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ESCRITOS ESPARSOS
SOBRE HIERARQUIA
Augusto de Franco, Marcelo Maceo, Carlos Boyle e Nilton Lessa
Por que a hierarquia é espiritual
Recuperando trechos de comentários em conversações sobre hierarquia
no Facebook e na Escola-de-Redes de 13 a 16 de fevereiro de 2013
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1 - Post de Augusto de Franco no Facebook replicado na Escola-
de-Redes
MATRIX - A VERSÃO DO PROGRAMA PARA DESENVOLVEDORES
Algumas pessoas não entenderam por que escrevi no livro HIERARQUIA
(2012):
"O processo chegará ao paroxismo quando, ao lado da igreja e de outras
organizações confessionais ou devocionais (seitas, associações religiosas,
sociedades, irmandades, fraternidades), entrarem em cena as
organizações esotéricas (como as maçonarias realmente clandestinas e as
organizações secretas de cunho iniciático, em especial as ordens religioso-
militares que ecoam tradições templárias, por meio das quais o programa
será instalado então na sua versão hard, quer dizer, na sua versão
profissional, para desenvolvedores)"
Mas nas recorrentes conversações sobre redes e hierarquias que ocorrem
aqui no Face, no Twitter e na Escola-de-Redes, isso tem ficado cada vez
mais claro. Há sempre uma metafísica influente orientando aquelas
pessoas que querem salvar a hierarquia de qualquer jeito. Quando a
conversação se adensa e quando esprememos os argumentos, não tardam
a surgir hipóteses sobre o caráter divino, sagrado, cosmogônico, da
hierarquia. Segundo tais alegações, a hierarquia entre os humanos seria,
no fundo, um "reflexo" (nas versões mais benevolentes, um reflexo
degenerado) de uma hierarquia "pura" (um poder sagrado, um princípio
sagrado) inerente à organização oculta do cosmos e da vida. Seria algo
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assim "espiritual" (e os que dizem isso entendem que, por alguma razão, o
espiritual é superior ao material, et pour cause).
Outro dia fiz aqui um comentário jocoso sobre aquelas pessoas que
ficaram surpresas com o estupro coletivo na Índia. Elas estavam surpresas
porque não conseguiam entender como em um país com cultura tão
espiritualizada podia ocorrer tal barbaridade). Disse, provocativamente,
que foi por isso mesmo, porque a cultura era espiritualizada. Muita gente
não entendeu. E não entendeu porque fomos impregnados pela
mistificação de que o espiritual seria o bom e o material o mal, que o
espiritual, o sutil, o elevado, seria evolutivamente mais avançado do que o
material, o denso, o rebaixado. Ora, tudo isso faz parte da mesma
perversão do programa de controle daquilo que, metaforicamente,
chamei de "Matrix realmente existente". Sim, a hierarquia é espiritual
mesmo (para além de um sentido hegeliano do termo), e justamente por
isso é problema!
Aplicado assim, o conceito de evolução é também uma perversão
hierárquica. O mundo todo estaria organizado em uma escada (a Escada
de Jacob): nos degraus superiores (do mundo da emanação) teríamos
deus (ou as diversas qualidades do divino), nos degraus intermediários (do
mundo da criação) teríamos toda a hierarquia angélica (serafins,
querubins, tronos, dominações, potestades, virtudes, principados,
arcanjos e anjos) e também os seres humanos que se elevaram, que
evoluíram mais do que os outros. Em um mundo mais abaixo (o mundo da
formação) teríamos ainda parte dessa hierarquia angélica se manifestando
ocultamente na esfera da psique, no mundo dos sonhos e da magia. E
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abaixo de tudo (no mundo do produzir) teríamos os miseráveis seres
humanos (também dispostos nos degraus da grande escada por graus
evolutivos: os mais espiritualizados acima dos mais materializados). O
esquema descrito acima (da Kabbalah, essa ideologia de professores
judaicos) é basicamente o mesmo em outras tradições espirituais,
espiritualistas e ocultistas. Alguns são mais refinados (mais "sutis", como
eles gostam de dizer), mas, em última instância, expressam o mesmíssimo
padrão.
Há sempre algum fragmento desse "DNA de desenvolvedor" nos
defensores da hierarquia. Mesmo quando essas pessoas nada têm de
religiosas (ou "espiritualistas"), elas precisam acreditar que existe uma
ordem pré-existente. Não suportam a ideia de que o universo seja criativo
e se crie à medida que avance. Não! Tem que haver uma ordem oculta,
primordial, primeva, que tudo organiza. É uma resposta conveniente à
desesperança diante da finitude da vida humana tomada como um
atributo individual.
A crença fica mais grave quando essas pessoas acreditam que existem
seres vivos que são "mais evoluídos" do que outros. Numa clara agressão
à biologia da evolução, pensam que um ser humano (como espécie
biológica) é mais evoluído do que uma bactéria. Claro que isso é um
absurdo de vez que todos os seres vivos são igualmente evoluídos na
medida em que todos os seres vivos descendem da primeira célula viva
surgida há 3,9 bilhões de anos. Mas a crença assume o caráter de
abominação quando algumas dessas pessoas começam a acreditar que
mesmo entre os seres humanos uns seriam mais evoluídos do que outros
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(em geral dizem que uns são mais "espiritualizados", estão mais acima na
escada da evolução).
Percebam que há aqui um padrão.
Tenho concluído que não adianta esgrimir argumentos com essas pessoas.
Não adianta também apresentar evidências que corroborem hipóteses
aceitas pela ciência. Não adianta dizer que os pássaros que voam em
bandos não são liderados pelo que vai na frente. Não adianta dizer que as
colmeias não têm rainhas (no sentido sociológico-político do termo). Não
adianta dizer que os formigueiros não têm qualquer coisa que se possa
chamar de administração. Não adianta dizer que a incidência do macho-
alfa entre canídeos e primatas não significa hierarquia (porque hierarquia
é descentralização e não mando centralizado). Elas não querem saber de
ciência. Não se trata disso. Elas precisam acreditar.
Então os caminhos devem ser outros. Há tempos tenho tentado resolver
essas controvérsias propondo um acordo prático. Digo assim: você pode
acreditar no que quiser. Basta, para nos sintonizarmos na conversação,
que você concorde em não reproduzir comportamentos que impliquem
mandar nos outros (ou obedecer a alguém). Tudo bem? Do outro lado
ouço geralmente um silêncio que significa: espanto!
Sim, porque, no final é isso que importa. Ideias não mudam
comportamentos: só comportamentos mudam comportamentos. Se,
acreditando no que quiser, alguém concorda em não reproduzir
comportamentos para comandar e controlar os semelhantes (e de não se
sujeitar à obediência), beleza! Beleza?
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2 - Comentário do Marcelo Maceo (que originou este post)
Beleza de texto Augusto de Franco! Gostaria de aprofundar com 4 coisas.
1) Ao citar os tipos de organizações que gerariam um paroxismo ao tema,
vc fala da maçonaria, mas parece se referir somente às "realmente
clandestinas". Discordo. A meu ver, isso ocorre com toda maçonaria, de
qualquer tipo e origem, que ainda teima existir nos dias de hoje. Por que
não ocorreria? A farinha é do mesmo saco, a estrutura de pensamento é a
mesma, e sua política de ação tbm.
2) Concordo com seu texto, o achei muito esclarecedor, mas sendo eu
uma pessoa que teve um "DNA de Desenvolvedor" (talvez com alguns
resquícios ainda, rsrsr), me pergunto qual foi o lado positivo de termos
mais de 5 mil anos de história e civilização baseada neste pensamento.
Houve algum aprendizado? Qual o valor deste passado para com o que
estamos falando hoje?
3) Pedir ao outro que não replique comportamentos de comando-controle
é eficiente? Não é mais fácil simplesmente agirmos dessa forma e esperar
que o nosso comportamento influencie a um, a outro, e logo todos
estamos "replicando" comportamento de redes mais distribuídas?
4) Ao citar a questão do macho-alfa, temos "porque hierarquia é
descentralização e não mando centralizado". O mando centralizado,
mesmo não constituindo hierarquia, não geraria comportamento e
replicações de comando-controle, ou poderíamos ter um mando
centralizado que, mesmo funcionando nesta topologia, não gerasse o
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exercício de poder como descrito? O ponto em questão é a constituição
de uma topologia na forma de hierarquia ou as relações de poder
constituídas?
Valeu Augusto!
3 - Comentário de Carlos Boyke
Augusto, en todos estos textos tuyos sobre jerarquía parecería que están
escritos del lado bueno de algo malo, oscuro, oculto.
He estado investigando sobre servicios secretos, servicios de inteligencia y
llegé a esta página http://www.rand.org/pubs/monographs/MG126.html
(recomiendo bajar el sum resumen).
En esas páginas se explica cómo surgen los patrones en el caos de
información. Es como si esa desorganización estuviese organizada de
alguna forma y es preciso saber cómo interpretarla.
Finding the dots, linking the dots y understanding the dots, son los tres
procesos esenciales para entender como funciona cualquier cosa.
Lo interesante de esto es lo de secret, o secreto, poder leer los datos y
después apropiárselos esconderlos, hacerlos secretos, ese es el único
problema, hegemonizarlos.
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Los puntos allí dispersos se gobiernan solos. ellos no son culpables.
4 - Resposta de Augusto de Franco a Marcelo Maceo
Marcelo Maceo, indo por partes, hehehe:
1) Você tem razão. Toda maçonaria é templária e, assim, é um servidor de
programas verticalizadores. No livro (lembre que esse trecho é uma
citação do livro) quis enfatizar que existem versões do programa ainda
mais "profissionais" (hehe, se se pode falar assim). Nas maçonarias mais
"profanas" (olha eu reincidindo também), estão disponíveis executáveis
com versões básicas. Nas outras, às quais me referi, você pode também
programar: o código é open (para os "aceitos", êpa!). Acho que você
entendeu.
2) Não sei qual o "valor" desse passado. Valor é o que valorizado por
alguém, certo? Por outro lado, como você também sabe, esse passado
ainda não passou (do contrário não estaríamos conversando sobre isso
aqui). A tradição é composta por ondas temporais que nos atingem
intermitentemente. É replicação de padrões para outras regiões de
tempo, não um conjunto de eventos pretéritos... Aprendizado, a meu ver,
com certeza está havendo (do contrário - novamente - não estaríamos
conversando sobre isso aqui). Do ponto de vista da hierarquia houve
ensinagem (reprodução) e por isso houve o que houve e continua
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havendo! Lado positivo, entretanto, é uma pergunta que não cabe do
ponto de vista da aprendizagem (só da ensinagem): é como imaginar que
a experiência tenha servido a um propósito pré-existente, entendeu?
3) Pedir ao outro que não replique comportamentos de comando-e-
controle não é eficiente. Oferecer o próprio exemplo individual, a rigor,
também não é muito eficiente (a palavra "eficiente" é ruim, mas vá-lá).
Eficiente é gerar ambientes onde tais comportamentos não incidam. Esses
ambientes são redes (mais distribuídas do que centralizadas), quer dizer,
são emaranhados pessoais.
4) Sim, hierarquia é descentralização. Por isso postei lá no Face, no
domingo, o seguinte: "POR QUE HIERARQUIA = DESCENTRALIZAÇÃO.
Quando falamos de rede genericamente fica implícito que estamos
tratando de topologias mais distribuídas do que centralizadas: mais
próximas do diagrama (C). O diagrama (B) - desenhado a mão pelo próprio
Baran (1964), no famoso texto "On distributed communications" se referia
a uma topologia com alto grau de centralização. Por definição hierarquias
são estruturas descentralizadas (quer dizer, multicentralizadas). O
diagrama (A) se refere a uma estrutura com 100% de centralização mas
não configura uma hierarquia porque todos os nodos têm acesso direto ao
centro. Para haver hierarquia é necessário que haja intermediação.
Hierarquia é o poder da obstrução de fluxos, é a escassez de caminhos
artificialmente gerada pelo padrão de organização..." Você tem razão
quando afirma que o mando centralizado gera comando-e-controle, mas
se trata de uma forma instável, na qual os papéis podem ser trocados a
qualquer momento e por isso não gera um padrão-replicante. É como o
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"poder" do cacique Yanomami: tem que ser negociado e renegociado a
cada momento porque como todos os membros da tribo têm acesso ao
cacique, o chefe (o centro da rede centralizada) está permanentemente
vulnerável à interação, entendeu? Isso não gera poder institucionalizado,
pode gerar no máximo influência culturalmente aceita. Além disso, se
você observar atentamente verá que o chefe em questão não costuma
mandar os outros fazer coisas contra sua vontade. Caciques e pajés, no
nosso exemplo, são espécies de referências sócio-culturais (alguns diriam
espirituais), não comandantes stricto sensu. Ainda que possam exercer
funções de comando em conflitos eventuais, aqueles cosmos sociais onde
exprimem a função empowelfulness não está organizado em função da
guerra como instituição permanente (tal como nas civilizações patriarcais
e guerreiras derivadas do que chamei de protótipo sumeriano). Então,
para concluir, estou tratando mesmo da hierarquia (sacerdotal-militar em
sua origem) e não de uma ou outra forma de mando implicada na
influência eventual de um ator particular em uma topologia fortemente
centralizada.
5 - Resposta de Augusto de Franco a Carlos Boyle
Sim, oculto é o que foi ocultado. Esse é o único problema, como você diz.
Mas por que foi ocultado? Qual a topologia que permite a prorrogação da
ocultação? Quem faz isso, caro Boyle, são estruturas descentralizadas,
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quer dizer, hierarquias! Não é bom nem mau quem faz isso. Na tentativa
de separar o bem do mal, a tentativa é, em si, o mal: a separação :)
6 - Comentário de Marcelo Maceo
1) Capisco!
2) Muito legal isso ae. Ao dizer que "A tradição é composta por ondas
temporais que nos atingem intermitentemente. É replicação de padrões
para outras regiões de tempo, não um conjunto de eventos pretéritos..."
me veio a idéia (to viajando aqui) de que passado na verdade não existe,
ou melhor, existe somente a idéia que fazemos dele. O mesmo vale ao
futuro. O que passou, só é real através do que mantemos em nossas
cabeças. Seria o mesmo que dizer que história (no seu sentido factual) não
é o que passou, mas somente o que estamos fazendo aqui e agora, e que
a memória (a experiência, o sentimento que guardamos) seria o que
chamamos de passado. Então, o que é o passado? Se meu
comportamento hoje mudar minha visão de mundo (e
consequentemente, recontextualizar toda minha memória), naturalmente
não estaria alterando todo o passado? Os fatos são os fatos, mas creio que
90% da interpretação que damos a eles decorrem de como nos
comportamos, de como enxergamos a Matrix. Sinceramente, me parece
que a transformação que eu mesmo passo entre o DNA da Tradição e o
que articulamos aqui, tem me feito descobrir uma história completamente
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diferente em minha memória... E quantas realidades diferentes do que foi
e será não existem simultaneamente neste multiverso?
Destaco tbm a idéia de que em ambientes de aprendizagem não existe
lado positivo ou negativo, não se espera resultado, aprende-se com o que
é vivido no momento, seja como for (ZEN?).
3) Ao gerar tais ambientes, como eles ocorrem? Uma pessoa pode querer
começar a fazer algo assim, e observar se possui e o quanto possui seu
comportamento replicado? Ou se for assim, não vai rolar (parece uma
hierarquia, uma direção dada ao que não tem direção). Ou seja, isso só
ocorre se for espontâneo, nos pegar de surpresa, e por isso mesmo, pode
ocorrer de forma coletiva, simultaneamente com várias pessoas? Talvez
devamos pensar não em gerar tais ambientes ou comportamentos, mas
em como não-manter qualquer inércia que iniba a formação de redes em
qualquer ambiente. Como permitir ambiência, abertura, ao fluzz?
Ambientes de co-criação?
4) Augusto, ótima analogia aos caciques e pajés, me lembrou muita a
experiência que tive com eles no Xingu e com Xavantes (sim, ainda há
quem se salve, não infectado pelo vírus da Matrix, que sim, a hierarquix já
avança por lá), nestes últimos 5 anos em que estive pelo MT. Poderíamos
dizer que tais centralizações (como a citada) são fenômenos naturais das
redes (e não interferências culturais que deformam a dinâmica, como as
redes descentralizadas)?
E gostaria de trazer algo, resgatando um pouco a questão de que "acredite
no que quiser, não importa", ou seja, hoje existem múltiplos mundos, faça
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o seu. Mas, faça desde que vc não replique comportamentos
hierárquicos? Eu me pergunto (e estendo a todos nós), se quero mudar
isso, ou se não me importo e "cada um no seu quadrado". Está feliz
obedecendo ao papa? Seja feliz? Ou não? Vc está se enganando, veja
aqui... Em outras palavras Augusto e demais membros da E=R, onde está a
linha que separa a liberdade de cada um viver como preferir e uma
interferência nossa (ainda que apenas comportamental, "passiva") sobre a
escolha de cada um? (libertá-los do vírus da Matrix?). São perguntas que
me faço, não tenho resposta, mas compartilho com todos.
7 - Comentário de Nilton Lessa
Marcelo,
Não sei se entendi muito bem o que vc escreveu aqui: "Ou seja, isso só
ocorre se for espontâneo, nos pegar de surpresa, e por isso mesmo, pode
ocorrer de forma coletiva, simultaneamente com várias pessoas?", vou
escrever sobre o que acho que entendi.
Ninguém é uma "ilha isolada" de quereres e desejos; então o
"espontâneo" para mim só faz sentido para mim se entendido como
"Ninguém te OBRIGOU" a fazer/querer. Mas isto não significa que não
houve "influências" (por definição, para mim, SEMPRE as há, o ser
humano como "pessoa" é, de certo modo, um coletivo (estou falando aqui
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como "mente humana" mesmo). Esta é uma grande confusão que existe:
entre influência e PODER (no sentido clássico que a sociologia define. Por
exemplo, qq tentativa de conversa entre A e B implica que um está
influenciando o outro; porque quando dois conversam, a conversa só é
possível se A fizer o movimento de, ao ouvir o que B diz, se colocar na
posição de B; e vice-versa; fazendo uso daquela capacidade empática e
simpática "entranhada" na biologia da maioria dos seres vivos e, em
especial, dos mamíferos). Obviamente quando biologicamente um ser
constrói sua nuvem de pensamentos "se colocando na posição de outro"
está sendo "influenciado"; isto é, há relações intrínsecas, emaranhadas,
entre a mente de A e B. Mas o problema conceitual é a confusão entre
influência e PODER (um alguém que tem capacidade de OBRIGAR outro a
fazer ou não-fazer algo. Do ponto de vista da interação isto é
EQUIVALENTE, SEMPRE, a alguém que pode OBSTRUIR fluxos
interacionais. Mas alguém que pode OBSTRUIR fluxos interacionais só
existe em ambientes sociais regidos de modo hierárquico.) E como a
sociologia parece só TRATAR e ESTUDAR ambientes sociais hierárquicos,
fica tentando "mapear" automaticamente "influência" para seu
significado. Mas isto é errado, pois trata-se de dois conceitos bem
diferentes. O interessante é: do ponto de vista da ciência das redes
consegue-se deduzir o conceito "poder que a sociologia trata"; mas o
contrário parece não ser verdade.
Então, conviver, trabalhar e produzir em ambientes não-hierárquicos NÃO
SIGNIFICA o ser humano não poder fazer planos, não tecer metas etc;
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significa o ser humano não tecer metas PARA OUTRO; não fazer planos
PARA OUTROS. É simples assim.
8 - Resposta de Marcelo Maceo a Nilton Lessa
Grande Nilton, desculpe o texto confuso, vou escrevendo na correria por
aqui, mas tbm gero a possibilidade de vcs exercitarem a imaginação ao
tentar adivinhar o que quis dizer, kkkkk.
Muito bem esclarecido, realmente, confundo estes conceitos, e
esclarecendo aqui fica mais fácil de prosearmos. Sendo assim, aproveito
para perguntar se uma influência que seja dirigida intencionalmente para
um fim específico (para vender uma idéia ou converter alguém) não seria
um tipo de exercício de poder (a política tbm não teria relação com isso?
Quem sabe a publicidade tbm?).
9 - Resposta de Augusto de Franco a Marcelo Maceo
Acho que não, Marcelo. Concordo com o que disse Nilton no texto acima.
Um dos problemas da análise sociológica do poder é que ela introduz uma
apreciação equívoca e, com isso, desviriliza (essa palavra, sei, vai me dar
problema então vou trocá-la pela expressão) ou 'torna impotente' o
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conceito de poder quando este se refere ao poder de mandar alguém
fazer alguma coisa contra sua vontade. E esse equívoco é introduzido toda
vez que se desliza o conceito de poder para significar "influência" ou
mesmo quando se fala de um "poder simbólico", de um "poder cultural"
(como se todo poder não o fosse), de um poder das lideranças
emergentes ou, ainda, quando se aplica o conceito de poder a interações
não-humanas (poder chimpanzé, por exemplo).
A conversa é particularmente difícil porque usamos no cotidiano a palavra
poder para designar a capacidade de fazer qualquer coisa: poder de
realizar, poder de juntar pessoas e por aí vai.
Somente com a ciência das redes o termo poder ganhou a acepção
inequívoca de obstrução de fluxos, eliminação de atalhos ou exclusão de
nodos (que são, ao fim e ao cabo, a mesma coisa: condicionamentos
impostos à livre interação, que então deixa de ser livre). Nesse sentido
Marcelo, não há um "bom poder", um poder exercido para divulgar boas
ideias... Não cabe nem julgar se é do bem ou do mal. Simplesmente é
assim. É um fenômeno da interação, não uma intenção do sujeito que se
possa avaliar eticamente.
Agora, se tomarmos como referencial do desejável tudo que aumenta os
graus de liberdade (como tomam os democratas) e a cooperação (como
tomam os que ensaiam redes distribuídas), então o poder (no sentido da
ciência das redes, tal como alguns de nós a apreendem) é sempre
indesejável. Porque liberdade é não poder e poder é uma medida de não-
rede (distribuída), quer dizer, de não cooperação. Ambos - liberdade e
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cooperação - são atributos da forma como nos organizamos e nada mais
(Arendt já havia dito isto sobre a liberdade e eu acrescentei a
cooperação).
Mas noto, Marcelo, que esta mesma questão já foi trazida à conversação
por você, pelo menos mais de duas vezes. O que é sinal, interpreto, de que
a questão não foi esgotada e que você continua com uma inquietação.
Se você influencia uma pessoa com suas ideias ou seu comportamento
mas não move uma palha para restringir os caminhos dessa pessoa, então
no sentido acima você não exerce poder sobre ela. Se você não verticaliza
(ou deforma anisotropicamente) o campo em que ela se move, você não
exerce poder sobre ela. Este é o sentido de poder como poder de mandar.
É claro que se pode sempre argumentar que quem faz isso também
conduz as pessoas usando outros instrumentos coercitivos ou restritivos
(por exemplo, permitindo que apenas circule um jornal, um canal de TV
etc). Neste caso, quem faz isso desse modo está exercendo poder, não
porque está influenciando com suas ideias e sim porque está restringindo
caminhos (proibindo, por exemplo, que o influenciado também influencie
outras pessoas e até mesmo o influenciador).
Desgraçadamente a confusão entre influência e poder (e os outros
deslizamentos do conceito mencionados no início deste comentário) é
urdida por alguns, conscientemente, para dizer que todos os líderes
exercem poder, que os hubs são uma função de poder, que os
articuladores e animadores de redes têm mais poder do que os outros.
Tudo isso, quando é feito assim, como um expediente instrumental, serve
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ao propósito de validar hierarquias, dizer que elas são naturais, que elas
emergem da interação, que elas são uma fenomenologia social,
automática, ou que tudo obedece a uma lei cósmica.
[...]
Veja uma conversa rolando lá no Facebook com o Paulo Ganns, sobre isso:
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=537287492970120&set=a.234
462913252581.65192.100000666218375&type=1
Quer acompanhar mais? Vá para a Escola-de-Redes:
http://escoladeredes.net/group/hierarquia-a-matrix-realmente-existente