3. MANUAL
DE GESTÃO
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DESIGN
MANUAL
casa DE GESTÃO
DO DESIGN
4 casa
1. Introdução As economias apoiam-se cada vez mais em factores de diferenciação, suportados no conhecimento, na tecnolo-
Luís Filipe Costa. Presidente do Conselho Directivo do IAPMEI. gia e na inovação para a gestão competitiva dos negócios.
E o design, enquanto disciplina associada à inovação, desempenha um papel fundamental nas estratégias de
desenvolvimento e sustentabilidade das empresas.
Fazer com que o design seja apreendido, especialmente pelas PME, como um recurso relevante na promoção
do aumento da cadeia de valor dos seus produtos, e consequentemente da sua valorização no mercado e
aproximação aos clientes, foi o objectivo que motivou o IAPMEI, em parceria com o Centro Português de De-
sign, a lançar um conjunto de edições aplicadas a várias realidades sectoriais.
Sabe-se que na resposta aos desafios das mutações económicas e dos mercados internacionais, a gestão do
design é considerada um factor chave na procura de modelos de negócio mais competitivos, que se reflectem
em soluções inovadoras e criadoras de riqueza.
Esperamos que a colecção seja um contributo útil para o reforço de competências nesta área e para a incorpo-
ração de práticas de design nas empresas portuguesas.
4. MANUAL
DE GESTÃO
Tal como acontece com outras disciplinas, o Design foi desenvolvendo e 7
DESIGN
incorporando novos conhecimentos e valências, e é hoje parte inte- MANUAL
casa grante e incontornável nas políticas e estratégias de gestão. Ferramenta DE GESTÃO
DO DESIGN
inquestionável para o desenvolvimento, a inovação e a competitividade
6 casa
das empresas e instituições, são-lhe reconhecidos o contributo e impacto
na economia e na sociedade.
Todos temos referências, muitas vezes negativas, que nos despertam
involuntários mecanismos de defesa, face ao termo e ao, normalmente,
indecifrável objecto Manual.
Torna-se indissociável a conotação ao Manual de Instruções que nos
obriga a um acrescido esforço de leituras várias e de interpretação de
coisas tão óbvias nos objectos, mas tão caricatamente complexas nas
palavras que as descrevem, levando-nos a duvidar das nossas capacidades
de entendimento e discernimento.
Não é claramente essa a intenção, a linguagem e o desenho desta pub-
2. Texto de enquadramento Beatriz Vidal. Vice-Presidente do Centro Português de Design.
licação, que integra uma colecção de gestão do design aplicada a vários
sectores de actividade.
Não é também pretensão dos promotores e autores das várias edições,
plasmar opiniões e conceitos subjectivos, mesmo que fundamentados em
práticas pessoais consistentes.
Esta disciplina, Design, fundamenta-se em processos e métodos rigorosa-
mente desenvolvidos, estudados, avaliados e testados.
Apesar de os princípios e pressupostos da disciplina Design e Gestão de
Design serem universais e transversais às diferentes áreas de aplicação,
entendemos ser correcto e mais eficaz atribuir a cada um dos sectores/
clusters uma identidade própria, uma abordagem dirigida e específica,
fundamentada na especialidade, conhecimento e práticas de profis-
sionais dos diferentes universos, mantendo os mesmos princípios e
objectivos - a produção de uma ferramenta usável, útil e que permita um
correcto entendimento de como, quando, com quem e onde se pode e
deve integrar o Design.
5. MANUAL
DE GESTÃO
9
DESIGN
MANUAL
casa DE GESTÃO
DO DESIGN
8 casa
3. Editorial: Com a missão de inventar o que ainda não existe, o designer interroga-se sobre o que está em falta, reinventando-o através da técnica.
a importância O que faz falta é dar sentido ao mundo — os autores são máquinas de produção de sentido (e as escolas de design laboratórios de produção de
sentido).
do design na Ao inventar o que faz falta, o designer, poeta, estabelece propósitos que se dirigem da simples sobrevivência à felicidade, realizando artefactos que
respondem a requisitos desde a bondade à beleza. Ao confrontar-se com a impossibilidade de garantir a felicidade, o designer detém-se a construir a
economia beleza.
O design para a casa tem surgido como recurso de beleza ao serviço da família, elevando a experiência dos cidadãos à liberdade do prazer estético,
“O poeta começa onde o homem acaba. O destino deste é viver o isto é, da plena satisfação do desejo que consola e dá futuro à vida.
seu itinerário humano; a missão daquele é inventar o que não existe. O design serve muitos propósitos, desde a inclusão dos cidadãos mais desprotegidos até à exclusão da sua imagem de marca no confronto político
Assim se justifica o ofício poético. O poeta aumenta o mundo, (…)
com as suas pares. A casa é um ser antropomórfico colectivo e conectivo, que tem identidade própria, pensa, cresce, respira, podendo adoecer ou
autor vem de auctor, o que aumenta. Os latinos designavam assim o
até morrer e que reproduz seres humanos geneticamente contaminados. O design doméstico percebeu isso, questionando-se sobre a natureza dos
general que ganhava para a pátria um novo território.”
José Ortega y Gasset, in A desumanização da arte. seres para cuja reprodução contribuirá. Deve o design domesticar os seus utentes?
Por isso o design é uma disciplina complexa que não se limita à conformação das coisas mas julga a história para poder construir novos futuros.
Um novo mais belo, quer dizer apenas um novo mais humano, mais livre e mais justo e isso far-se-á cada vez mais pela abertura à diversidade dos
autores: quantos mais e mais diversos, mais próximos estaremos da verdade.
6. MANUAL
DE GESTÃO 3.1 Portugal é um país pequeno Os indicadores estatísticos gerais desagregados por Região, demonstram uma realidade a Norte onde ressalta 11
DESIGN EU
Descrição do sector com uma economia frágil; o PIB médio europeu a sua dimensão populacional (maior região do país com 35,4% da população nacional), os baixos níveis de ins- MANUAL
casa 100% DE GESTÃO
industrial da fileira casa seu PIB está a 75% da média trução formal no contexto nacional, a estrutura de emprego onde 40% das pessoas ainda trabalham no sector DO DESIGN
europeia, mas as suas regiões industrial e o baixo poder de compra (cerca de 15% abaixo da média nacional e cerca de 57% abaixo da região
10 casa
do Norte e Centro estão ainda PT de Lisboa). Este nível de rendimento posiciona-a na 5ª Região mais pobre da UE15 (39a da UE25), situação que
PIB médio nacional
60% abaixo da média nacional 75% é tanto mais grave quando se sabe que a Região dispõe de um mercado interno significativo, sendo, por isso,
(jornal Público, 13 Fevereiro 2008). dessas regiões mais pobres a mais populosa da UE15.
PT | Norte
60% do PIB médio No entanto, a Região Norte é a segunda região mais importante no que respeita ao PIB nacional (28%); man-
nacional
tém a sua vocação exportadora, sendo, de longe, a Região mais exportadora do país (43% das exportações),
e a sua grande tradição/experiência em matéria de internacionalização e participação no comércio mundial;
exportações estas, sobretudo, de produtos industriais, que correspondem, por sua vez, à sua principal especia-
lização produtiva;
Ocupa o primeiro posto das regiões mais industrializadas (ranking aferido pelo peso do emprego) no contexto,
respectivamente, da UE15 e o sexto na UE25; esta especialização assenta muito nos sectores ditos “tradicionais”
(têxteis, vestuário, calçado, mobiliário, cerâmica, cutelaria, etc.), cuja competitividade tem sido assegurada por
factores estáticos, como as baixas remunerações do trabalho, e não por ganhos sustentados de produtividade.
A estes números corresponde uma Norte “O processo de valorização do Norte de Portugal depende hoje tanto da evolução favorável da
35% da população nacional
taxa de desemprego de 8% su- produtividade da sua economia como da capitalização de factores não tangíveis ou imateriais, que
bindo na região Norte para 9,4%, 40% trabalha na indústria
remetem para elementos simbólicos produtores de “marcas” e de “identidades”, com um elevado
a maior taxa de desemprego a nível 9,4% de desemprego potencial de internacionalização,” Relatório Norte 2005.
nacional, verificando-se, ainda, um -15% do poder de compra nacional
-57% do poder de compra Lisboa
desemprego muito significativo de É precisamente nesta dimensão que o Design, como interface cultural, poderá constituir um contributo
jovens diplomados. 28% do Produto Interno Bruto relevante.
43% das exportações nacionais
Uma das razões que justifica o pouco sucesso dos artefactos portugueses no competitivo mercado global, é o
seu deficit simbólico. A grande maioria dos estudos levados a cabo por especialistas internacionais, identifi-
cam a qualificação técnica sectorial como um património a preservar, mas igualmente um baixíssimo valor de
marca nos produtos portugueses exportados que, de facto, representam apenas cerca de 1% das exportações
portuguesas, contra cerca de 50% das espanholas e 78% das italianas [McKinsey Global Institute, 2002].
7. MANUAL
DE GESTÃO
Para além da carência de valor de marca, os produtos revelam baixa Este manual centra-se na fileira casa, reunindo um sem-número de objectos e solicitações que varrem um 3.2 13
DESIGN
qualificação de diferenciação pelo desenho, dificultando a sua distri- Itália
78% exportações
extenso domínio técnico, reunindo produtos tão diferentes como têxteis, cerâmicas, vidros, plásticos, metalo- Definição de domínio: MANUAL
casa DE GESTÃO
buição em mercados mais exigentes. Este deficit tem, quanto a nós, duas com marca própria mecânica ligeira, construção em madeira, iluminação, electrodomésticos, domótica, multimédia, interacção ou o que se entende por DO DESIGN
12
origens: a primeira prende-se com a falta de notoriedade da generalidade entretenimento. casa? casa
das marcas portuguesas (começando pela marca Portugal); a segunda
decorre da desadequação das narrativas estéticas de morfogénese dos A Casa, constitui domínios de desempenho em torno da preservação dos indivíduos através da alimentação
Espanha
produtos portugueses — deficit simbólico. 50% exportações (acondicionamento, transformação, tratamento de alimentos e de detritos); da higiene (e relaxamento do
com marca própria
corpo); do conforto restaurador (lugar de descanso, de dormir e de despertar); de actividade sexual (afectiva,
Não se pretende ignorar outros factores (funcionais, construtivos, lúdica e reprodutiva); de comunicação e socialização (comunicação consigo, com os outros e com o mundo,
ergonómicos, ambientais, de inovação tecnológica) que qualificam um de modo cada vez mais interactivo); de acomodação de vestuário (e manutenção da roupa); de segurança
produto, nem escamotear os problemas conhecidos que Portugal en- (protecção física da integridade dos indivíduos contra agentes agressores). A Casa ou o habitat trata, portanto,
frenta no tecido produtivo ou no acesso aos canais de distribuição. Mas a de um vasto território prático e simbólico.
consequente falta de protagonismo dos artefactos portugueses provoca,
Portugal
por outro lado, uma notoriedade negativa à origem Portugal na ordem Mas a casa poderá ser também entendida como espaço de conformação social e formação de novos cidadãos;
1% exportações
dos -30% (ICEP, sector do calçado, 2000) . com marca própria esta é uma das funções da família, a que a Casa também deverá responder, formando indivíduos mais ca-
pazes, mais livres, mais inscritos e mais felizes e assim promovendo uma cidadania mais democrática.
“A indústria de mobiliário é um dos sectores da indústria transformadora
nacional com maior potencial de exportação (52 % da sua produção). Esta dimensão da casa é antes de mais etnológica (no respeito pela cultura de origem da comunidade cultural,
Embora equipada com elevada tecnologia, apresentando preços com- pautada pelos seus ritos e celebrações agregadores identitários), mas também antropológica (entendendo-se
petitivos e elevada flexibilidade de resposta, a indústria de mobiliário que na essência do homem estão as fases de uma espécie em evolução). A humanidade, fundada em mitos e
nacional apresenta reduzida inovação e design e, consequentemente, símbolos, não só não prescinde de uma dimensão espiritual, como foi graças a ela que evoluiu tecnicamente
baixa produtividade, o que enfraquece a sua imagem de marca. Um dos através da linguagem, fundada na metáfora do signo. A casa deve ser cada vez mais pensada não só como
maiores problemas que estará na origem da sua baixa produtividade será espaço de desempenhos orgânicos mais ou menos funcionalizados, mas como espaço de representação
a baixa qualificação dos seus recursos humanos — chefias intermédias, psíquica e social, onde o homem moderno protagoniza os seus papéis existenciais. Por imitação do cinema, ou
interface com o mercado e designers“ (Pedro Quelhas Brito, Pós-gradua- de si próprio, os indivíduos recorrem à casa como espaço cénico, onde tudo está a postos para a representa-
ção em gestão empresarial, Faculdade de Economia da Universidade do ção dramática que procurará repetir, em nome da felicidade, receita enunciada em anúncios publicitários, ou
Porto). em telenovelas, bebendo whisky ou lavando o cabelo com shampoo. A casa pode ser também um espaço de
reflexão menos alienante e de íntima meditação sobre a condição humana, inscrevendo os seus inquilinos na
O exemplo citado das indústrias de mobiliário, serve de referência para as liberdade através da Arte. Esse será um espaço de sobrevivência à doença e à morte, mais criativo, promotor de
outras industrias que desenvolvem bens de consumo e serviços na fileira comunidades mais criativas também.
Casa, constituindo com ela o objecto deste manual.
Na evolução histórica da casa, o espaço doméstico começa por ser abrigo (de protecção medieval e românico),
tornando-se espaço de representação (da família na renascença burguesa), museu (do viajante antropólogo
recolector de culturas), até espaço moderno (antropomórfico e funcionalista, apartamento urbano ou máquina
de habitar) e residência pós-moderna (a casa como obra de arte para interface relacional, apropriando-se de
espaços industriais abandonados), vislumbrando-se já o espaço residencial do futuro (ficção da second life ou
apenas espaço virtual de existência).
8. MANUAL
DE GESTÃO
De certo modo poderemos concluir que da protecção física ao corpo a casa evoluiu para um espaço de 15
DESIGN
representação de identidade e poder do corpo familiar, para um espaço social de relação entre corpos; MANUAL
casa ganhando no modernismo uma distribuição que mimetiza funcionalmente o corpo orgânico e evoluindo no DE GESTÃO
DO DESIGN
pós-modernismo tanto para o espaço de uma experiência estética avassaladora do corpo, como para o espaço
14 casa
de sobrevivência e resistência dele, surgindo, cada vez mais próximo do horizonte humano, a possibilidade da
simulação virtual, que corresponderá à sublimação do corpo orgânico fisicamente limitado, por outro apenas
imaginado e anulando, com isso, a própria existência do corpo. Assiste-se assim ao salto dos últimos mil anos,
entre a preservação física do corpo e a sua superação virtual, ainda que esta ideia já estivesse patente na primi-
tiva ideia de alma imortal que animava então o corpo mortal.
Distinguindo o privado do público, os indivíduos humanos têm evoluído na concepção e recursos que desejam
para a casa, como se de uma segunda pele cultural se tratasse, evoluindo dos paradigmas da protecção
física para a sua comunicação virtual, até ao limite estetizante de tomar parte na instalação de uma obra de
arte total, ficcionando idealmente o corpo cuja natureza atrofia. No espaço como interface de comunicação
condicionado pelas suas variáveis (materiais, cultura, moda, etc.), assiste-se à transformação do não-lugar em
lugar, por contaminação da experiência afectiva e autobiográfica do ocupante; espaço marcado com sinais de
identidade, pelo cheiro, por registos fotográficos, pelo ordenamento das coisas. O espaço do habitáculo é uma
extensão do corpo que tem evoluído ao longo do tempo. Num tempo primitivo, o habitáculo terá sido
território de evocação mítica, ritual, de apropriação dos espíritos que condicionam a vida pela caça:
o abrigo. Mas hoje, é sobretudo um território de socialização, de memorização e de representação
identitária — qualquer coisa que repetimos a nós mesmos para nos convencermos de que somos
quem desejamos ser.
9. MANUAL
DE GESTÃO O que é o design? Temos por certo que o design trata do desenho intencional de 17
DESIGN
artefactos de interface cultural. O design pertence à grande família MANUAL
casa dos projectistas, portanto daqueles que imaginam uma realidade ainda DE GESTÃO
DO DESIGN
inexistente e que, consequentemente, recorrem a meios materiais para a
16 casa
concretizar, como se verifica em relação à economia, à arte e à enge-
nharia.
Como interface, o design está sempre entre duas ou mais entidades,
relacionando-as. O design relaciona o homem com o meio, o
homem com o outro homem, o passado com o futuro. Mas como
interface, isto é, como meio, o design contamina a mensagem (não há
anjos assexuados). O conteúdo de verdade do design é transportado pela
sua forma sígnica (o designer é um engenheiro de signos, J. Branco).
Esta é, aliás, uma característica ontológica do desenho. O desenho,
enquanto escrita de representação visual, conforma o objecto visível ou
imaginável tanto quanto expressa o seu agente autor através de um
processo técnico. O desenho, quando é produzido à mão, representa
4. Integração do design no sector: Design
o objecto e apresenta o seu autor. A esta dupla representação poderá
au
Diagrama triática juntar-se uma terceira, quando o desenho é metáfora, assim representan-
to
r
Breve análise sobre o que é e para que serve? do algo invisível, através de entreposta entidade. Tal como no desenho,
verifica-se no design uma finalidade em si próprio que lhe garante a sua
dimensão estética, para além da dimensão ética, meio intencional
de transformação das relações de força em presença. Mas como ser ética
art
o
e estética ao mesmo tempo? O design é paradoxal e ambivalente.
stã
e
ge
Também no design se distinguem diversos níveis de representação. A
identificação da finalidade prática do objecto criado (destino), a iden-
tecnologia tificação da sua função simbólica (destinação) e o(s) autor(es) da sua
engenharia
a
conformação (o projectista propriamente dito, a tecnologia adoptada e o
am
gr
programa funcional previsto). Estas três entidades poderão ser obser-
pro
vadas em qualquer artefacto desenhado; a sua identificação permitirá
uma análise mais crítica, contribuindo para o processo da sua inovação.
O design congrega na sua prática, as tecnologias de produção dis-
poníveis (produção industrial ou conceptual), o programa funcional
atribuído ao novo produto (programa) e as sinergias culturais do seu
autor singular ou colectivo; em cada uma das suas obras, correlaciona 3
10. MANUAL
DE GESTÃO
factores: autor, programa e tecnologia, ao contrário das outras disciplinas A actividade que surge no pós-guerra europeu designada por Design, tem origem remota nos primitivos 4.1 Ontologia do design: 19
DESIGN
de projecto que evoluíram especializando-se em binários: autor + pro- desenvolvimentos técnicos do homem. Sob uma tecnicidade primitiva, toda a actividade humana é mágica do artesanato à indústria MANUAL
casa grama para a economia (gestão de objectivos); autor + tecnologia para a e os objectos criados são os instrumentos que unem o homem à natureza; só mais tarde, com o desenvolvi- DE GESTÃO
DO DESIGN
18
arte (exploração expressiva); programa + tecnologia para a engenharia mento do Artesanato, origem da tecnicidade tradicional, o homem se desvinculará da contingência ambiental, Como nasce o design? casa
(optimização produtiva). construindo meios tecnológicos de fabrico de artefactos funcionais (Adriano Rodrigues).
Há mais de 6.000 anos já se produziam no Egipto peças de ourivesaria por fundição em cera perdida,
Projecto Projecto Projecto tecnologia que ainda hoje perdura na joalharia contemporânea.
au
au
au
to
to
to
Especializações Especializações Especializações
r
r
r
Durante a Idade Média, os produtos eram totalmente artesanais, evoluindo lentamente sem desenho, por
reprodução de modelos e moldes.
tão
o
o
art
art
Ar
stã
stã
A tecnicidade moderna (ou industrial), origem da divisão social do trabalho e das lutas de classe, constitui o
s
te
e
e
Ge
ge
ge
ambiente a que vulgarmente se associa o desenho ergonómico de artefactos de complementaridade protésica:
o design. O design, disciplina do desenho de interface cultural, surge como necessário incremento de com-
tecnologia tecnologia tecnologia
engenharia Engenharia engenharia petência à forma do objecto funcional.
a
a
a
am
am
am
Mas a nova tecnicidade emergente na segunda metade do séc. XX, hegemonia do computador e da comuni-
gr
gr
gr
pro
pro
pro
cação em rede, veio trazer uma nova perspectiva sobre a produção, facilitando a deslocalização das indústrias,
integrando o operário no engenheiro e oferecendo novos meios de complexidade à forma, origem de uma
A inutilidade da arte está ontologicamente presente pela supressão de nova organicidade biónica.
qualquer programa imposto do exterior. A objectividade da engenharia Victor Margolin, fala-nos do aparecimento de um novo artesanato, fruto do computador pessoal em espaço
dispensa o autor como fonte de contaminação subjectiva. A gestão de doméstico e da sua ligação à web, protagonizado por designers empreendoristas que, em produção directa,
recursos fixa-se na estratégia conducente ao objectivo idealizado ainda colocam os seus produtos no mercado global, favorecendo a concepção, realização e venda de artefactos como
que desconhecendo a tecnologia dos meios. É condição do design nas primitivas oficinas pré-industriais do artesanato rural.
integrar a manifestação sistemática das três competências, ainda que em
doses variáveis. Em consequência da velocidade aplicada à evolução tecnológica, deparamo-nos hoje com uma simultaneidade
A singularidade do design afirma-se, por um lado, pelo generalismo do de modelos produtivos, oriundos de paradigmas conceptuais cronologicamente heterogéneos e de culturas
seu contributo, sempre apto a encontrar pontes de relacionamento com Design concorrentes, por vezes com origens diferidas em milhares de anos.
au
t
outros intervenientes do processo produtivo e, por outro, pela especia- Generalismo
or
lização na cultura, condição de humanização da tecnologia, de resposta Para falar hoje de artesanato, convirá destinguir aquele que ainda sobrevive genuíno, vestígio primitivo da
aos anseios mais profundos do consumidor, prospecionando novos subsistência rural pré-medieval (os pastores que ainda fazem Queijo da Serra, ou as tecedeiras que produzem
modos de vida, mais aptos à sobrevivência da espécie. burel à mão), do artesanato artístico de autor (como se verifica na ourivesaria contemporânea do Porto ou
to
— Um coração a pilhas é coisa do design? Barcelona), do que representa apenas uma reminiscência industrial arcaica, anterior à especialização industrial e
en
cu
ltu
am
Certos objectos revelam um grau de constrangimento técnico tão à automatização mecânica (muito frequente em áreas de marcenaria artística, cerâmica, vidro, etc). A indústria
r
ne
a
Design
pla
elevado que, embora desenhados, não deixam qualquer espaço à inter- nacional, constituída em quase 90% por micro, pequenas e médias empresas é, em boa medida, o vestígio
pretação criativa (auto-biográfica) do autor; deixando de constituir um contemporâneo de um artesanato tardio.
artefacto de interface cultural, para se tornarem interface exclusivamente tecnologia
optimização
técnica. O telemóvel ou a sua interface gráfica são típicos objectos de
a
am
design, o seu miolo tecnológico não.
gr
pro
11. MANUAL
DE GESTÃO Artesanato Ao longo de muitos séculos, a produção dos objectos esteve A revolução industrial aparece como consequência das descobertas científicas e tecnológicas e é caracterizada Indústria 21
DESIGN
exclusivamente nas mãos dos artesãos, de cuja oferta se podem pelo aparecimento da máquina, da divisão do trabalho e da produção em série. MANUAL
casa destacar quatro características: DE GESTÃO
DO DESIGN
Durante o séc. XIX os avanços nas comunicações por comboio ou por barco, aceleram e multiplicam as relações
20 casa
Produção “peça a peça” Produção “peça a peça”: O objecto artesanal era produzido individual- comerciais. As populações rurais deslocam-se para as cidades atrás da empregabilidade das indústrias,
mente e não em série, revelando diferenças entre os objectos do mesmo donde emerge uma enorme classe média, a partir da escravatura rural, aumentando a capacidade e a ânsia
tipo, ainda que realizados pelo mesmo artesão, consequência de singu- de consumo. O mercado cresce significativamente, disposto a consumir tudo quanto se produz, desejo que
laridades do material, desejo do cliente, ou variações decorrentes tanto o recém-criado capitalismo industrial está disposto a satisfazer.
da imperícia como da inspiração do artesão.
Há que produzir cada vez mais rapidamente e a máquina, a divisão do trabalho e a produção em série cons-
Produção personalizada Produção personalizada: O artesão mantinha com o objecto que pro- tituem a resposta a essa nova necessidade.
duzia uma relação directa, podendo modificá-lo em qualquer momento, O recurso a fontes de energia artificialmente controladas, substituindo as naturais, permitirá libertar a produção
nas partes ou o todo. A autoria artesanal é configurada pela tecnologia e de constrangimentos como a frequência dos ventos ou a intensidade dos caudais dos rios.
pela cultura, não se reconhecendo uma autonomia pessoal do desenho.
Quando os produtos adquirem uma certa sofisticação, impera o estilo O processo artesanal modifica-se pela substituição das suas quatro características fundamentais:
cultural da comunidade de origem, identidade de uma autoria colectiva.
Produção em série: Em oposição à produção peça-a-peça, aparece a necessidade de homogeneização e o Produção em série
Evolução por Evolução por pequenas adaptações: O ofício artesanal, transmitido conceito de standard.
pequenas adaptações por imitação de geração em geração, baseava-se na aprendizagem da
utilização das ferramentas, no conhecimento dos materiais e num ca- Máquina: Mais rápida e complexa, impede que o objecto possa ser modificado durante o processo da sua Máquina
tálogo reduzido de formas (moldes) com que se realizavam os artefactos produção; perde-se a produção personalizada, relação directa do artesão com o objecto.
comuns. Ao longo do tempo observam-se pequenas variações de forma,
por adaptação à evolução do uso, acompanhando novas necessidades Design: Estas duas alterações obrigam a que o objecto esteja perfeitamente definido antes de entrar em Design
ou o emprego de novos materiais. O artesão não tem consciência do produção. Assim, surge a necessidade de o projectar previamente, considerando antecipadamente uma ideia,
processo e trabalha normalmente explorando recursos locais. questiona as razões para a sua existência, as suas características, a sua utilidade ou a sua beleza.
A forma condicionada A forma condicionada pela tecnologia: O artesão domina um conhe- A forma liberta-se da tecnologia: A evolução por pequenas alterações dará lugar à complexidade de um A forma liberta-se da tecnologia
pela tecnologia cimento que é tanto o de fazer os objectos, como o de construir as má- processo antecipada e sistematicamente analisado.
quinas da sua produção, dominando ainda as matérias-primas para a sua
realização. A lenta aprendizagem do artesão cria as condições técnicas Nasce o design, a disciplina projectual cuja finalidade é definir as características formais e estruturais de um
para uma produção que não dependerá das tecnologias, já que será ele objecto, passível de ser produzido industrialmente, independentemente dos constrangimentos técnicos da
próprio a construí-las. Este sistema fechado que correlaciona o fazer com indústria.
as formas passíveis de serem feitas, que é o artesanato, limita os seus
agentes, tornando-os reféns da sua técnica, impedindo-os de evoluir. Este processo evolutivo atravessou a revolução industrial. Durante um período inicial as indústrias imitavam as
No séc. XVIII operar-se-á uma revolução junto da indústria, libertando o formas artesanais, sem considerar que as novas técnicas podiam requerer outras soluções. As formas simples
produto da máquina que o faz através do desenho. e geométricas impostas pela nova tecnologia eram consideradas de mau gosto, desumanas e massificantes.
Disfarçá-las com ornamentos, constituía a condenável manifestação de Kitsch pela incoerência estrutural,
12. MANUAL
DE GESTÃO
denunciada por intelectuais, arquitectos e artistas da época, preocupados com a perda do bom gosto tradicio- Mas será com os primeiros esforços de autonomia técnica por via do desenho crítico (localizando o seu apareci- 23
DESIGN
nal (A. Loos). Mas a urgência de uma revolução social acabará por impor o processo industrial como contri- mento no séc. XVIII através das aulas do risco e das futuras escolas de belas-artes) que o design ganha desígnio MANUAL
casa buinte para a democrática liberdade de acesso aos bens de consumo. por via do desenho; DE GESTÃO
DO DESIGN
Nascem as bases do que virá a ser o movimento moderno, ao defender-se a simplicidade das formas e a sua No entanto, muitos são os autores que o identificam com a assistência à produção industrial da revolução
22 casa
adequação à função, considerando como modelo as formas da natureza. “O útil é belo”, “a forma segue a técnica do séc. XIX, atribuindo-lhe a condição de resposta numérica e massificada;
função” e “menos é mais”, são as três sentenças que resumem a prática do movimento moderno lançado a Na passagem do séc. XIX para o séc. XX, surge através dos fisiologistas (séc. XIX) e na sequência dos higieni-
partir da Europa. Ao design cabia constituir-se como base para a construção de um mundo melhor e de um stas do séc. XVIII, a ideia de que a forma deve atender à função, respeitando o princípio geral de que, como
universo de objectos úteis e belos ao alcance de todos. A escola Bauhaus (1919-1933) é a referência mais as- na natureza, a empatia favorece a relação dos seres com o meio. Os novos biólogos preocupam-se menos em
sinalada desta nova utopia, que encontrará na escola de Ulm (1953-1968) a sua descendente racionalista mais identificar taxonomicamente as espécies por tamanhos e cores do que em compreender como se deslocam,
radical. como vivem e que relações de simbiose criam com o meio. Worringer, pensador alemão do séc. XIX, vem dizer
— reforçando o pensamento de Nietzsche (variação pendular histórica entre o culto a Dionísio e a Apolo) —
De artesanato a design No séc. XVIII, o artesanato libertou-se pelo desenho, do jugo tecnológico e pelo desenho ganhou consciência que empatia e abstracção são duas faces do mesmo objecto, construindo as bases do modernismo europeu,
crítica sobre o projecto. Desenhadores como T. Chippendale, ilustrarão o novo artesanato caracterizado pela com consequências profundas na mudança de mentalidade e nos argumentos de projecto, responsáveis pela
adopção do desenho, como ferramenta de projecto, registo e comunicação da obra. Pelo desenho os objectos revolução arte nova do ambiente doméstico.
puderam evoluir e responder a outras funções práticas, garantindo-se quer a sua perfeita construção, quer a No contexto pós-moderno da crítica ao funcionalismo reificante “a forma passou a entender-se como conteúdo
sua repetição no tempo ou comunicação para outras partes do mundo. Para isso contribuíram muito as té- de verdade”, explorando uma dimensão mais simbólica e investigando novas possibilidades de afectação do
cnicas desenvolvidas por Monge, o genial jovem francês, amigo pessoal de Napoleão que, a partir do exército, consumidor. Contemporaneamente, na forma que produz emoções e materializa ideias — “a forma segue a
inventará o método de dupla representação ortogonal à escala, capaz de comunicar eficazmente um elevado ideia” — o design encontrou novos motivos projectuais, desvinculando-se do formalismo estetizante do final
conjunto de coisas construídas. A facilidade de construção e de representação, condicionarão a forma do do séc. XX, para se reafirmar em torno de objectos-ideia que, como objectos-poema, possam desenvolver uma
design até ao séc. XX, com a difusão dos meios digitais de processamento gráfico. actividade social mais reflexiva, inovadora e interventiva, onde o consumidor é convidado a repensar o mundo
e as relações (estéticas) que com ele estabelece.
O design está por todo o lado e desde sempre, em todas as culturas e em qualquer lugar humanizado. A eti-
mologia de design, só aparece na Alemanha, país das duas mais notáveis escolas de design — Bauhaus (1919-
1933) e a Escola de Ulm (1953-1968) — nos anos cinquenta do pós-guerra. A nomenclatura em estilo design
é o estereótipo criado a partir da conformação racionalista que adquiriram os produtos modernistas alemães
da segunda metade do séc. XX; produtos desenhados sob uma estética funcional, encontram o seu primeiro
4.2 O desenho como
Desejo Desenho Desígnio
e último desígnio na realização da tarefa: produtos exclusivamente funcionais promovem utilizadores
funcionários e constroem comunidades funcionalizadas de que o modelo mais recorrente é a colmeia metáfora de Design:
apícola. desejo,
Ao designer são pedidas soluções de forma, mas a forma é conteúdo de verdade (Adorno). Cada novo objecto, desenho e
no seu aparente desempenho prático, também projecta um certo modus operandi, um certo modo de ser, desígnio
sobre o utilizador, afirmando-se como projecto de felicidade, ou como construção de domínio de liberdade
(Álvaro Siza).
Em conclusão, embora se possa dizer que o design é condição humana desde a realização dos primeiros artefac- Se a Arte questiona a vida, a que a Ciência responde inequivocamente, convidando a intervenção da tecnolo-
tos (e por isso tão antigo quanto o homem), a sua identificação e processo de emergência histórica, relaciona-o gia, o design atribui-lhe sentido, projectando a possibilidade de futuro. Sem humanização da interface não há
primitivamente com a produção de objectos instrumentais, em que a dimensão simbólica é indivisível da prática. absorção social da tecnologia. Essa é a dívida da Microsoft em relação à Apple.
13. MANUAL
DE GESTÃO
Design, tem origem latina em desenho; desenho que em italiano significa tanto desígnio como desenho. 25
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Há portanto no design uma dimensão projectual sobre o futuro (desígnio) e uma dimensão artística de registo MANUAL
casa gráfico, representação da ideia e do corpo que a concebeu — quem desenha desenha-se. DE GESTÃO
DO DESIGN
O desenho segue o desejo. É o desejo que lhe dá sentido. O desejo desenhado que busca um
24 casa
desígnio de mudança, definido à luz do património existencial do seu autor. Todos os dias continuam a dese-
nhar-se novos modelos de cadeiras, num processo incessante de criatividade. O que moverá novos designers
a desenhar mais cadeiras? O desejo certamente e já não a necessidade, que há muito foi satisfeita.
A função do design é recriar um mundo melhor, isto é impregná-lo com a beleza, humanizá-lo. Mas o que é
distintivo do humano? A capacidade para se emocionar. A capacidade para se reinventar acima dos limites
biológicos da necessidade, deixando-se animar pelo desejo, como a Arte; mas, contrariamente a esta,
que apenas questiona, arriscar transformar o mundo.
4.3 O que pensam os Questionados 100 designers sobre qual é o objecto da sua actividade, coligimos um vasto conjunto de
designers: definições que se anexam, demonstrando a grande diversidade de pontos de vista e a tendência do design para Fico satisfeito com uma criação quando ela
10 testemunhos a multiplicidade. faz sorrir as pessoas.
Por questões de natureza prática seleccionamos apenas dez. Sebastian Bergne (Inglaterra, origem Afeganistão)
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DO DESIGN
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Nas nossas criações,
procuramos conjugar
humor, tecnologia e
materiais.
Bibi Gutjahr (Alemanha)
Como designer, nada me é mais precioso do
que criar um objecto de desejo.
Keith Helfet (Inglaterra)
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A visão não é apenas uma ideia fundadora,
O design é a exploração dos ela contém necessariamente os meios para
constrangimentos de modo criativo. assegurar a sua realização.
Inflate (Inglaterra) Jonathan Ive (EUA)
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O objectivo fundamental do design é de
formular questões essenciais e dar-lhes
O design é a exploração dos resposta.
constrangimentos de modo criativo. Harri Koskinen (Finlândia)
Inflate (Inglaterra)
A visão não é apenas uma ideia fundadora, O meu design preferido está na minha
ela contém necessariamente os meios para cabeça, ainda não nasceu.
assegurar a sua realização. Ingo Maurer (Alemanha)
Jonathan Ive (USA)
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Conservem um objecto durante sete anos e
acabarão por lhe encontrar uma utilidade —
provérbio irlandês.
Jasper Morrison (Inglaterra)
Para mim o design é como a poesia: absolu-
to e preciso, recorrendo aos menores meios
possíveis para obter o maior efeito.
Ilkka Suppanen (Finlândia)
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No estudo da Boston Consulting Group realizado em 2002 para o Ministério da Economia de Portugal, sobre a 4.4 Enquadramento 35
DESIGN
decomposição de custos e proveitos no preço das produções da indústria da moda, avaliando a concentração no sector MANUAL
casa de riqueza do valor acrescentado pelos seus componentes, conclui-se que à distribuição (processo de comer- DE GESTÃO
DO DESIGN
cialização) corresponde cerca de metade (50%) do valor de compra, deixando à produção industrial menos de
34 casa
um terço (30%) e ao design cerca de um quinto (20%). Ainda que estes valores possam parecer demasiado
optimistas para o Design, conclui-se facilmente que num regime de subcontratação industrial, a produção
perde o controlo sobre 70% do valor de compra do produto, constituindo um parceiro menor na distribuição
da riqueza. Muitas organizações viram na deslocalização da indústria para o Oriente uma janela de oportuni-
dade económica, evoluindo da produção para a distribuição, e passando a representar comercialmente outras
marcas estrangeiras no seu território comercial.
Procurar ter o má-
ximo impacto com
o mínimo material. Produto 20% 30% 30%
Decomposição Design Produção Produção
Kazuhiro Yamanaka percentual de valor
(Inglaterra, origem McKinsey Global Institute 50% 70%
Ministério da Economia Distribuição Distribuição + Design
japonesa?)
A observação do fenómeno pela indústria, nomeadamente pelas PME’s, tentará naturalmente os seus gestores
a aumentarem o volume do negócio pela integração da distribuição e/ou pelo menos pela concepção. Ao falar
O que é o design? Não sendo consensual, a definição que desenvolvemos e adoptamos na Universidade de da transação destas competências para a indústria, estamos a falar da aquisição de competências de elevada
Aveiro, parte da consideração ontológica do Design. O que é o Design? um projecto para a resolução de um sofisticação e custo. Se a distribuição e a concepção correspondem ao maior proveito no negócio das marcas,
problema que entra em conta com um meio tecnológico material, um autor (singular ou colectivo) contami- também os seus custos são os mais altos. De facto o exercício da comunicação das marcas e seu reconhe-
nado por uma certa cultura e a definição de um problema ou seja o tal problema funcional que o antecede. cimento público, acarreta custos avultadíssimos inacessíveis às PME. Também por esta razão, faz cada vez
Design é pois a actividade de projecto, ou seja o desenho intencional com vista ao desenvolvimento mais sentido que as pequenas indústrias unam esforços em projectos comuns — por exemplo por fileira, por
de artefactos, dispositivos ou serviços, dedicados à interface ou intermediação cultural. Se assim for, conceitos integrados, ou respondendo a nichos de elevado potencial de compra — retirando-se do teatro de
não haverá confusão possível entre o design e a engenharia, entre o design e a gestão ou entre o design e a guerra da concorrência por volume da massificação do consumo. Pelo contrário, as empresas deverão defender
arte. Trata-se de campos complementares mas cujos limites se compreendem perfeitamente. Ao designer será estratégias como meio de coesão e consolidação de esforços em torno das suas marcas e dos seus argumentos
pedida a forma da relação cultural; essa é a sua apetência e a sua participação no colectivo da empresa. de diferenciação.
19. MANUAL
DE GESTÃO 4.5 A gestão do design: Adriano Rodrigues divide a história da tecnicidade humana em cinco níveis. No mais baixo nível de recurso ao design, encontramos as empresas que desenvolvem algum esforço no Níveis de gestão pelo 37
DESIGN
da insuficiência O homem evolui tecnicamente ao longo da história. Da simbiose entre os instrumentos criados e o reflexo desenho de um produto, mas fazendo-o de forma avulsa, individual, sem qualquer preocupação de contex- design MANUAL
casa DE GESTÃO
à excelência desses instrumentos no desenvolvimento do próprio cérebro e respectiva linguagem, nasceu uma sucessão de tualização no universo da marca, no conjunto da sua produção, ou na interpretação criativa das tecnologias DO DESIGN
etapas técnicas, que o autor divide em cinco, que nos permitirão compreender melhor a actividade cultural do de que dispõe;
36 casa
Breve história da design:
tecnicidade humana
Tecnicidade Primitiva Gestão design Insuficiente
Magia Acaso
Tradicional Mediano
Artesanato Ergonomia
Moderna Boas práticas
Indústria Imagem de marca
Pós-moderna Excelente
Cibernética Anticipação prospectiva
A tecnicidade primitiva é operada pelo feiticeiro que recorre à magia da palavra e a um conhecimento mági- Este é o primeiro nível ou insuficiente, em que a forma não segue a função (formalista). 1. Insuficiente
co transmitido por rituais, não havendo uma relação directa causal entre a prática do feiticeiro e a alteração das Quando os artefactos (produtos, representações de identidade ou veículos de comunicação) denotam um
forças em presença; o milagre pertencerá à tecnicidade primitiva. esforço de forma pelo desenho, independente, quer dos meios técnicos para a sua produção, quer dos fins
a atingir enunciados pelo seu programa funcional, quer da coerência com a unidade matricial organização /
A tecnicidade tradicional, sempre que o artesão produz o artefacto com rudimentares instrumentos que ele marca. Objectos em cujo esforço de forma não se reconhece a antecipação prática ou funcional, mas a
próprio constrói, recorrendo a um conhecimento transmitido por imitação ao longo do processo iniciático em sobreposição de outros valores, para os quais o desenho se revela incompetente; recorre-se ao design por
oficina, conduzido pelo seu mestre. O artesão altera tecnicamente o campo da sua intervenção. exemplo para dar sorte, para dar felicidade, para dar protecção divina ou apenas para dar luxo.
O desenho do produto, nasce nestas condições de modo espontâneo e intuitivo, não revelando qualquer
A tecnicidade moderna, ou da mecanização industrial, alicerçada na máquina e na livre disponibilidade de consistência de projecto. Esta metodologia de “fazer design”, está próxima da actividade de feitiçaria que
meios energéticos, cujo conhecimento dividiu as práticas profissionais do operário (que desconhece a máquina se reconhece à tecnicidade primitiva.
mas sabe trabalhar com ela) e do engenheiro (que conhece a máquina mas não sabe trabalhar com ela) e do
capitalista que é o dono da máquina e não opera com ela. A máquina provocou a divisão social pelo trabalho. No segundo nível, ou mediano, da gestão pelo design, encontramos aquelas entidades que constroem 2. Mediano
pragmaticamente a forma de objectos industriais dependente do seu desempenho funcional e ergonómico: (desenho industrial) | design
Na tecnicidade pós-moderna, ou cibernética, os dispositivos digitais de procedimento e comunicação em a forma segue a função (funcionalismo); Encontram-se aqui enquadradas as produções em que os artefactos de equipamentos
rede, fruto dos elevados níveis de desenvolvimento tecnológico, projectam para o exterior o nosso aparelho são previamente desenhados sob o propósito construtivo, respondendo minimamente aos constrangimentos
nervoso, promovendo uma inteligência conectiva. Já não se trata de explorar energia, mas de gerir de modo ergonómicos da sua utilização em segurança, com vista à maior facilidade de uso e interesse comercial pelos
teleprocessado, a simbiose de todas as tecnologias disponíveis. O computador volta a unir engenheiro e produtos, mas desconhecendo qualquer estratégia de marca corporativa que, quando exista, não constituirá
operário. qualquer condicionamento ou orientação à produção.
Reconhece-se, assim, a necessidade de integrar o design ao nível do produto, ainda que sob aspectos mera-
Ao considerar o pós-modernismo como a cultura contemporânea, encontraremos paralelismo de ligações entre mente formais; esta é a tradição do artesão que fabrica com habilidade os seus próprios instrumentos e uten-
os modelos de estratificação da tecnicidade e os níveis da gestão pelo design. sílios, interpretando um sistema técnico (a roda do oleiro, ou a forja do ferreiro…). A ideia de artefacto tem