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Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                                85
                  (Corresponde à introdução do Capítulo 11,
               intitulado Bem-vindos aos novos mundos-fluzz)




O Pó de Flu (Floo Powder) é um modo de viajar e se comunicar
no mundo mágico, que pode ser usado por crianças...
Inventado por Ignatia Wildsmith,
é utilizado por muitos bruxos e bruxas
para se transportar para (e através de) todos os lugares
que estiverem ligados à Rede do Flu (Floo Network).
Da série Harry Potter de J. K. Rowling (1997-2007)



Perder-se também é caminho.
Clarice Lispector em Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969)
Livre, livre é quem não tem rumo.
Manoel de Barros em Menino do Mato (2010)




                                     2
Bem-vindos aos novos mundos-fluzz.

      Esqueçam suas velhas idéias e práticas de comando e controle.
      Abram mão de suas noções-século-20 de participação. E se livrem da
      compulsão de gerir o conhecimento ou organizar conteúdos para os
      outros (ou juntamente com eles). Preparem-se para entrar no
      multiverso das interações.

      Nos mundos-fluzz não é o conteúdo do que flui pelas conexões da
      rede a variável fundamental para explicar o que acontece(rá) e sim o
      modo-de-interagir e suas características, como a freqüência, as
      reverberações, os loopings, as configurações de fluxos que se
      constelam a cada instante, os espalhamentos e aglomeramentos
      (clustering), os enxameamentos (swarming) que irrompem, as curvas
      de distribuição das variações aleatórias introduzidas pela imitação
      (cloning) que produzem ordem emergente (a partir da interação), as
      contrações na extensão característica de caminho (crunch) dentro de
      cada cluster...

      Em vez de tentarem organizar a auto-organização, construam
      interfaces para conversar com a rede-mãe, aquela que existe
      independentemente de nossos esforços conectivos voluntários e que,
      para usar uma imagem do Tao, é como o espírito do vale, suave e
      multífluo, [como] a mulher misteriosa que age sem esforço ao se
      deixar varrer pelo sopro, ao ser permeável ao fluxo que não pode ser
      aprisionado por qualquer mainframe: fluzz.

      Oh!, sim, redes são fluições. Este livro foi sobre redes.




Os novos mundos altamente conectados do terceiro milênio são aqueles
mundos glocais em que fluzz vai sendo desobstruído. Fluzz é obstruído pela
centralização das comunicações (e inclusive pela Internet descentralizada),
mas também por todas as separações que reduzem a interação, desde


                                      3
aquelas impostas pela barreira da língua, passando por aquelas que
separam quem busca de quem gera conhecimento e pelas que separam os
dispositivos tecnológicos interativos do corpo humano até chegar às que
separam pessoas de não-pessoas.

Bem-vindos então aos novos mundos-fluzz. Seu dispositivo móvel de
interação já se comunica diretamente com outros dispositivos móveis. Seu
computador – agora um transceptor, alimentado por baterias recarregáveis
por luz ou força mecânica – gera sua própria onda eletromagnética e “fala”
diretamente com os outros computadores do seu mundo. Nada de
provedores, roteadores, protocolos únicos. No lugar da internet
multicentralizada, redes distribuídas. Redes P2P (peer-to-peer). Redes
Mesh, ampliadas por replicação em cascata, interconectadas.

Seu Foursquare não está mais montado sobre a planta urbana, mas sobre
mapas de caminhos no espaço-tempo dos fluxos. Ele passou a ser i-based.
Com a ajuda de telas (e tudo pode ser tela), óculos especiais, projeções
holográficas ou implantes bio-eletrônicos e cibernéticos, você “vê” o fluxo.
Como um precog você antevê o desfecho de configurações em formação,
que ainda não se materializaram... E como um novo John Anderton (o
protagonista de Minority Report, interpretado por Tom Cruise, mas agora
livre e não-perseguido) interage com as coisas: os artefatos, os
equipamentos, os prédios, as ruas.

Mas com você não ocorre nada parecido com o que se passa na sociedade
de controle de Minority Report, o filme de Spielberg (2002) baseado no
conto homônimo de Philip K. Dick (1956). Você será mais como aquele
Leto, o filho de Paul Atreides, em Os Filhos de Duna, de Frank Herbert
(1976) (1). Não há um mainframe. Não há um Arquiteto (o personagem de
Matrix Reloaded magistralmente interpretado por Helmut Bakaitis). Acorda!
Você não está mais na Matrix.

Agora você dispõe de programas i-based de navegação inteligente, da
busca (semântica) à polinização (criativa, ensejadora de múltiplos
significados). Cada um tem sua própria wikipedia, cada busca P2P é feita
em miríades de wikipedias e não em apenas uma (única) instalada em um
mainframe. Cada busca revela um resultado diferente porque, na verdade,
não existe a busca unilateral: toda busca é uma interação, quer dizer, uma
geração de conhecimento-vivo (ou não revela nada além de conhecimento-
morto). Cada busca, portanto, deixa um rastro, o rastro daquela particular
fluição que se agrega ao resultado da busca análoga seguinte para os que
estão trafegando pelo mesmo interworld.




                                     4
Nos Highly Connected Worlds todo buscador é um polinizador. Esse
interagente é um viajante, um peregrino de mundos e um semeador de
mundos, um nômade que não depende mais de workstations instaladas em
equipamentos que obstruem fluxos. Dispositivos móveis de navegação e
comunicação, objetos interativos nômades ficaram vez mais portáteis e
mais decisivos na geração de small-worlds e de interworlds.

Os dispositivos tecnológicos deixaram de estar separados do corpo. Eles
estão cada vez mais próximos, como certos games que, no passado,
começaram a substituir o joystick pelo próprio corpo humano (2); e assim
também ocorre com processadores, navegadores e comunicadores que são
instalados em relógios de pulso, óculos, pulseiras, anéis, colares, bonés e
outros acessórios. Alguns desses artefatos são tradutores-transdutores que
funcionam em tempo real permitindo a conversação entre pessoas que
falam línguas diferentes. E muito além disso: agora temos dispositivos
inseridos – integrados, assimilados ou combinados por simbiose – ao corpo
humano. Tornou-se irrelevante a velha discussão sobre aquelas faculdades
polêmicas, parapsicológicas, como a telepatia, porque já é irrelevante tê-las
na medida em que podemos realizar a interação sem distância ou em tempo
real com outros seres humanos e não-humanos, animados ou inanimados,
sempre que quisermos.

Podemos inserir em nossos corpos outros dispositivos capazes de ampliar e
acelerar a comunicação. Estamos descobrindo em seres não-humanos
parceiros simbióticos – semelhantes à psilocibina, na visão de Terence
McKenna (1992) (3) ou como as imaginárias “midi-chlorians” da série Star
Wars (4) – capazes de nos dotar de mais “percepção” de fluzz ou de ensejar
melhores condições de interação.

Mas esses avanços tecnológicos, em si, não são nada diante das inovações
sociais que surgiram com o auxílio de tecnologias i-based (aliás, tais
tecnologias só foram desenvolvidas porque já havia a possibilidade social
para o seu surgimento). Não-escolas, não-igrejas, não-partidos, não-
Estados-nações, não-empresas-hierárquicas germinaram e floresceram,
dando nascimento a novas variedades de instituições-fluzz baseadas na vida
comum e na convivência das pessoas comuns ressignificadas como
expressões diretas do multiverso criativo (aquele que cria a si mesmo à
medida que se desenvolve). Não é um novo céu e uma nova terra (como
expectou Isaias 65: 17): é que o novo céu passou a ser a nova terra; enfim
a terre des hommes!

Todas as novas possibilidades sociais que permitem a emergência de Highly
Connected Worlds estão ligadas à fenomenologia das redes sociais



                                     5
distribuídas. Não foi propriamente a descoberta desses novos fenômenos
que quebrou as cadeias que nos aprisionavam ao velho mundo e sim a
nossa disposição social de deixarmos eles acontecerem.




                                  6
Notas

(1) HERBERT, Frank (1976). Os Filhos de Duna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.

(2) Como o Kinect, um dos maiores lançamentos da Microsoft em 2010.

(3) A psilocibina é um alcalóide encontrado em alguns cogumelos, de estrutura
molecular análoga à serotonina, e merece continuar sendo estudada (assim como
várias outras substâncias que alteram de alguma forma a percepção ou aquilo que
se chama de consciência, como as que são misturadas para o preparo do chá
ayahuasca). Cf. McKENNA, Terence (1992). O alimento dos deuses. São Paulo:
Nova Era, 1996.

(4) Os “midi-chlorians”, organismos microscópicos existentes nas células dos seres
vivos que facilitam a interação com a Força, introduzidos tardiamente na série de
George Lucas, no Episódio 1 (1999): “A Ameaça Fantasma” (cf. BROOKS, Terry
(1999). Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma. São Paulo: Meia Sete Editora,
1999) talvez sejam uma evocação conceitualmente menos adequada. Pois fluzz não
é a força (Te). Fluzz é o curso (Tao).




                                        7

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Bem-vindos aos novos mundos-fluzz

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 85 (Corresponde à introdução do Capítulo 11, intitulado Bem-vindos aos novos mundos-fluzz) O Pó de Flu (Floo Powder) é um modo de viajar e se comunicar no mundo mágico, que pode ser usado por crianças... Inventado por Ignatia Wildsmith, é utilizado por muitos bruxos e bruxas para se transportar para (e através de) todos os lugares que estiverem ligados à Rede do Flu (Floo Network). Da série Harry Potter de J. K. Rowling (1997-2007) Perder-se também é caminho. Clarice Lispector em Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969)
  • 2. Livre, livre é quem não tem rumo. Manoel de Barros em Menino do Mato (2010) 2
  • 3. Bem-vindos aos novos mundos-fluzz. Esqueçam suas velhas idéias e práticas de comando e controle. Abram mão de suas noções-século-20 de participação. E se livrem da compulsão de gerir o conhecimento ou organizar conteúdos para os outros (ou juntamente com eles). Preparem-se para entrar no multiverso das interações. Nos mundos-fluzz não é o conteúdo do que flui pelas conexões da rede a variável fundamental para explicar o que acontece(rá) e sim o modo-de-interagir e suas características, como a freqüência, as reverberações, os loopings, as configurações de fluxos que se constelam a cada instante, os espalhamentos e aglomeramentos (clustering), os enxameamentos (swarming) que irrompem, as curvas de distribuição das variações aleatórias introduzidas pela imitação (cloning) que produzem ordem emergente (a partir da interação), as contrações na extensão característica de caminho (crunch) dentro de cada cluster... Em vez de tentarem organizar a auto-organização, construam interfaces para conversar com a rede-mãe, aquela que existe independentemente de nossos esforços conectivos voluntários e que, para usar uma imagem do Tao, é como o espírito do vale, suave e multífluo, [como] a mulher misteriosa que age sem esforço ao se deixar varrer pelo sopro, ao ser permeável ao fluxo que não pode ser aprisionado por qualquer mainframe: fluzz. Oh!, sim, redes são fluições. Este livro foi sobre redes. Os novos mundos altamente conectados do terceiro milênio são aqueles mundos glocais em que fluzz vai sendo desobstruído. Fluzz é obstruído pela centralização das comunicações (e inclusive pela Internet descentralizada), mas também por todas as separações que reduzem a interação, desde 3
  • 4. aquelas impostas pela barreira da língua, passando por aquelas que separam quem busca de quem gera conhecimento e pelas que separam os dispositivos tecnológicos interativos do corpo humano até chegar às que separam pessoas de não-pessoas. Bem-vindos então aos novos mundos-fluzz. Seu dispositivo móvel de interação já se comunica diretamente com outros dispositivos móveis. Seu computador – agora um transceptor, alimentado por baterias recarregáveis por luz ou força mecânica – gera sua própria onda eletromagnética e “fala” diretamente com os outros computadores do seu mundo. Nada de provedores, roteadores, protocolos únicos. No lugar da internet multicentralizada, redes distribuídas. Redes P2P (peer-to-peer). Redes Mesh, ampliadas por replicação em cascata, interconectadas. Seu Foursquare não está mais montado sobre a planta urbana, mas sobre mapas de caminhos no espaço-tempo dos fluxos. Ele passou a ser i-based. Com a ajuda de telas (e tudo pode ser tela), óculos especiais, projeções holográficas ou implantes bio-eletrônicos e cibernéticos, você “vê” o fluxo. Como um precog você antevê o desfecho de configurações em formação, que ainda não se materializaram... E como um novo John Anderton (o protagonista de Minority Report, interpretado por Tom Cruise, mas agora livre e não-perseguido) interage com as coisas: os artefatos, os equipamentos, os prédios, as ruas. Mas com você não ocorre nada parecido com o que se passa na sociedade de controle de Minority Report, o filme de Spielberg (2002) baseado no conto homônimo de Philip K. Dick (1956). Você será mais como aquele Leto, o filho de Paul Atreides, em Os Filhos de Duna, de Frank Herbert (1976) (1). Não há um mainframe. Não há um Arquiteto (o personagem de Matrix Reloaded magistralmente interpretado por Helmut Bakaitis). Acorda! Você não está mais na Matrix. Agora você dispõe de programas i-based de navegação inteligente, da busca (semântica) à polinização (criativa, ensejadora de múltiplos significados). Cada um tem sua própria wikipedia, cada busca P2P é feita em miríades de wikipedias e não em apenas uma (única) instalada em um mainframe. Cada busca revela um resultado diferente porque, na verdade, não existe a busca unilateral: toda busca é uma interação, quer dizer, uma geração de conhecimento-vivo (ou não revela nada além de conhecimento- morto). Cada busca, portanto, deixa um rastro, o rastro daquela particular fluição que se agrega ao resultado da busca análoga seguinte para os que estão trafegando pelo mesmo interworld. 4
  • 5. Nos Highly Connected Worlds todo buscador é um polinizador. Esse interagente é um viajante, um peregrino de mundos e um semeador de mundos, um nômade que não depende mais de workstations instaladas em equipamentos que obstruem fluxos. Dispositivos móveis de navegação e comunicação, objetos interativos nômades ficaram vez mais portáteis e mais decisivos na geração de small-worlds e de interworlds. Os dispositivos tecnológicos deixaram de estar separados do corpo. Eles estão cada vez mais próximos, como certos games que, no passado, começaram a substituir o joystick pelo próprio corpo humano (2); e assim também ocorre com processadores, navegadores e comunicadores que são instalados em relógios de pulso, óculos, pulseiras, anéis, colares, bonés e outros acessórios. Alguns desses artefatos são tradutores-transdutores que funcionam em tempo real permitindo a conversação entre pessoas que falam línguas diferentes. E muito além disso: agora temos dispositivos inseridos – integrados, assimilados ou combinados por simbiose – ao corpo humano. Tornou-se irrelevante a velha discussão sobre aquelas faculdades polêmicas, parapsicológicas, como a telepatia, porque já é irrelevante tê-las na medida em que podemos realizar a interação sem distância ou em tempo real com outros seres humanos e não-humanos, animados ou inanimados, sempre que quisermos. Podemos inserir em nossos corpos outros dispositivos capazes de ampliar e acelerar a comunicação. Estamos descobrindo em seres não-humanos parceiros simbióticos – semelhantes à psilocibina, na visão de Terence McKenna (1992) (3) ou como as imaginárias “midi-chlorians” da série Star Wars (4) – capazes de nos dotar de mais “percepção” de fluzz ou de ensejar melhores condições de interação. Mas esses avanços tecnológicos, em si, não são nada diante das inovações sociais que surgiram com o auxílio de tecnologias i-based (aliás, tais tecnologias só foram desenvolvidas porque já havia a possibilidade social para o seu surgimento). Não-escolas, não-igrejas, não-partidos, não- Estados-nações, não-empresas-hierárquicas germinaram e floresceram, dando nascimento a novas variedades de instituições-fluzz baseadas na vida comum e na convivência das pessoas comuns ressignificadas como expressões diretas do multiverso criativo (aquele que cria a si mesmo à medida que se desenvolve). Não é um novo céu e uma nova terra (como expectou Isaias 65: 17): é que o novo céu passou a ser a nova terra; enfim a terre des hommes! Todas as novas possibilidades sociais que permitem a emergência de Highly Connected Worlds estão ligadas à fenomenologia das redes sociais 5
  • 6. distribuídas. Não foi propriamente a descoberta desses novos fenômenos que quebrou as cadeias que nos aprisionavam ao velho mundo e sim a nossa disposição social de deixarmos eles acontecerem. 6
  • 7. Notas (1) HERBERT, Frank (1976). Os Filhos de Duna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. (2) Como o Kinect, um dos maiores lançamentos da Microsoft em 2010. (3) A psilocibina é um alcalóide encontrado em alguns cogumelos, de estrutura molecular análoga à serotonina, e merece continuar sendo estudada (assim como várias outras substâncias que alteram de alguma forma a percepção ou aquilo que se chama de consciência, como as que são misturadas para o preparo do chá ayahuasca). Cf. McKENNA, Terence (1992). O alimento dos deuses. São Paulo: Nova Era, 1996. (4) Os “midi-chlorians”, organismos microscópicos existentes nas células dos seres vivos que facilitam a interação com a Força, introduzidos tardiamente na série de George Lucas, no Episódio 1 (1999): “A Ameaça Fantasma” (cf. BROOKS, Terry (1999). Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma. São Paulo: Meia Sete Editora, 1999) talvez sejam uma evocação conceitualmente menos adequada. Pois fluzz não é a força (Te). Fluzz é o curso (Tao). 7