Oito iniciativas para deixar florescer a empresa-viva que já existe dentro da sua velha empresa-hierárquica. Excertos do livro Vida e Morte das Empresas na Sociedade em Rede, de Augusto de Franco (2011)
8 iniciativas para transformar sua empresa hierárquica em aberta
1. 8 Iniciativas
Oito iniciativas para deixar florescer a empresa-viva
que já existe dentro da sua velha empresa-hierárquica
Um texto de
AUGUSTO DE FRANCO
Este texto contém excertos do quarto capítulo da versão beta
do livro Vida e Morte das Empresas na Sociedade em Rede (*).
Quais os desafios que hoje se colocam para as empresas que
querem aumentar suas chances de permanecer sintonizadas com
as grandes mudanças que estão acontecendo na estrutura e na
dinâmica dos ambientes sociais em que estão inseridas?
O que as empresas devem fazer para aumentar sua capacidade de
se adaptar continuamente a tais mudanças (ou seja, para aumentar
suas chances de ser mais sustentáveis)?
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2. É certo, sem erro, absolutamente certo: sua empresa vai morrer
(tal como ela é hoje) e não há nada que você possa fazer para
evitar isso (a não ser aceitar o fato e mudá-la continuamente,
surfando na onda das grandes mudanças da sociedade-em-rede
que está emergindo).
Neste texto você poderá encontrar pistas sobre o que fazer e por
onde começar a matar sua empresa (tal como ela é hoje) antes que
as inexoráveis dinâmicas do novo mercado façam isso à sua
revelia. “Matar sua empresa” não significa, é claro, se suicidar
como empreendedor, fechando o seu negócio, mas mudar a sua
natureza de cluster fechado e hierarquizado (centralizado),
inadequadamente desenhado para suportar o ritmo alucinante da
interação nos novos mundos altamente conectados do terceiro
milênio. Significa transformar sua empresa, antes que ela morra,
em uma open enterprise, uma comunidade móvel de negócios
configurada em um ecossistema mais amplo de stakeholders.
“Matar sua empresa” – antes que o mercado a mate – significa,
simplesmente, sobreviver.
E o mercado já está fazendo isso. A expectativa média de vida das
empresas americanas (Standard & Poor's 500) caiu
vertiginosamente: de 75 anos (em 1937) para 15 anos (em 2011) (1)
E vai cair mais... Você duvida? Eis um bom motivo para ler este
texto.
A decisão é sua
A decisão de iniciar a transição da sua empresa-fechada e
hierárquica para uma empresa aberta e em rede – sem qualquer
garantia de que isso dará certo – é apenas sua. Ainda que esteja
claro que, se você não fizer isso e se todos os responsáveis pelas
empresas atuais não fizerem isso, mesmo assim surgirão novos
empreendimentos abertos e em rede. Há um emergente mercado
florescendo e é esse mercado que exige isso.
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3. As gerações de seus netos ou bisnetos não vão parar de
empreender, de produzir, de prestar serviços, de vender e de
comprar. Só que farão tudo isso de outro modo, não do modo como
você faz.
Sua empresa – tal como ela é hoje – vai morrer de qualquer jeito.
Mas você, como empreendedor, não precisa ser enterrado junto. O
seu sonho, a alma da sua enterprise, tem alguma chance de
sobreviver, assim como pode também sobreviver aquele conjunto
de pessoas que você conseguiu empolgar e engajar na realização
de seu negócio, desde que você mude a configuração (a topologia)
desse conjunto. Não, não basta adotar um novo software, um novo
sistema de governança, um novo modelo de gestão, uma nova
estratégia, um novo pacote de tecnologias, uma nova caixa de
ferramentas, um novo arranjo de mídias e de táticas de
comunicação. A transição não é um programa capaz de rodar na
sua velha máquina. Você vai ter que mudar a estrutura e a
dinâmica (o hardware) da sua empresa. A transição é um programa
exterminador dos velhos modos de se organizar para empreender.
Isso significa, como já foi dito e repetido aqui, que você mesmo vai
ter que matar a sua empresa (antes que o mercado a mate e não
sobre nada, nada do seu sonho e de seus colaboradores).
Por onde começar?
Como é óbvio não há (uma mesma) receita válida para várias
empresas. Cada caminho de transição é um caminho diferente. A
receita que pode dar certo em uma empresa, provavelmente não
dará em outra empresa (ainda que seja do mesmo ramo de
negócio). Mas...
Existe, sim, uma fórmula. Nós já descobrimos essa fórmula: a
fórmula é a rede. Porém cada rede é diferente, é inédita, não será
formada por você e sim por cada configuração especialíssima e
unique que se constelar.
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4. Não há best practices, esqueça o benchmarking. Mesmo assim, já
é possível fazer sugestões, de aplicabilidade duvidosa. Mas como
se trata de uma aposta, cabe a você decidir se quer tentar. Se
quiser, pode tomar algumas iniciativas, como as que vão sugeridas
abaixo.
1 DESCOBRINDO A REDE SOCIAL QUE JÁ
EXISTE NA SUA EMPRESA
A primeira iniciativa que você pode tomar é reconhecer que existe
uma rede social dentro da sua empresa e procurar achar essa
empresa-viva, composta por pessoas interagindo por fora dos seus
esquemas de comando-e-controle. Para tanto, vale a pena realizar
uma SNA (análise de redes sociais) dentro da sua empresa (e no
seu ecossistema de stakeholders mais próximo) para perceber as
discrepâncias entre as configurações de fluxos que foram
condicionados a trafegar pelos caminhos impostos por seu modelo
de gestão e as configurações daqueles fluxos que percorrem
livremente os caminhos dos laços fortes e, sobretudo, dos laços
fracos estabelecidos pelo livre relacionamento entre as pessoas.
2 ENSEJANDO A ARTICULAÇÃO DA REDE
A segunda iniciativa que você pode tomar é dar condições para
que esta rede de pessoas que já existe na sua empresa possa se
articular mais – de modo distribuído (ou mais distribuído do que
centralizado) – em torno de propósitos inovadores que elas
mesmas (essas pessoas) coletivamente escolherem. Talvez isso
possa ser desencadeado a partir da pergunta básica: se você
pudesse mudar uma coisa na sua empresa, o que você mudaria?
Esta pergunta – válida para qualquer mudança ou inovação: de
gestão, processo, produto ou serviço – deve ser respondida não
apenas individualmente, mas a partir da interação de (e entre)
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5. comunidades conformadas aleatoriamente, sem qualquer diretiva
centralizada, misturando, em igualdade de condições, pessoas de
diversas áreas e departamentos e, inclusive, stakeholders
considerados “externos” (como terceirizados, fornecedores,
clientes, parceiros, pessoas das comunidades de alguma forma
afetadas pela atuação da empresa) independentemente de suas
posições hierárquicas na empresa (2).
3 DEIXANDO A CLUSTERIZAÇÃO FAZER O
SEU PAPEL
A terceira iniciativa que você pode tomar é começar a reorganizar
sua empresa a partir da clusterização motivada pelos desejos de
mudança explicitados no processo anterior. As comunidades de
empreendedores que se conformarem para realizar esses desejos
devem ter autonomia para implementá-los a partir de suas
decisões soberanas (sem prevalência das velhas subordinações
funcionais). Você não precisa desenhar (ou redesenhar) as
caixinhas: deixe a clusterização fazer o seu papel. Se tais
comunidades – depois de todo processo coletivo de interação e co-
criação – imaginarem coisas absurdas e insistirem, mesmo assim,
em implementá-las, então é sinal de que sua empresa é (já era)
inviável e não poderia nem estar existindo, muito menos iniciando
uma operação tão complexa como a transição.
4 REORGANIZANDO TUDO, EM REDE
A quarta iniciativa que você pode tomar é passar a operar em rede,
para dentro e para fora. Isso pode ser feito por meio de uma
plataforma interativa (onde as comunidades de implementação de
desejos possam se conformar e interagir) e de freqüentes,
regulares e imprevistos encontros presenciais (que não devem
repetir as conhecidas reuniões de alinhamento atuais, por meio
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6. das quais as chefias transmitem ordens top down e, na verdade,
expropriam os criadores de suas criações para fortalecer o
sistema vertical de poder interno ao trabalharem em prol de suas
próprias carreiras). Esses encontros devem ser encontros de co-
criação (uma prática que se tornará permanente a partir desse
ponto) abertos aos stakeholders (internos e externos) e de
implementação de idéias por parte das comunidades que se
conformarem em torno dessas idéias. Esses novos organismos em
rede vão complementando, suplementando e, em muitos casos,
substituindo as velhas áreas e departamentos da empresa-
hierárquica.
5 ABRINDO SUA EMPRESA
A quinta iniciativa que você pode tomar é abrir sua empresa,
convidando novas pessoas (voluntárias, em grande parte) para
participar dos processos de co-criação, lançando mão
regularmente do crowdsourcing com polinização, permitindo a
celebração de parcerias com outros atores empresariais,
governamentais, sociais e, inclusive, pessoais, para implementar
projetos, captando recursos de instituições e até do público em
geral (por crowdfunding com retribuição, e. g.) para financiar tais
projetos e simplificando toda a infra-estrutura necessária por meio
da utilização dos recursos digitais disponíveis na nuvem.
Este último ponto é crítico, tão crítico que se justifica o seu
desdobramento em três novas iniciativas.
6 DESAPRISIONANDO OS CORPOS
É a sexta iniciativa que você pode tomar: libertar os corpos. Você
não precisa – em boa parte dos casos – aprisionar corpos e
submetê-los a rotinas pré-determinadas, horários de entrada e
saída, cartões de ponto, catracas físicas ou eletrônicas, bancos de
6
7. horas e outros mecanismos de comando-e-controle físico, feitorial
ou quase, sobre seus colaboradores. Eles agora são
empreendedores associados ao seu empreendimento. Se não
souberem administrar seu tempo, individual ou coletivamente, é
sinal de que não são empreendedores, mas simples subordinados,
peças de engrenagem e não organismos self-propelled, que não
serão capazes de responder ao propósito fulcral de manter a
empresa-viva, criando, inovando como função de seu metabolismo,
aprendendo naturalmente como quem respira e se adaptando
tempestivamente às mudanças do mercado e do meio social em
que a empresa está inserida.
Prepare-se, porém, para ter mais vagas em seu estacionamento.
Boa parte das pessoas que você obriga a comparecer diariamente
ao trabalho, não precisa para nada levar seus corpos para lá. Uma
vez acertadas certas regras de relacionamento, uma pessoa pode
desempenhar uma função ou cumprir uma tarefa de maneira muito
mais criativa e eficiente num chalé na praia, num quarto de hotel na
montanha ou na sua própria residência. Se ela não cumprir o
combinado será dispensada da missão que voluntariamente
aceitou. Qual é o problema?
7 ACEITANDO A EMPRESA-MOBILE
Eis a sétima iniciativa que você pode tomar: tornar-se móvel. Sua
empresa em rede será móvel porque a rede é móvel, porque as
pessoas são móveis, porque a tecnologia disponível já é mobile.
Mas ela só tende a ganhar com isso, por que perderia alguma
coisa? Mesmo se ela for uma grande empresa, uma multinacional,
sobretudo se for uma transnacional. Neste caso ela será
rizomática, como aquela Rizome antevista na imperdível obra de
ficção de Bruce Sterling (1988): Ilhas na Rede (3).
Sobre isso, aliás, é importante considerar que sua empresa não
precisa ser pequena para iniciar a transição. Ela pode ser imensa.
Ela pode ser globalizada – ou glocalizada – como uma
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no seu padrão de organização.
8 DESALUGANDO OS CÉREBROS
E chegamos assim à oitava iniciativa que você pode tomar: parar
de alugar os cérebros por 40 horas semanais (ou mais). Seja
remotamente ou presencialmente, você deve evitar consumir todo
o tempo de seus empreendedores. Eles devem ter tempo livre –
previsto no seu contrato de trabalho com você – para criar e,
inclusive, para bolar e tocar seus próprios empreendimentos. Se
não tiverem tempo livre não poderão inventar nada, o que
diminuirá a inovatividade de sua empresa. E você já sabe que não
adianta dar prazo para um funcionário inventar alguma coisa que
você quer que ele invente, porque ele não inventará (nem no prazo,
nem depois). Se não puderem se dedicar a sonhar e a correr atrás
de seus próprios sonhos (inclusive encetando empreendimentos
pessoais que não têm a ver com sua empresa) não se sentirão bem
onde estão, perderão aquela energia mágica do entusiasmo e
acabarão trocando a sua empresa por outras que lhes ofereçam
condições mais favoráveis de dinamizar suas potencialidades. Não
alugue os cérebros. Não exija exclusividade. Não fique cobrando
fidelidade. Não adianta.
Aliás, a exigência de fidelidade introduz uma assimetria intolerável
(do empregado em relação ao empregador). Você pode ter várias
empresas, mas não seus “colaboradores” (o eufemismo usado
para funcionários, posto que nas empresas-hierárquicas eles não
são realmente colaboradores e sim subordinados que devem
prestar obediência às determinações do alto). Destes últimos você
exige fidelidade: eles só podem transar dentro do seu cercado (e
olhe lá!). Evidentemente, isso não garante nada em termos de
segurança do seu negócio, pois você não pode mais, nas
condições do mundo atual, evitar que eles se relacionem com
pessoas de outras empresas, inclusive de empresas que
concorrem com a sua. Fidelidade imposta top down não resolve
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9. nenhum problema (se nem a fidelidade conjugal imposta funciona,
imagine a corporativa). Seus empregados serão fiéis ao seu
empreendimento se eles forem empreendedores associados ao
seu empreendimento ou se puderem ter seus próprios
empreendimentos associados ao seu. Decretar que eles não
podem fazer o que querem fazer é a pior solução.
Sobre isso, aliás, existem duas coisas importantes demais para
esquecer: a primeira é que a melhor pessoa para realizar um
trabalho é aquela que quer realizá-lo e a segunda é que as pessoas
não se tornam agentes de desenvolvimento de uma empresa em
função da remuneração que recebem e sim do que fazem
voluntariamente, para além das horas que são obrigadas a
trabalhar em troca de um pagamento. É o famoso “caminhar um
quilômetro extra”. Ademais, as melhores idéias, já se disse,
surgem no 3B (Bed-Bath-Bus), na cama, no banho e no ônibus e
não quando alguém está lá numa baia olhando o relógio na tela do
computador ou sentado, calado e entediado numa reunião de
alinhamento.
Pense assim: sua empresa será como uma cidade invisível, ou
como uma cidade nas nuvens, ou como uma cidade móvel ou como
uma cidade formada por uma rede de diversas comunidades. Mas
como toda cidade não-planejada, ela será desenhada pela
interação entre as pessoas que nela vivem. Você pode até tentar
governá-la nos mínimos detalhes, o que não é difícil: apenas inútil.
Ela será o que será. O que é melhor do que não ser, se você quiser
salvar a alma do seu empreendimento.
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10. Notas e referências
(*) O presente texto contém excertos do quarto capítulo da versão beta do livro de
Augusto de Franco (2011), Vida e morte das empresas na sociedade em rede. Para ler
o texto integral clique no link abaixo:
http://www.slideshare.net/augustodefranco/vida-e-morte-das-empresas-na-sociedade-em-
rede-o-livro
(1) Cf. Knowledge Wharton (2010): “Running Faster, Falling Behind: John Hagel III on
How American Business Can Catch Up”: "The erosion has been sustained and
significant. There is absolutely no evidence of it leveling off, and there is certainly no
evidence of it turning around," Hagel noted. Indeed, another measurement showed that
survival is also an increasing problem for U.S. corporations. Firms in the Standard &
Poor's 500 in 1937 had an average life expectancy of 75 years; a more recent analysis
of the S&P 500 showed that the number had dropped to just 15 years. "When I'm in
executive boardrooms, I hear the metaphor of 'the Red Queen' and the notion that we
have to run faster and faster just to stay in place," Hagel said, referring to the character
from Lewis Carroll's Through the Looking-Glass. "I would make the case, based on the
analysis that we've done, that the Red Queen is actually an optimistic assessment of our
situation, that we are running faster and faster and falling farther and farther behind."
In:
<http://knowledge.wharton.upenn.edu/article.cfm?articleid=2523>
Apud: The connected company (2011): The average life expectancy of a human being in
the 21st century is about 67 years. Do you know what the average life expectancy for a
company is? Surprisingly short, it turns out. In a recent talk, John Hagel pointed out
that the average life expectancy of a company in the S&P 500 has dropped
precipitously, from 75 years (in 1937) to 15 years in a more recent study. Why is the life
expectancy of a company so low? And why is it dropping? In:
<http://communicationnation.blogspot.com/2011/02/connected-company.html>
(2) Augusto de Franco, Cacau Guarnieri e Nilton Lessa, pessoas da empresa-em-rede
Netweaving HCW desenvolveram um programa (um social game) para realizar esse
processo, intitulado A Empresa Viva (2011). Disponível em:
http://www.redes.org.br/?p=45
(3) STERLING, Bruce (1988). Islands in the Net. Existe uma sofrível tradução brasileira,
com o inadequado título: Piratas de Dados. São Paulo: Aleph, 1990.
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