EMPRESA MULTINACIONAL DE VALINHOS É PROCESSADA POR RACISMO.
1. JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO
6ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS
TERMO DE AUDIÊNCIA
PROCESSO – Nº 0015900-81.2009.5.15.0093
Juiz: Flávio Gaspar Salles Vianna
RECLAMANTE: Marcelo Correia de Andrade
RECLAMADA: Eaton Ltda.
Audiência de julgamento
DATA: 26⁄08⁄2010 - HORÁRIO 17H05
CIÊNCIA NA FORMA DA SÚMULA 197 DO Eg. TST., com conteúdo
disponível no acompanhamento processual do sítio trt15.jus.br.
SENTENÇA
I – Relatório
Processo: no. 0015900-81.2009.5.15.0093
Partes: acima declinadas.
Natureza da ação: Reclamação Trabalhista.
Objeto: ato ilícito e reparação pela indenização dos danos
morais.
Petição inicial: Alega o reclamante, em síntese, que foi
vítima de preconceito racial, por parte de seus superiores hierárquicos. Em
conseqüência postula uma indenização pelo assédio moral sofrido.São pedidos,
ainda, honorários advocatícios, atualização monetária e juros.
Contestação: a reclamada se insurge contra os fatos lançados
na petição inicial.
Representação processual das partes: regulares estando as
procurações e documentos constitutivos nos autos.
Valor da Causa: no importe de R$ 173.940,00.
Assistência judiciária: foi requerida pelo reclamante que
juntou declaração de pobreza à fl. 14.
Prova documental: pelas partes com a juntada de cópias da
carteira de trabalho, cópia de denúncia feita junto ao Ministério do Trabalho e
Emprego, cópia de Boletim de Ocorrência, guia de ética da reclamada,
documentos relativos ao contrato de trabalho do obreiro, cópia de inquérito
civil público instaurado perante o MPT, dentre outros.
Prova oral: na audiência realizada às 13h02min do dia
24/05/2010 foram colhidos depoimentos pessoais das partes e ouvidas três
testemunhas.
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Fl. 1
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Preliminares: não há.
Prejudicial de mérito: não foi levantada, pela reclamada.
Instrução processual: Encerrada, diante da declaração das
partes que não pretendiam produzir outras provas.
Razões finais: escritas pelas partes.
Tentativas de conciliação: Infrutífera nas duas tentativas,
apesar da insistência do juiz.
II - Fundamentação
Fatos e conseqüências jurídicas
Afirma o reclamante, na peça de ingresso, que a partir do mês
de setembro de 2007, passou a ser moralmente assediado por seus superiores
hierárquicos, os senhores Tiago Ferrari e Luís Rossi, que diariamente o
maltratavam, o discriminando em razão de sua raça e usando expressões
jocosas, desrespeitosas e racistas ao se referirem a ele.
Relata que em decorrência do tratamento racista e
desrespeitoso que lhe era dispensado nas dependências da reclamada, por seus
superiores
hierárquicos,
desenvolveu
problemas
psicológicos
e
fonoaudiológicos de cunho emocional, motivo pelo qual passou a fazer uso de
medicamentos psiquiátricos.
Sustenta que denunciou a discriminação sofrida ao
Departamento de Recursos Humanos da reclamada que, além de não ter tomado
nenhuma providência, o dispensou sem justa causa.
Acrescenta, ainda, que procurou o Sindicato da Categoria e a
Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial (CEPIR) para
denunciar os fatos ocorridos.
A reclamada, por seu turno, defende-se argumentando que
durante toda a vigência do pacto laboral o reclamante jamais esteve exposto a
qualquer situação que caracterizasse o alegado assédio moral.
Todavia, não é isso o que se depreende da análise dos autos.
Consoante restou devidamente demonstrado, o reclamante
queixou-se na empresa sobre o tratamento discriminatório que lhe era conferido
por seus superiores hierárquicos. É o que se infere do teor do documento
anexado à fl. 16, dos presentes autos.
Além disso, o obreiro fez uma denúncia no Ministério do
Trabalho e Emprego (fls. 17/18), bem como queixou-se às autoridades policiais
das ameaças que estava sofrendo por seus superiores hierárquicos, o que
culminou na lavratura do boletim de ocorrência de fls. 19-19v.
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Fl. 2
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Ademais, os documentos de fls. 20/21, comprovam a
necessidade de utilização, pelo reclamante, de medicamentos psiquiátricos.
Acrescente-se que os depoimentos das testemunhas ouvidas a
rogo do obreiro desvelam a ocorrência dos fatos articulados na inicial, atinentes
às agressões morais sofridas pelo reclamante. Pertinente se faz aqui a
compilação dos seguintes trechos dos mencionados depoimentos:
Item 05 do depoimento da primeira testemunha do
reclamante: “Em um determinado dia, o depoente se dirigiu à forjaria para
buscar peças e soube que o Sr. Luís Rossi chamou o reclamante de “macaco”.
Naquele momento, o Sr. Luís discutia com o reclamante e gesticulava bastante,
enquanto o reclamante ouvia e permanecia quieto.”
Itens 06 e 07 do depoimento da segunda testemunha do autor:
“Que presenciou uma vez uma discussão entre o reclamante e o seu gerente, o
Sr. Luís , sendo que o Sr. Luís comentava sobre escravidão e Princesa Isabel e
também falava sobre “macaco”. O Sr. Luís fazia gestos e falava alto na
ocasião.”; “Na ocasião, o reclamante permanecia quieto e escutava.”
Acrescente-se que a testemunha ouvida a rogo da reclamada
se limitou a afirmar que nunca presenciou ou foi vítima de comentários racistas
na empresa, asseverando, ainda, que de seu local de trabalho conseguia avistar
o do reclamante.
Do cotejo da prova documental com a prova oral nos autos
produzida, restou este Juízo suficientemente convencido da existência das
condutas racistas dos superiores hierárquicos do reclamante, caracterizadoras
do alegado assédio moral.
Impende destacar que constituí dever do empregador zelar
pelas condições do ambiente laboral, mormente pela integridade moral de seus
empregados, respondendo, inclusive, pelos atos ilícitos de seus prepostos, nos
termos do artigo 932, III, do Código Civil Brasileiro.
No caso ora em apreço, restou amplamente caracterizada a
injúria moral, por prática de evidente discriminação racial, o que é inadmissível
e repudiável, vez que incompatível com a dignidade da pessoa humana e com
os objetivos de erradicação da marginalização social.
Aliás, o próprio preâmbulo de nossa Carta Magna institui o
Estado Democrático de Direito, que tem como escopos primordiais “assegurar
o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)”
Além disso, nossa Constituição tem como um de seus
fundamentos a “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III, da CF/88) e traz
como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, além de
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Fl. 3
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outros, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (incisos III
e IV, do artigo 2º da CF/88).
Note-se que a prática do racismo é de tal modo repudiada pela
Constituição de 1988, que o artigo 5º, XLII dispõe que tal prática constituí
crime inafiançável e imprescritível.
A causa de pedir se mostra de tamanha relevância que esse
Juiz se vê obrigado, neste ato, a falar não apenas como autoridade
eventualmente investida de um pequeno poder transitório. Sou obrigado a falar
como ser-humano. Ser-humano que já sofreu no corpo, na mente e na alma as
dores de ser discriminado. A discriminação por não ter um corpo perfeito, por
ser obeso, por ter um filho doente, por ter um filho negro, por precisar lutar por
comida especial em um feriado, em uma terra estranha e depender da boavontade alheia. Discriminação até por ter se apaixonado pelo Direito do
Trabalho e ter sentido alguns olhares de reprovação por ter escolhido uma das
áreas do direito mais desprovidas de apegos à vaidade e mais próxima dos
miseráveis.
O curioso é que todas as discriminações acima quase nunca
ocorreram de modo expresso ou violento. O incômodo de uma frase com duplo
sentido, um olhar de reprovação, um comentário velado feito pelas costas para
um chefe ou um inimigo, um pigarrear que quer expressar um incômodo, e por
aí vai.
Portanto, se alguma das partes quiser, como Juiz, um serhumano que não tenha sofrido algum tipo de discriminação, que suscite a
suspeição e saia à procura de alguém que viva em uma sociedade ideal, onde
não ocorram injustiças. Paradoxalmente, essa sociedade justa não precisaria de
Juiz.
Ora, é papel da sociedade e de cada um de nós, cidadãos,
zelar pela efetividade dos direitos erigidos à categoria de fundamentais, por
nossa Constituição, bem como pela efetiva realização dos objetivos do Estado
Democrático de Direito.
Incumbia à empresa o papel social de coibir, no ambiente
laboral, práticas de racismo, práticas essas completamente contrárias aos
fundamentos do Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Uma simples e sumária investigação, nesse caso, identificaria
o problema e seria possível até evitá-lo com o estímulo do diálogo entre ofensor
e ofendido. Tanto foi assim que em uma audiência de alguns minutos os fatos
lançados pelo autor vieram à luz.
Assim, diante desse dever, bem como da evidente prática de
atos de racismo por superiores hierárquicos do reclamante, configuradora de
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assédio moral, é devida ao autor uma indenização pelas injúrias morais
comprovadamente sofridas no ambiente de trabalho.
Nesse sentido:
EMENTA: DANOS MORAIS. RACISMO. A agressão verbal, com
conteúdo racista, desferida por preposto do reclamado ao empregado,
constituí ato ilícito que ofende a sua honra e sua dignidade, cuja prática
deve ser reprimida com veemência. Presentes os requisitos previstos nos
artigos 7º, XXVIII, da CF, 186 e 927, CC, devida a indenização por
danos morais” ( RO 01412-2007-086-03-00-1 , Terceira Turma do TRT
da 3ª Região, Relator César Pereira da Silva Machado Júnior, data da
publicação 06/09/2008)
“EMENTA: DANO MORAL – RACISMO – REPÚDIO À PRÁTICA. O
ato praticado pelo superior da reclamante, ao referir-se a ela como
“neguinha” é discriminatório. A primeira reclamada, por seu gerente,
fez diferenciação da empregada por um pensamento usual e tão
dolorosamente combatido na sociedade que é a valoração das diferenças
entre as raças, em uma crença de que os traços físicos e culturais
qualificam os seres humanos em superiores ou inferiores. O Direito do
Trabalho não permite que o empregado, em seu labor, seja discriminado,
insultado e ultrajado. Aliás, a conduta é banida pela própria Carta
Republicana, que no seu pilar de constituição, que é o preâmbulo,
assegura a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.” (RO 01131-2007134-03-00-8, Segunda Turma do TRT da Terceira Região, Relatora
convocada Maria Stela Álvares da Silva Campos, data da publicação:
27/02/2008)
Deve a ré, pois, reparar os prejuízos. A indenização no caso
não é tarifada. Cabe ao Julgador fixá-la, por arbitramento.
O ordenamento jurídico pátrio não estabelece critérios para a
fixação do “quantum” devido pelo agente causador do dano.
Contudo, a jurisprudência tem evoluído no sentido de que o
montante devido não pode ser pequeno a ponto de causar uma ofensa ainda
maior ao autor. Afinal, o dano moral, em si, não pode ser revertido. Não é
possível retirá-lo do mundo. A conduta do agente causador do dano não pode
ser suprimida como se nada houvesse ocorrido. Um simples pedido de
desculpas, ou mesmo uma formal retratação, não conseguem compensar o
sofrimento infligido àquele que sofreu a agressão. O dinheiro apenas tenta
compensar uma dor muito maior. Se for irrisória a quantia fixada pelo Julgador,
mais ofendido ainda se sentirá o lesado.
Também deve se ter em mente, para a fixação da indenização,
a capacidade econômica do agressor. A indenização arbitrada deve servir de
desestímulo ao réu, para que ele nunca mais pratique a conduta tida como
ofensiva e ilícita. Caso contrário, estaria o Judiciário estimulando tais condutas
no seio da sociedade. Afinal, se a indenização não tiver, em seu bojo, um
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componente de coercibilidade, poderia o réu sentir-se estimulado a manter sua
conduta, agredindo a sociedade e zombando do Judiciário, pois poderia com
facilidade livrar-se das condenações.
Relativamente à capacidade econômica do ofensor, cabe
enfatizar que o capital social da empresa reclamada é de R$ 524.557.986,00
(quinhentos e vinte e quatro milhões, quinhentos e cinquenta e sete mil,
novecentos e oitenta e seis reais), consoante fl. 166.
Pelas razões declinadas, o Juízo resolve fixar o montante
indenizatório em duzentas vezes o último salário base do obreiro, o que perfaz o
montante total de R$ 267.600,00 (duzentos e sessenta e sete mil e seiscentos
reais), recomposto até a prolação da sentença.
Honorários advocatícios
Indefiro os honorários advocatícios ou indenização contratual
com fundamento nos artigos 389 e 404 do Código Civil, acompanhando o
entendimento da Sumula 329 do Eg. TST. O reclamante não esta assistido pelo
sindicato da sua categoria.
Ao menos nesse momento reconsidero
posicionamento anterior, para evitar litigiosidade e a interposição de sucessivos
recursos sobre a matéria, comprometendo a celeridade do feito.
Justiça Gratuita.
Defere-se a justiça gratuita, ante a declaração de pobreza
firmada à fl. 14
Descontos previdenciários e fiscais
Diante da natureza indenizatória da parcela deferida na
presente decisão, não há que se falar em descontos previdenciários e fiscais.
III- Dispositivo
Por todo o exposto julgo PROCEDENTE a pretensão de
Marcelo Correia de Andrade em face de Eaton Ltda.. Condeno a reclamada
a satisfazer ao reclamante. as verbas deferidas no corpo da fundamentação
acima, que integra este dispositivo, conforme se apurar em regular execução, ou
seja:
1) Indenização por danos morais (R$ 267.600,00).
Concedo os benefícios da justiça gratuita ao reclamante, na
forma da nova redação do artigo 790, § 3º da Consolidação das Leis do
Trabalho, diante da declaração de pobreza juntada nos autos, não invalidada.
Critérios Para Liquidação e outras providências
I - incidirão juros legais de 1% ao mês (CLT, art. 883) a partir
da distribuição da presente reclamatória.
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II – atualização monetária na forma das tabelas utilizadas
pelos TST, serão efetuados pela aplicação dos índices correspondentes ao do
mês subseqüente ao da prolação da sentença, neste particular, me curvo a
posição predominante da jurisprudência do TRT da 15ª. Região sobre o assunto,
reconsiderando a aplicação da Selic,.
III – diante da natureza da verba deferida, não incidem
recolhimentos previdenciários e fiscais.
IV- oficie-se ao Ministério Público do Trabalho e ao
Ministério Público Estadual, para que tomem as providências que
entenderem cabíveis.
Este juízo desde já adverte as partes que entende que
eventuais embargos declaratórios não podem ter efeito infringente e tampouco
servem para pré-questionamento para recurso ordinário, diante da devolução da
matéria integralmente ao Tribunal, na forma do artigo 515 do CPC, podendo
ocasionar multas pela má-fé com base no parágrafo único do artigo 538 e 18 do
C.P.C., se considerados protelatórios e manifestamente infundados. O juiz não
esta obrigado a rebater argumento por argumento da parte, desde que apenas
um deles seja suficiente para a sua convicção.
Custas calculadas sobre o valor de R$ 267.600,00, no
montante de R$ 5.352,00, pela reclamada.
Nada mais.
Cientes as partes na forma da Súmula 197 do Eg. TST.
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