O documento discute a estrutura do texto teatral, abordando sua organização interna e externa, elementos constituintes como personagens, diálogo, ação, espaço, gêneros e estruturas como exposição, conflito e desfecho. Explora definições de texto dramático, características do gênero e conceitos como continuidade versus descontinuidade.
2. Introdução
De acordo com Ryngaert, a dramaturgia busca
elucidar as relações complexas entre o texto e a sua
representação. Tendo como ponto de partida o
interior do texto, tenta considerar as diversas
possibilidades de passagem para o palco,
estudando-as a partir do próprio palco. Cada texto
possui o seu próprio estatuto, com o qual se criam
representações virtuais ou reais.
3. O que é um texto de teatro?
*Platão lança os fundamentos de uma divisão tripartida dos gêneros
literários, distinguindo e identificando o gênero imitativo ou mimético,
em que se incluem a tragédia e a comédia, o gênero narrativo puro,
prevalentemente representado pelo ditirambo, e o gênero misto, no
qual avulta a epopeia.
*Segundo Aristóteles, a matriz e o fundamento da poesia consistem na
imitação. A mímese poética incide sobre “os homens em ação” sobre
os seus caracteres (ethe), as suas paixões (pathe) e as suas ações
(praxeis). Se se tomar em consideração a variedade dos objetos da
mímese poética, isto é, dos “homens em ação”, a tragédia tende a
imitar os homens melhores do que os homens reais e a comédia tende
a imitá-los piores.
4. *Os formalistas russos conceberam o gênero literário como uma entidade
evolutiva, cujas transformações adquirem sentido no quadro geral do
sistema literário e na correlação deste sistema com as mudanças operadas
no sistema social, e por isso advogaram uma classificação historicamente
descritiva dos gêneros.
*Com a herança teórica e metodológica do formalismo russo se relaciona
ainda a caracterização dos gêneros literários proposta por Jakobson,
baseada na função da linguagem que exerce o papel de subdominante em
cada gênero: o gênero dramático, "poesia da segunda pessoa", apresenta
como subdominante a função conativa e "caracteriza-se como suplicatório
ou exortativo conforme a primeira pessoa esteja nele subordinado à
segunda ou a segunda à primeira".
5. *Northrop Frye constrói uma teoria dos gêneros partindo do
princípio de que as distinções genéricas em literatura têm
como fundamento o radical de apresentação: as palavras
podem ser representadas, como se em ação, perante o
espectador; podem ser recitadas ante um ouvinte; podem ser
cantadas ou entoadas; podem, enfim, ser escritas para um
leitor. O gênero dramático caracteriza-se pelo ocultamento,
pela separação do autor em relação ao seu auditório,
cabendo aos caracteres internos da história representada
dirigirem-se diretamente a este mesmo auditório.
6. *Emil Staiger escreveu a obra intitulada Conceitos Fundamentais da Poética.
Staiger acentua a necessidade de a poética se apoiar firmemente na história,
na tradição formal concreta e histórica da literatura, já que a essência do
homem reside na sua temporalidade. Retomando a tradicional tripartição de
lírica, épica e drama, reformulou-a profundamente, substituindo estas formas
substantivas pelas designações adjetivais e pelos conceitos estilísticos de
lírico, épico e dramático. Staiger caracteriza o lírico como recordação, o épico
como observação e o dramático como expectativa. Tais caracteres distintivos
conexionam-se obviamente com o tempo existencial: a recordação implica o
passado, a observação situa-se no presente, a expectativa no futuro. Deste
modo, a poética alia-se intimamente à ontologia e à antropologia e a análise
dos gêneros literários volta-se em reflexão sobre a problemática existencial do
homem, sobre a problemática do "ser e do tempo".
7. * De acordo com Ryngaert, o teatro contemporâneo ignora os
gêneros, pois os autores escrevem textos raramente rotulados
como cômicos, trágicos ou dramáticos. Isso pode ser entendido
como uma libertação , herança da mistura entre o grotesco e o
sublime, mas pode indicar também uma perturbação da escrita,
uma incerteza quanto à sua natureza, como se o gênero teatral,
cada vez menos específico, abrigasse todos os textos passados
pelo palco, fossem ou não a ele destinados.
8. Ação
O gênero dramático é feito para ser representado. As personagens
são responsáveis pelo desenvolvimento da ação. Por isso, o texto
dramático não precisa de um narrador para contar a história.
Usando o conceito de que a obra dramática é aquela que narra por
meio da ação, Ryngaert explica que o “fazer” é sentido como
pertencente ao palco, embora seja cada vez menos importante que
o texto considere ou programe ações, sobretudo se estas não criam
fraturas entre o texto e a representação.
9. Diálogo
Segundo Ryngaert, atribuiu-se a Téspis, que introduziu o ditirambo
na Ática por volta de 550 a. C., a origem das falas diversificadas e
nomeadas. Esse poeta lírico teria sido o criador da tragédia, ao
acrescentar à antiga estrutura exclusivamente coral um primeiro
ator, inventando o diálogo entre este e o coro.
O teatro é antes de tudo diálogo, ou seja, nele a palavra do autor é
mascarada e partilhada entre vários emissores. Tais palavras em
ação, assumidas pelas personagens, constituem o essencial da
ficção. O teatro assume a aparência de conversação, mas o
monólogo também é usado em abundância, bem como falas de
uma extensão tão grande que dificultariam um intercâmbio verbal.
10. Todo o jogo do diálogo é afetado pela presença de um interlocutor
considerável, o público, que tem um lugar fundamental de parceiro
mudo para quem, em última instância, todos os discursos se
dirigem.
Há casos em que o texto deixa de dirigir-se ao público
indiretamente, privilegiando-o como interlocutor, como nos apartes.
Há casos em que a presença do público é esquecida e negada,
tudo o que é dito e representado diz respeito apenas às
personagens e só a elas.
11. Texto dramático
Finalidade de ser representado
diante de um público
Obra de teatro (texto dramático) Representação (espectáculo)
- As personagens
- O espaço onde decorre a
acção
- Os acontecimentos
- Actores
- Cenário
- Acção dramática
são representadas pelos
é representado pelo
constituem a
12. Texto principal – falas dos atores
Constituído por:
Monólogo – uma personagem, falando consigo
mesma, expõe perante o público os seus
pensamentos e/ou sentimentos;
Diálogo – falas entre duas ou mais personagens;
Apartes – comentários de uma personagem para
o público, pressupondo que não são ouvidos pelo
seu interlocutor.
13. Texto secundário – ou didascálias, ou indicações
cênicas
Composto por:
listagem inicial das personagens;
indicação do nome das personagens no início de cada fala;
informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em actos,
cenas ou quadros);
indicações sobre o cenário e guarda-roupa das personagens;
Rubricas, ou indicações sobre a movimentação das personagens
em palco, as atitudes que devem tomar, os gestos que devem fazer
ou a entoação de voz com que devem proferir as palavras…
14. O discurso do texto dramático
A escrita de teatro: em verso ou em prosa – diálogo, monólogo e apartes
O discurso dramático
– falas das personagens (texto
que ouvimos na
representação)
Indicações cênicas/
didascálias: informações do autor
sobre cenário, movimentação das
personagens, vestuário, luz, som, música.
No início do acto ou cena
Ao lado do discurso da
personagem
15. Organização do texto teatral
O título de uma peça é uma forma de anunciar ou de confundir seu
sentido. Para o público, esta é a primeira referência.
O título anuncia um projeto, de acordo com a tradição cultural, ou
uma ruptura, pode também manifestar uma intenção , jogar com
vários registros.
A indicação do subgênero da obra (tragédia, drama, comédia, farsa,
etc.) pode ser usada como forma do autor colocar-se sob uma
bandeira cultural ou de manifestar com ironia que não se deixou
enganar pela sua relação com a tradição.
16. Estrutura externa – As grandes Partes
Na prática tradicional fala-se em atos, ritualmente cinco para a
tragédia e a tragicomédia; e três para a comédia, mas há exceções.
*atos - correspondentes à mudança de cenários
Os atos são, por sua vez, divididos em cenas, de acordo com as
entradas e saídas das personagens.
*cenas - equivalentes à mudança de personagens em cena
A partir do século XVIII os dramaturgos falam às vezes de quadros,
referindo-se a uma concepção pictórica da cena, a uma unidade
obtida pela criação de uma atmosfera diferente a cada vez.
17. Estrutura externa – As grandes Partes
A prática moderna oscila entre os costumes tradicionais e o uso de
um vocabulário inspirado no cinema. Fala-se então de sequências,
fragmentos, movimentos (como na música), pedaços, jornadas,
partes.
Tais sistemas de organização classificam-se segundo uma estética
de continuidade ou segundo um princípio de descontinuidade
(cortes frequentes).
Alguns somente aparecem no texto, como numeração das
sequências e outros são feitos para aparecer para o público, como
um corte de luz na cena.
18. Continuidade X Descontinuidade
Continuidade – o que se passa em outro local (fora do palco e fora
do texto) ou em outros momentos é considerado como parte da
ação: ligação de presença – saídas ou entradas; ligação de procura
– personagem que entra em cena procurando uma outra que sai;
ligação pelo ruído – personagem atraída por um barulho; ligação
pelo tempo – não há outra justificação a não ser horária.
Descontinuidade – cada parte deve ser tratada “em si mesma”:
descontínua, elíptica, aberta, escrita que organiza o mundo por
meio da falta; nunca é dito tudo, nem tudo é para dizer.
19. Estrutura interna
Uma peça de teatro divide-se em:
* Exposição – apresentação das personagens e dos antecedentes
da ação.
* Nó – obstáculos que surgem no centro da intriga da peça.
* Conflito – conjunto de peripécias que fazem a ação progredir.
* Desenlace – desfecho da ação dramática
20. Exposição
De acordo com Ryngaert, é o momento em que o dramaturgo
fornece as informações necessárias ao entendimento da ação,
apresenta as personagens e entra no assunto.
Para os clássicos, a exposição precisa “instruir o expectador sobre
o assunto e as circunstâncias principais, o lugar da cena e mesmo
a hora em que a ação principia, o nome, o estado, o caráter e os
interesses das personagens principais”.
21. Conflito
O conflito é a oposição entre forças. Essas forças/vontades
acreditam na legitimidade de suas ações. O gênero dramático se
desenvolve a partir do choque entre duas vontades, gerando o
conflito dramático.
Para Aristóteles, a Peripécia é a inversão da situação do herói que
leva ao desfecho, por exemplo como a passagem da situação de
felicidade à infelicidade, que leva ao desfecho trágico.
22. Desenlace / Desfecho
Inversão das últimas disposições do espetáculo, derradeira
peripécia, regresso de acontecimentos que modificam toda a
aparência das intrigas.
Eliminação do último nó, do último obstáculo ou da última peripécia
e os acontecimentos que podem derivar de tal eliminação.
23. A estrutura do texto dramático
Estrutura interna:
CLÍMAX
(ponto culminante da cção)
EXPOSIÇÃO
(introdução)
DESENLACE ou DESFECHO
(conclusão)
CONFLITO
(conjunto de
acções)
24. Personagens
Classificação quanto à sua concepção:
* Planas ou personagens-tipo – não alteram o seu comportamento
ao longo da ação. Representam um grupo social, profissional ou
psicológico)
* Modeladas ou Redondas – evoluem ao longo da ação, as suas
atitudes e comportamentos vão-se alterando e, por isso mesmo,
podem surpreender o espectador.
26. Personagens
Tipos de caracterização:
* Direta – a partir dos elementos presentes nas didascálias, da
descrição de aspectos físicos e psicológicos, das palavras de
outras personagens, das palavras da personagem a propósito de si
própria.
* Indireta – a partir dos comportamentos, atitudes e gestos que
levam o espectador a tirar as suas próprias conclusões sobre as
características das personagens.
27. Espaço
Espaço – o espaço cênico é caracterizado nas didascálias, em que
surgem indicações sobre pormenores do cenário, efeitos de luz e
som.
Coexistem normalmente dois tipos de espaço:
* Espaço representado – constituído pelos cenários onde se
desenrola a ação e que equivalem ao espaço físico que se
pretende recriar em palco.
* Espaço aludido – corresponde às referências a outros espaços
que não o representado.
28. Espaço múltiplo ou simultâneo
As ações múltiplas podem acontecer em lugares diferentes, com
personagens diferentes e sem muita relação entre si. O teatro
barroco e o elisabetano utilizaram muito este recurso. Passam de
uma floresta para um castelo, para uma batalha, para um jardim,
saltando de cenário em cenário.
As ações simultâneas ocorrem ao mesmo tempo no palco e as
divisões do espaço podem ser feitas por meio do cenário, como por
exemplo em Vestido de noiva, cuja ação ocorre em três planos
simultaneamente: o real, a memória e a imaginação. Uma das
montagens organizou o palco em três andares.
29. Fora de cena e espaço metafórico
O espaço que não é destinado à representação também precisa ser
examinado. Ele interfere no enredo para cenas que não têm lugar,
mas que são relatadas ou aludidas por personagens. Um autor faz
escolhas em seu modo de contar, tanto nos lugares em que coloca
as personagens quanto naqueles em que decide não mostrá-las.
O espaço metafórico revela redes de sentido que não dizem
respeito necessariamente ao espaço cênico, mas que fazem-nos
avançar na compreensão do texto.
30. Tempo
*Tempo da representação – duração do conflito no palco.
* Tempo da ação ou da história – o(s) ano(s) ou a época em que se
desenrola o conflito dramático.
* Tempo da escrita ou da produção da obra – momento em que o
autor concebeu a peça.
31. Tempo
O tempo intervém no enredo quando se estabelece uma cronologia
que reconstitui o desenrolar dos acontecimentos, sua sucessão, a
maneira como são desenvolvidos ou comprimidos, até evitados (por
elipses). O tempo pode se desenrolar de forma contínua ou de
forma fragmentada.
A marca comum da sua passagem no texto é a parada, a
interrupção, às vezes até a indicação cênica de um escurecimento.
Para os clássicos, é preciso preencher esse tempo. Os modernos
jogam muito mais com as elipses, não se preocupando com a
fratura.
32. Tempo Metafórico
O tempo tem uma dimensão metafórica equivalente à do espaço.
Pode assim existir um tempo próprio para cada personagem, que
traduz suas preocupações e os choques das diferentes
subjetividades.
As marcas de sua passagem estão mais diluídas pelo texto, pelas
personagens e pelo ritmo do espetáculo. É difícil fazer sentir o
tempo que passa e mais ainda o que não passa, transmitir o tédio
sem entediar, a duração sem cansar.
33. Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro:
Ediouro, /s. d./ (col. Universidade).
CHKLOVSKY, V. et alii. Teoria da literatura, formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1973.
FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix,
1957.
PLATÃO. Diálogos VIII A república. Trad. Leonel Vallandro. Rio de Janeiro: Ediouro, /s. d./ (col
Universidade).
RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. Trad. Paulo neves. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
SILVA, Victor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina, /s.d./
STAIGER, E. Conceitos fundamentais de poética. Trad. Celeste Aída Galeão. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1969.