Compreendendo A PráTica Do Aleitamento Exclusivo Um Estudo Junto A Lactantes ...
Impacto de um programa de puericultura na promoção da amamentação exclusiva
1. 482 ARTIGO ARTICLE
Avaliação do impacto de um programa
de puericultura na promoção da
amamentação exclusiva
Impact of a well baby care program
on the promotion of exclusive breastfeeding
José Justino Faleiros 1
Gladis Kalil 1
Darci Pegoraro Casarin 1
Paulo A. Laque Jr. 1
Iná S. Santos 1
Abstract Introdução
1 Faculdade de Medicina, A historical cohort of children born between Desde 1979, a Organização Mundial da Saúde
Universidade Federal de
January 2000 and December 2002 from low-in- (OMS) recomendava que a duração do aleita-
Pelotas, Pelotas, Brasil.
come families attending a primary health care mento materno exclusivo fosse de quatro a seis
Correspondência facility on the periphery of Pelotas, Rio Grande meses. Em maio de 2001, a Assembléia Mundial
J. J. Faleiros
do Sul, Brazil, was studied in relation to preva- da Saúde aprovou a recomendação de ama-
Departamento de Medicina
Social, Faculdade de lence of exclusive breastfeeding. Analysis was mentação exclusiva por seis meses 1. As vanta-
Medicina, Universidade based on a life table focusing on interruption of gens do aleitamento materno na redução da
Federal de Pelotas.
exclusive breastfeeding (month-by-month after morbi-mortalidade por doenças infecciosas
C. P. 464, Pelotas, RS
96001-970, Brasil. birth) as the target outcome. Among the 112 têm sido amplamente demonstradas 2,3, e há
jjusfal@terra.com.br children followed up from birth by the Well Ba- evidências de que a complementação do leite
by Program, prevalence of exclusive breastfeed- materno com água ou chás, nos primeiros seis
ing in the first month of life was 95.0%, declin- meses de vida, é desnecessária do ponto de vis-
ing progressively to 81.0%, 64.0%, 53.0%, 39.0%, ta biológico, mesmo em dias quentes e secos 4.
and 35.0%, respectively, from the second to the A amamentação significa, também, menor cus-
sixth month after birth. Median duration of ex- to para os sistemas de saúde. Até em países on-
clusive breastfeeding was four months. Median de a mortalidade infantil é baixa, tratamentos
duration of exclusive breastfeeding and preva- hospitalares demandados por crianças alimen-
lence among six-month-old infants were both tadas artificialmente ocorrem cinco vezes mais
higher than the Brazilian national rates and in- do que para as amamentadas exclusiva ou par-
dicate the Program’s adequacy in promoting cialmente 5.
breastfeeding. However, more effort should be Apesar do amplo reconhecimento da im-
made to increase the prevalence of exclusive portância do leite materno, na maioria dos paí-
breastfeeding until the sixth month of life. ses as taxas de amamentação exclusiva ainda
são baixas, e a sua duração também é insatisfa-
Breast Feeding; Child Care; Services Evaluation tória 6. Dados brasileiros mostram que, nas ca-
pitais e no Distrito Federal, em 1999, a media-
na do tempo de amamentação exclusiva era de
33,7 dias 7. Em uma coorte de crianças nascidas
em 1998 e 1999, no Município de São Paulo, a
mediana de duração da amamentação foi de
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(2):482-489, mar-abr, 2005
2. IMPACTO DE UM PROGRAMA DE PUERICULTURA NA PROMOÇÃO DA AMAMENTAÇÃO EXCLUSIVA 483
205,0 dias e a da amamentação exclusiva, de A população estudada
23,0 dias 8. Estudo realizado em 111 municípios
paulistas, envolvendo 34.435 crianças, mostrou Ao longo de 2002, os agentes comunitários lo-
que apenas 13,9% das mães amamentavam ex- calizaram 758 famílias moradoras na área de
clusivamente no sexto mês de vida 9. Nos Esta- cobertura do posto de saúde. O número médio
dos Unidos, em 2001, a prevalência da ama- de moradores por domicílio era de 3,4; quase a
mentação exclusiva, aos seis meses de idade, totalidade das famílias (99,0%) tinha abasteci-
foi de 17,2%. As mulheres menos prováveis de mento de água da rede pública; 76,2% dos do-
amamentar eram negras, menores de vinte anos micílios estavam ligados a sistema de esgoto; a
de idade, com menor escolaridade, que trabalha- coleta pública de lixo era universal; 93,0% das
vam à época do estudo e com piores condições construções eram de tijolo ou adobe; 98,5%
sócio-econômicas 10. No Reino Unido, 69,0% das crianças de 7 a 14 anos de idade freqüenta-
das crianças nascidas em 2000 foram inicial- vam a escola e 13,8% dos moradores estavam
mente amamentadas; aos quatro meses de ida- cobertos por planos de saúde. Entre os 2.603
de, no entanto, apenas 28,0% ainda recebiam usuários, 38 eram menores de um ano de ida-
leite humano 11. de. Segundo dados do Instituto Brasileiro de
O objetivo deste estudo foi avaliar o impac- Geografia e Estatística (Censo demográfico 2000
to de um programa de puericultura na promo- – resultados do universo. Tabela 3.3.6.23 do sis-
ção do aleitamento materno exclusivo. Esse pro- tema IBGE de recuperação automática de da-
grama foi desenvolvido dentro do contexto de dos – SIDRA. http://www.ibge.gov.br), em 2000,
um serviço de atenção primária à saúde. 72,0% dos chefes de família tinham uma renda
mensal média de, no máximo, dois salários mí-
nimos, e 70,5% deles tinham escolaridade igual
Material e métodos ou inferior a sete anos.
Com base nos registros do programa, analisou- O programa de puericultura
se uma coorte histórica de crianças nascidas
entre janeiro de 2000 e dezembro de 2002, as Cuidados curativos e preventivos são dispensa-
quais foram acompanhadas desde o nascimen- dos às crianças tanto no posto de saúde, quanto
to em famílias moradoras na área de abrangên- no domicílio. Os cuidados preventivos são or-
cia do serviço. O Posto de Saúde da Vila Muni- ganizados sob a forma do programa de pueri-
cipal, na periferia do Município de Pelotas, Rio cultura, cujas finalidades são executar ações de
Grande do Sul, Brasil, em funcionamento des- saúde para prevenir doenças e promover a saú-
de o ano de 1977, é mantido pela Universidade de. Uma nutricionista é responsável pela ope-
Federal de Pelotas, Associação Beneficente Lu- ração do programa, sendo desenvolvidas as se-
terana de Pelotas, Fundação de Apoio Univer- guintes ações: monitorização do crescimento e
sitário e Prefeitura Municipal de Pelotas. Além desenvolvimento das crianças, imunizações,
das ações básicas de saúde, realiza atividades incentivo à amamentação, educação das mães
de ensino multiprofissional na graduação (me- e planejamento familiar.
dicina, enfermagem e nutrição) e na pós-gra- O programa utiliza dois tipos de registros: o
duação (residência em medicina preventiva e Cartão da Criança, em duas versões, com con-
social e residência multiprofissional em saúde teúdos semelhantes, uma que é mantida com a
da família). Desde sua criação, essa unidade mãe e outra que permanece no posto de saúde,
básica teve suas atividades dirigidas ao atendi- e o Cartão de Imunizações. No Cartão da Crian-
mento individual, mas também deu grande ên- ça são registrados, mensalmente, o peso e o
fase às intervenções preventivas, particular- comprimento em relação à idade, a alimenta-
mente na atenção materno-infantil. Em 2001, ção que a criança recebe e a avaliação do de-
agentes comunitários foram integrados à equi- senvolvimento neuropsicomotor. Mais infor-
pe e, em 2002, passou a fazer parte da rede do mações sobre o programa de puericultura po-
Programa Saúde da Família da Secretaria Mu- dem ser obtidas em outra publicação 14. Os da-
nicipal de Saúde e Bem-Estar de Pelotas. Deta- dos utilizados para a presente avaliação foram
lhes sobre a organização do serviço e do ensi- extraídos do Cartão da Criança que permanece
no encontram-se publicados alhures 12,13. no posto de saúde.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(2):482-489, mar-abr, 2005
3. 484 Faleiros JJ et al.
O incentivo à amamentação Resultados
Desde o pós-natal imediato, quando a mãe re- Foram analisados os registros do programa de
torna do hospital, a enfermeira e, mais recen- puericultura de 112 crianças acompanhadas
temente, agentes comunitários de saúde fazem desde o nascimento. Em 2000, 2001 e 2002, in-
visitas domiciliares para apoio às mães quanto gressaram no programa, respectivamente, 35,
a dificuldades na amamentação. 32 e 45 recém-nascidos, 59 dos quais (52,6%)
No primeiro ano de vida, o programa pre- eram do sexo masculino. Entre as 106 crianças
coniza que as crianças sejam vistas mensal- para as quais havia registro de peso de nasci-
mente. Tipicamente, em cada consulta do pro- mento, 11 (9,8%) apresentaram baixo peso ao
grama, a mãe é entrevistada quanto à alimen- nascer (< 2.500g), sendo o peso médio ao nas-
tação da criança e aconselhada a amamentar cer de 3.100g. A Tabela 1 e a Figura 1 mostram
exclusivamente por seis meses. Todas as mães a duração da amamentação exclusiva, mês a
são incentivadas a manter a amamentação até, mês, após o nascimento.
pelo menos, os dois anos de idade. A vacinação Na Tabela 1, a coluna 1 apresenta o número
da criança é também realizada nessas consul- de meses após o nascimento. As colunas 2 e 3
tas, de acordo com a idade e o programa de va- apresentam, respectivamente, o número de
cinação vigente. Portanto, até os seis meses de crianças com amamentação exclusiva no início
idade, período a que se ateve essa avaliação, ca- do mês e o número de crianças que passaram a
da mãe deveria ter tido pelo menos seis opor- receber outros líquidos ou sólidos durante o
tunidades de incentivo à amamentação. mês correspondente. No primeiro mês de vida,
Foram analisados os registros das crianças por exemplo, 6 das 112 crianças passaram a re-
nascidas no período de janeiro de 2000 a de- ceber água ou chás. Ao iniciar o segundo mês
zembro de 2002 cujas mães buscaram o serviço de vida, 106 recebiam leite materno exclusivo.
no primeiro mês após o nascimento. Apenas A coluna 4 mostra o número de crianças cen-
uma categoria de prática de amamentação foi suradas, mês a mês. O número total de crian-
considerada para este trabalho, a amamenta- ças em risco de interromper a amamentação
ção exclusiva. De acordo com o preconizado exclusiva, ajustado para essas perdas, é mos-
pela OMS, diz-se que a amamentação é exclu- trado na coluna 5. A coluna 6 apresenta o risco
siva quando a criança recebe leite materno, di- de interrupção da amamentação exclusiva em
retamente da mama ou extraído mecanica- cada mês. Nas colunas 7 e 8 encontram-se as
mente, e nenhum outro líquido ou sólido, com probabilidades de a criança ser amamentada
exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, mi- exclusivamente, respectivamente, a cada mês
nerais e/ou medicamentos 15. Crianças rece- e, acumuladamente, até o mês em estudo. O in-
bendo água ou chás (amamentação predomi- tervalo de confiança de 95% da probabilidade
nante) ou outros leites ou sólidos, além do leite acumulada de amamentar até cada um dos me-
materno (amamentação parcial), ou totalmen- ses após o nascimento é mostrado na coluna 9.
te desmamadas foram consideradas como ten- O risco de interromper a amamentação ex-
do experimentado o desfecho (interrupção da clusiva no primeiro mês de vida foi de 0,05 e,
amamentação exclusiva). no segundo mês, de 0,19. Sendo assim, as crian-
A duração da amamentação exclusiva foi ças que não tiveram a amamentação exclusiva
calculada por análise de sobrevivência desde o interrompida até o final do primeiro mês (95,0%)
nascimento até os seis meses de idade 16. A pro- tiveram uma probabilidade de 81,0% de conti-
babilidade de mudança no padrão de amamen- nuarem no mesmo padrão de amamentação
tação ou de desmame foi avaliado para inter- até o final do segundo mês. A probabilidade de
valos de um mês. As crianças perdidas no acom- uma criança receber amamentação exclusiva
panhamento contribuíram para o cálculo do por dois meses foi de 77,0%. No quarto mês de
risco de interrupção da amamentação exclusi- vida, 53,0% (IC95%:40,0-66,0%) das crianças
va até o mês para o qual tinham informação acompanhadas recebiam leite materno exclu-
disponível, sendo consideradas censuradas pa- sivo. Mais de um terço das crianças atendidas
ra os cálculos dos meses subseqüentes. Os da- pelo Programa (35,0%) recebia leite materno
dos foram processados e analisados manual- exclusivo ao sexto mês de vida. A mediana da
mente, usando-se calculadora eletrônica. amamentação exclusiva nessa coorte foi de qua-
tro meses.
A Figura 1 apresenta a curva de sobrevivên-
cia acumulada da amamentação exclusiva. Me-
tade das crianças recebia leite materno exclu-
sivo após completar o quarto mês de vida.
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4. IMPACTO DE UM PROGRAMA DE PUERICULTURA NA PROMOÇÃO DA AMAMENTAÇÃO EXCLUSIVA 485
Tabela 1
Tábua de vida mostrando a duração da amamentação exclusiva entre 112 crianças inscritas desde o nascimento no Programa
de Puericultura do Posto de Saúde da Vila Municipal. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, janeiro de 2000 a dezembro de 2002.
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Meses Número de Interrupção da Número Número Risco de Probabilidade Probabilidade IC95% da
desde o crianças em amamentação de crianças em risco de interrupção da de manter a de manter probabilidade
nascimento amamentação exclusiva perdidas interrupção da amamentação amamentação amamentação de manter
exclusiva no durante o mês durante amamentação exclusiva exclusiva exclusiva amamentação
início do mês o mês exclusiva* durante durante desde o exclusiva
o mês** o mês*** nascimento# desde o
nascimento
1 112 6 0 112,0 0,05 0,95 0,95 0,91-0,99
2 106 19 10 101,0 0,19 0,81 0,77 0,69-0,85
3 77 13 4 75,0 0,17 0,83 0,64 0,53-0,75
4 60 10 6 57,0 0,17 0,83 0,53 0,40-0,66
5 44 11 3 42,5 0,26 0,74 0,39 0,25-0,53
6 30 3 0 30,0 0,10 0,90 0,35 0,18-0,52
* Número de crianças recebendo amamentação exclusiva no início do mês menos a metade do número
de crianças censuradas [(2) - (4)/2], assumindo que, em média, essas perdas ocorreram no meio do mês;
** (3)/(5);
*** 1 - (6);
# (8 mês anterior) x (7).
Discussão Figura 1
Esta avaliação mostrou que o Programa de Pue- Curva de sobrevivência acumulada para duração da amamentação exclusiva
ricultura da Vila Municipal alcançou uma me- entre uma coorte de 112 crianças acompanhadas desde o nascimento
diana de duração da amamentação exclusiva e em um Posto de Atenção Primária. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, janeiro
uma prevalência de aleitamento exclusivo no de 2000 a dezembro de 2002.
sexto mês de vida superiores ao relatado por
estudos nacionais de base populacional 7,8,9. O
100
fato de a população do presente estudo perten-
cer a um baixo estrato sócio-econômico forta- 90
lece a hipótese de que o programa apresentou 80
resultados positivos na promoção da amamen- 70
tação exclusiva. Sabe-se que, nas décadas de 70
60
e 80, ocorreu expansão considerável da prática
de amamentação no país 17, sendo essa ten- 50
dência verificada em todos os estratos da po- 40
pulação, porém mais acentuadamente na área 30
urbana, na região Centro-Sul, entre mulheres
20
de maior poder aquisitivo e de maior escolari-
dade 18. As coortes de recém-nascidos do Mu- 10
nicípio de Pelotas de 1982 e 1993 confirmaram % 0
esse achado, uma vez que as mães de alta ren- 1 2 3 4 5 6 idade em meses
da amamentavam mais nos primeiros meses
de vida do que as de baixa renda 19. Na coorte
de recém-nascidos de São Paulo, a escolarida-
de e a idade da mãe estavam diretamente asso-
ciadas com a duração da amamentação 8. Outros
países registraram achados semelhantes 20.
Que características do programa de pueri-
cultura seriam promotoras de tal resultado?
Uma das conclusões do estudo dos municípios
paulistas foi que, quanto maior o número de
ações de promoção, proteção e apoio ao aleita-
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5. 486 Faleiros JJ et al.
mento materno implementadas pelo municí- mo intervenção. Em 1999, por exemplo, foi rea-
pio, maior a probabilidade desse ser exclusivo lizado, no México, um ensaio clínico randomi-
até o sexto mês 18. Entre as ações, considera- zado com o objetivo de testar a eficácia do acon-
ram-se Iniciativa Hospital Amigo da Criança, selhamento domiciliar na promoção do aleita-
Banco de Leite, treinamento de profissionais, mento exclusivo 22. As visitas, feitas por pes-
implementação de atividades na Semana de soas treinadas da própria comunidade, ocor-
Amamentação, políticas públicas de incentivo riam durante a gestação e logo após o parto.
à amamentação, monitorização da Norma Bra- Dois grupos intervenção, com diferentes inten-
sileira de Comercialização de Alimentos para sidades de aconselhamento (seis ou três visitas),
Lactentes, equipe multiprofissional trabalhan- foram comparados a um controle (nenhuma
do na promoção do aleitamento e atividades visita). Aos três meses pós-parto, 67,0% das mães
de pesquisa sobre aleitamento. À época em que do grupo que recebeu seis visitas amamenta-
foi conduzida a presente avaliação, nenhum vam exclusivamente, uma prevalência muito
dos hospitais da cidade de Pelotas cumpria to- semelhante à verificada no presente estudo.
dos os passos da Iniciativa Hospital Amigo da A estratégia de cuidado à saúde a que o pro-
Criança. A cidade, no entanto, dispunha de um grama está vinculado também deve ser um fa-
Banco de Leite, os profissionais da Secretaria tor contribuinte para os resultados encontra-
de Saúde do município eram treinados para in- dos. A Atenção Primária à Saúde e, mais recen-
centivar o aleitamento materno e inúmeras temente, o PSF são estratégias facilitadoras da
pesquisas em que a amamentação era tratada promoção da amamentação, como também da
como desfecho ou exposição haviam sido im- proteção e do apoio a ela. Em primeiro lugar,
plementadas. Além disso, na Vila Municipal, essas estratégias atingem as mulheres que não
uma equipe multiprofissional prioriza o aleita- buscam pré-natal espontaneamente. Em se-
mento materno em todas suas atividades espe- gundo lugar, a amamentação pode ser promo-
cíficas, ao longo de mais de duas décadas. vida longitudinalmente (durante o pré-natal;
Outro aspecto a considerar é que tanto a durante o período pós-natal, quando a mãe tem
promoção da amamentação como as imuniza- alta hospitalar e retorna para seu domicílio; e
ções são importantes intervenções para a saú- em eventuais futuras gestações de uma mesma
de da criança 21. A vinculação entre as ativida- mulher). Em terceiro lugar, a atenção oferecida
des de vacinação e de puericultura pode ter às gestantes e às mães é personalizada.
contribuído, sinergicamente, para o resultado Alguns vieses, no entanto, podem haver in-
observado, uma vez que cada contato da mãe e terferido com os achados desta avaliação. Em
da criança com o serviço poderia ser aprovei- primeiro lugar, a ausência de um grupo-con-
tado pela equipe de saúde para reforçar as trole não permite afirmar que o resultado en-
mensagens de ambas as intervenções. contrado deva-se ao programa. Entretanto, es-
Por meio do programa de puericultura, ca- te estudo não foi planejado para detectar eficá-
da criança que nasce na população usuária do cia do programa e, sim, verificar o alcance de
serviço realiza, em média, durante o primeiro um dos seus objetivos, qual seja o de estimular
ano de vida, sete consultas preventivas. Esti- amamentação. Preferiu-se utilizar a expressão
ma-se, além disso, que cada mãe receba pelo “adequação para alcançar objetivos” a “alcan-
menos 2 horas/ano de educação sobre alimen- çar metas”, uma vez que, até o presente momen-
tação da criança, além de informações sobre to, não foi estipulada uma quantificação a prio-
saúde, imunizações e planejamento familiar 14. ri das taxas de amamentação exclusiva ou de
Durante o pré-natal, que atinge mais de 85,0% duração da amamentação a serem atingidas,
das gestantes residentes na área de abrangên- nessa população-alvo, nem em quais prazos.
cia, são também rotineiramente veiculadas in- Essas diferentes abordagens têm sido discuti-
formações sobre as vantagens da amamenta- das na literatura, num contexto de saúde pú-
ção. No pós-natal, as mães são visitadas em ca- blica baseada em evidências 23,24.
sa e apoiadas para solucionar problemas com Vários estudos randomizados 25 evidencia-
a amamentação. É, portanto, plausível que es- ram o efeito positivo do aconselhamento ma-
ses esforços tenham impacto sobre as taxas de terno face a face sobre a duração do aleitamen-
amamentação e que os resultados desta avalia- to exclusivo. Especificamente sobre o impacto
ção reflitam um real efeito do programa de pue- de intervenções desenvolvidas em Atenção Pri-
ricultura sobre a duração observada da ama- mária à Saúde na duração da amamentação,
mentação exclusiva até os seis meses de idade. duas revisões de literatura 26,27, a primeira, uma
Resultados semelhantes foram obtidos em es- revisão sistemática, e a segunda, que inclui uma
tudos de eficácia e de efetividade que utiliza- meta-análise, mostraram ser geralmente efeti-
ram o aconselhamento materno face a face co- vas as que associavam interação face a face com
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(2):482-489, mar-abr, 2005
6. IMPACTO DE UM PROGRAMA DE PUERICULTURA NA PROMOÇÃO DA AMAMENTAÇÃO EXCLUSIVA 487
a mãe, maior número de contatos e duração miciliares feitas pela equipe de saúde, no en-
mais longa. Outra revisão de literatura 28 evi- tanto, são oportunidades propícias para que o
denciou que o apoio profissional era efetivo na uso de mamadeiras, por exemplo, seja detecta-
duração da amamentação de modo geral e, es- do. Um outro tipo de abordagem, aparentemen-
pecialmente, na redução da interrupção do alei- te menos influenciada pelo viés de cortesia, foi
tamento exclusivo antes dos seis meses de ida- desenvolvida em um estudo no Rio de Janeiro,
de. Portanto, se o programa funcionar adequa- que utilizou como indicador de efetividade a
damente, é esperado que esses benefícios se satisfação referida pela mãe com o apoio para
reflitam sobre a duração da amamentação ex- amamentação recebido na unidade básica 29.
clusiva na população atingida. As prevalências Estudos que avaliem a qualidade dos servi-
de aleitamento materno exclusivo observadas ços de saúde são ainda escassos no Brasil. A
mês a mês após o nascimento apontam positi- presente avaliação é um exemplo de metodo-
vamente para o alcance dessa adequação. logia válida, simples e executável em nível lo-
Em segundo lugar, o viés de seleção, em que cal pelos gestores de saúde. Resultados de ava-
seria incluído no estudo apenas um grupo se- liações como esta podem reforçar estratégias
lecionado de crianças moradoras na comuni- ou apontar para a necessidade de reorienta-
dade, precisa ser descartado. Seria necessário ções em programas que estejam sendo execu-
que um número substancial das crianças resi- tados. Da atual avaliação fica claro que, embo-
dentes na área fosse coberto pelo programa pa- ra seus resultados apontem para a adequação
ra que este pudesse ter efeito sobre o aleitamen- do programa, mais esforços necessitam ser des-
to materno na comunidade como um todo. Es- pendidos de forma a aumentar a prevalência
se foi, provavelmente, o caso, uma vez que, as- do aleitamento materno exclusivo até os seis
sumindo-se uma taxa bruta de fertilidade de meses após o parto.
15/1.000 (o que, em uma população de 2.600 Ainda que o uso de microcomputadores es-
pessoas, corresponde a 39 nascimentos/ano), teja sendo progressivamente introduzido em
as 112 crianças estudadas representam quase o postos de saúde, nem sempre as equipes dis-
total das residentes na área de abrangência do põem de profissionais que dominem pacotes
posto de saúde no período do estudo (Censo de- estatísticos o suficiente, para análise do impac-
mográfico 2000 – resultados do universo. Tabe- to sobre a saúde das ações implementadas.
la 3.3.6.23 do sistema IBGE de recuperação au- Além disso, como este estudo demonstrou, da-
tomática de dados – SIDRA. http://www.ibge. dos epidemiológicos descritivos, simples, refe-
gov.br). rentes a um número pequeno de indivíduos,
Em terceiro lugar, o viés de cortesia, em que podem ser processados e analisados facilmen-
as mães responderiam sobre a alimentação da te e manualmente, com rapidez 30. A análise ma-
criança aquilo que o profissional esperasse ou- nual tem, outrossim, a vantagem de que os even-
vir, poderia introduzir um erro sistemático de tuais erros de registro e de codificação podem
informação. O estudo utilizou a informação ser corrigidos imediatamente e que os analis-
que estava registrada no Cartão da Criança, mas tas adquirem familiaridade com os dados e com
nenhum mecanismo foi implementado para seu significado.
certificar-se da veracidade da informação; a Os resultados deste estudo sugerem a pos-
presença do viés de cortesia não pode ser, por- sibilidade de que o programa de puericultura,
tanto, descartada. Seu efeito, se presente, seria dentro de um contexto de atenção primária à
no sentido de superestimar a duração da ama- saúde, tenha causado, na população estudada,
mentação exclusiva. Tal como no presente es- impacto positivo sobre a taxa de amamentação
tudo, a maioria dos autores que estudou preva- exclusiva. Aumentar as taxas amamentação é
lência de amamentação utilizou informação um objetivo a ser considerado pela sociedade,
relatada pela própria mãe somente, porém, em pelos gestores dos sistemas de saúde e pelos
virtude da ênfase que o serviço dá à amamen- provedores. As mães necessitam de maior co-
tação, é possível que o viés de cortesia tenha nhecimento e maior apoio para tal prática, mui-
ocorrido mais freqüentemente na população to particularmente aquelas de grupos popula-
deste estudo do que em outras. As visitas do- cionais mais vulneráveis.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(2):482-489, mar-abr, 2005
7. 488 Faleiros JJ et al.
Resumo Referências
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va numa coorte histórica de crianças nascidas entre torial]. Atualidades em amamentação 2002; 27/
janeiro de 2000 e dezembro de 2002, de famílias de 28. http://ibfan.org.br/userhtml/atam2728.pdf
baixo nível sócio-econômico, residentes na área de (acessado em 20/Nov/2003).
abrangência de um Posto de Saúde de Atenção Primá- 2. Victora CG, Smith PG, Vaugham JP, Nobre LC,
ria, na periferia da cidade de Pelotas, Rio Grande do Lombardi C, Teixeira AM, et al. Evidence for pro-
Sul, Brasil. Para a análise foi construída uma tábua de tection by breast feeding against infants deaths
vida, cujo desfecho era a interrupção da amamenta- from infectious diseases in Brazil. Lancet 1987;
ção exclusiva, mês a mês, após o nascimento. Entre as 2:317-22.
112 crianças estudadas, a prevalência de amamenta- 3. César JA, Victora CG, Barros FC, Santos IS, Flores
ção exclusiva no primeiro mês de vida foi de 95,0%, JA. Impact of breast-feeding on admission for
caindo progressivamente para 81,0%, 64,0%, 53,0%, pneumonia during postneonatal period in Brazil:
39,0% e 35,0%, respectivamente, do segundo ao sexto nested case-control study. BMJ 1999; 318: 1316-
mês. A mediana de duração da amamentação exclusi- 20.
va foi de quatro meses; a mediana de duração da ama- 4. Cohen RJ, Krown KH, Canahuati J, Rivera LL,
mentação exclusiva e a prevalência de aleitamento ex- Dewey KG. Effects of age of introduction of com-
clusivo no sexto mês, superiores às taxas nacionais, in- plementary foods on infant breast milk intake,
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