O documento discute a desvalorização das moedas de economias emergentes e desenvolvidas em relação ao dólar americano no mês passado, devido principalmente à mudança na postura do Fed em relação à política monetária e à desaceleração do crescimento econômico global. A desvalorização do real brasileiro é atribuída à queda nos preços das commodities, redução dos fluxos financeiros externos e instabilidade política interna. O autor argumenta que o real tende a se estabilizar próximo a R$2,25/US$
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Ajustes e Complicações no Cenário Econômico Global
1. Retrospectiva Prospectiva: Ajustes e Complicações
08 de Agosto de 2013
O mês passado permaneceu demarcado pela piora do binômio juro-câmbio domesticamente e
na maioria dos mercados das economias avançadas e emergentes. Nos EUA, o tom de vários
diretores do Fed em direção à contenção do estímulo monetário (o chamado grupo hawkish)
por meio da desaceleração das compras de ativos imobiliários e de Treasuries programados no
QE (Quantitative Easing) ainda em 2013 (ao invés de 2014) e as perspectivas mais otimistas do
banco central norte-americano em relação ao mercado quanto à recuperação do PIB e do
emprego mantiveram o yield do Treasury de 10 anos perto 2,6%-2,7% ao ano. Isso foi
suficiente para deteriorar o risco-país de várias economias relevantes e valorizar o dólar com
relação à cesta de moedas e, em particular, em comparação ao real.
As desvalorizações atingiram as moedas das economias emergentes e desenvolvidas por meio
de três canais distintos (parcialmente ou, em alguns casos, totalmente comuns a esses
conjuntos de países): o canal dos preços mais baixos das commodities (comum a Brasil, Chile,
Colômbia, Austrália, África do Sul), o da desaceleração/redução do fluxo financeiro de
investimentos externos (comum a Brasil, Peru, Austrália, Colômbia, Turquia, Rússia, África do
Sul e Índia) e o canal da instabilidade macro, social e política, comum a Brasil, Turquia e
África do Sul, por exemplo, mesmo sabendo que os clamores sociais e políticos e a catarse
popular que caracterizam (ou caracterizaram) esses três países diferem essencialmente entre
si. O ponto comum, portanto, às desvalorizações de quase todas as moedas em relação ao
dólar norte-americano é a desaceleração/saída de fluxos de capitais financeiros, cuja fonte
geradora é a mudança de postura do Fed na direção do maior conservadorismo monetário.
Começando, portanto, pela economia norte-americana, os diretores do comitê de política
monetária (FOMC) parecem ter um consenso sobre a desaceleração do programa de compra
de ativos (hoje igual a US$ 85 bilhões mensais) já no 3T13, mas com uma diferença na
intensidade do ritmo entre o grupo hawkish (pró-aperto monetário mais intenso) e o clube dos
dovish. De fato, diante da revisão de toda a série de PIB norte-americano (desde 1929), que
passou a incluir uma nova rubrica dentro de investimentos privados, chamada de produtos de
propriedade intelectual, o novo PIB real é liquidamente maior do que o da antiga série e
destaca o maior nível de consumo das famílias e de consumo e investimentos do governo.
Similarmente, a revisão de toda a série histórica teve viés positivo para o crescimento do
produto real.
O gráfico abaixo traz a diferença, ano a ano, das respectivas taxas anuais do PIB real. Por
exemplo, o crescimento do 1T13 passou de 1,8% (t/t anualizado) para 1,1%; diferentemente,
o crescimento do 2T13, que era estimado pelo mercado em 1,0% em julho, atingiu 1,7%
anualizado.
Revisão metodológica do PIB dos EUA: implicações para o FOMC
Fonte: BEA; elaboração: PINE Macro & Commodities Research
PIB real ∆% t/t
∆% t/t
anualizado
1T13 15.584 0,3% 1,1%
2T13 15.649 0,4% 1,7%
3T13 15.899 1,6% 6,6%
4T13 16.153 1,6% 6,6%
PIB 2013 2,3%
-0,8
-0,6
-0,4
-0,2
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1930
1940
1950
1960
1970
1980
1990
2000
2010
% t/t anualizado
Crescimento do PIB real NOVO - VELHO
2. De qualquer forma, o que importa para a conjuntura atual é a forte revisão do crescimento
real do PIB em 2012, que passou de uma expansão de 2,2% para uma alta de 2,8%. A principal
implicação é a elevação da base do cálculo do PIB de 2013; consequentemente, para os EUA
crescerem os 2,3% estimados pelo FOMC, seriam necessárias altas expressivas de 6,5% (t/t
anualizado) por trimestre tanto no 3T13 quanto no 4T13 (ver tabela acima). Este nível de
expansão não é visto desde 2003 (a expansão não ocorre em dois trimestres seguidos desde
1984); portanto, na reunião do comitê norte-americano de política monetária (FOMC) de
setembro, nós acreditamos em uma revisão da estimativa do FOMC para o PIB deste ano do
intervalo 2,3% - 2,6% para algo mais perto de 2,0%.
De fato, as projeções do FOMC para o desemprego, para inflação ao consumidor e para a
expansão econômica em 2013, divulgadas no comunicado de junho e na ata de julho, são mais
otimistas do que as de mercado, notadamente as correspondentes ao crescimento real do PIB
(ver a tabela e o gráfico abaixo).
Projeções do FOMC: gerais e crescimento do PIB (versus mercado)
Fonte: FOMC (Fed) e Bloomberg; elaboração: PINE Macro & Commodities Research
Logo, à luz da mudança metodológica e da revisão dos números do PIB, o grau de incerteza
dos membros menos exaltados e menos inclinados à interrupção abrupta dos estímulos
monetários (os dovish) tende a aumentar. Como o número de diretores do FOMC desse grupo
é maior do que o correspondente ao clube hawkish, já que o grau de acerto das projeções do
grupo dovish é relativamente maior, uma vez que as incertezas sobre a recuperação
econômica dos EUA ainda é relativamente (e potencialmente) alta e diante do menor
otimismo do mercado sobre a recuperação da atividade econômica, a retirada do estímulo
monetário já no 3T13 não é líquida e certa. Isso que dizer que o yield do Treasury de 10 anos
deveria situar-se, teoricamente, mais perto de 2,5%-2,6% do que de 3,0%.
Os reflexos da inclinação da curva de estrutura a termo de juros nos EUA sobre a cesta de
moedas em geral e sobre o real em particular são quase imediatos. De fato, de acordo com as
nossas simulações, a estabilização da taxa do Treasury de 10 anos próxima a 2,5% implica a
cotação real/US$ mais próxima de 2,25 do que 2,30 no curto prazo (ver os gráficos abaixo). O
problema é que a falta de consenso entre os membros do FOMC e a incerteza sobre o tamanho
da redução do programa mensal do Fed de compra de ativos (de novo, atualmente em US$85
bilhões) a partir do 3T13 produzem um elevado grau de volatilidade no ramo mais longo da
curva de juros nos EUA (entre 5 e 10 anos), o qual mantém o yield do Treasury de 10 anos em
2,7% ao ano, com viés de alta para 3,0% ao ano no curto prazo. Isso é suficiente para
estabilizar o real na vizinhança de 2,3/US$ no 3T13 até as expectativas dos investidores,
principalmente estrangeiros, se assentarem (possivelmente no final do 4T13).
jun/13 2013 2014 2015 Longo prazo
PIB 2,3 - 2,6 ↓ 3,0 - 3,5 ↑ 2,9 - 3,6 ↓ 2,3 - 2,5
Desemprego 7,2 - 7,3 ↓ 6,5 - 6,8 ↓ 5,8 - 6,2 ↓ 5,2 - 6,0
PCE 0,8 - 1,2 ↓ 1,4 - 2,0 ↓ 1,6 - 2,0 ↓ 2,0
Core PCE 1,2 - 1,3 ↓ 1,5 - 1,8 ↓ 1,7 - 2,0 ↓ -
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
abr/11
jul/11
out/11
jan/12
abr/12
jul/12
out/12
jan/13
abr/13
Projeções do FOMC PIB projetado (mercado)
PIB 2013: proj. FOMC x proj. mercado (% anual)
3. Yield do Treasury de 10 anos x R$/US$: 05/13 a 07/13 (dados diários)
Fonte: FOMC (Fed) e BEA; elaboração: PINE Macro & Commodities Research
É claro que o yield do Treasury de 10 anos entre 2,5% e 3,0% depende do conjunto de dados
de alta e baixa frequência nos EUA, notadamente da taxa de desemprego (onde 6,5%
representa o sinal de alerta para o FOMC) e do crescimento real do PIB (onde o sinal de alerta
se situaria entre 2,6% e 3,0% ao ano). No entanto, como acreditamos em nossas projeções de
crescimento econômico nos EUA igual a 1,8% em 2013 e de taxa de desemprego pouco acima
de 7,0% no ano, a maioria dos membros do FOMC brigaria para manter a taxa do Treasury na
vizinhança de 2,5%, levando o real a convergir para 2,25/US$-2,28/US$ em dezembro de
2013.
Do outro lado do mundo, também agindo no sentido da valorização do dólar norte-americano,
a revisão generalizada do crescimento esperado do PIB chinês em 2013 e 2014 para 7,0%-7,5%
(em relação a 8,0%-8,5% projetados anteriormente) e a perspectiva de recessão na zona do
euro (nós contamos com uma variação do PIB da região de -0,4% em 2013) trouxeram a
expectativa de crescimento econômico mundial para apenas 3,1%. É verdade que as
perspectivas desenhadas em julho para o crescimento econômico da zona do euro no 2T13
melhoraram substancialmente e apontam, atualmente, para uma variação trimestral (real) do
PIB entre 0,4% e 0,6%. Os números melhores do que os esperados viriam de Portugal (recessão
menor), Espanha (recessão menos pronunciada), França (variação positiva do PIB ao invés de
estabilidade) e Alemanha (crescimento do PIB mais pronunciado). Entretanto, mesmo que o
PIB da zona do euro fosse bem mais animador no trimestre passado, a perspectiva para o
crescimento econômico mundial não seria muito superior a 3,1% em 2013.
O resultado disso é a desvalorização dos preços das commodities agrícolas e não agrícolas, a
deterioração da parte operacional das contas externas de economias tradicionalmente
exportadoras de commodities e a consequente desvalorização de suas respectivas moedas
desde o início do ano (a exemplo de Brasil, Chile, Colômbia, Austrália, Turquia, África do Sul,
Rússia e, em menor escala, México).
Finalmente, a catarse social que tomou conta do Brasil, a qual obviamente difere (na
essência) dos movimentos sociais e políticos recentes que marcaram a África do Sul e a
Turquia, tem alguma parcela de culpa na desvalorização do real ao, eventualmente, implicar
deteriorações fiscais adicionais e aumentos populistas de gastos governamentais. Diante de
um governo que precisa produzir choques de credibilidade para atrair fluxos líquidos de
capitais estrangeiros, ainda mais quando as contas externas se deterioram, a estratégia de
redução dos superávits primários e a implementação/aceleração de gastos populistas não
parece ser a mais correta para conter a desvalorização do real e os seus prováveis efeitos
inflacionários.
1,50
1,70
1,90
2,10
2,30
2,50
2,70
2,90
1,90
1,95
2,00
2,05
2,10
2,15
2,20
2,25
2,30
2,35
jan/13
fev/13
mar/13
abr/13
mai/13
jun/13
jul/13
R$ / US$ (esq.) Treasury 10A (dir.)
R² = 0,9228
1,95
2,00
2,05
2,10
2,15
2,20
2,25
2,30
2,35
1,70 2,20 2,70 3,20
R$/US$
Treasury 10 anos (taxa)
4. O problema é que mesmo choques de credibilidade têm eficácia limitada quando o cenário de
desaceleração gradual da liquidez internacional se sobrepõe à abrupta e significativa piora
dos números do balanço de pagamentos brasileiro. De fato, essas duas forças configuraram (e
determinam) o real mais desvalorizado, mais perto de 2,30/US$, e produzem perspectivas
inflacionárias consistentes com a variação (estrutural) do IPCA em 6,0% ao ano, ainda mais em
contexto de pleno emprego (taxa de desemprego dessazonalizada perto de 6,0%).
A busca do governo brasileiro por maior credibilidade é necessária e clara; na esfera do
ministério da Fazenda, ela toma a forma do contingenciamento de R$38 bilhões em gastos
discricionários. No âmbito do banco central, ela é entendida aqui como uma tentativa de
convergência da inflação esperada para algo menos distante (ao invés de dizermos mais
próximo) do centro da meta. Sendo assim, no curto prazo, o banco central seguiu em julho a
estratégia atual de elevação da Selic em 0,5% rumo a nossa expectativa de 9,5% até o final do
ano. O ponto principal de nossa perspectiva para a Selic em dezembro de 2013 por meio de
mais dois aumentos consecutivos, de 0,5% cada, reside na constatação de que o objetivo do
BC é colocar a inflação em declínio e assegurar que essa tendência persista em 2014, perto de
5,5% ao ano, mesmo que a economia cresça apenas 2,0% em 2013.
O problema é que essa baixa taxa projetada de crescimento do PIB brasileiro tende a
contribuir progressivamente para a redução da geração de vagas de trabalho, principalmente
na indústria e na construção civil, a qual é altamente absorvedora de mão de obra. De fato,
essa tendência já está ocorrendo; a taxa de desemprego de junho (dados originais) atingiu
6,0% no mês passado, fazendo com que os dados livres de efeitos sazonais passassem de 5,5%
para 5,7% no mesmo período (maior nível desde março/12). Essa tendência deve se repetir
não só em julho, mas também ao longo do 2S13, rumo (de acordo com as nossas projeções) a
6,2%.
Evolução anual da população ocupada: decomposição setorial – 2T13 x 2T12
Fonte: IBGE; elaboração: PINE Macro & Commodities Research
O receio que surge desse número de desemprego até o final do ano e que significaria pelo
menos 500 mil desempregados está associado à queda do último pilar popular do governo
Dilma, o qual sucede a perda do controle inflacionário, a falta de dinamismo do crescimento
econômico e dos investimentos públicos em infraestrutura e, em menor escala, a
deterioração das contas externas. Esse quadro pode conduzir a erros permanentes na
condução da política macroeconômica, a exemplo da redução do superávit primário, das
desonerações tributárias corretivas ao invés de preventivas, das mágicas contábeis e das
capitalizações dos bancos públicos.
No fim de toda essa complexa história, mesmo que os erros de política econômica diminuam
de intensidade (como resultado dos clamores sociais recentes), o crescimento econômico
brasileiro, agora junto com a geração de empregos, é que paga a conta. A desvalorização
cambial mais intensa (caracterizada por maior volatilidade) está normalmente associada à
5. inflação mais alta e a juros mais elevados. Esse quadro torna-se mais instável, ainda mais
quando a economia está em pleno emprego e repousando no aumento (esgotado) do consumo
das famílias e do governo, lembrando que a expansão do consumo pessoal tem significativo
viés de baixa em 2013 e 2014 por conta da perspectiva de elevação da taxa de desemprego.
Nesse caso, em particular, as pressões populares e sindicais sobre gastos sociais e em
infraestrutura seriam ainda maiores, implicariam a provável redução adicional do superávit
primário (como % do PIB) via aumento dos gastos correntes e/ou isenções tributárias, ao invés
da priorização e racionalização dos gastos públicos. O resultado mais provável disso tudo seria
a maior aversão doméstica e externa ao risco Brasil, produzindo desaceleração dos
investimentos privados, menor produtividade dos fatores de produção e uma pífia expansão
real do PIB, entre 1,5% e 2,2% ao ano, em 2013 e 2014.
Marco Antonio Maciel
Economista-chefe
Pine
Marco Antonio Caruso
Economista
Pine
Brasil: Principais Indicadores Econômicos - Banco Pine
INDICADORES ECONOMICOS 2008 2009 2010 2011 2012 2013E 2014E
Taxa de crescimento do PIB Real (%) 5,2% -0,6% 7,5% 2,7% 0,9% 2,1% 2,2%
R$:US$ final de período (nominal) 2,40 1,75 1,69 1,83 2,08 2,32 2,53
R$:US$ média (nominal) 1,83 2,00 1,76 1,67 1,95 2,16 2,32
BR inflação (IPC / IPCA) 5,9% 4,3% 5,9% 6,5% 5,8% 5,8% 5,9%
BR inflação (IGP-M) 9,8% -1,7% 11,3% 5,1% 7,8% 4,4% 6,6%
BR taxa de juros (Selic, fim de período) 13,75% 8,75% 10,75% 11,00% 7,25% 9,50% 9,50%
BR taxa de juros (Selic, média) 12,54% 9,92% 10,00% 11,71% 8,46% 8,33% 9,50%
TJLP (fim de período) 6,25% 5,75% 6,00% 6,00% 5,00% 5,00% 5,00%
Saldo comercial (US$bn) 25,0 25,4 20,0 29,8 19,4 5,0 5,0
Conta corrente (US$bn) -35,0 -24,3 -47,5 -52,6 -54,1 -85,0 -85,0
Conta corrente (% do PIB) -2,1% -1,6% -2,3% -2,1% -2,4% -3,5% -3,2%
Superávit primário (% do PIB) 3,4% 2,0% 2,7% 3,1% 2,4% 1,7% 1,5%
Dívida líquida do setor público/PIB 38,5% 42,1% 39,1% 36,4% 35,1% 36,6% 36,6%
Risco Brasil (pb, fim de período) 428 302 211 223 142 260 310
jan/2013 2,03
fev/2013 1,97
mar/2013 1,98
abr/2013 2,00
mai/2013 2,04
jun/2013 2,17
jul/2013 2,25
ago/2013 2,28
set/2013 2,26
out/2013 2,28
nov/2013 2,30
dez/2013 2,32
2013 2,16
R$/US$ (média mensal)Período
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