A entrevista discute a definição de "nova classe média" no Brasil. O entrevistado argumenta que a ascensão da chamada nova classe média se deve mais a um aumento do consumo e do crédito do que a uma verdadeira mobilidade social, já que faltam benefícios educacionais e culturais associados à classe média tradicional. Além disso, a sustentabilidade desse aumento de consumo pode ser questionada.
ATIVIDADE 1 - ESTRUTURA DE DADOS II - 52_2024.docx
Drops entrevista revista espm ed 4 2011 - jul-ago
1. Entrevista
Classe C: uma
explosão de crédito
e consumo
Entrevista com Nelsom Marangoni
N
A
esta entrevista com Nelsom Marangoni, vice-
presidente do IBOPE, a questão principal foi a
conceituação do que vem a ser a nova classe C
que está presente na mídia. Com sua longa experiência de
psicólogo e pesquisador, Marangoni diz que a nova classe
média não condiz com a definição clássica e a realidade
mercadológica da classe média tradicional. Sem obscurecer
o imenso significado que tem a ascendência da nova classe
média, Marangoni prefere creditá-la a uma explosão de
crédito e consumo, cuja sustentabilidade pode ser posta
em dúvida. Para que essa nova classe média se aproxime
dos padrões da classe média tradicional, serão necessários
muitos anos de progresso social, educacional e cultural.
Essa discrepância entre a tese da nova classe média, defendida
pelo IBGE/FGV, e o “Critério Brasil”, utilizado pelas empresas
de pesquisas não é apenas teórica. Ela pode também influir em
muitas decisões mercadológicas importantes.
E n t r E v i s ta c o n c E d i d a a
Francisco Gracioso
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2. }No Brasil, quando se fala de classe
média, existe uma idealização.~
Debora Matos Fabricio
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3. ENTRE VIS TA
GRACIOSO − A classe média hoje repre- média com renda familiar de R$ 1.200,00
sentaria 53% da população brasileira. Os a R$ 5.174,00. Já o “Critério Brasil” con-
critérios de classificação social do mundo sidera uma renda média de R$ 1.170,00 a
da pesquisa de mercado sempre foram R$ 1.700,00. A questão é que as empresas
polêmicos. No passado houve até mesmo utilizam o “Critério Brasil”, enquanto tudo
uma cisão entre a ABIPEME (Associação que é publicado na mídia retrata a classe C
Brasileira de Institutos de Pesquisa de da FGV, que está baseada na PNAD do IBGE,
Mercado) e a ANEP (Associação Nacional mas fala das classes B1, B2 e C1. A classe
de Empresas de Pesquisa), por ocasião da C2 do “Critério Brasil” não entra na classe
tentativa de introdução de um novo crité- C do Critério da FGV. Imagine a distorção
rio. Conhecemos os números do IBGE que que isso gera no marketing das empresas.
serviram de base para a PNAD (Pesquisa O critério da FGV está errado? Não, é outro
Nacional por Amostra de Domicílios), e critério. O fato é que, no Brasil, quando se
todas as projeções. Como você os inter- fala de classe média, existe uma idealização.
preta? Eles realmente nos autorizam a
falar de uma nova classe média, que seria GRACIOSO – É uma versão que nós, como
o resultado de uma emergência de quase brasileiros, gostamos de ouvir. Fala do pro-
40 milhões de pessoas? gresso, da emergência, da transformação de
trabalhadores e consumidores, de pessoas
NELSOM − Este é um assunto complicado que estavam isoladas do mercado. É por isso
porque envolve conceitos diferentes. Dois que pega com tanta facilidade.
deles estão em evidência: o conceito de
classe a partir do “Critério Brasil”, que NELSOM − Existe uma teoria em psicolo-
é usado pelas empresas, e o conceito da gia que diz que as pessoas gostam de se
Fundação Getulio Vargas (FGV), que fala enganar. Por isso, quando se fala de um
em classe. Fiz um trabalho recente que crescimento espantoso da classe média, as
contesta o que está acontecendo na mídia. pessoas acabam embarcando nesse sonho, o
Temos observado uma idealização da classe que dificulta e faz perder o foco dos princi-
média. O que aparece na mídia − por razões pais problemas. É a fantasia de que a classe
políticas, comerciais ou simples desconhe- média, agora, pode tudo, com as empresas
cimento − é mais uma idealização, como lançando cada vez ma is produtos pa ra
se realmente houvesse uma transformação esse público. Mas muitas dessas empresas
do povo brasileiro. Nesse trabalho levanto acabam perdendo o foco, por não levar em
uma dúvida: há uma mudança social ou conta as variáveis da realidade.
meramente financeira? O “Critério Brasil“
estabelece quem tem mais e menos poder GRACIOSO − E o “Critério Brasil”, usado
de compra. O conceito da FGV também é pelas empresas de pesquisas, como de-
baseado em renda, mas fala em uma classe fine a classe média?
}O conceito da FGV fala em uma classe média
com renda familiar de R$ 1.200,00 a R$ 5.174,00.
Já o “Critério Brasil” considera uma renda média
de R$ 1.170,00 a R$ 1.700,00.~
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4. Nelsom
S o f i a E s Marangoni
teves
}O que aparece na mídia, por razões políticas,
comerciais ou simples desconhecimento é mais
uma idealização, como se realmente houvesse uma
transformação do povo brasileiro.~
NELSOM − O “Critério Brasil” estabelece NELSOM − Já é B1, B2, até na classe A e
a classe média a partir da posse de bens B. Veja ‘ grande diferença: o Critério da
a
que g uardam uma relação com a renda FGV estabelece 11% nas classes A e B e o
e esse é um dos erros. O melhor critério “Critério Brasil” 33%. O “Critério Brasil”
para potencial de consumo é a renda, só dá uma margem melhor de atuação para as
que nas pesquisas tradicionais de marke- empresas porque segmenta mais as classes
ting é impossível obter esse dado, seja por A e B. Já os 11% da FGV é mais difícil seg-
desconhecimento, seja por medo de dizer mentar, porque está tudo concentrado na
quanto se ganha. Então, é preciso usar o classe C, que eles chamam de classe média.
método que estime essa renda − por meio
da posse de bens −, o que pode levar à dis- GRACIOSO − O “Critério Brasil” também
torção. O “Critério Brasil” mede o mesmo divide em cinco classes?
tamanho da classe média ou da classe C
do Critério da FGV. NELSOM − Sim, como a FGV: A, B, C, D e
E. O “Critério Brasil” evita chamar de clas-
GRACIOSO – Portanto, falamos em algo se média, porque classe média tem outra
como 50% da população. conotação, que, na teoria sociológica, vai
além do poder de compra.
NELSOM – O último dado oficial é de 2009:
49% do “Critério Brasil” e 50% da FGV. GRACIOSO − É o burguês com tradição
Em 2011, o número da FGV já é 55%, mas familiar de educação, de cultura, con-
a comparação que faço aqui é 49% contra servadorismo...
50%. De acordo com o “Critério Brasil”,
pertence à classe C quem ganha hoje entre NELSOM − No Brasil, o que está havendo
2,1 e 3,2 salários-mínimos, ou seja, de R$ não é uma mobilidade social, mas uma mo-
1.145,00 a R$ 1.745,00. Já o Critério da FGV bilidade em termos de consumo e poder de
vai de R$ 1.200,00 a R$ 5.174,00. Veja que o compra. A mobilidade social significa que
grupo chamado pela mídia de classe média você sai de uma classe mais baixa e passa
é mais amplo e heterogêneo em termos de para a classe média. Mas você só pode di-
renda. Se verificarmos a renda média do zer que participa dessa nova classe se tiver
trabalhador brasileiro, o último dado de os benefícios sociais e econômicos que ela
maio é de R$ 1.567,00. Então, faz muito oferece, como cultura, lazer, acesso à saúde,
sentido o “Critério Brasil” considerar quem educação. Mas aqui ainda há muita carência
ganha até R$ 1.745,00. O outro, que vai até desse tipo de benefício. Há um movimento,
R$ 5.174,00, me parece exagerado. uma mobilidade, que é devido ao aspecto
financeiro, mas não existe a contrapartida
GRACIOSO − Para o “Critério Brasil” já é do social, por isso preferimos não chamar
classe B? de classe média o pessoal da classe C.
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5. ENTRE VIS TA
GRACIOSO − Falando de outros critérios, NELSOM − É isso mesmo. Também tem o
que vão além da renda, o que define a problema financeiro. Essa situação mostra
classe média e a diferencia da parcela cha- que a ascensão social não está ocorrendo.
mada classe C, que pretende se incorporar São pessoas que emergiram e já pertencem
à classe média? à classe C, mas não têm os benefícios da
classe média porque isso toma tempo. Uma
NELSOM − No Brasil, a classe média tra- pessoa que nasce nas classes mais altas,
esse tempo é encurtado porque já faz parte
dicional refere-se muito mais à classe B.
do contexto, da família. Aqui temos uma
Nesse sentido, é uma classe que já tem
educação muito falha. Comparando com os
acesso a bens de consumo mais sofistica- Estados Unidos, estamos 60 anos atrasados.
dos, como eletrônicos, carros, informática. Outro dia vi uma pesquisa mos trando que
Já essa classe C, que chamo de emergente, o número de formados no ensino médio
ainda não tem acesso a isso. Estamos em acompanhou o dos anos 1950 nos Estados
uma sociedade onde a ascensão dessa classe Unidos, enquanto a quantidade de for-
emergente se dá muito mais pelo consumo mados nas universidades brasileiras era
equivalente à dos anos 1960 nos Estados
e pelo crédito. Até levanto uma dúvida:
Unidos. Realmente, ainda estamos muito
será que estamos vivendo, realmente, uma
longe. Também ocupamos um dos piores
questão sustentável? Diria que não. Pen- índices no IDH ( Índice de Desenvolv i-
sando em termos de consumo, há essas mento Humano), onde a variável educação
diferenças que, em termos de educação, são é relevante. No Brasil, a educação é muito
muito maiores. precária e o pior é que as políticas voltadas
para isso são ainda mais precárias.
GRACIOSO − Fale um pouco mais sobre
educação. GRACIOSO − Não há melhoria à vista.
NELSOM − Se imaginarmos que, para haver NELSOM − Não. Por isso precisamos ter
uma ascensão social, é preciso ter acesso certo cuidado. Estamos diante de uma clas-
à educação, isso não faz parte da classe se C emergente, do ponto de vista de consu-
mo e também de pensamento e sentimento.
emergente. Temos vários exemplos de jo-
Hoje existe menos preconceito em relação
vens que se matriculam na faculdade, mas
a esse público, que está desenvolvendo um
acabam desistindo, por falta de recursos. sentimento de autoestima e independência.
Muitas vezes, não têm conhecimento nem Deveríamos aproveitar o fato de a classe C
formação para se manter. estar sendo mais respeitada para ter um
crescimento social realmente verdadeiro.
GRACIOSO − Segundo o Sindicato das
Escolas de Nível Superior de São Paulo, a GRACIOSO − Nesse contexto, a nova
principal causa da desistência é a falta de classe média deverá votar de forma mais
preparo para acompanhar o curso. conservadora nas próximas eleições?
}As oportunidades de negócios estão em todas
as classes, inclusive nas classes A e B.~
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6. Nelsom
S o f i a E s Marangoni
teves
}É a fantasia de que a classe média agora pode
tudo, com as empresas lançando cada vez mais
produtos para esse público.~
NEL SOM − Eles não têm muita noção esse número precisa ser visto com cuidado,
disso. Mas deverão votar naqueles que porque um aumento de renda numa base
oferecerem benef ícios imediatos − que muito frágil tem um significado diferente
são os econômicos. A última eleição nos do que um aumento de renda numa base
mostrou isso: nos extremos da renda do melhor. Por isso digo que esse aumento
trabalhador brasileiro − quem ganha até de consumo − que é uma realidade − está
t rês sa lá r ios- m í n i mos e ac i ma de dez mais baseado no crédito do que no au-
salár ios-mínimos − t ivemos uma dife- mento de renda. É um aumento de renda
rença g ritante entre Dilma e Serra. Na frágil, que parte de uma base elementar
ú lt i ma pesqu isa de i ntenção de votos, onde a renda do trabalhador brasileiro é
Dilma estava 20% acima no extremo in- de R$ 1.567,00. Há um dado interessante
ferior, enquanto Serra tinha 15% a mais do IBGE mostrando que 70% da renda do
de votos no extremo superior. E, no meio, trabalhador vão para quatro categorias de
tínhamos uma semelhança, uma espécie produtos: vestuário, moradia, alimentação
de equivalência. É por isso que Fernando e transporte.
Henrique Cardoso acertou ao dizer que o
PSDB deveria buscar a diferenciação no GRACIOSO − Portanto, são despesas es-
meio, porque, nos extremos, seria muito senciais à vida.
difícil. O pessoal de baixa renda é muito
sensível ao Bolsa Família, à ajuda finan- NELSOM − Ligadas à sobrevivência. So-
ceira e, na eleição, a variável econômica bram apenas 30% de R$ 1.500,00, em torno
ainda é determinante. de R$ 500,00 para lazer, educação, saúde,
produtos pessoais...
GRACIOSO − Vamos mudar o foco para
potencial de consumo porque, para as GRACIOSO − E pagar as dívidas...
empresas, o que interessa é o dinheiro
disponível ao fim do mês nas mãos do NELSOM − Ou seja, se não tiver crédito,
consumidor. Você reconhece que houve não há como alimentar todo esse consumo.
realmente esse aumento? A FGV aponta Há também um certo exagero direcionado
que o crescimento da renda dessa nova à classe C, como se ela fosse responsável
classe média, nos dois últimos anos, che- por toda a expansão do consumo. Quando
gou a 4% acima do PIB. Considerando que verificamos, realmente, os dados, percebe-
o PIB de 2010 foi de 7%, isso significa que mos uma expansão do consumo em todas
o crescimento da renda dessa nova classe as classes. Para dar um exemplo, as classes
média chegou a 11%. D e E que, em 2002, tinham somente 21
categorias de produtos na cesta básica, no
NELSOM − De 2003 até 2010, por exemplo, ano passado passaram a ter 39, quase o
esse crescimento foi equivalente a 25% da dobro. Então por que esse foco excessivo na
renda do trabalhador brasileiro. Agora, classe C? Tenho feito um trabalho entre os
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