é a prolação de ordem judicial compelindo o Município
réu a suspender, no bairro Praia do Pecado (Vivendas da Lagoa e Morada
das Garças), a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás
de licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos
de consulta de viabilidade referentes a obras de construção, reconstrução,
ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
21
multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, até
que o Poder Público confira cumprimento ao art. 243, VII, “a”, do Plano
Diretor, isto é, crie lei Municipal, dentro dos limites de suas atribuições
constitucionais, definindo os empreendimentos e as atividades privadas ou
públicas na área urbana que dependerão da elaboração de Estudo Prévio de
Impacto de Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de
Vizinhança – RIV, para obter licença ou autorização para parcelamento,
construção, ampliação, renovação ou funcionamento, bem como os
parâmetros e os procedimentos a serem adotados para a sua avaliação.
Em caso similar, diante do desordenado adensamento
populacional do bairro Jardim Icaraí, em Niterói, a 6ª Vara Cível da comarca do
dito município, nos autos do processo 1047585-40.2011.8.19.0002, decidiu da
seguinte forma:
1) D.R.A 2) Trata-se de ação civil pública, com requerimento de antecipação dos
efeitos da tutela, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em
face do Município de Niterói, na qual pretende o autor seja compelido o réu a não
aprovar empreendimentos e construções de grande porte no bairro Jardim Icaraí,
tendo em vista o impacto negativo que o imenso número de construções no local
tem acarretado à população. Decido. É fato notório para quem vive na cidade de
Niterói a explosão imobiliária no bairro Jardim Icaraí, o que vem gerando impacto
notável no trânsito e na prestação dos serviços públicos, que não acompanharam o
crescimento populacional. Em que pese a importância da construção civil para
aquecimento da economia, em especial através da geração de empregos, é certo
que há necessidade de um correto planejamento urbanístico, evitando-se, com
isso, o desordenado crescimento. Ao aumento populacional deve corresponder a
incrementação dos serviços públicos, assim como remodelação do sistema de
tráfego de veículos e pessoas, propiciando-se o desenvolvimento de forma
harmônica, fato que não se verifica na situação retratada nos autos. O inquérito civil
instaurado pelo Ministério Público sinaliza os impactos negativos
experimentados pela população do já referido bairro, na medida em que
revela que o adensamento populacional não é condizente com a
infraestrutura urbana e espacial, o que enseja prejuízo à qualidade de vida de
seus habitantes. Posta a questão nestes termos, tem-se que a antecipação dos
efeitos da tutela está autorizada quando houver risco de dano irreparável ou de
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
22
difícil reparação, caso a parte tenha que aguardar a solução do processo, devendo
ocorrer verossimilhança das alegações por ela formuladas e reversibilidade do
provimento. Conforme já ressaltado, a petição inicial da ação civil pública veio
acompanhada de inquérito civil no qual resta apurado o crescimento desordenado
no bairro Jardim Icaraí, sem que o mesmo tenha infraestrutura para suportá-lo,
acarretando prejuízos à população. Evidente, portanto, a verossimilhaça das
alegações constantes da petição inicial e o receio de dano irreparável. Quanto ao
provimento antecipado, tenho que plenamente reversível, na medida em que
vencido o autor, ao final, poderá ser retomado o estado anterior. Ademais, não
haverá paralisação da atividade empresarial imobiliária, mas tão somente
necessidade de se adequar às regras do Plano Urbanístico. Assim, presentes os
requisitos legais, defiro a antecipação dos efeitos da tutela para determinar
ao réu que aprove previamente o Estudo de Impacto de Vizinha (EIV) para
todos os empreendimentos imobiliários de grande porte (residencial
multifamiliar e comercial), com mais de seis pavimentos, no Jardim Icaraí,
integrante da Região Icaraí, no trecho correspondente às frações urbanas IC-
17, IC-16-A, 1C 16-B e IC-18, como condição para a licença de construção, a
partir da intimação da presente, até seu julgamento final, ou posterior
revogação da ordem, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais). Intimem-se. 3) Cite-se, na forma da lei.
V.4 – OS DANOS PRATICADOS E SUA CORRETA REPARAÇÃO
A omissão aqui anunciada, como se viu, causou danos sociais
que devem ser devidamente reparados, independentemente de culpa em sentido
amplo.
Ora, ao deixar de contemplar e exigir o EIV – Estudo de Impacto
de Vizinhança, incorre o réu em omissão passível de adequação, que provoca
sérios e gravosos danos à população.
Conforme foi constatado durante o inquérito civil e se pode
facilmente verificar pela realidade local, sendo fato público e notório, a região e
toda a cidade sofrem com a expressiva e célere aprovação de prédios
residenciais, merecendo então a devida proteção judicial.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
23
Em havendo violação de direitos como os aqui defendidos, o
Ministério Público tem por função buscar a obtenção da tutela específica,
instrumento de extrema importância jurídica que vem grafado em dois relevantes
diplomas legais: no CPC – art. 461 e no CDC – art. 84, respectivamente
aplicáveis à ação civil pública por força dos artigos 19 e 21 da Lei nº 7.347/85.
Com ele se pretende mesmo a efetiva e específica prestação
conferida em lei, mormente em se tratando de interesses e direitos
metaindividuais de cunho nitidamente social, como são as normas urbanísticas e
de proteção ao patrimônio público, moral e materialmente.
Portanto, o Ministério Público quer ver cumprida a sua
pretensão estampada na petição inicial, impedindo e coibindo os danos que
venham a ser experimentados ainda mais pela população atingida, somente
havendo conversão em perdas e danos em último caso.
Kazuo Watanabe, um dos integrantes da proposta do
anteprojeto do Código do Consumidor, realça o alcance da norma:
“A conversão da obrigação em perdas e danos somente se
dará em último caso, quando jurídica ou materialmente
impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado
prático correspondente.” (em CDC – Comentário pelos
autores do anteprojeto, Ed. Forense Universitária, 5ª ed.,
pág. 654).
E em se tratando de direitos indisponíveis, incabível qualquer
opção do autor, aliado ao fato de que a sociedade espera mesmo o cumprimento
das obrigações que estão previstas em lei.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
24
Mesmo que, em hipótese remota, sejam construídos novos
empreendimentos imobiliários no bairro sem o devido EIV, contrariando a
pretensão aqui deduzida, nada impede que seja convertida a condenação em
perdas e danos, a ser revertida em benefício dos impactos negativos causados
nessa área específica.
A conversão em pecúnia deverá ensejar a transferência para
o Fundo Municipal de Urbanismo, com finalidade específica para o bairro objeto
desta ação, visando a recomposição dos danos causados e minimizando esses
impactos para a população local, adotando-se medidas eficazes de política
urbana.
Na visão do Ministério Público a conduta do réu enseja
também indenização por danos morais coletivos, na medida em que a população
se submeteu a intensos impactos que poderiam ter sido evitados, fazendo com
que a sociedade sofra grave abalo em razão de sua conduta ilegal e lesiva.
O Prof. Hugo Nigro Mazzilli bem elucida:
“Os danos indenizáveis não são apenas os materiais. A
Constituição admite a defesa da moralidade administrativa, o CDC
cuidou da efetiva prevenção e reparação de danos morais; a
própria LACP permite a propositura de ações civis públicas em
virtude de danos morais. Assim, na lesão ao patrimônio cultural,
por exemplo, não se pode afastar em tese o cabimento de
indenização também como satisfação à coletividade pelo
sentimento jurídico violado.(...) Mesmo quando impossível
restaurar diretamente o bem ou o valor atingido, será cabível
condenação em pecúnia, e o produto reverterá para o fundo da
LACP. Sua adequada aplicação permitirá a conservação ou
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
25
restauração de outros bens e valores compatíveis. Não há
critérios legais para avaliar os danos; deveremos tentar avaliá-los
sempre com vistas à reparação in natura, ou seja, buscando a
restitutio in integrum.”
O arbitramento judicial deverá contemplar o valor correspondente
ao impacto negativo provocado no bairro a partir do ajuizamento desta ação, tanto
no aspecto moral, pelo sofrimento experimentado pela sociedade com as
agressões sofridas, como também pelo dano material intercorrente, valor
correspondente ao dano no período compreendido entre a data do ajuizamento
desta ação, e a do comportamento do réu em eventualmente conceder novas
autorizações e ou licenças construtivas no bairro da Praia do Pecado sem o
devido EIV.
V.5 - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PLEITEADA
Sobre o fumus boni iuris acredita o Ministério Público que
toda a extensa fundamentação aqui lançada não deixa margem de dúvida sobre a
total ilegalidade e lesividade na conduta omissiva do réu, ensejando a aprovação
de número cada vez mais crescente de construções, com impactos significativos
no bairro.
As provas produzidas e os fundamentos de fato e de direito
reunidos nesta ação, estão a indicar que a sociedade apresenta bom direito a
agasalhar a sua pretensão.
Inconcebível, data venia, permitir que, diante da mora
legislativa, um instrumento de significativa importância deixe de ser aplicado para
empreendimentos que efetivamente causem impactos negativos na vizinhança,
ressaltando-se que a exigência do EIV é medida extremamente necessária para a
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
26
questão urbanística e do ordenamento da cidade, mormente com a demonstração
dos impactos negativos sentidos pela população do bairro da Praia do Pecado.
Por outro lado, o periculum in mora decorre da própria
necessidade de se manter a sadia qualidade de vida da população, permitindo
que seja colocado cobro à violenta ação de mercado no bairro, submetido à
aprovação indiscriminada de construção de empreendimentos imobiliários à
revelia de EIV, colocando em risco a política urbana da região, que somente
poderá ser recomposta no futuro por pesados investimentos públicos.
É espantoso, porém, que a despeito do caótico cenário
urbanístico verificado no bairro Praia do Pecado, o Município publicou em
11.07.13 o Decreto Municipal nº 139/2013, o qual, atendendo a solicitações
apresentadas por construtores da cidade, instituiu a simplificação de
análise de processos para licenciamento de projetos voltados à construção
no município, tendo como meta a liberação de projetos em até 60 dias. Tal
decreto obteve ampla repercussão na mídia local ( vide fls 173/173B).
Não se olvida da necessidade do crescimento da cidade e
dos benefícios econômicos que dele possam advir, mas este deve ser
realizado de forma sustentável, sob pena de servir apenas para favorecer os
empreendedores e construtores e eventualmente políticos inescrupulosos e
preocupados apenas com os rumos de suas campanhas políticas e de seus
interesses pessoais.
Sobre a concessão de liminares em ação civil pública, felizes as
expressões do Prof. Mancuso:
“(...) Escusado lembrar que o cumprimento específico da
obrigação é fundamental no campo dos interesses
metaindividuais, onde a tradicional “conversão em perdas e
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
27
danos” jamais poderá suprir a eficácia da prestação não adimplida
in concreto (pense-se, por exemplo, numa condenação ao
replantio de área devastada, ou à limpeza das águas
contaminadas por derramamento de óleo). Nesse sentido, avulta
em importância a concessão de liminares e cautelares na ação
civil pública, por seu poder de impedir a concretização do dano
temido.(...)” (Rodolfo de Camargo Mancuso, em Ação Civil
Pública, Ed. RT, 6ª ed., págs. 172/173).
Além disso, nenhum prejuízo direto acarretará a medida, inclusive
ao ponto de causar instabilidade às empresas e a economia da cidade, primeiro
porque é restrita ao bairro impactado, segundo porque permite o prosseguimento
dos empreendimentos já aprovados, terceiro porque as construtoras atuam em
vários municípios e quarto porque o empreendimento poderá ser licenciado desde
que aprovado o EIV. E mais, não haverá reflexos insuportáveis na oferta de
emprego na cidade, porque os empregos atendem também e principalmente aos
Municípios vizinhos, que podem aquecer sua economia, além, é claro, de ser
possível o direcionamento da mão-de-obra para outras áreas ainda não
impactadas.
Ademais, a medida destina-se a adequar as construções no
bairro em conformidade com o EIV, de forma a contemplá-las à realidade local e
atendendo aos anseios da sociedade, proporcionando a correção dos erros
evidenciados pela falta de planejamento e licenciamentos indiscriminados.
Para o Município não haverá espaço sequer para alegar
prejuízo com a decisão, uma vez que apenas deverá cumprir, ainda que com
atraso de mais de cinco anos, a obrigação estabelecida no Plano Diretor, isto é,
criar lei que discipline o EIV (art .243, VII, “a”).
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
28
Dessa forma, entende o Ministério Público ser cabível, viável e
necessária a concessão parcial e antecipada da tutela pretendida compelindo o
Município réu a suspender, no bairro Praia do Pecado (Vivendas da Lagoa e Morada
das Garças), a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás de
licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos de consulta
de viabilidade referentes à obras de construção, reconstrução, ampliação, reforma,
trasladação e/ou demolição de edificações multifamiliares, comerciais e/ou de
escritórios, de qualquer natureza, até que o Poder Público confira cumprimento ao
art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, isto é, crie lei Municipal que discipline o EIV.
DOS PEDIDOS
Requer assim o Ministério Público, do que foi exposto:
1) a distribuição da presente ação;
2) LIMINARMENTE, inaudita altera pars, seja concedida a
ANTECIPAÇÃO PARCIAL DA TUTELA conforme item “V.5” acima, visando a
compelir o Município réu a suspender, em todo o bairro Praia do Pecado
(Vivendas da Lagoa e Morada das Garças – fl. 266), a autorização de projetos
construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e
processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes a obras
de construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição
de edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer
natureza, até que o Poder Público confira cumprimento ao art. 243, VII, “a”, do
Plano Diretor, isto é, crie lei Municipal definindo os empreendimentos e as
atividades privadas ou públicas na área urbana que dependerão da elaboração
de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de
Impacto de Vizinhança – RIV, para obter licença ou autorização para
parcelamento, construção, ampliação, renovação ou funcionamento, bem como
os parâmetros e os procedimentos a serem adotados para a sua avaliação, sob
pena de multa de R$ 500.000,00 (quinenhtos mil reais) por cada
descumprimento;
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
29
3) a citação do réu para, querendo, contestar a presente;
4) ao final, seja julgado procedente o pedido para:
4.1) confirmar a antecipação da tutela requerida, visando a
compelir o Município réu a suspender, em todo o bairro Praia do Pecado (Vivendas
da Lagoa e Morada das Garças – fl. 266), a autorização de projetos construtivos,
concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de
requerimentos de consulta de viabilidade referentes a obras de construção,
reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações
multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, até que o
Poder Público confira cumprimento ao art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, isto é, crie
lei Municipal definindo os empreendimentos e as atividades privadas ou públicas
na área urbana que dependerão da elaboração de Estudo Prévio de Impacto de
Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV, para
obter licença ou autorização para parcelamento, construção, ampliação, renovação
ou funcionamento, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem adotados
para a sua avaliação, sob pena de multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por
cada descumprimento;
4.2) condenar o réu a indenizar os prejuízos morais e materiais
sofridos pela coletividade em razão da sua omissão, em valor pecuniário a ser arbitrado
pelo Juízo, conforme item “V.4” acima, para ser revertido ao Fundo Municipal de
Urbanismo e Habitação a ser indicado oportunamente e visando aplicação em projetos
urbanísticos voltados para o bairro objeto desta ação;
5) a condenação do réu nos ônus da sucumbência, a serem
revertidos ao Fundo Especial do Ministério Público do RJ, nos termos da Lei Estadual nº
2.819/97, artigo 4º, inciso XII, e regulamentação pela Resolução GPGJ nº 801/98.
Protesta por todos os meios de prova em direito admitidos, a serem
especificados oportunamente, apresentando com a presente a prova documental relativa
ao inquérito civil nº 127/2013/MCE desta Promotoria de Justiça.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ
30
Dá-se à causa o valor R$ 10.000,00 (dez mil reais),
meramente para efeito do artigo 258 do CPC, uma vez que o correto valor
somente será conhecido em liquidação de sentença ou durante a instrução
processual.
Macaé, 18 de julho de 2013.
LUIZ FERNANDO AMOEDO
Promotor de Justiça
Mat. 3488
FERNANDA MATTIOLI VIEIRA BASTOS
Promotora de Justiça
Mat. 5800

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Ação Civil Pública contra o Município de Macaé por aprovação irregular de construções

  • 1. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE MACAÉ– RJ O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições legais, através dos Promotores de Justiça que esta subscrevem, vem, com fulcro no nos artigos 129, III, da Constituição Federal; 25, IV, b, da Lei 8.625/93; e 1º, IV, 4º e 5º, I, todos da Lei 7347/85, propor: A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A COM PEDIDO LIMINAR em face do MUNICÍPIO DE MACAÉ, pessoa jurídica de direito público interno, situado na Avenida Presidente Sodré, nº 534, Centro, nesta cidade, que deverá ser citado na forma do artigo 12, inciso II do Código de Processo Civil, pelos fatos e fundamentos adiante expostos: I - DO CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO A presente ação civil pública tem por objeto questões relevantes e diretamente relacionadas à defesa do patrimônio público e das regras urbanísticas.
  • 2. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 2 De forma ampla e incontestável, o art. 129, III, da atual Constituição da República prevê o cabimento da ação civil pública em tais hipóteses, com a expressa menção a “outros interesses difusos e coletivos”. A legislação infraconstitucional, seguindo a orientação superior, fez constar expressamente (art. 1º da Lei nº 7.347/85) as hipóteses de cabimento da ação civil pública, inserindo a defesa da ordem urbanística (inciso VI da Lei). II - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Os artigos 127 e 129 da Constituição da República conferiram ao Ministério Público a relevante função de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, considerando a Instituição como essencial à função jurisdicional do Estado, enumerando como função institucional a promoção do inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A legislação ordinária, sendo assim, permitiu ao Ministério Público a possibilidade de propor a ação civil pública (art. 5º, Lei nº 7.347/85), inclusive na defesa da ordem urbana. III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA O município réu vem aprovando indiscriminadamente os pedidos de licença para construção de edificações multifamiliares e comerciais no bairro Praia do Pecado (junção dos bairros Morada das Garças e Vivendas da Lagoa), em Macaé, o que vem provocando danos ao meio ambiente urbano e à qualidade de vida da população, olvidando, dessa forma, a necessária aplicação do principal instrumento de controle urbanístico da cidade, denominado Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV.
  • 3. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 3 IV - DOS FATOS O Bairro Praia do Pecado (junção dos bairros Vivendas da Lagoa e Morada das Garças) situa-se no município de Macaé, em uma estreita faixa entre a Lagoa de Imboassica, o mar e a restinga, sendo constituído basicamente por unidades residenciais. Dada a variedade de ecossistemas em seu entorno, o local consiste em uma das mais belas regiões da cidade e um dos pontos mais frequentados por turistas da região (vide fl. 56 e mapa de fl. 266). Em 05.06.13, a partir de representação formulada por moradores do bairro Praia do Pecado, pela AMMGAR e por representantes do movimento “Deixa o Sol Entrar”, foi instaurado nesta Promotoria de Justiça o Inquérito Civil nº 127/2013/MA/MCE, com o objetivo de apurar a ocorrência de violações urbanísticas no bairro. Os autores da representação noticiaram pessoalmente (fls. 10/11), bem como por meio de documentos (fls. 12/152 e 167/168), que o bairro é alvo de intensa especulação imobiliária, adensamento populacional desordenado e de notória perda de qualidade de vida, já que o Município réu vem autorizando e licenciando construções de empreendimentos comerciais e multifamiliares de forma indiscriminada1 , ou seja, sem observar as diretrizes traçadas no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), especialmente no que tange à exigência de ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV . 1 É oportuno informar que tramita na 2ª PJTC deste núcleo o Inquérito Civil nº 079/2005/MA/MCE, no qual se apura os impactos ao meio ambiente causados por determinados empreendimentos imobiliários supostamente irregulares, construídos na faixa de orla entre a Praia Campista e Lagoa de Imboassica (alcançando, portanto, a orla do bairro Praia do Pecado), destacando-se que foi extraída cópia de parte dos referidos autos para a instrução do presente feito – fls. 175/264.
  • 4. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 4 IV.1 – DOS IMPACTOS URBANÍSTICOS VERIFICADOS NO BAIRRO PRAIA DO PECADO Nos documentos trazidos pelos noticiantes (fls. 12/152), foram nitidamente evidenciados alguns dos impactos urbanísticos causados pela inobservância de EIV no bairro: a) Adensamento populacional desordenado (vide Relatório GAP de fls. 218/227 e Estudo Técnico de fls. 56/71, de autoria do Engenheiro Sanitarista e Ambiental Bruno Duarte Azevedo, CREA – 2007141670, no qual se estima que no atual cenário o bairro poderá alcançar densidade demográfica 41% superior à densidade do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro / RJ); b) Deficiência da rede de esgoto – saneamento (vide fls. 31/32, 54/55, 56/71, 82/83, 136, 180 - item 2, 235, fotografias de fls. 184/186 e Estudo de fls. 137/142, de autoria do Professor Titular da UFRJ, Dr. Francisco de Assis Esteves, com o título “A degradação sanitária e ambiental da Lagoa Imboassica e sua relação com o aumento do gabarito dos prédios localizados em sua bacia hidrográfica”). c) Verticalização acentuada, com o consequente sombreamento da orla e insuficiência de ventilação entre as edificações (vide fls. 39, 72, 74, 75, 130, 132 e 144, 179 /180, 181 - item 4 e fotografias de fls. 191/198); d) Saturação da mobilidade urbana - transporte, estacionamento e circulação (vide fls. 17/18, 39/40, 180/181, item 3, e 50). e) Excessiva impermeabilização do solo (vide fl. 16 e 38).
  • 5. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 5 Tais documentos relatam, ainda, o histórico legislativo do município, bem como dos protestos e reivindicações sociais quanto aos impactos urbanísticos no bairro, destacando-se que: a) Em 19.12.2001, por meio da Lei 2.185/01 (vide fls. 29/30), foi alterado o gabarito das edificações do bairro (que até então era de 10 metros), permitindo-se construções de até 20 (vinte) metros, contados a partir do nível do eixo da via, inexistindo gestão democrática no referido processo legislativo; b) Em 28.12.06, entrou em vigor o Plano Diretor de Macaé (vide apenso I), o qual no art. 207 (fl. 139) enumerou o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV como principal instrumento de Controle Urbano e Ambiental, salientando-se que o art. 243, VII, “a” (fl. 155) estabeleceu como prioridade a criação de lei, no prazo de 01 ano, que definisse os empreendimentos que dependeriam de EIV para obter licença ou autorização para construção. A despeito do prazo de 01 ano conferido pelo art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, a lei que disciplina o EIV até a presente data não foi criada; c) Já em 03.03.2010, passou a vigorar o então novo Código de Urbanismo, mantendo-se para o bairro do Pecado (Vivendas da Lagoa e Morada das Garças) o gabarito de 20 (vinte) metros (vide fl. 95 do “apenso II”), sendo novamente ignorada a participação democrática na discussão do tema;
  • 6. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 6 d) As fotografias de fls. 35 e 65/71 demonstram o espantoso progresso das edificações no bairro no período compreendido entre 2003 a 2011; e) Objetivando a preservação urbanística, moradores e associações civis do bairro realizaram reuniões com o Poder Público em 13.02.12, 23.02.12, 30.06.12, em março de 2013, 10.04.13, 12.04.13, 18.04.13 e, finalmente, uma audiência pública em 26.04.13, com a participação de representantes dos Poderes Legislativo e Executivo Municipal (vide fls. 41/48); IV.2 – DA EDIÇÃO DOS DECRETOS nº 72/2013 E 139/2013 Em 29.04.13, isto é, 03 dias após a audiência pública em referência no item “e” supra, o Município editou o DECRETO nº 72/2013, com o seguinte teor (fl. 131): “Dispõe sobre a suspensão temporária de concessão de alvará de licença e autorizações construtivas, para a orla marítima do município nos lotes limítrofes à Rua José Passo de Souza Júnior, localizada no loteamento Morada das Garças e à Avenida Atlântica em toda sua extensão, incluindo os loteamentos Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia Campista. Considerando o deliberado em Audiência Pública realizada no dia 26.04.13 na Câmara Municipal de Macaé; Considerando a dimensão dos atuais problemas urbanos de Macaé, resultado principalmente da deficiência de infraestrutura correspondente ao ritmo crescente do aumento populacional concentrado em determinadas áreas da cidade, e levando em consideração o adensamento construtivo pré- existente em alguns setores do município; Considerando a necessidade de determinação de parâmetros urbanísticos específicos em conformidade com Plano Diretor Municipal (Lei Complementar nº 76/2006), visando o planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social da cidade; Considerando a notória perda de qualidade de vida provocada por problemas cotidianos como deficiências de transporte coletivo e insuficiência de infraestruturas básicas como fornecimento de água, esgoto e até energia
  • 7. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 7 elétrica, aliados igualmente à ausência de áreas verdes e ao comprometimento do meio ambiente em que se insere a cidade; Considerando que a verticalização acentuada em áreas próximas ao litoral do município vem provocando sombreamento das praias, saturação da mobilidade urbana, formação de “ilhas de calor” com formação de “paredões” ao longo de toda a orla; Considerando a ausência de estudos mínimos de capacidade de carga e limites de saturação populacional, bem como a ausência de correlação entre as aprovações em andamento e a capacidade real dos recursos naturais, agravada nos últimos anos por alterações climáticas significativas; Considerando que a atividade urbanística a ser executada pelo Poder Público Municipal se refere aos aspectos de planejamento urbanístico, à ordenação e regime do solo, à execução das urbanificações e à intervenção no uso do solo e na edificação pelos particulares; Considerando a ausência de iniciativas referentes aos estudos de vizinhança por parte do Município, bem como o desconhecimento dos critérios técnicos utilizados em aprovações sumárias e/ou que não foram examinadas detalhadamente no âmbito dos órgãos municipais que possuam relação com a matéria aqui abordada; Considerando o disposto no Plano Diretor municipal (Lei Complementar nº 76/2006), bem como na Constituição da República Federativa do Brasil, no Estatuto das Cidades, na legislação ambiental e nos demais dispositivos que regem a matéria, o Prefeito do Município de Macaé, no uso de suas atribuições legais decreta: art. 1º Fica determinada a suspensão por 90 dias, podendo ser prorrogada por igual período, caso haja a necessidade, a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes à obras de construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, para a orla marítima do município nos lotes limítrofes à Rua José Passo de Souza Júnior, localizada no loteamento morada das Garças, e à Avenida Atlântica em toda a sua extensão, incluindo os loteamentos Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia Campista. Parágrafo Único: Consideram-se limítrofes os lotes que possuem testada frontal, lateral ou de fundos para as vias especificadas no caput do artigo. Art. 2º Ficará a cargo da Procuradoria-Geral do Município disciplinar questões específicas referentes ao cumprimento deste decreto, onde propiciará auxílio e orientação para o cumprimento no disposto no caput deste artigo, através de ato de sua competência, mediante provocação por escrito. Art. 3º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação. Em 29.04.2013”.
  • 8. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 8 O aludido Decreto, publicado há menos de 03 (três) meses, se afigura como verdadeiro atestado de culpa por parte do Município, tendo sido expressamente admitido que as licenças e/ou autorizações construtivas no Bairro do Pecado foram concedidas à revelia de “estudos de vizinhança por parte do Município”, sendo asseverado “o desconhecimento dos critérios técnicos utilizados em aprovações sumárias e/ou que não foram examinadas detalhadamente no âmbito dos órgãos municipais” e, ainda, a “ausência de estudos mínimos de capacidade de carga e limites de saturação populacional e ausência de correlação entre as aprovações em andamento e a capacidade real dos recursos naturais, agravada nos últimos anos por alterações climáticas significativas”. Apesar das absurdas constatações manifestadas pelo próprio Chefe do Poder Executivo Municipal, os efeitos suspensivos de licenciamentos e/ou autorizações do aludido decreto inexplicavelmente contemplaram apenas os lotes limítrofes à orla marítima, excluindo de sua abrangência os lotes situados na área “continental” do bairro. Tal restrição tornou inócuo o objetivo que, ao menos em tese, o Município réu pretendia alcançar, qual seja, amenizar a grave situação urbanística vivenciada no bairro como um todo. Em outras palavras, tratou-se de um decreto “para inglês ver”, talvez engendrado com o fim de amenizar a pressão social sobre o Poder Público sem desagradar os interesses econômicos do empresariado do ramo da construção civil. E o pior: a despeito do caótico cenário urbanístico no bairro Praia do Pecado, foi publicado em 11.07.13 o Decreto Municipal nº 139/2013, o qual, atendendo a solicitações apresentadas por construtores da cidade, instituiu a simplificação de análise de processos para licenciamento de projetos voltados à construção no município, tendo como meta a liberação de projetos em até 60 dias. Tal decreto obteve ampla repercussão na mídia local e regional (vide fls. 173/173B).
  • 9. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 9 .V – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO O planejamento urbano e as próprias regras que compõem o direito urbanístico, denominado de meio ambiente artificial, decorrem da Constituição da República, conforme se observa nos artigos 24, I, e 182 e seguintes, dentre outros. Considerado um dos principais instrumentos de política urbana, o Plano Diretor rege a política urbana, atividade tipicamente municipal, devendo ser elaborado pelo Governo e aprovado pela Câmara, sendo obrigatório para cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes. Além das diversas figuras jurídicas criadas, tais como desapropriação, usucapião, parcelamento compulsório, a Constituição da República deixou certa margem de liberdade aos Municípios disciplinarem – observada a competência legislativa concorrente – o ordenação do solo e o bem- estar de seus habitantes. Anunciou, todavia, que o direito de propriedade deve ser exercido de forma a atender a sua função social, considerado inclusive como direito fundamental (artigo 5º, XXIII). E mais precisamente, pontificou que a propriedade urbana cumpre sua função social quando cumpre as regras de ordenação da cidade contidas no plano diretor (artigo 182, § 2º). V.1 – DO ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA - EIV Dentre os instrumentos de proteção urbanística, o Estatuto da Cidade criou o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV, destinado a contemplar os impactos positivos e negativos de empreendimentos em relação à qualidade de vida da população do local e das proximidades – art. 37 do Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/01.
  • 10. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 10 O mesmo diploma legislativo traçou as seguintes diretrizes gerais de ordenamento urbano: “Art. 2 o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; (...) IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; (...) VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: (...) d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; (...) f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; (...) VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a
  • 11. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 11 privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; (...) XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; (...) Art. 4 o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III – planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) (...) VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA (EIV).” Pela relevância e importância dos ensinamentos, vale a transcrição do Prof. Celso Fiorillo sobre o assunto: “Mais importante instrumento de atuação no meio ambiente artificial na perspectiva de assegurar a dignidade da pessoa humana (art. 12, III, da Constituição Federal), o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) tem como objetivo compatibilizar a ordem econômica do capitalismo (arts. 1º, IV, e 170 da Constituição Federal) em face dos valores fundamentais ligados às necessidades de brasileiros e estrangeiros residentes no país justamente em decorrência do trinômio vida - trabalho - consumo. O EIV segue necessariamente os critérios impostos pelo art. 225, IV, da Constituição Federal, o que se traduz em instrumento de natureza jurídica constitucional. Daí ser despicienda, por inconstitucional, a primeira parte do art. 36 do Estatuto da Cidade, que condiciona os empreendimentos e atividades privados ou públicos sujeitos ao estudo à "lei municipal", posto que a exigência do estudo se estabelece, ainda que na forma da lei, para qualquer instalação de obra ou
  • 12. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 12 atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. Destarte, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) deverá sempre ser executado observando-se, antes dos critérios legais, ou seja, dos critérios específicos elaborados pelo Estatuto, algumas exigências prévias de índole constitucional, a saber: 1) O Poder Público Municipal tem incumbência de exigir o EIV tanto para instalação de obra como para instalação de atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental; 2) O EIV será sempre necessariamente prévio à instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental; 3) Será sempre dada publicidade ao EIV, enquanto estudo complexo realizado por equipe multidisciplinar, observando-se particularmente no âmbito da Carta Magna a diretriz fixada no art. 12, II, que assegura o fundamento da cidadania como constitutivo do Estado Democrático de Direito e que terá desdobramentos na Lei n. 10.257 em face da gestão democrática da cidade. O EIV evidencia sua existência no princípio da prevenção do dano ambiental, decorrendo, portanto, da idéia antes fixada, sua essência preventiva. O conteúdo do EIV deverá ser executado de forma a contemplar tanto os efeitos positivos como os negativos do empreendimento ou atividade e tem como objetivo explícito a tutela da qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades (art. 37, caput), ou seja, a que habita tanto os bairros regulares como irregulares. As questões indicadas nos incisos I a VII do art. 37 estabelecem o conteúdo mínimo do EIV; trata-se de previsão de diagnóstico da situação ambiental presente (meio ambiente cultural, meio ambiente artificial, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural), antes da implantação da obra ou atividade, possibilitando fazer comparações com as alterações que ocorrerão posteriormente, caso a obra ou atividade venha a ser autorizada. Elaboradas as previsões necessárias com a indicação de eventuais medidas mitigadoras do impacto, será necessária a elaboração de um programa de acompanhamento e monitoramento destas. Vale fixar que cabe ao proponente do projeto (obra ou atividade) o dever de arcar com as despesas necessárias. O EIV deve ser realizado por equipe técnica multidisciplinar, que contará com todos os profissionais ligados às questões sublinhadas pelos incisos I a VII do art. 37, profissionais estes que avaliarão os impactos positivos e negativos indicados no caput do art. 37. A responsabilidade civil do Poder Publico Municipal, fixada por força do art. 225, § 111, IV, é idêntica às demais hipóteses da responsabilidade constitucional por força de lesão ou ameaça aos bens ambientais, sendo certo que podemos transportar para o EIV todo o
  • 13. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 13 regime jurídico do EIA.” (em Curso de Direito Ambiental Brasileiro, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Ed. Saraiva, 1ª ed., pág. 286/287). Em Macaé, em atendimento ao disposto no art. 182, § 1º, da Constituição da República, foi criado o Plano Diretor por meio da Lei Complementar nº 076/2006 (Apenso I), tendo o mesmo recebido a seguinte conceituação legal: “Art. 2º O Plano Diretor é instrumento global e estratégico da política municipal de desenvolvimento social, urbano, econômico, ambiental e dos serviços de utilidade pública do município de Macaé, determinante todos os agentes públicos e privados que atuam no município, tendo como objetivo fundamental definir o conteúdo das políticas públicas, da função social da cidade e da propriedade urbana, de forma a garantir o acesso à terra urbanizada e regularizada, o direito à moradia, ao saneamento básico, aos serviços urbanos públicos, ao transporte, ao trabalho, à educação, às culturas, à saúde, ao lazer, ao meio ambiente para as presentes e futuras gerações, voltado para implementar uma gestão democrática e participativa, com vistas a reduzir as desigualdades sociais e promover a elevação da qualidade de vida. É oportuno destacar que o Plano Diretor prestigia o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança como o principal instrumento de controle urbano e ambiental da cidade: “Art. 207 – Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança é o principal instrumento de Controle Urbano e Ambiental. Parágrafo único – O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV, serão executados de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e
  • 14. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 14 suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões: I – adensamento populacional; II – equipamentos urbanos e comunitários; III – uso e ocupação do solo; IV – valorização imobiliária; V – geração de tráfego e demanda de transporte público; VI – ventilação e iluminação e sombreamento; VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural; VIII – poluição ambiental; IX – risco à saúde e à vida da população”. V.2 – DO DESCUMPRIMENTO DO PRAZO PARA A CRIAÇÃO DA LEI QUE DISCIPLINE O EIV: No título referente às disposições gerais e transitórias do Plano Diretor, foram estabelecidos prioridades e prazos para execução pelo Poder Público Municipal, sendo de fundamental relevância colacionar o seguinte dispositivo: “Art.243 – Ficam estabelecidas as seguintes prioridades e prazos para execução e cumprimento pelo Poder Público Municipal: (...) VII – Quanto aos instrumentos: a) Criar Lei Municipal, dentro dos limites de suas atribuições constitucionais, definindo os empreendimentos e as atividades privadas ou públicas na área urbana que dependerão da elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV, para obter licença ou autorização para parcelamento, construção, ampliação, renovação ou
  • 15. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 15 funcionamento, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem adotados para a sua avaliação, dentro do prazo de 1 (um) ano contado do início da vigência desta Lei”. Apesar de o Plano Diretor estabelecer como prioridade a criação de Lei Municipal que discipline o Estudo Prévio de Impacto de Vizinho - EIV, o que deveria ter ocorrido no prazo de um ano a partir vigência daquele diploma legislativo, isto é, até 28.12.07, o Poder Público de Macaé ainda não cumpriu sua obrigação. E tal conduta omissa do Poder Público Municipal traz como grave consequência a impossibilidade de exigência de EIV para autorizações e licenciamentos de construção, na medida em que não foram disciplinadas as hipóteses em que tal estudo será necessário. O próprio Código de Urbanismo de Macaé (Lei Complementar 141/2010), ao tratar do EIV, esbarra no óbice causado pela mora legislativa municipal: “Art. 188 Será exigido o EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança para análise da viabilidade de construção, implantação e funcionamento de empreendimento ou atividade, em determinada área urbana, com a finalidade de previsão dos impactos positivos e negativos que o mesmo poderá ocasionar à qualidade de vida e ao bem estar dos que residem na área do entorno. (...) § 3º Lei municipal definirá, além de outros fatores, os tipos de empreendimentos ou atividades que estarão sujeitos ao EIV, os aspectos a serem analisados e as medidas que deverão ser adotadas em função da aplicação dos princípios da prevenção e da precaução”.
  • 16. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 16 Nesse contexto, é possível verificar uma ligação direta entre a mora legislativa e os danos ambientais e urbanísticos causados no bairro Praia do Pecado, os quais foram amplamente demonstrados nestes autos e, ademais, admitidos pelo próprio Município réu na fundamentação do Decreto 72/2013 (fls. 131): “Dispõe sobre a suspensão temporária de concessão de alvará de licença e autorizações construtivas, para a orla marítima do município nos lotes limítrofes à Rua José Passo de Souza Júnior, localizada no loteamento Morada das Garças e à Avenida Atlântica em toda sua extensão, incluindo os loteamentos Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia Campista. (...)Considerando a necessidade de determinação de parâmetros urbanísticos específicos em conformidade com Plano Diretor Municipal (Lei Complementar nº 76/2006), visando o planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social da cidade; Considerando a notória perda de qualidade de vida provocada por problemas cotidianos como deficiências de transporte coletivo e insuficiência de infraestruturas básicas como fornecimento de água, esgoto e até energia elétrica, aliados igualmente à ausência de áreas verdes e ao comprometimento do meio ambiente em que se insere a cidade; Considerando que a verticalização acentuada em áreas próximas ao litoral do município vem provocando sombreamento das praias, saturação da mobilidade urbana, formação de “ilhas de calor” com formação de “paredões” ao longo de toda a orla; Considerando a ausência de estudos mínimos de capacidade de carga e limites de saturação populacional, bem como a ausência de correlação entre as aprovações em andamento e a capacidade real dos recursos naturais, agravada nos últimos anos por alterações climáticas significativas; Considerando que a atividade urbanística a ser executada pelo Poder Público Municipal se refere aos aspectos de planejamento urbanístico, à ordenação e regime do solo, à execução das urbanificações e à intervenção no uso do solo e na edificação pelos particulares; Considerando a ausência de iniciativas referentes aos estudos de vizinhança por parte do Município, bem como o desconhecimento dos critérios técnicos utilizados em aprovações sumárias e/ou que não foram examinadas detalhadamente
  • 17. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 17 no âmbito dos órgãos municipais que possuam relação com a matéria aqui abordada; Considerando o disposto no Plano Diretor municipal (Lei Complementar nº 76/2006), bem como na Constituição da República Federativa do Brasil, no Estatuto das Cidades, na legislação ambiental e nos demais dispositivos que regem a matéria, o Prefeito do Município de Macaé, no uso de suas atribuições legais decreta: art. 1º Fica determinada a suspensão por 90 dias, podendo ser prorrogada por igual período, caso haja a necessidade, a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes à obras de construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, para a orla marítima do município nos lotes limítrofes à Rua José Passo de Souza Júnior, localizada no loteamento morada das Garças, e à Avenida Atlântica em toda a sua extensão, incluindo os loteamentos Vivendas da Lagoa, Cavaleiros e Praia Campista.(...) Em 29.04.2013”. Caso o Poder Público houvesse cumprido suas obrigações no prazo estabelecido no 243, VII, “a”, do Plano Diretor, a exigência de EIV teria prevenido grande parte dos danos ambientais e urbanísticos acima relatados, já que, nos termos do art. 207 do referido diploma legal, questões como adensamento populacional, uso e ocupação do solo, geração de tráfego e demanda de transporte público, ventilação, iluminação, sombreamento, paisagem urbana, patrimônio natura, poluição ambiental, dentre outras, seriam condicionantes à autorização e licenciamentos construtivos. Ainda que com atraso de mais 05 (cinco) anos, lamentavelmente inexiste perspectiva de que o Poder Público discipline a matéria. Muito pelo contrário. Senão vejamos. No curso desta investigação, foram expedidos 03 (três) ofícios à Prefeitura (vide fls. 158/159, 163, 165 e 170), um deles recebido pelo próprio Prefeito (fl. 170), requisitando informações quanto à exigência de EIV para a
  • 18. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 18 construção de algum dos empreendimentos no Bairro da Praia do Pecado (Morada das Garças e Vivendas da Lagoa), sendo certo que a municipalidade ignorou as requisições, não respondendo os ofícios (vide certidões de fls. 163vº, 164, 169vº e 265)2 . Por coincidência, em 11.07.13, ou seja, uma semana após pessoalmente receber o ofício de fl. 170, o Chefe do Poder Executivo Municipal publicou o Decreto nº 139/2013, o qual instituiu a simplificação de análise de processos para licenciamento de projetos voltados à construção na cidade, tendo como meta a liberação de projetos em até 60 dias (vide reportagens de fls., 173/173B). Já a Câmara Municipal de Macaé recebeu ofícios para que informasse sobre o eventual trâmite de projeto de lei que disciplinasse o EIV, nos termos do art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor (vide fls. 158, 161 e 164). Da mesma forma que a Prefeitura, a Câmara não respondeu os ofícios (vide certidão de fls 163vº, 164, 169vº). V.3 – DA NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO Ao furtar-se a cumprir o prazo estabelecido no art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, deixando de disciplinar o EIV, o Município réu torna letra morta toda a legislação federal e municipal que trata do mais importante instrumento de controle urbano e ambiental da cidade (art. 2º, IV, art. 4º, VI, e art. 37, todos da Lei 10.257/01; art. 207 do Plano Diretor e art. 188 do Código de Obras), tendo como consequência as já relatadas agressões urbanísticas no bairro Praia do Pecado. 2 Diante da omissão no tocante às respostas de ofícios, foram extraídas cópias dos autos a fim de apurar possíveis prática de atos de improbidade administrativa (Lei 8.429/92), bem como de hipótese de crime (art. 10 da Lei 7.347/85) por parte do Prefeito Municipal.
  • 19. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 19 Ainda mais grave, a aludida inércia estatal viola frontalmente os seguintes princípios estabelecidos na Constituição da República: “Art. 182 A Política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...) Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Em lição lapidar, averbou CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: "Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada." (Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, Malheiros, 2000, p. 748). No que tange à omissão normativa ambiental, colaciona-se a doutrina do Professor J. J. Gomes Canotilho:
  • 20. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 20 “O Estado terá o dever de agir normativamente quando a edição de uma norma é condição indispensável à proteção do ambiente. As dificuldades operatórias das omissões normativas ambientalmente ecológicas não devem ser subestimadas. É óbvio que o Estado tem o dever geral de emanar normas indispensáveis à proteção de bens e direitos constitucionais. O problema está em derivar deste dever geral um dever concreto de normação e a forma de efetivar este último. Quando direitos fundamentais forem objeto de agressões irreparáveis ou de ameaça efetiva de lesões irreparáveis – e, tendencialmente os danos ao ambiente são muitas vezes irreversíveis – poder-se-ia falar de um dever de normação ambiental”. (Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada, p. 6-7). Se por um lado o Poder Judiciário não pode imiscuir-se na atividade legislativa (art. 2º da CRFB), determinando, por exemplo, que a Câmara Municipal legisle e discipline o EIV, por outro lado o Estado deve intervir no caso em concreto, impondo limites ao poder público a fim de garantir à coletividade o desenvolvimento social do bairro da Praia do Pecado, o bem-estar de seus habitantes, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sadia qualidade de vida, dentre outros princípios elencados nos arts. 182 e 225, ambos da Carta Maior. Logo, ponderando-se os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais em análise, chega-se à inexorável conclusão de que a única forma de se evitar a continuidade das agressões urbanísticas e ambientais relatadas é a prolação de ordem judicial compelindo o Município réu a suspender, no bairro Praia do Pecado (Vivendas da Lagoa e Morada das Garças), a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes a obras de construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações
  • 21. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 21 multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, até que o Poder Público confira cumprimento ao art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, isto é, crie lei Municipal, dentro dos limites de suas atribuições constitucionais, definindo os empreendimentos e as atividades privadas ou públicas na área urbana que dependerão da elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV, para obter licença ou autorização para parcelamento, construção, ampliação, renovação ou funcionamento, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem adotados para a sua avaliação. Em caso similar, diante do desordenado adensamento populacional do bairro Jardim Icaraí, em Niterói, a 6ª Vara Cível da comarca do dito município, nos autos do processo 1047585-40.2011.8.19.0002, decidiu da seguinte forma: 1) D.R.A 2) Trata-se de ação civil pública, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Município de Niterói, na qual pretende o autor seja compelido o réu a não aprovar empreendimentos e construções de grande porte no bairro Jardim Icaraí, tendo em vista o impacto negativo que o imenso número de construções no local tem acarretado à população. Decido. É fato notório para quem vive na cidade de Niterói a explosão imobiliária no bairro Jardim Icaraí, o que vem gerando impacto notável no trânsito e na prestação dos serviços públicos, que não acompanharam o crescimento populacional. Em que pese a importância da construção civil para aquecimento da economia, em especial através da geração de empregos, é certo que há necessidade de um correto planejamento urbanístico, evitando-se, com isso, o desordenado crescimento. Ao aumento populacional deve corresponder a incrementação dos serviços públicos, assim como remodelação do sistema de tráfego de veículos e pessoas, propiciando-se o desenvolvimento de forma harmônica, fato que não se verifica na situação retratada nos autos. O inquérito civil instaurado pelo Ministério Público sinaliza os impactos negativos experimentados pela população do já referido bairro, na medida em que revela que o adensamento populacional não é condizente com a infraestrutura urbana e espacial, o que enseja prejuízo à qualidade de vida de seus habitantes. Posta a questão nestes termos, tem-se que a antecipação dos efeitos da tutela está autorizada quando houver risco de dano irreparável ou de
  • 22. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 22 difícil reparação, caso a parte tenha que aguardar a solução do processo, devendo ocorrer verossimilhança das alegações por ela formuladas e reversibilidade do provimento. Conforme já ressaltado, a petição inicial da ação civil pública veio acompanhada de inquérito civil no qual resta apurado o crescimento desordenado no bairro Jardim Icaraí, sem que o mesmo tenha infraestrutura para suportá-lo, acarretando prejuízos à população. Evidente, portanto, a verossimilhaça das alegações constantes da petição inicial e o receio de dano irreparável. Quanto ao provimento antecipado, tenho que plenamente reversível, na medida em que vencido o autor, ao final, poderá ser retomado o estado anterior. Ademais, não haverá paralisação da atividade empresarial imobiliária, mas tão somente necessidade de se adequar às regras do Plano Urbanístico. Assim, presentes os requisitos legais, defiro a antecipação dos efeitos da tutela para determinar ao réu que aprove previamente o Estudo de Impacto de Vizinha (EIV) para todos os empreendimentos imobiliários de grande porte (residencial multifamiliar e comercial), com mais de seis pavimentos, no Jardim Icaraí, integrante da Região Icaraí, no trecho correspondente às frações urbanas IC- 17, IC-16-A, 1C 16-B e IC-18, como condição para a licença de construção, a partir da intimação da presente, até seu julgamento final, ou posterior revogação da ordem, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Intimem-se. 3) Cite-se, na forma da lei. V.4 – OS DANOS PRATICADOS E SUA CORRETA REPARAÇÃO A omissão aqui anunciada, como se viu, causou danos sociais que devem ser devidamente reparados, independentemente de culpa em sentido amplo. Ora, ao deixar de contemplar e exigir o EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança, incorre o réu em omissão passível de adequação, que provoca sérios e gravosos danos à população. Conforme foi constatado durante o inquérito civil e se pode facilmente verificar pela realidade local, sendo fato público e notório, a região e toda a cidade sofrem com a expressiva e célere aprovação de prédios residenciais, merecendo então a devida proteção judicial.
  • 23. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 23 Em havendo violação de direitos como os aqui defendidos, o Ministério Público tem por função buscar a obtenção da tutela específica, instrumento de extrema importância jurídica que vem grafado em dois relevantes diplomas legais: no CPC – art. 461 e no CDC – art. 84, respectivamente aplicáveis à ação civil pública por força dos artigos 19 e 21 da Lei nº 7.347/85. Com ele se pretende mesmo a efetiva e específica prestação conferida em lei, mormente em se tratando de interesses e direitos metaindividuais de cunho nitidamente social, como são as normas urbanísticas e de proteção ao patrimônio público, moral e materialmente. Portanto, o Ministério Público quer ver cumprida a sua pretensão estampada na petição inicial, impedindo e coibindo os danos que venham a ser experimentados ainda mais pela população atingida, somente havendo conversão em perdas e danos em último caso. Kazuo Watanabe, um dos integrantes da proposta do anteprojeto do Código do Consumidor, realça o alcance da norma: “A conversão da obrigação em perdas e danos somente se dará em último caso, quando jurídica ou materialmente impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.” (em CDC – Comentário pelos autores do anteprojeto, Ed. Forense Universitária, 5ª ed., pág. 654). E em se tratando de direitos indisponíveis, incabível qualquer opção do autor, aliado ao fato de que a sociedade espera mesmo o cumprimento das obrigações que estão previstas em lei.
  • 24. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 24 Mesmo que, em hipótese remota, sejam construídos novos empreendimentos imobiliários no bairro sem o devido EIV, contrariando a pretensão aqui deduzida, nada impede que seja convertida a condenação em perdas e danos, a ser revertida em benefício dos impactos negativos causados nessa área específica. A conversão em pecúnia deverá ensejar a transferência para o Fundo Municipal de Urbanismo, com finalidade específica para o bairro objeto desta ação, visando a recomposição dos danos causados e minimizando esses impactos para a população local, adotando-se medidas eficazes de política urbana. Na visão do Ministério Público a conduta do réu enseja também indenização por danos morais coletivos, na medida em que a população se submeteu a intensos impactos que poderiam ter sido evitados, fazendo com que a sociedade sofra grave abalo em razão de sua conduta ilegal e lesiva. O Prof. Hugo Nigro Mazzilli bem elucida: “Os danos indenizáveis não são apenas os materiais. A Constituição admite a defesa da moralidade administrativa, o CDC cuidou da efetiva prevenção e reparação de danos morais; a própria LACP permite a propositura de ações civis públicas em virtude de danos morais. Assim, na lesão ao patrimônio cultural, por exemplo, não se pode afastar em tese o cabimento de indenização também como satisfação à coletividade pelo sentimento jurídico violado.(...) Mesmo quando impossível restaurar diretamente o bem ou o valor atingido, será cabível condenação em pecúnia, e o produto reverterá para o fundo da LACP. Sua adequada aplicação permitirá a conservação ou
  • 25. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 25 restauração de outros bens e valores compatíveis. Não há critérios legais para avaliar os danos; deveremos tentar avaliá-los sempre com vistas à reparação in natura, ou seja, buscando a restitutio in integrum.” O arbitramento judicial deverá contemplar o valor correspondente ao impacto negativo provocado no bairro a partir do ajuizamento desta ação, tanto no aspecto moral, pelo sofrimento experimentado pela sociedade com as agressões sofridas, como também pelo dano material intercorrente, valor correspondente ao dano no período compreendido entre a data do ajuizamento desta ação, e a do comportamento do réu em eventualmente conceder novas autorizações e ou licenças construtivas no bairro da Praia do Pecado sem o devido EIV. V.5 - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PLEITEADA Sobre o fumus boni iuris acredita o Ministério Público que toda a extensa fundamentação aqui lançada não deixa margem de dúvida sobre a total ilegalidade e lesividade na conduta omissiva do réu, ensejando a aprovação de número cada vez mais crescente de construções, com impactos significativos no bairro. As provas produzidas e os fundamentos de fato e de direito reunidos nesta ação, estão a indicar que a sociedade apresenta bom direito a agasalhar a sua pretensão. Inconcebível, data venia, permitir que, diante da mora legislativa, um instrumento de significativa importância deixe de ser aplicado para empreendimentos que efetivamente causem impactos negativos na vizinhança, ressaltando-se que a exigência do EIV é medida extremamente necessária para a
  • 26. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 26 questão urbanística e do ordenamento da cidade, mormente com a demonstração dos impactos negativos sentidos pela população do bairro da Praia do Pecado. Por outro lado, o periculum in mora decorre da própria necessidade de se manter a sadia qualidade de vida da população, permitindo que seja colocado cobro à violenta ação de mercado no bairro, submetido à aprovação indiscriminada de construção de empreendimentos imobiliários à revelia de EIV, colocando em risco a política urbana da região, que somente poderá ser recomposta no futuro por pesados investimentos públicos. É espantoso, porém, que a despeito do caótico cenário urbanístico verificado no bairro Praia do Pecado, o Município publicou em 11.07.13 o Decreto Municipal nº 139/2013, o qual, atendendo a solicitações apresentadas por construtores da cidade, instituiu a simplificação de análise de processos para licenciamento de projetos voltados à construção no município, tendo como meta a liberação de projetos em até 60 dias. Tal decreto obteve ampla repercussão na mídia local ( vide fls 173/173B). Não se olvida da necessidade do crescimento da cidade e dos benefícios econômicos que dele possam advir, mas este deve ser realizado de forma sustentável, sob pena de servir apenas para favorecer os empreendedores e construtores e eventualmente políticos inescrupulosos e preocupados apenas com os rumos de suas campanhas políticas e de seus interesses pessoais. Sobre a concessão de liminares em ação civil pública, felizes as expressões do Prof. Mancuso: “(...) Escusado lembrar que o cumprimento específico da obrigação é fundamental no campo dos interesses metaindividuais, onde a tradicional “conversão em perdas e
  • 27. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 27 danos” jamais poderá suprir a eficácia da prestação não adimplida in concreto (pense-se, por exemplo, numa condenação ao replantio de área devastada, ou à limpeza das águas contaminadas por derramamento de óleo). Nesse sentido, avulta em importância a concessão de liminares e cautelares na ação civil pública, por seu poder de impedir a concretização do dano temido.(...)” (Rodolfo de Camargo Mancuso, em Ação Civil Pública, Ed. RT, 6ª ed., págs. 172/173). Além disso, nenhum prejuízo direto acarretará a medida, inclusive ao ponto de causar instabilidade às empresas e a economia da cidade, primeiro porque é restrita ao bairro impactado, segundo porque permite o prosseguimento dos empreendimentos já aprovados, terceiro porque as construtoras atuam em vários municípios e quarto porque o empreendimento poderá ser licenciado desde que aprovado o EIV. E mais, não haverá reflexos insuportáveis na oferta de emprego na cidade, porque os empregos atendem também e principalmente aos Municípios vizinhos, que podem aquecer sua economia, além, é claro, de ser possível o direcionamento da mão-de-obra para outras áreas ainda não impactadas. Ademais, a medida destina-se a adequar as construções no bairro em conformidade com o EIV, de forma a contemplá-las à realidade local e atendendo aos anseios da sociedade, proporcionando a correção dos erros evidenciados pela falta de planejamento e licenciamentos indiscriminados. Para o Município não haverá espaço sequer para alegar prejuízo com a decisão, uma vez que apenas deverá cumprir, ainda que com atraso de mais de cinco anos, a obrigação estabelecida no Plano Diretor, isto é, criar lei que discipline o EIV (art .243, VII, “a”).
  • 28. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 28 Dessa forma, entende o Ministério Público ser cabível, viável e necessária a concessão parcial e antecipada da tutela pretendida compelindo o Município réu a suspender, no bairro Praia do Pecado (Vivendas da Lagoa e Morada das Garças), a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes à obras de construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, até que o Poder Público confira cumprimento ao art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, isto é, crie lei Municipal que discipline o EIV. DOS PEDIDOS Requer assim o Ministério Público, do que foi exposto: 1) a distribuição da presente ação; 2) LIMINARMENTE, inaudita altera pars, seja concedida a ANTECIPAÇÃO PARCIAL DA TUTELA conforme item “V.5” acima, visando a compelir o Município réu a suspender, em todo o bairro Praia do Pecado (Vivendas da Lagoa e Morada das Garças – fl. 266), a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes a obras de construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, até que o Poder Público confira cumprimento ao art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, isto é, crie lei Municipal definindo os empreendimentos e as atividades privadas ou públicas na área urbana que dependerão da elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV, para obter licença ou autorização para parcelamento, construção, ampliação, renovação ou funcionamento, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem adotados para a sua avaliação, sob pena de multa de R$ 500.000,00 (quinenhtos mil reais) por cada descumprimento;
  • 29. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 29 3) a citação do réu para, querendo, contestar a presente; 4) ao final, seja julgado procedente o pedido para: 4.1) confirmar a antecipação da tutela requerida, visando a compelir o Município réu a suspender, em todo o bairro Praia do Pecado (Vivendas da Lagoa e Morada das Garças – fl. 266), a autorização de projetos construtivos, concessão de alvarás de licenças, autorizações construtivas e processamento de requerimentos de consulta de viabilidade referentes a obras de construção, reconstrução, ampliação, reforma, trasladação e/ou demolição de edificações multifamiliares, comerciais e/ou de escritórios, de qualquer natureza, até que o Poder Público confira cumprimento ao art. 243, VII, “a”, do Plano Diretor, isto é, crie lei Municipal definindo os empreendimentos e as atividades privadas ou públicas na área urbana que dependerão da elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV, para obter licença ou autorização para parcelamento, construção, ampliação, renovação ou funcionamento, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem adotados para a sua avaliação, sob pena de multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por cada descumprimento; 4.2) condenar o réu a indenizar os prejuízos morais e materiais sofridos pela coletividade em razão da sua omissão, em valor pecuniário a ser arbitrado pelo Juízo, conforme item “V.4” acima, para ser revertido ao Fundo Municipal de Urbanismo e Habitação a ser indicado oportunamente e visando aplicação em projetos urbanísticos voltados para o bairro objeto desta ação; 5) a condenação do réu nos ônus da sucumbência, a serem revertidos ao Fundo Especial do Ministério Público do RJ, nos termos da Lei Estadual nº 2.819/97, artigo 4º, inciso XII, e regulamentação pela Resolução GPGJ nº 801/98. Protesta por todos os meios de prova em direito admitidos, a serem especificados oportunamente, apresentando com a presente a prova documental relativa ao inquérito civil nº 127/2013/MCE desta Promotoria de Justiça.
  • 30. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DO NÚCLEO MACAÉ 30 Dá-se à causa o valor R$ 10.000,00 (dez mil reais), meramente para efeito do artigo 258 do CPC, uma vez que o correto valor somente será conhecido em liquidação de sentença ou durante a instrução processual. Macaé, 18 de julho de 2013. LUIZ FERNANDO AMOEDO Promotor de Justiça Mat. 3488 FERNANDA MATTIOLI VIEIRA BASTOS Promotora de Justiça Mat. 5800