O documento discute como os movimentos sociais urbanos se organizam para lutar por melhores condições de vida, apesar de morarem em cidades classificadas como globais. Eles usam novas tecnologias para compartilhar informações e se conectar em redes, denunciando problemas como despejos forçados e falta de infraestrutura. Também participam de agendas internacionais para defender direitos urbanos.
Tese na procura do lugar o encontro da identidade -um estudo do processo de...
Movimentos sociais urbanos e a luta pela cidade como direito
1. PUBLICADO NO CD do Simpósio - em agosto de 2005.
SIMPÓSIO: INTERFACES DAS REPRESENTAÇÕES
URBANAS EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO
De 22 a 16 de agosto de 2005
Mesa : Sociedades em Redes, Cidades Globais, Tecnologias
Informacionais -23/9/05
Construção da Vivência Urbana Contemporânea
Movimentos Sociais Urbanos
Arlete Moysés Rodrigues 1
Apresentação
“en una primera mirada el ritmo (de New York) puede
parecer alegría, pero cuando se observa el mecanismo de
la vida social y la esclavitud dolorosa del hombre y la
máquina juntos, se comprende aquélla trágica angustia
vacía que hace perdonable por evasión hasta el crimen y
el bandidaje”.
(F. Garcia Lorca, 1935, Un poeta en New Yok).
Centramos nossa apresentação na construção de relações dos movimentos sociais
urbanos que se articulam exatamente por não estarem inseridos na “cidade global” mesmo
morando em grandes cidades, metrópoles, cidades globais ou mundiais. A cidade global,
para a maioria dos citadinos, é uma abstração, imaginação, uma virtualidade. È como se as
cidades tivessem vida própria independente deles que tentam viver, sobreviver em
condições precárias.
Diz José Saramago: “como um ser vivo, as cidades crescem à custa do que as
rodeia. O grande alimento das cidades é a terra, que, tomada no seu imediato sentido de
superfície limitada, ganha o nome de terreno, no qual feita esta operação lingüística, passa
a ser possível construir... o terreno desaparece, e em seu lugar surge o imóvel. Houve um
tempo em que esta cidade cresceu devagar (...).”
“Hoje, a cidade cresce tão rapidamente... é uma cidade inteira que se interpõe,
áspera e ameaçadora. Os paraísos vão se afastamento cada vez mais. Adeus fraternidade.
Cada um por si.(Saramago, 2004:69)”
1
- Profa.Livre Docente – UNICAMP – e-mail: amoyses@terra.com.br
2. Esta longa citação dá uma idéia do que pode significar para a maioria dos
moradores das cidades o processo da urbanização acelerada, a formatação das cidades
globais. Viver na cidade é, hoje, presenciar rápidas transformações. As terras vazias
rapidamente virarem terrenos, imóveis. Antigas casas, pequenos edifícios são destruídas
para dar lugar a novos imóveis, edifícios modernos. Os espaços públicos e/ou coletivos
desaparecem, a vida cotidiana é alterada, transformada, mudada. Parece que cada um vive
para si e por si, sem vínculos de amizade e de solidariedade. Os guetos, os espaços
segregados parecem independente dos conjuntos de grandes edifícios ligados à lógica de
acumulação ampliada do capital.
Classifica-se, em geral, cidade global, cidade mundial, pelo volume e
características dos fluxos de circulação de informações, influência econômica, financeira,
relações de poder e interferência das corporações multinacionais. Qual o vínculo das redes
de cidades mundiais com a vida da maioria dos citadinos? A cidade global parece conectar
tudo e todos nos fluxos informacionais. Porém na realidade uma grande parte, para não
dizer a maioria dos citadinos, moram em lugares precários, sem titularidade de posse ou
propriedade, sem infra-estrutura básica, sem saneamento ambiental, sem meios e
equipamentos de consumo coletivo, sem transportes coletivos decentes, sem empregos
regulares.
Para os moradores das precárias periferias, dos centros deteriorados, a cidade
“global” existe na tela da televisão, um dos meios das tecnologias informacionais. Diz
Giovani Sartori: “A televisão – como diz o próprio nome – consiste em ‘ver de longe’
(tele), e portanto, levar a presença de um público de espectadores coisas para ver, quer
dizer visualmente transmitidas de qualquer parte, de qualquer lugar e distância.” (Sartori,
2001:15). Moram num “lugar” classificado como global mas não participam dele, recebem
as imagens da ‘aldeia global’.
Na crônica acima citada, Saramago mostra acreditar na transformação ao afirmar
que: “Mas é sina dos homens, ao que parece, contrariar as forças dispersivas que eles
próprios põem em movimento ou dentro deles se insurgem.(...) E que a fraternidade
renasce. E que os homens ...recomeçam a aprendizagem dos nomes das pessoas e dos
lugares e outra vez sentam em redor da fogueira, falando do futuro do que a todos
3. importa. Para que nenhum deles morra em vão” (idem:70- grifos nossos). E o que
também acreditamos quando pensamos na construção da Utopia da Cidade como Direito.
Movimentos sociais urbanos : construção de redes de informação e solidariedade.
Os movimentos sociais urbanos ao lutarem por melhores condições de vida dão
visibilidade ao fato de que a urbanidade não atinge a maioria dos citadinos, ou seja,
mostram que a cidade global é uma medida de “riqueza” que não os atingem. Insurgem-se,
assim, contra as forças dispersivas, projetam nas suas organizações, plataformas, princípios
pensando o futuro que a todos importa. Lutam para construir uma vida urbana com o
direitos a ter diretos.
Utilizam, cada vez mais, o meio técnico científico informacional para socializar
informações sobre as condições de vida precárias, para denunciar violações das agendas
internacionais como os despejos forçados, discriminação de gênero, discriminações e
perseguições étnicas, etc. Assim, diferente da idéia de rede de cidades, estabelece-se redes
da sociedade se conectam, articulam, para tentar solucionar problemas comuns. Utilizam
os avanços da técnica para comunicar-se no tempo real dos acontecimentos, para mostrar a
realidade da condição em que vive a maioria.
A velocidade do avanço técnico, da circulação e do fluxo das informações não se
coaduna com o tempo da resolução de problemas no e do espaço urbano e penso ser esta
uma importante questão para o debate. A velocidade das informações, as alterações no
ritmo da produção de inovações tecnológicas e a não resolução de problemas para os
citadinos que cada vez mais aumentam esse avolumam.
Tendo como referência os avanços tecnológicos que alteram a forma e o conteúdo
do urbano Paul Virilio destaca que os motores e suas poderosas máquinas estão na base da
revolução industrial: o motor a vapor que permitiu o trem; o motor a explosão que
propiciou o desenvolvimento do automóvel e do avião: o motor elétrico que deu origem as
turbinas, propiciando a eletrificação; o motor foguete que permitiu escapar da força de
gravidade terrestre. Cada um destes motores e suas poderosas máquinas alteraram o
conteúdo, a forma das cidades, as relações das cidades entre si mas não alteraram
substancialmente as condições de vida dos citadinos. Introduziram-se novos produtos,
novas técnicas mas o acesso aos bens, serviços, riquezas não são obtidos pela maioria.
4. “...cada motor modificou a informação sobre o mundo e nossa relação com ele.
Nós esquecemos que a arte é sempre uma arte do motor. De certa maneira, as artes
primitivas eram ligadas ao metabolismo, ou seja, ao pintor, ao escultor, etc., mas desde
que inventamos a máquina nos inventamos um meio diferente de perceber e conceber o
mundo. O último motor é o motor informático, é o motor à inferência lógica, aquele do
software,que vai favorecer a digitalização da imagem e do som, assim como a realidade
virtual. Ela vai modificar totalmente a relação com o real, na medida em que permite
duplicar a realidade através de uma outra realidade, que é uma realidade imediata,
funcionamento em tempo real, livre” (Virilio, 1998:12 grifos do autor).
Todo progresso tecnológico, na fase de seu aparecimento é ao mesmo tempo
elogiado, combatido, temido o que é compreensível porque as inovações mudam situações
da organização da sociedade. Contudo, “Em comparação com a revolução industrial, a
invenção da imprensa e o progresso das comunicações não encontraram hostilidades
relevantes, aliás quase sempre foram aplaudidos e acompanhados por previsões eufóricas”
(Sartori, op.cit.: 15).
A informática é um exemplo de previsões eufóricas, sem contestação, e de sua
expressão da para mediar a importância do mundo global, das cidades globais. Relacionam
os diferentes fluxos entre “cidades” e não entre os que habitam as cidades. Mas, também,
este é o pressuposto deste texto, ao modificarem a relação com o real, permitem também o
conhecimento no momento em que ocorrem problemas possibilitando que grupos de
indivíduos se manifestam na defesa de diretos expressos (ou impressos)
internacionalmente.
Harvey afirma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos teve como
pressuposto os EUA se apresentarem como o principal defensor da liberdade (entendida em
termos de livre comércio) e dos direitos de propriedade privada, no período do
desmantelamento dos imperialismos e dos racismos europeus.2 “A Declaração dos Direitos
Universais da ONU e vários estudos da UNESCO, negaram a validade do racismo e
buscaram fundar um universalismo da propriedade privada e dos direitos individuais
apropriado a uma segunda etapa do regime político burguês” (2004:53).
2
- Muito embora neste período internamente o racismo fosse intenso.
5. Concordando com Harvey e tendo clareza que a Declaração dos Direitos Universais
não se detém nas diferenças de classes sociais, na concentração da riqueza, na disseminação
da pobreza, mas numa suposta igualdade de direitos humanos, assim mesmo consideramos
que possibilitou, mesmo não tendo esta intenção, a articulação da defesa dos direitos contra
a discriminação étnica, de gênero, de povos indígenas, de comunidades, etc.
Cria-se, uma nova cultura política mundial, ou seja, como diz Saramago é sina dos
homens, ao que parece, contrariar as forças dispersivas que eles próprios põem em
movimento ou dentro deles se insurgem”.
Entendemos assim que os movimentos sociais formam Fóruns (redes) de
organizações não governamentais, de movimentos populares, de grupos étnicos, de gênero,
de profissionais, de trabalhadores, de associações de classes, de entidades de pesquisa, de
grupos que lutam pela constituição de novos direitos e ‘respeito’ aos direitos considerados
universais.
Como sabemos uma das medidas para caracterizar o grau de urbanização, de
metropolização, de cidades globais, relaciona-se à quantidade de população urbana3.
Contraditoriamente, a população que é utilizada para medir o grau de urbanização é
analisada não como geradora da riqueza mas como fonte de problemas (ocupam áreas
irregulares, não tem propriedade da terra, não pagam impostos, etc.) que precisam ser
resolvidos com a atuação dos Estados que devem produzir habitações para o mercado
especial de “baixa renda” (e não fora do mercado), prover de infra-estrutura ,
equipamentos e meios de consumo coletivo as áreas “carentes” criando-se, ou recriando-se,
assim, também condições de acumulação do capital4.
A ausência de condições de urbanidade, a falta de moradias, de equipamentos e
meios de consumo coletivos coloca em pauta os movimentos sociais urbanos e rurais numa
pluralidade de sujeitos sociais, em especial na década de 70 do século XX. Expandem-se e
ganham visibilidade pública e política uma variedade de movimentos sociais.
Os movimentos sociais urbanos lutam pela melhoria de qualidade de vida, pelo
reconhecimento da permanência nos lugares ocupados, pelo fim dos despejos forçados,
pelo direito de acesso à iluminação, água potável, reconhecimento da posse dos lugares
3
- A classificação entre países desenvolvidos, sub-desenvolvidos, em desenvolvimento, terceiro mundo, etc.
é feita, entre outros fatores, pelo grau de urbanização, medido pela quantidade da população urbana.
4
- Veja-se Harvey, David - 2004
6. ocupados para a sobrevivência, mulheres serem reconhecidas como chefes de família,
direito aos territórios étnicos, entre outros, ou seja, para ter direito à cidade que trabalham
para construir, produzir. 5
Lembramos que a academia procura compreender estes novos sujeitos políticos e
sua importância na dinâmica do direito à cidade. Há controvérsias sobre sua importância
transformadora. Não cabe nesta mesa debater estas questões que necessitam de ampla
reflexão. No nosso entender os movimentos sociais além de mostrar as desigualdades na
distribuição da riqueza e de poder alteram a cultura política.”Caracterizo movimentos
sociais, como manifestações dos conflitos de classes ou de camadas de classes, que
reafirmam (os de acordo com o“status quo”) ou contestam a ordem estabelecida (os
contestatórios e/ou populares) em relação à concentração da riqueza e do poder”6
(Rodrigues, A.1993:3)
Participação nas Agendas Políticas Internacionais
Os movimentos sociais urbanos, além de lutas locais, interagem com a agenda
internacional, utilizando-se, como já dito das novas tecnologias informacionais.
Destacamos a relação com duas Conferências da Organização das Nações Unidas. Na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente realizada em 1972 , em Estocolmo,
houve manifestações dos movimentos ambientalistas de vários matizes, que se reuniram
em local exterior ao da Conferência. Suas propostas não foram consideradas mas desde este
período ampliam-se os movimentos sociais ligados à defesa do ambiente saudável. A
Conferência sobre Assentamentos Humanos, realizada em 1976, em Vancouver não teve
grande destaque entre os movimentos populares urbanos apesar de tratar da moradia rural e
urbana.
Na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, no Rio
de Janeiro, ampliou-se, ainda em ambiente externo à Conferência, no Fórum das
organizações não governamentais e movimento sociais a participação de movimentos
sociais ambientalistas, urbanos, de gênero, étnicos, rurais7,como se verifica nos Tratados
5
- Veja-se Leon, O.; Burch, S; Tamayo. E; - 2001
6
- Rodrigues, Arlete Moysés –1993
7
A ampliação da participação deu origem o que se denominou de Fórum das organizações não
governamentais e movimento sociais. Os documentos, os debates prévios à CNUMAD preparatórios para a
7. das ONGs e Movimentos Sociais, assinados por 3.180 cidadãos representando 1.300
organizações não governamentais e movimentos sociais com atuação em 108 países.
O Tratado sobre a Questão Urbana, apresenta questões e problemáticas ambientais
no urbano e estabelece como princípios fundamentais: Direito à Cidadania: entendido
como a participação dos habitantes das cidades e povoados na condução de seus destinos.
Inclui o direito a terra, aos meios de subsistência, o respeito às minorias e à pluralidade
étnica, sexual e cultura, etc.; Gestão Democrática das Cidades: entendida como a forma
de planejar, produzir, operar e governar as cidades, povoados e vilas, submetida ao controle
e participação da sociedade civil; Função social da propriedade e da Cidade, entendida
como a prevalência do interesse comum sobre o direito individual8.
Com estes princípios e com o compromisso dos signatários criou-se o Fórum
Global “Por cidades justas, democráticas e sustentáveis”. (HIC – Coalização
Internacional do Habitat; FCOC- Frente Continental de Organizações Comunais, e pelo
Fórum Brasileiro de Reforma Urbana). O Fórum debateu o Tratado em vários paises e
estabeleceu novos vínculos entre movimentos sociais urbanos.
Na Conferência das Nações Unidas sobre assentamentos humanos em 1996, em
Istambul, o Tratado “Por cidades justas, democráticas e sustentáveis” e a “Carta da
Conferência Brasileira – Direito à Moradia e à Cidade”(19969), foram referências para os
debates no Fórum dos Movimentos Sociais e ONGs.
A Conferência Habitat II teve como inovação o credenciamento de representantes
dos movimentos sociais urbanos de âmbito nacional e internacional para acompanhar os
debates internos dos representantes dos países ainda que sem direito à voz ou voto.
Puderam, contudo, fazer a interlocução com o Fórum que se reunia externamento, debater
em âmbito restrito com representantes de vários países e mostrar a importância do
Conferência da Sociedade Civil sobre meio ambiente e desenvolvimento demonstra a diversidade de grupos
participantes.
8
- Talvez por ter sido realizada no Brasil o Tratado da Questão Urbano continha vários dos pressupostos
apresentados na emenda popular para a Reforma Urbana ao Congresso Constituinte em 1988 e que foram
objeto de debate antes da realização da Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento.
9
- A Carta Brasileira foi elaborada na Conferência Brasileira para o Habitat II e contou com a participação de
entidades sindicais e de classe, movimentos populares, federação de associação de moradores, movimentos e
associações de moradores, centros de defesa de direitos humanos; movimentos de mulheres e negros,
entidades de assessorias aos movimentos, ONGs, entidades acadêmicas, poder local (executivos e
legislativos); Cooperativas Habitacionais e escritórios técnicos, entidades religiosas.
8. reconhecimento do direito à moradia como direito humano e a necessidade de por fim dos
despejos forçados.
Assim a representação do Fórum das ONGs e Movimentos Sociais adquire uma
nova expressão internacional. As notícias foram vinculadas no tempo real permitindo
ampliar as comunicações e a intensificação das redes de movimentos, mostrando que a
sociedade se move e que pode criar uma nova vivência urbana.
Entre as conquistas destacamos que a moradia passa ser compreendida como direito
humano . “Nós (os estados que participam) reafirmamos e somos orientados pelos
propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas, e ratificamos nosso compromisso de
garantir a realização integral dos direitos humanos estabelecidos nos instrumentos
internacionais e, especialmente neste contexto, o direito a moradias adequadas, conforme
previsto, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Internacional para a
Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra Mulheres e a Convenção sobre
Direitos da Infância, considerando que o direito à moradia adequada, conforme
estabelecido nos acordos internacionais anteriormente mencionados, deve ser alcançado
progressivamente.10 Nós reafirmamos que todos os direitos humanos – civis, culturais,
econômicos, políticos e sociais – são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-
relacionados”.
Também foi aprovado, com restrições, o fim dos despejos forçados: “Também nos
comprometemos com os objetivos de .. n)Proteger todas as pessoas, garantir proteção
legal e socorro, nos casos de despejos forçados contrários à lei, considerando os direitos
humanos; quando os despejos forem inevitáveis, garantir, conforme apropriado, que
soluções alternativas adequadas sejam oferecidas” . A limitação refere-se ao fato de que a
garantia de proteção dá-se nos despejos forçados contrários à Lei, ou seja o direito de
propriedade da terra permanece como fundamental.
Em que pese que na Constituição Brasileira (artigo 6o.), o direito a moradia é
reconhecido como direito humano e que o Brasil assinou a Agenda Habitat II , o déficit
quantitativo e qualitativo continua elevado (como na maior parte dos países), os despejos
10
- apesar dos intensos debates os EUA exigiram que se colocasse progressivamente significando que o
objetivo foi apenas parcialmente atingido, ou seja, dependeria das condições econômicas e sociais de cada
pais.
9. forçados continuam a ocorrer sem nenhuma garantia de soluções adequadas. Em vários
países do mundo a situação também permanece a mesma.
Organismos nacionais e internacionais e a questão da Moradia
Não pretendemos fazer analises da questão pois o objetivo é apontar que os
movimentos sociais se conectam com as agendas internacionais para lutar pelo direito a ter
direitos, constituindo redes e fóruns que se tornam possível com a tecnologia
informacional, como se observa, por exemplo, com a criação de Relatorias da ONU que
contam em cada países co representantes a sociedade civil.
Os relatores especiais da ONU investigam o descumprimento de obrigações
internacionais dos países signatários dos Tratados de Direitos Humanos. O atual Relator
Especial para a Moradia Adequada (2000 a 2009) definiu como objetivos considerar o
Direito à Moradia como um componente do direito a um padrão adequado de vida. A
prioridade neste período é investigar o tratamento da moradia em países do Oriente Médio e
da América Latina. Nos países visitados pelas missões foi elaborado, também, relatórios
sobre a situação das mulheres em relação a moradia adequada.
As missões dos Relatores Especiais da Onu são conectadas com as denúncias de
violação do Direito Humano a Moradia Adequada e à Terra Urbana11. Para as missões
destacam-se dois critérios: a comunidade (ou grupo) estar organizada e encontrar-se em
situação de violação da alçada da Relatoria. A atuação depende portanto, do conhecimento
da situação real, da organização da população local, o que mostra a importância das redes
de movimentos sociais que denunciam estas ações com o objetivo de construir uma melhor
condição de vida em obediência a leis e tratados nacionais e internacionais.
Retomando as idéias e ideais do Fórum por “Cidades Democráticas e Sustentáveis”
é importante ressaltar que o Fórum é um elo de ligação com a Relatoria Especial para
Moradia Adequada, demonstrando que vários atores, agentes, sujeitos ou protagonistas do
mundo se organizam para colocar-se contra a hegemonia do neoliberalismo e pela defesa
dos direitos fundamentais da pessoa humana e dos direitos difusos. È importante também
considerar que várias outras entidades se articulam internacionalmente na defesa dos
direitos da moradia como o COHRE Américas – Centro pelo Direito à Moradia contra
11
- Sobre a situação no Brasil veja-se: Saule Jr, N e Menezes, P. 2005
10. Despejos, ActionAid Brasil, OGU –ONU - Programa de Gestão Urbana – América Latina e
Caribe; Un Habitat – Programa das Nações Unidades para os Assentamentos Humanos;
Observatório Internacional do Direito à Cidade, Federación de Mujeres Municipalistas de
América Latina e Caribe, entre vários outros. 12
No Brasil, os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei
10.257- Estatuto da Cidade-, incorporou os princípios do Tratado da Questão Urbana,
como produto das lutas, das manifestações, da organização dos movimentos sociais
urbanos. A cidade é compreendida como produção coletiva, deve cumprir sua função
social em benefício de todos. Há instrumentos que possibilitam um certo controle da
especulação imobiliária, reconhecimento das ocupações de terra para moradia, propicia o
usucapião individual e coletivo em terras privadas e o direito de uso nas propriedades
públicas. Nas redes pelo Direito à Cidade a luta dos movimentos sociais brasileiros tem
sido considera importante como reflexão para a construção de possibilidades na agregação
dos mesmos princípios.
Carta Mundial pelo Direito à Cidade
A Carta Mundial pelo Direito à Cidade que foi construída desde o I Fórum Social
Mundial em Porto Alegre “por um conjunto de movimentos populares, organizações não
governamentais, associações de profissionais, fóruns e redes nacionais e internacionais da
sociedade civil, comprometidas com as lutas sociais por cidades mais justas, democráticas
e sustentáveis”.(Carta Mundial pelo Direito à Cidade – 2005) A aprovação foi concretizada
no Fórum Social das Américas – Quito – (Julho de 2004) Fórum Mundial Urbano –
Barcelona (setembro de 2004) e no V Fórum Social Mundial em Porto Alegre (janeiro de
2005). No preâmbulo diz: “A carta mundial pelo direito à cidade é um instrumento
dirigido a contribuir com as lutas urbanas e com o processo de reconhecimento no sistema
internacional dos direitos humanos do direito à cidade”. (idem).
A Carta Mundial pelo Direto à Cidade expressa o que os movimentos sociais
consideram o ideário de uma nova vivência urbana que permite o direito à vida. Foi
elaborada e construída por uma rede de diferentes sujeitos, atores, protagonistas que visam,
12
- informações em www.reformaurbana.org.br; http://www.vitaecivilis.org.br; www.unhabitat.org.;
http://www.wedo.org; www.citesalliance.org; e vários outros sítios que destacam a importância dos contatos
e das redes.
11. utilizando-se da tecnologia informacional para propiciar distribuição da riqueza produzida
para todos. Foi construída pelos excluídos da riqueza das “cidades globais”, na luta pelo
direito à cidade baseada no principio da solidariedade, da igualdade, da dignidade e da
justiça social.
Entre os fundamentos está o respeito às diferenças culturais urbanas, equilíbrio
entre o rural e o urbano, o exercício pleno da cidadania e da gestão democrática da cidade;
função social da cidade e da propriedade; igualdade sem nenhum tipo de discriminação;
proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis; impulsionar a economia solidária e
políticas impositivas e progressivas.
As redes e organizações sociais signatárias da Carta Mundial pelo Direto a Cidade
se comprometem a difundir amplamente a Carta, potencializar a articulação internacional
no contexto do Fórum Social Mundial, nas conferências e foros internacionais com o
objetivo de contribuir para o avanço dos movimentos sociais e das redes de ONGs, na
construção de uma vida digna nas cidades.
Também se comprometem a construir plataformas de exigibilidade do direito à
cidade, documentar e disseminar experiências nacionais e locais que apontem para a
construção deste direito e apresentar esta Carta do Direito à Cidade nos distintos
organismos e agencias do Sistema das Nações Unidas e dos Organismos Regionais, para
iniciar um processo que tenha como objetivo o reconhecimento do direito à cidade como
um direito humano.
Os governos nacionais e locais que assinarem a carta assumem o compromisso de
promover marcos institucionais que consagrem o direito a cidade. O Ministro das Cidades,
Olívio Dutra, representando o governo brasileiro, assinou a Carta no Fórum Mundial de
Barcelona.
Os organismos internacionais que assinam a carta se comprometem a empreender
todos os esforços para sensibilizar, estimular e apoiar os governos na promoção de
campanhas, seminários e conferências; monitorar e promover a aplicação dos pactos dos
direitos humanos e outros instrumentos internacionais que contribuam na construção do
direito à cidade; abrir espaços de participação nos organismos consultivos e decisórios do
sistema das Nações Unidas que facilitem a discussão desta iniciativa.
12. Em síntese a construção da utopia do Direito à Cidade tem sido um processo pelo
qual a sociedade organizada tenta interferir para que a cidade não vise apenas a acumulação
ampliada do capital e os fluxos de comunicação entre cidades, mas principalmente que se
considere e vida urbana cotidiana como passível de ser globalizada com o usufruto da
riqueza criada em cidades para todos. Ou seja luta-se para o que se considera urbano seja
de todos: A cidade como Direito e/ou o Direito à Cidade.
13. Bibliografia citada
Carta Brasileira para o Habitat II – in Assentamentos mais humanos – 1996-
Conferência Brasileira para a Habitat II – FNA- RJ- RJ.
Carta Mundial pelo Direito à Cidade – 2005- Fórum Social Mundial – mimeo-2005- Fórum
Nacional pela Reforma Urbana-
Emenda Popular – Reforma Urbana- in Rodrigues, A. Moyses – A moradia nas Cidades
Brasileiras – 1988(1a.edição)
Estatuto da Cidade – Brasil – 2001 - Lei 10.257/01
¿Un Futuro Comun? Poblamiento, Desarrollo Y Medio Ambiente – 1992 Foro
Internacional - México –-marzo de 1991 - Coalición Internacional para el Habitat
México-D.F.
Habitat II – Agenda Habitat – Un Habitat - Programa das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos - 1996
Harvey, David – 2003 – O Novo Imperialismo – Edições Loyola –SP-SP
Leon, O. ; Burch, S; Tamayo, E; 2001 – Movimentos Sociales em la Rede -
Meio Ambiente e Desenvolvimento – 1992- Uma visão das ONGs e dos movimentos sociais
brasileiros – Fórum das ONGs- Rio de Janeiro
Rodrigues, Arlete Moysés – 1993- Movimentos Sociais – Primeira Versão- IFCH-Unicamp
Saramago, José 2004 - “A Bagagem do Viajante” – Ed.Cia. das Letras- SP-SP
Sartori, Gioavnni – 2001 – Homo videns: televisão e pós pensamento-Ed. Edusc-Bauru-SP
Saule Jr., N. e Menezes, P – 2005 - O Direito à Moradia no Brasil- Relatório da Missão
Conjunta Nacional e da ONU – Instituto Polis- SP-SP
Tratado das ONGS- 1992 - Aprovados no Fórum Internacional das ONGS e movimentos
Sociais-Edição-Fórum das ONGs e Movimentos Sociais – Rio de Janeiro- Rio
Virilio, Paul – 1998 – Os Motores da História – In Tecnociência e Cultura- Ensaios sobre o
tempo presente –(org.Hermetes Reis de Araújo).