Diagnóstico e tratamento das urgencias tireoidianas
1. Clínica Médica
Orsine Valente
Angélica Marques Martins Diagnóstico e tratamento
Marcelo Valente
das urgências tireoidianas
Coma Mixedematoso Apresentação Clínica
Além dos sinais e sintomas de hipotireoidismo,
Introdução o que chama a atenção no coma mixedematoso (Qua-
O coma mixedematoso é uma emergência mé- dro 1) é a alteração do estado mental e a hipotermia.
dica causada pela grave deficiência de hormônios Mas a hipoventilação, a hipotensão, a bradicardia, a
tireoidianos. Felizmente, agora é uma apresentação rara hiponatremia, a hipoglicemia e o edema não-depressível
do hipotireoidismo, provavelmente devido ao diagnós- também estão presentes. Entretanto, o diagnóstico é
tico precoce. A taxa de mortalidade, de acordo com a eventualmente retardado na prática, desde que os pa-
literatura internacional, está entre 30% e 40%. cientes possam apresentar-se com achados não-usuais,
As causas básicas do coma mixedematoso inclu- como cardiomiopatia, megacólon ou crises convulsivas.
em todas aquelas do hipotiroidismo em geral. A apre- O diagnóstico é fortemente determinado pela dura-
sentação mais comum, entretanto, é vista em pacientes ção do coma e precocidade no início do tratamento.
com tireoidectomia total prévia ou pacientes que foram
submetidos a terapêutica com iodo radioativo para o Diagnóstico
tratamento de hipertireoidismo e descontinuaram o tra- Os sinais e sintomas clínicos mais importan-
tamento com hormônio tireoidiano. A maioria dos pa- tes são hipotermia, hipoventilação e distúrbio da fun-
cientes em coma mixedematoso apresenta tireóide pe- ção cerebral como letargia, estupor e coma. No diag-
quena ou ausente. No entanto, também é possível que nóstico laboratorial (Quadro 2), a confirmação do
as formas de hipertireoidismo com bócio, tais como hipotireoidismo é feita pelo encontro de tiroxina (T4)
tireoidite de Hashimoto e bócio multinodular, sejam livre diminuída e tireotropina (TSH) elevado. No en-
causas de coma mixedematoso. tanto, os resultados desses exames não estarão pron-
Os fatores precipitantes mais importantes des- tos para o tratamento de emergência, sendo necessá-
sa afecção são as infecções, as doenças respiratórias, a rio o emprego de dados laboratoriais menos específi-
insuficiência cardíaca congestiva, a administração de cos que, no entanto, apóiem a impressão clínica de
sedativos e narcóticos e o frio intenso. Todas essas con- hipotireoidismo. Os mais importantes são:
dições podem induzir à depressão do centro respirató- 1. gasometria arterial: observa-se aumento da PaCO2
rio, à depressão da consciência, ao estupor e ao coma. e diminuição da PaO2, caracterizando uma acidose
respiratória com hipóxia.
Quadro 1. Sinais clínicos mais importantes
do coma mixedematoso 2. os níveis de glicose encontram-se freqüentemente
diminuídos.
1. Distúrbios da função cerebral
2. Hipotermia
3. os níveis de sódio sérico encontram-se abaixo do
3. Hipoventilação e acidose respiratória normal e o potássio sérico também pode estar
4. Hipoglicemia baixo, devido ao fenômeno da diluição.
5. Hiponatremia 4. o hemograma poderá mostrar alterações
6. Bradicardia
inespecíficas; a anemia, em geral, é normocítica
7. Hipotensão
normocrômica, mas também poderá ser micro-
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2. cítica, sugerindo a presença de sangramento, ou tes com coma mixedematoso e é devida à diminui-
macrocítica, sugerindo a presença de anemia per- ção da termogênese que acompanha a diminuição do
niciosa, a qual é achado comum em pacientes com metabolismo. A baixa temperatura corporal pode não
doença tireoidiana auto-imune. Por outro lado, a ser reconhecida inicialmente, se for utilizado termô-
ausência de febre ou leucocitose não exclui infec- metro clínico comum, pois a temperatura mais baixa
ção, já que a resposta imune é bloqueada no hipoti- que pode ser registrada nele é de 35oC. Assim, torna-
reoidismo. Às vezes, leucocitose é observada somen- se necessário o uso de termômetros de laboratório, a
te após terapêutica com hormônio tireoidiano. fim de se averiguar a temperatura correta.
5. os níveis de creatino-fosfoquinase (CPK), transa- As anormalidades cardiovasculares no hipo-
minase oxalo-acético (TGO) e desidrogenase láctica tireoidismo de longa duração podem levar à hiper-
(DHL) estão freqüentemente elevados devido à di- tensão diastólica, devido à aumentada resistência
minuição do clearance metabólico no hipo- vascular sistêmica e à redução no volume sangüíneo.
tireoidismo.1 O nível de CPK pode alcançar um Entretanto, o coma mixedematoso é associado com
valor muito alto em pacientes com miopatia do bradicardia, diminuída contratilidade miocárdica,
hipotireoidismo. A membrana basal torna-se mais baixo débito cardíaco e, às vezes, hipotensão.4 Todas
porosa no hipotireoidismo grave, permitindo a saída as anormalidades cardíacas são reversíveis com tera-
de proteína mais facilmente. Os níveis protéicos pia pelo hormônio tireoidiano.
no líquor, na pleura e no peritônio podem alcançar
níveis de exsudato sem qualquer evidência de in- Tratamento
fecção. Esse derrame usualmente desaparece após
terapia com hormônio tireoidiano. A natureza be- Citaremos os principais tópicos do tratamen-
nigna do derrame é diferenciada da infecção pela to do coma mixedematoso (Quadro 3).
ausência de grande número de leucócitos. 1. Assistência ventilatória – é a conduta mais impor-
6. o eletrocardiograma mostrará bradicardia sinusal, tante do tratamento. O desenvolvimento da insufi-
complexos de baixa voltagem e alterações difusas ciência respiratória pode ser insidioso. Nesses casos,
da onda T. pode-se fazer uso de oxigênio através de máscara
7. o raio X de tórax pode mostrar a presença de der- facial. Se a insuficiência respiratória é aguda, deve-
rame pleural ou pericárdico, que é observada com mos proceder à entubação endotraqueal e à ventila-
freqüência em pacientes portadores de mixedema. ção mecânica. Análise da gasometria após uma hora
deve ser feita para adequar a ventilação respiratória.
Patogênese
A insuficiência respiratória levando à hipóxia Quadro 2. Diagnóstico laboratorial do
coma mixedematoso
e à hipercapnia nos pacientes com mixedema avan-
- T4 livre - CPK
çado sugere problemas em todos os níveis do sistema
- TSH - Colesterol
respiratório, incluindo possível obstrução das vias aé- - Cortisol - Creatinina
reas, fraqueza dos músculos intercostais e - Gasometria - Hemocultura
diafragmáticos e insensibilidade dos centros respira- - Glicemia - Cultura de urina
tórios à hipóxia e hipercapnia.2 - Na+ K+ - Raio X do tórax
A hiponatremia pode ser atribuída à secreção - Hemograma - Eletrocardiograma
- Urina tipo I
inapropriada do hormônio antidiurético,3 à diminui-
ção do clearance de água livre pelo rim, devido à re-
dução na filtração glomerular, e à hiperlipemia, que Quadro 3. Manuseio terapêutico do
é achado comum e pode causar valores artificialmen- coma mixedematoso
te baixos de sódio no plasma. A hiponatremia está - Entubação endotraqueal e ventilação mecânica, se indicado.
presente em aproximadamente metade dos pacientes - Tiroxina 200 a 400 µg EV seguido por doses diárias de 50 a 100 µg.
- Tiroxina VO (dose EV ÷ 0,75) quando o paciente puder tolerar
com coma mixedematoso. medicação via oral.
A hipoglicemia pode ser explicada pela dimi- - Hidrocortisona 100 mg EV 8/8 horas.
nuição do antagonismo periférico à insulina, pela - Expansor de volume para tratar a hipotensão S/N.
diminuição da neoglicogênese causada pela insuficiên- - Solução de glicose a 5% em água ou solução salina.
- Solução salina hipertônica EV, caso ocorra hiponatremia sintomática
cia adrenal latente ou manifesta e, também, pela me- e/ou Na < 120 mEq/l. Infundir na dose de 0,5 a 1 mEq/litro/hora e
nor ingestão alimentar. A hipoglicemia associada à não exceder 130 mEq/l nas primeiras 24 horas.
bradicardia é bastante sugestiva de hipotireoidismo. - Aquecimento passivo.
A hipotermia está presente em muitos pacien- EV = via endovenosa; VO = via oral.
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3. 2. Acesso venoso – todos os medicamentos devem hipotireoidismo pode ser secundário à insuficiência
ser dados preferencialmente por via endovenosa, pituitária na qual a reserva de hormônio adrenocor-
já que o achado de hipotensão e íleo é comum e ticotrópico (ACTH) é diminuída, levando à insufi-
dificulta a absorção dos medicamentos por via oral ciência adrenal secundária. Terceiro, o metabolismo
ou nasogástrica. dos hormônios esteróides é diminuído durante o
3. Reposição de hormônios tireoidianos – há conside- hipotireoidismo, sendo a produção adrenal suficien-
rável controvérsia em relação à maneira de reposição te para esse estado metabólico. Com a restauração de
do hormônio tireoidiano no coma mixedematoso eutireoidismo, a utilização de esteróide adrenal é gran-
grave. Há um paradoxo nessa forma de terapia, na demente aumentada. Nessas situações, junto com a
qual mixedema na ausência de coma é tradicional- freqüente coexistência de doença grave, aumentarão
mente tratado com pequenas doses quando se inicia as necessidades de glicocorticóides, que podem ser
o tratamento. No caso do coma mixedematoso, de- maiores que a reserva funcional. Essa situação aumen-
vido à alta taxa de mortalidade, utilizam-se altas do- ta o risco de insuficiência adrenal aguda e choque.
ses de hormônio tireoidiano mes- A dose inicial de hidrocortisona
mo correndo o risco de uma grave é de 100 mg EV de 8/8 horas; posteri-
arritmia. O fator precipitante
ormente, 50 a 100 mg de 8/8 horas e
progressivamente diminuída até os ní-
mais importante do
Há também diferentes opiniões veis de cortisol tornarem-se apropria-
sobre se é melhor usar T4, triiodo- coma mixedematoso dos para a situação do paciente.
tironina (T3) ou uma combinação de é a infecção
ambas. O argumento contra o uso de pulmonar Medidas de Suporte
T3 endovenosa é baseado na maior os- Hipotensão é preocupante e
cilação das concentrações plasmáticas, difícil de tratar porque os pacientes
na necessidade de múltiplas doses e na mais alta inci- com hipotireoidismo são relativamente insensíveis a
dência de arritmias cardíacas. Altas concentrações de T3 drogas adrenérgicas. Como os pacientes
durante o tratamento têm sido correlacionadas com mor- mixedematosos usualmente têm volume plasmático
talidade.5 No entanto, Pereira e cols.6 publicaram três diminuído, é mais importante fornecer volume na
casos de coma mixedematoso que foram tratados com forma de expansores plasmáticos enquanto a pressão
sucesso após a administração de T3. venosa central está sendo monitorada. Se a
O uso de T4 é preferível por algumas razões. Pri- hiponatremia dilucional é assintomática, nenhuma
meiro, a preparação endovenosa de T4 é facilmente dis- conduta é tomada já que ela se corrige pela diurese
ponível. Segundo, a taxa de remoção do T4 é considera- após terapia com hormônio tireoidiano. Entretanto,
velmente menor do que a de T3, fazendo com que uma grave retenção de água e hiponatremia podem ser fa-
dose diária seja suficiente. Terceiro, em humanos, a tores que contribuem para o coma e, ocasionalmen-
tiroxina extratireoidiana é a maior fonte de produção de te, para crises convulsivas. Nessa situação, solução
T3 nos tecidos periféricos, que, mesmo sendo diminuí- salina hipertônica deve ser administrada juntamente
da pela menor ação da deiodinase hepática, produz quan- com restrição de água no volume infundido. Na
tidade suficiente de T3 para situações de doenças graves. hiponatremia sintomática, deve-se repor o sódio a 0,5
O hormônio tireoidiano é dado, na maioria das a 1 mEq/litro/hora e não exceder 130 mEq/l nas pri-
vezes, por via endovenosa (EV) devido à diminuída meiras 24 horas. A correção muito rápida pode levar
absorção. A dose inicial é de 200 a 400 µg EV, na à mielinólise pontina e dano cerebral.
dependência do peso, da idade e da probabilidade de Para a hipotermia, a administração de hor-
complicações, tais como infarto do miocárdio ou mônio tireoidiano é o método mais efetivo para res-
arritmia cardíaca. Doses diárias de T4 endovenosa de taurar a temperatura corporal ao normal. Deve ser
100 µg por dia são preconizadas após a dose de ataque. utilizado cobertor, estando contra-indicado o aque-
cimento ativo. Em caso de hipoglicemia, glicose a
Administração de Glicocorticóide 5% é prescrita em água ou em solução salina por via
No coma mixedematoso, há risco aumentado endovenosa.
de desenvolvimento de insuficiência adrenal por vá- Embora o coma mixedematoso possa ser cau-
rios motivos. Primeiro, insuficiência adrenal primá- sado ocasionalmente pelo hipotireoidismo, a condi-
ria pode coexistir junto com hipotireoidismo primá- ção mais freqüente é a coexistência de doença infec-
rio auto-imune (síndrome de Schmidt). Segundo, ciosa aguda, principalmente a infecção pulmonar ou
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4. urinária. O aparecimento de febre e leucocitose pode fator desencadeante da crise tireotóxica (Quadro 4),
surgir somente em uma fase tardia, após a adminis- ainda que muitas vezes não se identifique a causa pro-
tração de hormônio tireoidiano, mascarando, com vável em percentual que varia de 25% a 43%.8 Os
isso, o diagnóstico de infecção no coma mixede- mais freqüentes fatores precipitantes são as doenças
matoso. Nesses casos, a administração de antibióti- sistêmicas, principalmente as infecções e a cirurgia
cos de largo espectro deve ser considerada até a pos- tireoidiana e não-tireoidiana. Nos dias atuais, a crise
terior confirmação ou não da presença de infecção tireotóxica provocada por cirurgia tireoidiana é rara
por meio de culturas e outros exames subsidiários que desde que os pacientes sejam levados ao eutireoidismo
deverão ser analisados. antes da cirurgia. É possível a presença de crise
tireotóxica após cirurgia não-tireoidiana em pacien-
Crise Tireotóxica tes em que não se sabia previamente que fossem por-
tadores de hipertireoidismo.
A crise tireotóxica, também chamada de tem- Outro fator desencadeante seria o tratamento
pestade tireoidiana, é emergência médica grave, de por iodo radioativo (I131) como tratamento primário
incidência rara e índice de mortalidade, registrado para o hipertireoidismo, especialmente em pacientes
pela literatura, ao redor de 20% a 50%. Geralmente idosos, em que a liberação de grandes quantidades de
ocorre em pacientes com doença de Graves; porém, T3 e T 4 na circulação poderia precipitar a crise
pode apresentar-se em outras formas de tireotoxicose, tireotóxica. Isso ocorre mais freqüentemente de 14 ou
como o bócio multinodular hiperfuncionante e o mais dias após a administração de grandes doses de I131
adenoma tóxico. Habitualmente, apresenta-se em a pacientes com grandes bócios que não foram trata-
pacientes adultos, porém, está descrita também em dos com drogas anti-tireoidianas. Para evitar essa gra-
crianças e adolescentes. ve complicação é aconselhável, antes da terapia com
I131, usar propiltiouracil ou metimazol para depletar o
Fisiopatologia T3 e T4 armazenado principalmente em pacientes ido-
Não se conhecem com exatidão os mecanis- sos com grave tireotoxicose. Nesses casos, interrompe-
mos fisiopatológicos da crise tireotóxica. Além da se a administração das drogas antitireoidianas por apro-
interação dos hormônios tireoidianos com as ximadamente quatro dias e, se necessário, recomeça-
catecolaminas e a sua ação nos órgãos receptores, se a partir do quarto dia após a dose de I131.
muitos sinais e sintomas da crise tireotóxica ocorrem, É importante mencionar a indução da crise
principalmente, como conseqüência do grave tireotóxica em pacientes hipertireoidianos na qual se
hipermetabolismo, que provoca desacoplamento da fez uso de contraste radiológico EV ou drogas como
fosforilação oxidativa mitocondrial.7 amiodarona, que têm 37% de iodo na sua molécula.
Normalmente, a oxidação e a fosforilação es-
tão estreitamente acopladas e, em vista disso, a velo- Quadro Clínico
cidade de oxidação é dependente da disponibilidade O início da crise tireotóxica é geralmente abrup-
de adenosina difosfato (ADP) e fósforo (P) inorgânico. to e apresenta-se em pacientes cujo hipertireoidismo não
À medida que trifosfato de adenosina (ATP) havia sido tratado ou teria sido feito de forma incom-
vai sendo consumido, mais ADP e P inorgânico tor- pleta. Todos os sintomas da hiperfunção tireóidea po-
nam-se disponíveis, permitindo a ocorrência de mais dem aparecer mais intensos nos pacientes em crise. O
oxidação e fosforilação. Quando existe grande quan- excesso de hormônio tireoidiano gera estado catabólico
tidade de hormônio tireoidiano na circulação, ocorre com aumento de consumo de O2 e aumento de tônus
desacoplamento da fosforilação oxidativa, de tal modo simpático, que explica a maior parte da sintomatologia
que grande parte da energia da oxidação dos substratos
não mais resultará na formação de ATP, mas, sim, Quadro 4. Fatores desencadeantes da crise tireotóxica
em energia liberada sob a forma de calor. Esse parece
- Tireoidectomia subtotal em pacientes sem preparo com iodo,
ser o principal mecanismo responsável pelas mani- propiltiouracil ou metimazol.
festações tóxicas de excessivas quantidades de - Doenças sistêmicas acometendo pacientes com grave tireotoxicose.
hormônio tireoidiano na circulação. - Hipertireoidismo descompensado em paciente submetido a cirurgia
não-tireoidiana.
- Uso de iodo radioativo como terapêutica para o hipertireoidismo.
Fatores Desencadeantes - Ingestão de grandes doses de hormônio tireoidiano.
da Crise Tireotóxica - Uso de contrastes iodados ou medicamentos como o amiodarona em
pacientes com hipertireoidismo.
Na maioria das vezes, é possível identificar um
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5. clínica. As manifestações que podem variar em função ao coma sem nenhuma suspeita diagnóstica.
da duração do hipertireoidismo e a idade do paciente
são mostradas na Tabela 1, em que se comparam os sin- Diagnóstico
tomas habituais da tireotoxicose sem complicação com O diagnóstico da crise tireotóxica é fundamen-
os da crise tireotóxica. O paciente pode apresentar-se talmente clínico. A história do paciente pode ser
com nervosismo, labilidade emocional, hiper-hidrose e muito importante para o diagnóstico da crise
intolerância ao calor. Na crise tireotóxica, é típica a fe- tireotóxica, já que certas situações, como episódio
bre, que pode chegar até a 40/41ºC. traumático na tireóide, cirurgia, infecção ou anestesia
O trânsito intestinal encontra-se aumentado em paciente que apresenta aumento da tireóide, si-
e pode existir incremento no número de evacuações. nais e sintomas de hipertireoidismo, é evidência sufi-
O apetite também é maior; porém, o estado catabólico ciente para o diagnóstico.
condiciona perda de peso. Os sintomas gastrointes- Critérios diagnósticos da crise tireotóxica de
tinais incluem náuseas, vômitos, diarréia e disfunção acordo com os apresentados por Mazzaferri e
hepatocelular com icterícia. Skillman10 são mostrados no Quadro 5. Não existem
É habitual a apresentação de diversos tipos anomalias bioquímicas específicas desse distúrbio. As
de arritmia, como taquicardia sinusal, fibrilação concentrações hormonais não permitem fixar um
atrial, taquicardia paroxística supraventricular e critério diagnóstico porque não é possível separar o
extrasístoles ventriculares. É comum o agravamen- hipertireoidismo não complicado da crise tireotóxica.
to de uma insuficiência cardíaca ou de uma cardio- Um quadro clínico compatível em paciente com
patia isquêmica preexistente devido aos efeitos história de hipertireoidismo prévio, que apresenta bócio
miocárdicos dos hormônios tireoidianos.9 Nos pa- ou exoftalmo, é suficiente para estabelecer o diagnós-
cientes em crise tireotóxica, esses sintomas encon- tico. Deve-se ressaltar que, na maioria dos casos de
tram-se acentuados e é freqüente a taquicardia urgências tireóideas, o clínico deve julgar em função
sinusal, em geral maior que 140 bpm. da sintomatologia do paciente e iniciar a terapêutica
Também são comuns os sintomas de acometi- rápida, dada a gravidade da situação, antes de receber
mento do sistema nervoso central (SNC), como agi- os resultados das provas de laboratório.
tação, delírio, psicose franca e, em alguns casos, pode-
se chegar até o estupor e coma. Essa situação predis- Tratamento
põe a lesão neurológica hipóxica. O hipertireoidismo Os objetivos fundamentais do tratamento da
causa também debilidade generalizada, miopatia crise tireotóxica são mostrados na Tabela 2.
proximal, tremor fino de extremidades, mioclonias, 1. Bloquear os efeitos adrenérgicos do
coreoatetose e hiper-reflexia. hormônio tireoidiano. A droga de escolha é o
É importante chamar atenção para alguns pa- propranolol, que é usado na maioria dos casos por
cientes, especialmente idosos que não se apresentam via oral (VO) na dose de 40 a 80 mg de 4/4 ou de
com sintomas típicos de hiperfunção tireóidea. Isso 6/6 horas. Em pacientes com fibrilação atrial agu-
pode ocorrer no hipertireoidismo apático, no qual o da com alta resposta ventricular, propranolol pode
paciente mostra escassez de sintomas e pode chegar ser administrado EV, na dose de 0,5 a 1 mg a cada
Tabela 1. Sinais e sintomas do hipertireoidismo não-complicado e da crise tireotóxica
Hipertireoidismo Crise tireotóxica
Gerais - Intolerância ao calor - Febre
- Hiper-hidrose - Sudorese profusa
- Nervosismo - Importante perda de peso
- Labilidade emocional
- Pele quente e úmida
Sistema gastrointestinal - Aumento de apetite - Vômitos
- Aumento do número de evacuações - Diarréia
- Alteração das provas hepáticas - Icterícia
Sistema cardiovascular - Taquicardia - Taquicardia grave
- Fibrilação atrial - Arritmias
- Angina - Disfunção ventricular
- Insuficiência cardíaca - Insuficiência cardíaca
Sistema neuromuscular - Miopatia proximal - Apatia
- Hiper-reflexia - Agitação intensa
- Coreoatetose - Delírio
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6. 10 minutos, com monitoração eletrocardiográfica síntese de mais hormônio tireoidiano. Para isso, uti-
contínua até a freqüência ventricular ser controla- liza-se solução de lugol, oito gotas de 6/6 horas, ou
da. O uso dessa droga costuma ser contra-indica- solução saturada de iodeto de potássio, cinco gotas
do nos pacientes que apresentam insuficiência car- de 6/6 horas.8 Nos casos de maior gravidade, será
díaca congestiva, porém, nos casos em que a crise usado iodato de sódio (NaI), na dose de 0,5 a 1 g de
tireotóxica é o principal contribuinte, pode ser 12/12 horas em infusão endovenosa lenta.
dado propranolol associado com digital e diurético. 4. Bloquear a conversão periférica de T4 a T3.
Essa droga ainda tem a vantagem de bloquear a Os contrastes como o ácido iopanóico (Telepaque®)
conversão periférica de T4 a T3. O pico de ação do podem ser usados nos casos de hipertireoidismo de maior
propranolol VO ocorre em duas horas, sendo a sua gravidade, nos casos de alergia às drogas antitireoideanas,
meia-vida de três horas. na ingestão proposital de grandes doses de tiroxina e no
2. Bloquear a síntese dos hormônios hipertireoidismo neonatal.12,13 Os glicocorticóides não
tireoidianos. A droga de escolha é o propiltiouracil só inibem a conversão periférica de T4 em T3 como
(PTU), que, além do bloqueio da organificação também evitam a insuficiência adrenal relativa que
do iodo, inibe a conversão periférica de T 4 a T3. se produz nesses casos devido ao aumento do
A dose inicial é de 600 mg a 1.000 mg VO e, catabolismo do cortisol. Utiliza-se a hidrocortisona
posteriormente, 200 a 400 mg de 6/6 horas. O por via endovenosa na dose de 100 mg de 8/8 horas.
metimazol pode também ser utilizado na dose de 5. Medidas gerais. A redução da febre é im-
60 a 100 mg, inicialmente, e 20 a 40 mg de 6/6
horas. 8 Na impossibilidade de usar a via oral ou Quadro 5. Critérios diagnósticos da crise tireotóxica
sonda nasogástrica em pacientes comatosos, tan- - Sinais acentuados de tireotoxicose
to o PTU quanto o metimazol podem ser usados - Temperatura maior que 38º C
- Taquicardia importante
com sucesso pela via retal. 11
- Sudorese profusa
3. Bloquear a liberação dos hormônios - Vômitos e diarréia
tireoidianos. O iodo deve ser utilizado em duas a - Fibrilação atrial
três horas após a dose inicial de PTU quando a ação - Insuficiência cardíaca congestiva
bloqueadora da síntese hormonal tiver sido alcançada, - Agitação intensa
- Delírio
evitando, com isso, o aumento do substrato para a
Tabela 2. Manuseio da crise tireotóxica
Medicamentos Doses
A.Bloqueio adrenérgico
- Propranolol - 40 a 80 mg VO de 4/4 horas ou 6/6 horas
- 0,5 a 1 mg EV a cada 5 a 10 minutos S/N
B. Bloqueio da síntese de hormônio tireoidiano
- Propiltiouracil - Dose inicial de 600 a 1.000 mg VO
- Em seguida, 200 a 400 mg VO 6/6 horas
- Metimazol - Dose inicial de 60 a 100 mg
- Em seguida, 20 a 40 mg 6/6 horas
C. Bloqueio da liberação do hormônio tireoidiano - Solução de lugol – 8 gotas 6/6 horas
- Solução saturada de iodeto de potássio – 5 gotas 6/6 horas
- NaI – 0,5 a 1 g EV 12/12 horas
D. Bloqueio da conversão periférica de T4 a T3 - Ácido iopanóico (Telepaque®) – 1 a 2 g VO/dia
- Hidrocortisona – 100 mg EV 8/8 horas
E. Medidas Gerais
- Tratamento de hipertermia - Acetaminofeno, compressas com gelo
- Reposição líquido - Soro glicosado a 5% e eletrólitos S/N
- Soro fisiológico 0,9% ou expansores de volume se houver hipotensão
- Tratamento de insuficiência cardíaca congestiva - Digital
- Reposição de vitamina - Tiamina
- Tratamento de infecção, quando ocorrer - Antibioticoterapia
F. Remoção dos hormônios circulante
- Plasmaférese
- Diálise
EV = via endovenosa; VO = via oral.
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7. portante, dado que o aumento da temperatura não clínica e ausência de resposta ao tratamento conven-
só amplia as exigências metabólicas como também cional, pode-se usar alguns métodos, como a plas-
aumenta a fração livre do T4. Deve ser usado o maférese e a diálise. A plasmaférese precisa ser repeti-
paracetamol, já que os salicilatos alteram a ligação da diversas vezes, porque cada sessão remove apenas
dos hormônios tireoidianos às proteínas, podendo um quinto do total de hormônio tireoidiano.8,14
piorar o estado de tireotoxicose. Pode-se também usar
compressas de gelo e pano com álcool para diminuir Considerações Finais
a temperatura.
Deve ser feita hidratação adequada devido a As urgências tireoidianas, apesar de pouco
perdas insensíveis e reposição de eletrólitos na pre- prevalentes na atualidade, são muito graves, de tal
sença de vômitos e diarréia. Na crise tireotóxica, é modo que o perfeito manuseio dessas afecções, com
importante a reposição de glicose e vitaminas melhor conhecimento da fisiopatologia e do trata-
hidrossolúveis, em particular a tiamina, já que, nessa mento, resultará em menor índice de mortalidade.
situação, ocorre depleção rápida dos depósitos hepá-
ticos de glicogênio e deficiência de vitaminas. Orsine Valente. Professor adjunto doutor da Disciplina de
Nos casos de insuficiência cardíaca e fibrilação Medicina de Urgência da Universidade Federal de São Paulo/
Escola Paulista de Medicina.
atrial, usar digital, em geral em doses acima do nor-
mal, já que o hipertireoidismo altera a farmacocinética Angélica Marques Martins. Pós-Graduanda da Disciplina de
Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal de São
dessa droga. Paulo/Escola Paulista de Medicina.
6. Remoção do hormônio tireoidiano Marcelo Valente. Residente de Geriatria e Gerontologia da
circulante. Em casos em que ocorrer importante piora Santa Casa de São Paulo.
Informações Destaques
Local onde foi produzido o manuscrito • O fator precipitante mais importante do coma mixedematoso é a infecção pulmonar.
Universidade Federal de São Paulo/Escola
Paulista de Medicina. • Os principais sinais e sintomas do coma mixedematoso são hipotermia, hipoventilação e distúr-
bio da função cerebral.
Endereço para correspondência: • As alterações laboratoriais mais importantes no coma mixedematoso são o aumento de PaCO2 e
Orsine Valente a diminuição de PaO2.
Av. Moema, 265 - cj. 33 - Indianópolis
São Paulo/SP - CEP 04077-020 • Assistência ventilatória e tiroxina endovenosa são os principais tópicos do tratamento.
Tel. (11) 5051-1904 - Tel/Fax (11) 5052-2670 • Os fatores precipitantes mais freqüentes da crise tireotóxica são as doenças sistêmicas, principal-
E-mail : orsine.ops@zaz.com.br mente as infecções.
Fontes de fomento: Nenhuma declarada. • A hiperfunção tireóidea nos idosos não se apresenta com sintomas típicos do hipertireoidismo.
Conflito de interesse: Nenhum declarado.
• O diagnóstico da crise tireotóxica é fundamentalmente clínico.
Data de entrada: 10/7/2001
Data da última modificação: 3/9/2001 • Ácido iopanóico (Telepaque®) pode ser usado nos casos de maior gravidade na crise tireotóxica.
Data de aprovação: 14/9/2001
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