SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  14
Télécharger pour lire hors ligne
fls. 1




                  PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
           JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL



Ação Civil Pública n.º: 0010081-27.2010.8.20.0001
Autor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte
Réus: Estado do Rio Grande do Norte e outro

                                          SENTENÇA

                                        DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE.
                                        OFERTA DEFICITÁRIA DOS LEITOS DE UTI.
                                        POPULAÇÃO USUÁRIA DO SISTEMA ÚNICO DE
                                        SAÚDE. DESCUMPRIMENTO DA CONSTITUIÇÃO
                                        FEDERAL DE 1988 E DAS LEGISLAÇÕES
                                        INFRACONSTITUCIONAIS, ESPECIALMENTE A
                                        PORTARIA Nº 1.101/2002 DO MINISTÉRIO DA
                                        SAÚDE. NÃO OFERECIMENTO DE LEITOS DE UTI
                                        EM UM PERCENTUAL MÍNIMO EXIGIDO PELA
                                        LEGISLAÇÃO.     PRESTAÇÃO        MATERIAL
                                        INCOMPLETA. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO
                                        NECESSÁRIA     PARA     POSSIBILITAR    A
                                        CONCRETIZAÇÃO          DE         NORMAS
                                        CONSTITUCIONAIS VINCULADAS AO MÍNIMO
                                        EXISTENCIAL.

                A Representante do Ministério Público ingressou com apresente Ação Civil
Pública contra o Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Natal requerendo a execução de
medidas necessárias a implementação da Portaria Ministerial nº 1.101/2002, objetivando a
instalação de , no mínimo, 7% de leitos de UTI em relação ao número total de leitos, os quais
devem abranger os grupos etários adulto, pediátrico e neonatal, levando-se em consideração a
população residente no Estado e no Município, responsabilizando-se cada ente por seus
administrados.
                Requereu que fossem adotadas as providências administrativas para credenciamento
junto ao Ministério da Saúde, em observância a Portaria GM/MS 3432/1998, dos leitos de UTI
atualmente instalados em todos os hospitais estaduais, além dos que vierem a ser instalado, a fim
de viabilizar e garantir a transferência das verbas federais necessárias a sua manutenção.
                Requereu, também, que o Município de Natal adote as medidas administrativas para
a instituição de uma Central de Regulação de Leitos Hospitalares e Leitos para pacientes críticos,
com funcionamento em tempo integral, que deverá ficar responsável pelo controle da ocupação
dos leitos de UTI disponíveis nos diversos hospitais públicos ou privados contratados.
                Fundamentou sua pretensão no direito fundamental à saúde e ao correspondente
dever do Poder Público de assegurar, com absoluta prioridade, essa respectiva garantia
constitucional.
                Informou que desde agosto de 2006 o Ministério Público Estadual instaurou o
fls. 2




                  PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
           JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


Inquérito Civil n.º 012/2006, cujo objetivo era investigar a demanda de leitos de Unidade de
Tratamento Intensivo(UTI) na rede de atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde(SUS),
bem como o quantitativo de profissionais médicos intensivistas, tanto no Estado como no
Município.
                O procedimento foi instaurado em decorrência de notícia da própria direção do
Hospital Walfredo Gurgel, onde informava ao Ministério Público o déficit de leitos de UTI na rede
pública de saúde dos entes públicos demandados.
                Nas investigações realizadas pela promotoria competente foram detectados vários
problemas, entre eles o seguinte: insuficiência de leitos de UTI; a concentração de leitos na
Capital, em detrimento da precária estrutura existente no interior; a insuficiência de pessoal
qualificado, em especial médicos intensivistas; e a falta de estrutura dos hospitais públicos para a
instalação de novos leitos.
                Em decorrência dos problemas observados nos hospitais públicos do Estado e do
Município, a Promotoria competente tomou determinadas medidas administrativas, objetivando a
solução dos problemas, através de recomendações e reuniões periódicas com os entes públicos.
Entretanto, apesar da instalação de mais leitos de UTI, tanto pelo Estado como pelo Município, no
período compreendido de 2006/2009, as medidas não foram suficientes para eliminar a demanda
reprimida e adequar os serviços as normas do Ministério da Saúde.
                Assim, como o problema vem se agravando no decorrer dos anos, sem nenhuma
solução eficaz por parte dos gestores públicos, o Órgão Ministerial ingressou com a presente Ação
Civil Pública objetivando a condenação dos demandados para que os mesmos cumpram com a
obrigação de fazer consistente em garantir leitos de UTI conforme as determinações legais.
                Juntou documentos de fls. 27/181.
                As autoridades demandadas foram notificadas para se manifestarem sobre a
antecipação de tutela, tendo o Estado prestado as informações no tocante ao planejamento que
estava fazendo no sentido de melhorar o atendimento nos leitos de UTI, como a contratação na
rede privada e a realização de concurso público, fls. 192/196.
                Acostou documentos de fls. 197/246.
                Decisão interlocutória de fls. 247/255, onde foi deferida a antecipação de tutela no
sentido de determinar que o Município, no prazo de 30 dias, providenciasse a ampliação dos leitos
de UTI, junto a iniciativa privada, a fim de complementar o número mínimo equivalente a 4% do
número mínimo de leitos hospitalares previstos nos termos da Portaria 1101/2002 do Ministério da
Saúde. E quanto ao Estado que, em igual prazo, procedesse também a ampliação e instalação de
leitos hospitalares de UTI, com a contratação com a rede privada. E ambos os entes abrissem um
serviço para pacientes pediátricos crônicos.
                Informações do Estado através do Ofício n.º 0798/ASSEJUR comunicando as
medidas tomadas tendentes ao cumprimento da tutela deferida, fls. 266/294.
                Contestação do Município às fls. 296/298, alegando que o ente já está cumprindo a
Portaria GM 1101/2002, devendo ser julgado improcedente o pedido inicial por ausência de
pretensão resistida.
                Juntada de documentos do Ministério Público as fls. 302/311, encaminhados pelo
Ministério Público Federal, sobre a deficiência de leitos da UTI Neonatal no Município.
fls. 3




                     PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
              JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


               Agravo de instrumento interposto pelo Município junto ao Egrégio Tribunal de
Justiça, convertido em Retido, fls. 320/329.
Réplica à contestação às fls. 363/369.
               Durante o curso do processo a RMP em diversas oportunidades comunicou o
descumprimento da tutela deferida, bem como fez juntar ao processo documentações sobre a
situação em que se encontram os hospitais públicos em decorrência da falta de leitos de UTI na
rede pública.
               Em decisão interlocutória, às fls. 440, foi determinado que os demandados
apresentassem um plano de ação dentro da área de competência de cada demandado para que fosse
efetivado o pronunciamento judicial que antecedeu os efeitos da tutela inicial.
               O Município diante da determinação fez juntar aos autos os documentos de
fls.488/492, e o Estado os documentos de fls. 495/529.
               Posteriormente, os atos processuais significativos foram os requerimentos feitos
pela Representante do Ministério Público, objetivando garantir a internação de pacientes graves
que estavam sem atendimento adequado.
               É o relatório. Decido.
                A matéria tratada nos autos não reclama dilação probatória, posto que a
documentação acostada seja suficiente para o esclarecimento dos fatos, só havendo questões de
direito a serem dirimidas e assim, devendo ser proferido julgamento, ex vi da inteligência contida
no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil Pátrio.
               O principal ponto da presente demanda é saber se o Estado do Rio Grande do Norte
e o Município de Natal garantem à população usuária dos serviços públicos de saúde os leitos
hospitalares de UTI, conforme, percentual mínimo exigido pela Portaria n.º 1.1011, de 12 de junho
de 2002, expedida pelo Ministério da Saúde, segundo a recomendação da OMS. Onde se prevê
para os leitos de UTI um percentual de 4 a 10% dos leitos hospitalares existentes, levando-se em
consideração que os leitos hospitalares serão de 2,5 a 3 por cada mil habitantes.
               De acordo com o IBGE2 a população do Estado do Rio Grande do Norte contava em




1
    3.5. NECESSIDADE DE LEITOS HOSPITALARES
         Em linhas gerais, estimase
         a necessidade de leitos hospitalares da seguinte forma :
         a) Leitos Hospitalares Totais = 2,5 a 3 leitos para cada 1.000 habitantes#
         b) Leitos de UTI: calculase,
         em média, a necessidade de 4% a 10% do total de Leitos Hospitalares# (média para municípios grandes, regiões, etc.).
         c) Leitos em Unidades de Recuperação (póscirúrgico):
         calculase,
         em média de 2 a 3 leitos por Sala Cirúrgica#
         d) Leitos para Pré Parto: calculase,
         no mínimo, 2 leitos por sala de Parto.
fls. 4




                    PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
             JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


2010 com 3.168.027 habitantes, e o Município de Natal3 contava no mesmo período com 803.739
habitantes.
                Assim, considerando os habitantes no ano de 2010 e levando em consideração os
percentuais mínimos recomendados pela Portaria 1.101/2002 do MS, deveríamos contar com pelo
menos com 7.920 leitos hospitalares para o Estado do Rio Grande do Norte, sendo 316 desses
destinados a pacientes em tratamento intensivo.
                E para o Município de Natal teríamos aproximadamente 2009 leitos hospitalares e
80 leitos de UTI. Frisando, mais uma vez, que esses números são aproximados, já que não se
levou em consideração os décimos operacionais, bem como estão sendo contabilizados em seu
menor percentual.
                Em que pese a Portaria, ora debatida, além do fator populacional, também fixar
outros parâmetros para o cálculo dos leitos, como, por exemplo, o percentual de internações
programadas pelo gestor sobre a população, a taxa de ocupação hospitalar e o tempo da média de
permanência de cada especialidade, verifica-se que ainda há uma enorme carência de leitos
hospitalares para a população atendida pelo Sistema Único de Saúde, tanto no Estado como no
Município.
                A carência não atinge apenas os leitos de tratamento intensivo, mas os próprios
leitos comuns, que estão em um patamar bem inferior ao determinado ou almejado pela
Organização Mundial da Saúde.
                Defende-se a municipalidade informando que os leitos oferecidos estão acima da
média mínima exigida pelo Ministério da Saúde, porém como existe um déficit enorme no Estado,
isto acaba por sobrecarregar o Município de Natal. Aduz, ainda, em sua defesa que o Município
conta atualmente com 132 leitos disponibilizados, e que está contratando mais 10 leitos na rede
privada (fls. 490/492).
                Por seu turno, o Estado reconhece que há um déficit de 292 leitos de UTI,
considerando um quantitativo de 655 leitos, conforme determina a Portaria 1.101/2002 do
Ministério da Saúde (fls.500). Consoante as informações prestadas até agora, o ente federativo
conta com pouco mais de 363 leitos, sendo 246 em hospitais privados.
                Verifica-se, portanto, como caótico se encontra a saúde pública no Estado,
principalmente, em se tratando dos leitos que devem ser oferecidos pelo ente público estadual.
                Ademais, agravando a situação do quadro, como bem observou a Representante do
Ministério Público, cerca de 90% (noventa por cento) da população do Estado do Rio Grande do
Norte, assim, como a grande maioria da população brasileira é usuária do Sistema Único de Saúde.
E como tal padecem nas filas dos hospitais públicos, aguardando seja uma consulta, uma cirurgia,
um leito hospitalar ou de UTI, estando os médicos a escolherem, por gravidade e possibilidade de
sobrevivência, quem viverá ou não.
                São milhares de brasileiros jogados a própria sorte que, sem quaisquer expectativas
de melhoras, dependem única e exclusivamente das políticas públicas dos governantes para a
solução de referidos problemas sociais, os quais por si só atrasam significativamente o nosso

2
  http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php-sigla=rn
3
 http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php-uf=rn
fls. 5




                   PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
            JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


desenvolvimento econômico e social.
               Em sentido contrário a situação fática existente no país, vemos que a Constituição
Federal de 1988, na mesma linha de tantas outras constituições democráticas do pós-guerra, adotou
entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, inciso III). Verifica-se, portanto, que além da adoção do sistema democrático,
foram assumidos outros compromissos com os cidadãos do país, entre eles a garantia e efetividade
de uma vida minimamente digna e justa para a sobrevivência da pessoa humana.
               Porém, pergunta-se: o que efetivamente seria esse princípio da dignidade humana-
O que se deve garantir para que haja uma vida digna- Inicialmente, vale deixar claro que referido
princípio ainda está em construção doutrinária e jurisprudencial, e conforme leciona Marcelo
Novelino, deverá ser uma importante diretriz na criação e interpretação de todas as demais normas
jurídicas do ordenamento constitucional. Assim, não há como se delimitar ainda o que é digno,
mas se podem construir valores a partir do princípio da dignidade humana.

                 “Dentro da graduação dos valores jurídicos, a dignidade se encontra no ponto
                mais elevado. Isto não significa uma superioridade normativa capaz de
                invalidar outras normas constitucionais ou uma prevalência absoluta em caso
                de conflitos com os demais valores constitucionalmente consagrados. Todavia,
                faz deste valor uma importante diretriz a ser utilizada na criação e
                interpretação das demais normas jurídicas”4.

                De acordo ainda com seus ensinamentos:

                “Os deveres de proteção da dignidade e de promoção dos meios necessários a uma
                vida digna encontram-se consubstanciados em um princípio que exige a execução
                de tarefas e criações legiferantes (caráter positivo).
                O mandamento de proteção impõe a criação e aplicação de normas sancionadoras de
                condutas que atentem contra a dignidade; o mandamento de promoção determina a
                elaboração de normas consagradoras de direitos fundamentais, bem como o
                fornecimento de prestações materiais que possibilitem o acesso aos bens e
                utilidades indispensáveis a uma existência humana digna (mínimo
                existencial).”5(grifei)




4
  CARMARGO, Marcelo Novelino. “O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana” in Leituras
  Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim,
  Pg. 120
5
  CARMARGO, Marcelo Novelino. “O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana” in Leituras
  Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim,
  Pg. 123
fls. 6




                    PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
             JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL



                Assim, para se garantir o mais elevado princípio constitucional, dignidade humana,
os poderes públicos devem fornecer prestações materiais que possibilitem o acesso aos bens e as
utilidades indispensáveis a uma existência humana digna, ou seja, devem garantir o que chamamos
de um “mínimo existencial”.
                O mínimo existencial nada mais é do que os direitos fundamentais mínimos
necessários a uma vida digna, e cuja garantia não se submete a nenhuma reserva do possível. Para
Novelino, três direitos básicos compõem o chamado “mínimo existencial”, são eles: o direito à
saúde, o direito a educação e o direito a moradia.

                 “Ainda que não possua um conteúdo específico, três direitos básicos integram a
                 composição do mínimo existencial: 1º) saúde: por envolver diretamente o direito
                 à vida, a questão da saúde gera controvérsias e discussões acaloradas. Não é
                 pretensão deste estudo tratar da extensão deste direito social ou até que ponto ele
                 gera um direito subjetivo oponível ao Estado. Todavia, em se tratando de um
                 ‘mínimo existencial’, entendemos ser exigível do Estado, independente de qualquer
                 condição, apenas o tratamento indispensável à sobrevivência do indivíduo, como
                 ocorre com a internação e o fornecimento de remédios ou tratamentos quando há
                 iminente risco de morte;
                 2º) educação fundamental: com o objetivo de assegurar uma proteção adequada à
                 dignidade do indivíduo, a Constituição impõe ao Estado o dever de oferecer a todos,
                 gratuitamente, o ensino fundamental(art. 208, I);
                 3º) moradia: o Estado deverá fornecer aos indigentes e às pessoas sem-teto, ao
                 menos um lugar no qual possam se recolher (abrigos). O mesmo não ocorre em
                 relação a moradias populares ou à habitação para a classe média que, por serem
                 direitos sociais, dependem de políticas públicas e das opções orçamentárias”. 6
                 (grifei)

              Portanto, podemos concluir que para a implementação do princípio da dignidade
humana, deve-se garantir a todos um mínimo existencial possível, formado por direitos
fundamentais relacionados à saúde, a educação e a moradia. E deste núcleo existencial mínimo,
ousamos afirmar ser o direito a saúde o mais fundamental, porque diretamente vinculado a
preservação da vida humana, por isso sua garantia deve-se dar em primeiro plano nas opções dos
governantes.

                 “O direito social à saúde é tão fundamental, por estar mais diretamente ligado




6
    CARMARGO, Marcelo Novelino. “O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana” in Leituras
    Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim,
    Pg. 124/125.
fls. 7




                   PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
            JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


                ao direito à vida, que nem precisava de reconhecimento explícito. Nada
                obstante, a Constituição Brasileira dispôs que a saúde é um direito de todos e
                dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
                redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
                igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação
                (art. 196). Aqui também fica mais fácil defender a imediata aplicabilidade
                desse direito social, com a possibilidade de sua efetivação judicial, uma vez que
                está em jogo a preservação do bem maior: a vida humana”7.

               Ora, sabemos que “apenas por meio das políticas públicas o Estado poderá, de
forma sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes
detalhados pelo legislador), sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais que dependam
de ações para sua promoção”8. Ocorre que como bem observa ainda Ana Paula Barcellos:

                “As políticas públicas, igualmente, envolvem gastos. Como não há recursos
                ilimitados, será preciso priorizar e escolher em que direito público disponível
                será investido. Essas escolhas, portanto, recebem a influência direta das opções
                constitucionais acerca dos fins que devem ser perseguidos em caráter
                prioritário. Ou seja: as escolhas em matéria de gastos públicos não constituem um
                tema integralmente reservado à deliberação política; ao contrário, o ponto recebe
                importante incidência de normas jurídicas constitucionais”9.(Grifei)

                Desta forma, forçoso é reconhecer que o Poder Público em decorrência da limitação
dos recursos públicos e da possibilidade de escolhas com os gastos públicos, deverá priorizar
aquelas áreas que estão mais necessitadas ou que mais padecem dentro do ordenamento jurídico.
E considerando, ainda, que as escolhas não estão reservadas a uma simples deliberação política,
mas aos objetivos das normas constitucionais, é evidente que o administrador público não estará
livre para atuar em outras áreas enquanto a saúde da população padece.




7
  CUNHA JR., Dirley da. “A efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível” in Leituras
   Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim,
   Pg 431
8
  BARCELLOS, Ana Paula de. “Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas” in
   Leituras Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora
   Juspodvim, Pg 51
9
  BARCELLOS, Ana Paula de. Ob. cit., pg. 51
fls. 8




                  PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
           JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


                Assim, estando o princípio da dignidade humana no mais elevado patamar em
relação aos demais princípios, e sendo o direito à saúde um dos núcleos do chamado mínimo
existencial, é óbvio que os recursos públicos deverão priorizar o direito à saúde na concretização
das políticas públicas, sob pena de infringir os preceitos constitucionais vigentes. Tornando-se
inconstitucional qualquer outra ação em sentido diverso.Ora, aos três poderes do Estado é
assegurada a garantia e a defesa da Constituição, nenhum poderá agir, seja de forma comissiva ou
omissiva, contra as normas constitucionais. Assim, a divisão dos poderes não é desculpa para que
o Judiciário não atue tentando regularizar uma situação conflitante com as normas constitucionais.
Sendo entendimento pacífico nos tribunais superiores a possibilidade de intervenção nas políticas
públicas quando não atendidas as normas constitucionais, senão vejamos:

                ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS
                PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO
                À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA
                NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE
                VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO
                OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO
                EXISTENCIAL.
                1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do
                Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como
                órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o
                princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de
                garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à
                realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.
                2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial,
                inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de
                determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente
                quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira
                da pessoa estatal.
                3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o
                fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a
                consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do
                Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União,
                Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm
                legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a
                garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros"
                (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005).
                Agravo regimental improvido.
                (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
                SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010)

              ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL
fls. 9




       PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


  DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS
  EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE
  EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA
  NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO – AUSÊNCIA DE
  VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES –
  NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO
  EXISTENCIAL.
  1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da legitimidade do Ministério
  Público para figurar no pólo ativo da presente ação civil pública, em vista de que o
  Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o prisma constitucional.
  2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial
  ante a não-realização do devido cotejo analítico.
  3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi
  profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das
  liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a
  realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a
  incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos
  fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua
  margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel
  cumprimento dos objetivos constitucionais.
  4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes,
  originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais,
  pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais,
  igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio,
  em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a
  atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites
  concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os
  limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da
  finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a
  corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.
  5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia
  do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis
  a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado
  pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar
  uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos,
  pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado
  Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não
  pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial.
  6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos
  essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa
  do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador
  público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas
fls. 10




                     PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
              JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


                  constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana
                  não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário.
                  Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.
                  (REsp 1041197/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,
                  julgado em 25/08/2009, DJe 16/09/2009)

                De acordo com a Constituição Federal, nos arts. 6º e 196, o direito à saúde é um
direito de todos e dever do Estado, decorrente necessariamente do intocável direito à vida (caput
do art. 5º, da CF). Faz-se necessário, então, transcrever os dispositivos mencionados:

                           Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
                           lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
                           infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(
                           Grifei)

                           Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
                           políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
                           de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
                           para sua promoção, proteção e recuperação.

                Os direitos sociais, segundo Inocêncio Mártires Coelho, “são concebidos como
instrumentos destinados à efetiva redução e/ou supressão de desigualdades, segundo a regra de que
se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua igualdade.”10
Assim, os direitos sociais ou de segunda dimensão, ao contrário dos direitos civis e políticos,
passaram a ter atenção no Estado Social justamente porque visavam reduzir ou atenuar as
desigualdades geradas na fase liberal do próprio Direito Constitucional.
                Infelizmente, aliado a adoção dos direitos sociais veio o entendimento de que essas
normas constitucionais tinham uma natureza meramente programática, diretiva. E durante muito
tempo se teve a deturpada visão de que as normas constitucionais programáticas não possuíam
eficácia jurídica, necessitando da boa vontade do Administrador Público ou do legislador para sua
efetivação. Essas normas programáticas envolvendo justamente os direitos sociais e econômicos,
por possuírem um caráter aberto e diretivo, ficavam a cargo da discricionariedade do poder público
em implementá-las através das chamadas políticas públicas. Entretanto, essa visão tradicional está
totalmente superada, como bem observa Dirley da Cunha Júnior, senão vejamos:

                  “Com efeito, o caráter aberto e diretivo dessas norma sempre suscitou nos autores
                  deveras dúvidas acerca de sua juridicidade. Entretanto, partindo do postulado, já
                  afirmado neste Curso, de que a Constituição define o plano normativo global


10
     COELHO, Inocêncio Mártires e Gilmar Ferreira Mendes (org.).Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São
     Paulo: Editora Saraiva, 2009. pg. 759.
fls. 11




                   PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
            JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


                para o Estado e a Sociedade, vinculando tanto o Estado como os cidadãos,
                dúvidas não podem mais subsistir quanto a natureza jurídica das normas
                programáticas. Se a Constituição é, toda ela, norma jurídica, todos os direitos
                nela contemplados têm aplicabilidade direta, vinculando tanto o Judiciário,
                quanto o Executivo e o Legislativo. Assim, as normas programáticas, sobretudo
                as atributivas de direitos sociais e econômicos, devem ser entendidas como
                diretamente aplicáveis e imediatamente vinculantes de todos os órgãos do
                Poder”11 (grifei)

               Reforçando a idéia de que as normas programáticas possuem juridicidade e
aplicabilidade imediata, encontra-se o parágrafo primeiro do artigo 5º, preceituando que:

                § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
                imediata.

                Desta forma, como os direitos sociais e econômicos são aqueles diretos assumidos
pelos Estados Sociais Democráticos, visando acabar ou reduzir as desigualdades existentes entre os
cidadãos de um determinado território, e que mesmo o caráter programático destas normas não lhe
retiram a efetividade e aplicabilidade imediata, percebe-se facilmente que são necessárias condutas
do poder público no sentido de garantir prestações materiais tendentes a viabilizar o exercício
destes direitos fundamentais, como saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança,
previdência social, etc. Nesse sentido, são as lições de Paulo Gustavo Gonet Branco:

                “Os chamados direitos a prestações materiais recebem o rótulo de direitos a
                prestação em sentido estrito. Resultam da concepção social do Estado. São
                tidos como os direitos sociais por excelência. Estão concebidos com o propósito
                atenuar as desigualdades de fato da sociedade, visando ensejar que a libertação
                das necessidades aproveite ao gozo da liberdade efetiva por um maior número
                de indivíduos. O seu objeto consiste numa utilidade concreta(bem ou serviço)”12

               No presente caso, verifica-se, portanto, que existe expressa determinação do
Ministério da Saúde para a criação quantitativa dos leitos hospitalares a serem oferecidos pelo SUS
à população usuária do sistema, além da previsão também está determinado o percentual que deve
ser destinado aos pacientes em tratamento intensivo. Assim, na situação analisada não há nem
como afirmar que inexiste norma regulamentadora sobre o assunto, o que impediria a ação
governamental nesse sentido ou que reclamasse uma regulamentação legislativa. In casu, existe a




11
   CUNHA JR. Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. Pg. 177
12
   COELHO, Inocêncio Mártires, Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes (org.).Curso de Direito
   Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. pg. 293.
fls. 12




                     PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
              JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


legislação, porém o que se verifica é a ineficiência da prestação material por parte da
Administração Pública Estadual e Municipal, tendente a garantir a concretização das normas
jurídicas vinculadas ao direito fundamental à saúde, que se trata, conforme, já frisado de um
“mínimo existencial”. Assim, verifica-se a total ou ineficiente prestação material por parte do
poder público em garantir uma sobrevivência digna a sua população, sendo tal ineficiência
totalmente inconstitucional.
               Sobre especificamente o assunto vale colacionar as brilhantes lições de Dirley da
Cunha Júnior, nos seguintes termos:

                  “A efetivação do direito social à saúde depende obviamente da existência de
                  hospitais públicos ou postos públicos de saúde, da disponibilidade de vagas e leitos
                  nos hospitais e postos já existentes, do fornecimento gratuito de remédios e
                  existência de profissionais suficientes ao desenvolvimento e manutenção das ações
                  e serviços públicos de saúde. Na ausência ou insuficiência dessas prestações
                  materiais, cabe indiscutivelmente a efetivação judicial desse direito originário à
                  prestação. Assim, assiste ao titular do direito exigir judicialmente do Estado uma
                  dessas providências fáticas necessárias ao desfrute da prestação que lhe constitui o
                  objeto.

                Ademais, deve e pode o Ministério Público, através da ação civil pública, provocar
a atuação do Judiciário no controle da omissão total ou parcialmente inconstitucional do poder
público na implementação das ações e serviços de saúde, caso verifique, por exemplo que o
Município não está concretizando o seu dever constitucional de assegurar o direito em questão, em
face da inexistência ou deficiente prestação dos serviços públicos de saúde para a comunidade
local, forçando que os munícipes se desloquem para outros Municípios ou outros Estados à procura
de atendimento médico-hospitalar”13.
                Assim, a luz da legislação vigente, é dever do Estado prestar assistência necessária
àqueles que necessitam de medicamentos e demais procedimentos imprescindíveis ao tratamento
de sua saúde, e que não dispõem de condições financeiras de arcar com os custos. Não sendo as
normas programáticas dos direitos sociais meras diretivas aos administradores públicos, conforme
assente na jurisprudência do STF, senão vejamos:

                            "... A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
                            TRANSFORMÁ-LA            EM      PROMESSA           CONSTITUCIONAL
                            INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art.
                            196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos




13
     CUNHA JR., Dirley da. “A efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível” in Leituras
     Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim,
     Pg. 433
fls. 13




                 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
          JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


                       que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
                       brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional
                       inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas
                       nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
                       cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
                       infidelidade governamental ao que determina a própria Lei
                       Fundamental..." (RE-AgR393175/RS, Relator Min. Celso de Mello,
                       julgamento 12/12/2006)

               Acrescente-se ao voto o destaque feito pelo mesmo Ministro Relator Celso de
Mello, por ocasião do julgamento de Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271286/RS,
em que afastou a possibilidade de sobreposição do princípio da legalidade orçamentária ao direito
à vida e à saúde, constitucionalmente garantido à todos:

                       "Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da
                       Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da
                       presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito
                       à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável
                       assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput
                       e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental,
                       um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez
                       configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao
                       julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito
                       indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm
                       acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita
                       de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes."(grifei)

                Por último, vale novamente frisar, que no presente caso há uma prestação material
deficitária por parte dos entes públicos demandados, que descumprem acintosamente os preceitos
constitucionais e as legislações infraconstitucionais sobre os leitos hospitalares públicos,
ocasionando sérios prejuízos a população usuária do sistema único de saúde, devendo o judiciário
intervir para determinar o correto cumprimento da legislação, uma vez que não estão os
administradores públicos livres para fazerem escolhas, as quais coloquem em risco o direito
fundamental à saúde e a vida, vinculados diretamente ao princípio de uma vida digna e ao mínimo
existencial que se deve garantir ao ser humano.
                Pelo acima exposto, com fundamento no art. 269, I, do CPC, julgo procedente
a pretensão formulada na inicial, para confirmar a tutela antecipada anteriormente deferida,
no sentido de determinar que:
                1) Estado e Município instalem ou ampliem, dentro de suas respectivas
competências, os leitos de UTI, conforme determinado pela Portaria Ministerial nº
1.101/2002, em um percentual de no mínimo 7% dos leitos totais, abrangendo os grupos
etários adulto, pediátrico e neonatal, levando em consideração a população existente em cada
fls. 14




                     PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE
              JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL


território.
               2) procedam a adoção de todas as providências administrativas para
credenciamento, junto ao Ministério da Saúde, em observância a Portaria GM/MS
3432/1998, dos leitos de UTI atualmente instalados em todos os hospitais públicos do Estado,
além dos que vierem a ser instalados, a fim de viabilizar e garantir a transferência das verbas
federais necessárias a sua manutenção.
               3) O Município providencie a instalação de uma Central de Regulação de
Leitos Hospitalares e leitos para pacientes críticos, com funcionamento em tempo integral,
que deverá ficar responsável pelo controle da ocupação dos leitos de UTI disponíveis nos
diversos hospitais públicos ou privados conveniados ao SUS.
               Para o cumprimento da determinação contida no item 1, concedo aos
demandados o prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da intimação da presente decisão,
salvo ulterior deliberação em sentido contrário. Já quanto as determinações contidas nos
itens 2 e 3 concedo o prazo de 60 (sessenta) dias. Em caso de descumprimento desta decisão,
fica desde já cominada multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada dia de
descumprimento a ser revertida em favor do Fundo Municipal ou Estadual de Saúde, cujo
valor será destinado aos hospitais públicos do Estado para a efetivação da presente decisão.
               Custas na forma da lei.
               Publique-se. Registre-se. Intime-se.
               Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

                               Natal/RN, 14 de agosto de 2011.


                                Valéria Maria Lacerda Rocha
                                       Juíza de Direito

Contenu connexe

Tendances

LEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIA
LEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIALEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIA
LEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIALeonardo Concon
 
PGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulação
PGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulaçãoPGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulação
PGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulaçãoLuís Carlos Nunes
 
Dengue amparo legal
Dengue amparo legalDengue amparo legal
Dengue amparo legalRobson Dias
 
Justiça manda suspender propaganda da reforma da Previdência
Justiça manda suspender propaganda da reforma da PrevidênciaJustiça manda suspender propaganda da reforma da Previdência
Justiça manda suspender propaganda da reforma da PrevidênciaAquiles Lins
 
Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...
Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...
Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...Ministério Público de Santa Catarina
 
Dados do processo fechamento pronto socorro
Dados do processo fechamento pronto socorroDados do processo fechamento pronto socorro
Dados do processo fechamento pronto socorroCarlos França
 
EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021
EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021
EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021Afonso Pena
 
Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000
Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000
Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000Luiz Fernando Góes Ulysséa
 
Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...
Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...
Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...Luís Carlos Nunes
 

Tendances (18)

LEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIA
LEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIALEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIA
LEI ADESÃO VACINAS OLÍMPIA
 
PGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulação
PGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulaçãoPGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulação
PGR pede ao STF suspensão de decretos estaduais que restringem circulação
 
Dengue amparo legal
Dengue amparo legalDengue amparo legal
Dengue amparo legal
 
Acp mata atlantica - mpsc e mpf
Acp   mata atlantica - mpsc e mpfAcp   mata atlantica - mpsc e mpf
Acp mata atlantica - mpsc e mpf
 
Justiça manda suspender propaganda da reforma da Previdência
Justiça manda suspender propaganda da reforma da PrevidênciaJustiça manda suspender propaganda da reforma da Previdência
Justiça manda suspender propaganda da reforma da Previdência
 
Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...
Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...
Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda...
 
Qualix e Emlurb
Qualix e EmlurbQualix e Emlurb
Qualix e Emlurb
 
a decisão
a decisãoa decisão
a decisão
 
Ação do ipsemg 1
Ação do ipsemg 1Ação do ipsemg 1
Ação do ipsemg 1
 
Ação Civil Pública MPF/SP x Canção Nova
Ação Civil Pública MPF/SP x Canção NovaAção Civil Pública MPF/SP x Canção Nova
Ação Civil Pública MPF/SP x Canção Nova
 
Dados do processo fechamento pronto socorro
Dados do processo fechamento pronto socorroDados do processo fechamento pronto socorro
Dados do processo fechamento pronto socorro
 
Novidades Legislativas Nº78 | 23/10/2013
Novidades Legislativas Nº78 | 23/10/2013Novidades Legislativas Nº78 | 23/10/2013
Novidades Legislativas Nº78 | 23/10/2013
 
2730653
27306532730653
2730653
 
EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021
EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021
EDIÇÃO 445 DE 28 DE JULHO DE 2021
 
Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000
Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000
Agravo de Instrumento nº 0141932-11.2015.8.24.0000
 
Peticao inicial
Peticao inicialPeticao inicial
Peticao inicial
 
Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...
Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...
Volpi decreta de situação de emergência em Ribeirão Pires. Câmara prepara med...
 
Ação Civil Pública contra Blumenau
Ação Civil Pública contra BlumenauAção Civil Pública contra Blumenau
Ação Civil Pública contra Blumenau
 

En vedette

En vedette (9)

Problems
ProblemsProblems
Problems
 
Storyboard
StoryboardStoryboard
Storyboard
 
Periódico Madrid15M, número 2 (abril 2012)
Periódico Madrid15M, número 2 (abril 2012)Periódico Madrid15M, número 2 (abril 2012)
Periódico Madrid15M, número 2 (abril 2012)
 
Make YOUR Mark on Israel 2
Make YOUR Mark on Israel 2Make YOUR Mark on Israel 2
Make YOUR Mark on Israel 2
 
N026080083
N026080083N026080083
N026080083
 
Cambridge institute
Cambridge instituteCambridge institute
Cambridge institute
 
Archivuvannya danych
Archivuvannya danychArchivuvannya danych
Archivuvannya danych
 
Cr
CrCr
Cr
 
Affiliate SEO sessie Libema
Affiliate SEO sessie LibemaAffiliate SEO sessie Libema
Affiliate SEO sessie Libema
 

Similaire à DECISÃO TJRN

Acp - falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...
Acp -  falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...Acp -  falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...
Acp - falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...Ministério Público de Santa Catarina
 
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...Jamildo Melo
 
Administrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipada
Administrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipadaAdministrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipada
Administrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipadaInforma Jurídico
 
Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...
Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...
Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...Fernando César Oliveira
 
Direito a Saude. AASP. Outubro 2013
Direito a Saude. AASP. Outubro 2013Direito a Saude. AASP. Outubro 2013
Direito a Saude. AASP. Outubro 2013Osvaldo Simonelli
 
Processo forncimento medicamentos diabeticos
Processo forncimento  medicamentos diabeticosProcesso forncimento  medicamentos diabeticos
Processo forncimento medicamentos diabeticosCarlos França
 
TRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTS
TRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTSTRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTS
TRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTSLuiz F T Siqueira
 
Recomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantilRecomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantilCarlos França
 
Recomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantilRecomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantilCarlos França
 

Similaire à DECISÃO TJRN (20)

Apelação Cível - 2014.024793-1
Apelação Cível - 2014.024793-1Apelação Cível - 2014.024793-1
Apelação Cível - 2014.024793-1
 
A liminar
A liminarA liminar
A liminar
 
Apelação cível - 2011.006036-1
Apelação cível - 2011.006036-1Apelação cível - 2011.006036-1
Apelação cível - 2011.006036-1
 
DECISÃO
DECISÃODECISÃO
DECISÃO
 
Acp - falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...
Acp -  falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...Acp -  falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...
Acp - falta alvará sanitário e bombeiros - hospital santa clara [08.2017.003...
 
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
 
Administrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipada
Administrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipadaAdministrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipada
Administrativo. agravo. ação civil pública. suspensão de tutela antecipada
 
Manifestacao medicamentos sedativos
Manifestacao medicamentos sedativosManifestacao medicamentos sedativos
Manifestacao medicamentos sedativos
 
Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...
Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...
Juíza federal se declara incompetente para prorrogar medidas restritivas no P...
 
Direito a Saude. AASP. Outubro 2013
Direito a Saude. AASP. Outubro 2013Direito a Saude. AASP. Outubro 2013
Direito a Saude. AASP. Outubro 2013
 
Transporte
TransporteTransporte
Transporte
 
Processo forncimento medicamentos diabeticos
Processo forncimento  medicamentos diabeticosProcesso forncimento  medicamentos diabeticos
Processo forncimento medicamentos diabeticos
 
Decisão Agravo de Instrumento
Decisão Agravo de InstrumentoDecisão Agravo de Instrumento
Decisão Agravo de Instrumento
 
TRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTS
TRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTSTRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTS
TRF4 amplia lista de doenças para retirada do FGTS
 
Recomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantilRecomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantil
 
Recomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantilRecomendação sec saude caps infantil
Recomendação sec saude caps infantil
 
Sentença Judicial
Sentença JudicialSentença Judicial
Sentença Judicial
 
Apelação Cível - 2012.080501-2
Apelação Cível - 2012.080501-2Apelação Cível - 2012.080501-2
Apelação Cível - 2012.080501-2
 
acórdão ação civil pública loteamento coronel freitas
acórdão ação civil pública loteamento coronel freitas acórdão ação civil pública loteamento coronel freitas
acórdão ação civil pública loteamento coronel freitas
 
Usina rio madeira
Usina rio madeiraUsina rio madeira
Usina rio madeira
 

Plus de Carlos França

Lei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismo
Lei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismoLei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismo
Lei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismoCarlos França
 
Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...
Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...
Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...Carlos França
 
Aviso de licitação estrada cajueiro
Aviso de licitação estrada cajueiroAviso de licitação estrada cajueiro
Aviso de licitação estrada cajueiroCarlos França
 
Relatrioremanejamento09052014
Relatrioremanejamento09052014Relatrioremanejamento09052014
Relatrioremanejamento09052014Carlos França
 
Decreto n 24.538 via norte sul
Decreto n 24.538 via norte sul Decreto n 24.538 via norte sul
Decreto n 24.538 via norte sul Carlos França
 
Licitação estrada cajueiro
Licitação estrada cajueiroLicitação estrada cajueiro
Licitação estrada cajueiroCarlos França
 
Aviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleite
Aviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleiteAviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleite
Aviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleiteCarlos França
 
Mais de 600 pequenos municípios receberão quase r
Mais de 600 pequenos municípios receberão quase rMais de 600 pequenos municípios receberão quase r
Mais de 600 pequenos municípios receberão quase rCarlos França
 
Medida provisória n 603 ação emergencial combate a seca garantia safra
Medida provisória n 603 ação emergencial combate a seca  garantia safraMedida provisória n 603 ação emergencial combate a seca  garantia safra
Medida provisória n 603 ação emergencial combate a seca garantia safraCarlos França
 
Processo invalidação contratação agencias propaganda
Processo invalidação contratação agencias propagandaProcesso invalidação contratação agencias propaganda
Processo invalidação contratação agencias propagandaCarlos França
 
Portaria no 18 agua e luz para todos pac02
Portaria no 18 agua e luz para todos pac02Portaria no 18 agua e luz para todos pac02
Portaria no 18 agua e luz para todos pac02Carlos França
 
Ordem paralização n 01 sistema de abastecimento de agua
Ordem paralização n 01 sistema de abastecimento de aguaOrdem paralização n 01 sistema de abastecimento de agua
Ordem paralização n 01 sistema de abastecimento de aguaCarlos França
 
Termo compromisso sistema adutor umari
Termo compromisso sistema adutor umariTermo compromisso sistema adutor umari
Termo compromisso sistema adutor umariCarlos França
 
Portaria n 063 SEMOB PASSE LIVRE
Portaria n 063 SEMOB PASSE LIVREPortaria n 063 SEMOB PASSE LIVRE
Portaria n 063 SEMOB PASSE LIVRECarlos França
 
Contrato gestão n 01 hopital mulher em mossoró
Contrato gestão n 01 hopital mulher em mossoróContrato gestão n 01 hopital mulher em mossoró
Contrato gestão n 01 hopital mulher em mossoróCarlos França
 
Recomendação conjunta situação ATIVA
Recomendação conjunta situação ATIVARecomendação conjunta situação ATIVA
Recomendação conjunta situação ATIVACarlos França
 
Extrato rescisão contrato operação tapa buracos em natal
Extrato rescisão contrato operação tapa buracos em natalExtrato rescisão contrato operação tapa buracos em natal
Extrato rescisão contrato operação tapa buracos em natalCarlos França
 
Portaria n 02 Coleta lixo eletronico em Natal
Portaria n 02 Coleta lixo eletronico em NatalPortaria n 02 Coleta lixo eletronico em Natal
Portaria n 02 Coleta lixo eletronico em NatalCarlos França
 
Portaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson Moura
Portaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson MouraPortaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson Moura
Portaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson MouraCarlos França
 

Plus de Carlos França (20)

Lei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismo
Lei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismoLei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismo
Lei n 12.974 dispõe sobre as atividades das agências de turismo
 
Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...
Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...
Lei complementar n 144 lei que trata da aposentadoria especial para mulher se...
 
Aviso de licitação estrada cajueiro
Aviso de licitação estrada cajueiroAviso de licitação estrada cajueiro
Aviso de licitação estrada cajueiro
 
Relatrioremanejamento09052014
Relatrioremanejamento09052014Relatrioremanejamento09052014
Relatrioremanejamento09052014
 
Decreto n 24.538 via norte sul
Decreto n 24.538 via norte sul Decreto n 24.538 via norte sul
Decreto n 24.538 via norte sul
 
Licitação estrada cajueiro
Licitação estrada cajueiroLicitação estrada cajueiro
Licitação estrada cajueiro
 
Aviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleite
Aviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleiteAviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleite
Aviso de inexigibilidade de licitação nº 5 paaleite
 
Mais de 600 pequenos municípios receberão quase r
Mais de 600 pequenos municípios receberão quase rMais de 600 pequenos municípios receberão quase r
Mais de 600 pequenos municípios receberão quase r
 
Medida provisória n 603 ação emergencial combate a seca garantia safra
Medida provisória n 603 ação emergencial combate a seca  garantia safraMedida provisória n 603 ação emergencial combate a seca  garantia safra
Medida provisória n 603 ação emergencial combate a seca garantia safra
 
Processo invalidação contratação agencias propaganda
Processo invalidação contratação agencias propagandaProcesso invalidação contratação agencias propaganda
Processo invalidação contratação agencias propaganda
 
Portaria no 18 agua e luz para todos pac02
Portaria no 18 agua e luz para todos pac02Portaria no 18 agua e luz para todos pac02
Portaria no 18 agua e luz para todos pac02
 
Ordem paralização n 01 sistema de abastecimento de agua
Ordem paralização n 01 sistema de abastecimento de aguaOrdem paralização n 01 sistema de abastecimento de agua
Ordem paralização n 01 sistema de abastecimento de agua
 
Termo compromisso sistema adutor umari
Termo compromisso sistema adutor umariTermo compromisso sistema adutor umari
Termo compromisso sistema adutor umari
 
Portaria n 063 SEMOB PASSE LIVRE
Portaria n 063 SEMOB PASSE LIVREPortaria n 063 SEMOB PASSE LIVRE
Portaria n 063 SEMOB PASSE LIVRE
 
Portaria 334 SESAP
Portaria 334 SESAPPortaria 334 SESAP
Portaria 334 SESAP
 
Contrato gestão n 01 hopital mulher em mossoró
Contrato gestão n 01 hopital mulher em mossoróContrato gestão n 01 hopital mulher em mossoró
Contrato gestão n 01 hopital mulher em mossoró
 
Recomendação conjunta situação ATIVA
Recomendação conjunta situação ATIVARecomendação conjunta situação ATIVA
Recomendação conjunta situação ATIVA
 
Extrato rescisão contrato operação tapa buracos em natal
Extrato rescisão contrato operação tapa buracos em natalExtrato rescisão contrato operação tapa buracos em natal
Extrato rescisão contrato operação tapa buracos em natal
 
Portaria n 02 Coleta lixo eletronico em Natal
Portaria n 02 Coleta lixo eletronico em NatalPortaria n 02 Coleta lixo eletronico em Natal
Portaria n 02 Coleta lixo eletronico em Natal
 
Portaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson Moura
Portaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson MouraPortaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson Moura
Portaria nº014 apurar nepotismo gabinete Gilson Moura
 

DECISÃO TJRN

  • 1. fls. 1 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL Ação Civil Pública n.º: 0010081-27.2010.8.20.0001 Autor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte Réus: Estado do Rio Grande do Norte e outro SENTENÇA DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. OFERTA DEFICITÁRIA DOS LEITOS DE UTI. POPULAÇÃO USUÁRIA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DESCUMPRIMENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E DAS LEGISLAÇÕES INFRACONSTITUCIONAIS, ESPECIALMENTE A PORTARIA Nº 1.101/2002 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. NÃO OFERECIMENTO DE LEITOS DE UTI EM UM PERCENTUAL MÍNIMO EXIGIDO PELA LEGISLAÇÃO. PRESTAÇÃO MATERIAL INCOMPLETA. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NECESSÁRIA PARA POSSIBILITAR A CONCRETIZAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS VINCULADAS AO MÍNIMO EXISTENCIAL. A Representante do Ministério Público ingressou com apresente Ação Civil Pública contra o Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Natal requerendo a execução de medidas necessárias a implementação da Portaria Ministerial nº 1.101/2002, objetivando a instalação de , no mínimo, 7% de leitos de UTI em relação ao número total de leitos, os quais devem abranger os grupos etários adulto, pediátrico e neonatal, levando-se em consideração a população residente no Estado e no Município, responsabilizando-se cada ente por seus administrados. Requereu que fossem adotadas as providências administrativas para credenciamento junto ao Ministério da Saúde, em observância a Portaria GM/MS 3432/1998, dos leitos de UTI atualmente instalados em todos os hospitais estaduais, além dos que vierem a ser instalado, a fim de viabilizar e garantir a transferência das verbas federais necessárias a sua manutenção. Requereu, também, que o Município de Natal adote as medidas administrativas para a instituição de uma Central de Regulação de Leitos Hospitalares e Leitos para pacientes críticos, com funcionamento em tempo integral, que deverá ficar responsável pelo controle da ocupação dos leitos de UTI disponíveis nos diversos hospitais públicos ou privados contratados. Fundamentou sua pretensão no direito fundamental à saúde e ao correspondente dever do Poder Público de assegurar, com absoluta prioridade, essa respectiva garantia constitucional. Informou que desde agosto de 2006 o Ministério Público Estadual instaurou o
  • 2. fls. 2 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL Inquérito Civil n.º 012/2006, cujo objetivo era investigar a demanda de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo(UTI) na rede de atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde(SUS), bem como o quantitativo de profissionais médicos intensivistas, tanto no Estado como no Município. O procedimento foi instaurado em decorrência de notícia da própria direção do Hospital Walfredo Gurgel, onde informava ao Ministério Público o déficit de leitos de UTI na rede pública de saúde dos entes públicos demandados. Nas investigações realizadas pela promotoria competente foram detectados vários problemas, entre eles o seguinte: insuficiência de leitos de UTI; a concentração de leitos na Capital, em detrimento da precária estrutura existente no interior; a insuficiência de pessoal qualificado, em especial médicos intensivistas; e a falta de estrutura dos hospitais públicos para a instalação de novos leitos. Em decorrência dos problemas observados nos hospitais públicos do Estado e do Município, a Promotoria competente tomou determinadas medidas administrativas, objetivando a solução dos problemas, através de recomendações e reuniões periódicas com os entes públicos. Entretanto, apesar da instalação de mais leitos de UTI, tanto pelo Estado como pelo Município, no período compreendido de 2006/2009, as medidas não foram suficientes para eliminar a demanda reprimida e adequar os serviços as normas do Ministério da Saúde. Assim, como o problema vem se agravando no decorrer dos anos, sem nenhuma solução eficaz por parte dos gestores públicos, o Órgão Ministerial ingressou com a presente Ação Civil Pública objetivando a condenação dos demandados para que os mesmos cumpram com a obrigação de fazer consistente em garantir leitos de UTI conforme as determinações legais. Juntou documentos de fls. 27/181. As autoridades demandadas foram notificadas para se manifestarem sobre a antecipação de tutela, tendo o Estado prestado as informações no tocante ao planejamento que estava fazendo no sentido de melhorar o atendimento nos leitos de UTI, como a contratação na rede privada e a realização de concurso público, fls. 192/196. Acostou documentos de fls. 197/246. Decisão interlocutória de fls. 247/255, onde foi deferida a antecipação de tutela no sentido de determinar que o Município, no prazo de 30 dias, providenciasse a ampliação dos leitos de UTI, junto a iniciativa privada, a fim de complementar o número mínimo equivalente a 4% do número mínimo de leitos hospitalares previstos nos termos da Portaria 1101/2002 do Ministério da Saúde. E quanto ao Estado que, em igual prazo, procedesse também a ampliação e instalação de leitos hospitalares de UTI, com a contratação com a rede privada. E ambos os entes abrissem um serviço para pacientes pediátricos crônicos. Informações do Estado através do Ofício n.º 0798/ASSEJUR comunicando as medidas tomadas tendentes ao cumprimento da tutela deferida, fls. 266/294. Contestação do Município às fls. 296/298, alegando que o ente já está cumprindo a Portaria GM 1101/2002, devendo ser julgado improcedente o pedido inicial por ausência de pretensão resistida. Juntada de documentos do Ministério Público as fls. 302/311, encaminhados pelo Ministério Público Federal, sobre a deficiência de leitos da UTI Neonatal no Município.
  • 3. fls. 3 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL Agravo de instrumento interposto pelo Município junto ao Egrégio Tribunal de Justiça, convertido em Retido, fls. 320/329. Réplica à contestação às fls. 363/369. Durante o curso do processo a RMP em diversas oportunidades comunicou o descumprimento da tutela deferida, bem como fez juntar ao processo documentações sobre a situação em que se encontram os hospitais públicos em decorrência da falta de leitos de UTI na rede pública. Em decisão interlocutória, às fls. 440, foi determinado que os demandados apresentassem um plano de ação dentro da área de competência de cada demandado para que fosse efetivado o pronunciamento judicial que antecedeu os efeitos da tutela inicial. O Município diante da determinação fez juntar aos autos os documentos de fls.488/492, e o Estado os documentos de fls. 495/529. Posteriormente, os atos processuais significativos foram os requerimentos feitos pela Representante do Ministério Público, objetivando garantir a internação de pacientes graves que estavam sem atendimento adequado. É o relatório. Decido. A matéria tratada nos autos não reclama dilação probatória, posto que a documentação acostada seja suficiente para o esclarecimento dos fatos, só havendo questões de direito a serem dirimidas e assim, devendo ser proferido julgamento, ex vi da inteligência contida no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil Pátrio. O principal ponto da presente demanda é saber se o Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Natal garantem à população usuária dos serviços públicos de saúde os leitos hospitalares de UTI, conforme, percentual mínimo exigido pela Portaria n.º 1.1011, de 12 de junho de 2002, expedida pelo Ministério da Saúde, segundo a recomendação da OMS. Onde se prevê para os leitos de UTI um percentual de 4 a 10% dos leitos hospitalares existentes, levando-se em consideração que os leitos hospitalares serão de 2,5 a 3 por cada mil habitantes. De acordo com o IBGE2 a população do Estado do Rio Grande do Norte contava em 1 3.5. NECESSIDADE DE LEITOS HOSPITALARES Em linhas gerais, estimase a necessidade de leitos hospitalares da seguinte forma : a) Leitos Hospitalares Totais = 2,5 a 3 leitos para cada 1.000 habitantes# b) Leitos de UTI: calculase, em média, a necessidade de 4% a 10% do total de Leitos Hospitalares# (média para municípios grandes, regiões, etc.). c) Leitos em Unidades de Recuperação (póscirúrgico): calculase, em média de 2 a 3 leitos por Sala Cirúrgica# d) Leitos para Pré Parto: calculase, no mínimo, 2 leitos por sala de Parto.
  • 4. fls. 4 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL 2010 com 3.168.027 habitantes, e o Município de Natal3 contava no mesmo período com 803.739 habitantes. Assim, considerando os habitantes no ano de 2010 e levando em consideração os percentuais mínimos recomendados pela Portaria 1.101/2002 do MS, deveríamos contar com pelo menos com 7.920 leitos hospitalares para o Estado do Rio Grande do Norte, sendo 316 desses destinados a pacientes em tratamento intensivo. E para o Município de Natal teríamos aproximadamente 2009 leitos hospitalares e 80 leitos de UTI. Frisando, mais uma vez, que esses números são aproximados, já que não se levou em consideração os décimos operacionais, bem como estão sendo contabilizados em seu menor percentual. Em que pese a Portaria, ora debatida, além do fator populacional, também fixar outros parâmetros para o cálculo dos leitos, como, por exemplo, o percentual de internações programadas pelo gestor sobre a população, a taxa de ocupação hospitalar e o tempo da média de permanência de cada especialidade, verifica-se que ainda há uma enorme carência de leitos hospitalares para a população atendida pelo Sistema Único de Saúde, tanto no Estado como no Município. A carência não atinge apenas os leitos de tratamento intensivo, mas os próprios leitos comuns, que estão em um patamar bem inferior ao determinado ou almejado pela Organização Mundial da Saúde. Defende-se a municipalidade informando que os leitos oferecidos estão acima da média mínima exigida pelo Ministério da Saúde, porém como existe um déficit enorme no Estado, isto acaba por sobrecarregar o Município de Natal. Aduz, ainda, em sua defesa que o Município conta atualmente com 132 leitos disponibilizados, e que está contratando mais 10 leitos na rede privada (fls. 490/492). Por seu turno, o Estado reconhece que há um déficit de 292 leitos de UTI, considerando um quantitativo de 655 leitos, conforme determina a Portaria 1.101/2002 do Ministério da Saúde (fls.500). Consoante as informações prestadas até agora, o ente federativo conta com pouco mais de 363 leitos, sendo 246 em hospitais privados. Verifica-se, portanto, como caótico se encontra a saúde pública no Estado, principalmente, em se tratando dos leitos que devem ser oferecidos pelo ente público estadual. Ademais, agravando a situação do quadro, como bem observou a Representante do Ministério Público, cerca de 90% (noventa por cento) da população do Estado do Rio Grande do Norte, assim, como a grande maioria da população brasileira é usuária do Sistema Único de Saúde. E como tal padecem nas filas dos hospitais públicos, aguardando seja uma consulta, uma cirurgia, um leito hospitalar ou de UTI, estando os médicos a escolherem, por gravidade e possibilidade de sobrevivência, quem viverá ou não. São milhares de brasileiros jogados a própria sorte que, sem quaisquer expectativas de melhoras, dependem única e exclusivamente das políticas públicas dos governantes para a solução de referidos problemas sociais, os quais por si só atrasam significativamente o nosso 2 http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php-sigla=rn 3 http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php-uf=rn
  • 5. fls. 5 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL desenvolvimento econômico e social. Em sentido contrário a situação fática existente no país, vemos que a Constituição Federal de 1988, na mesma linha de tantas outras constituições democráticas do pós-guerra, adotou entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Verifica-se, portanto, que além da adoção do sistema democrático, foram assumidos outros compromissos com os cidadãos do país, entre eles a garantia e efetividade de uma vida minimamente digna e justa para a sobrevivência da pessoa humana. Porém, pergunta-se: o que efetivamente seria esse princípio da dignidade humana- O que se deve garantir para que haja uma vida digna- Inicialmente, vale deixar claro que referido princípio ainda está em construção doutrinária e jurisprudencial, e conforme leciona Marcelo Novelino, deverá ser uma importante diretriz na criação e interpretação de todas as demais normas jurídicas do ordenamento constitucional. Assim, não há como se delimitar ainda o que é digno, mas se podem construir valores a partir do princípio da dignidade humana. “Dentro da graduação dos valores jurídicos, a dignidade se encontra no ponto mais elevado. Isto não significa uma superioridade normativa capaz de invalidar outras normas constitucionais ou uma prevalência absoluta em caso de conflitos com os demais valores constitucionalmente consagrados. Todavia, faz deste valor uma importante diretriz a ser utilizada na criação e interpretação das demais normas jurídicas”4. De acordo ainda com seus ensinamentos: “Os deveres de proteção da dignidade e de promoção dos meios necessários a uma vida digna encontram-se consubstanciados em um princípio que exige a execução de tarefas e criações legiferantes (caráter positivo). O mandamento de proteção impõe a criação e aplicação de normas sancionadoras de condutas que atentem contra a dignidade; o mandamento de promoção determina a elaboração de normas consagradoras de direitos fundamentais, bem como o fornecimento de prestações materiais que possibilitem o acesso aos bens e utilidades indispensáveis a uma existência humana digna (mínimo existencial).”5(grifei) 4 CARMARGO, Marcelo Novelino. “O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana” in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim, Pg. 120 5 CARMARGO, Marcelo Novelino. “O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana” in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim, Pg. 123
  • 6. fls. 6 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL Assim, para se garantir o mais elevado princípio constitucional, dignidade humana, os poderes públicos devem fornecer prestações materiais que possibilitem o acesso aos bens e as utilidades indispensáveis a uma existência humana digna, ou seja, devem garantir o que chamamos de um “mínimo existencial”. O mínimo existencial nada mais é do que os direitos fundamentais mínimos necessários a uma vida digna, e cuja garantia não se submete a nenhuma reserva do possível. Para Novelino, três direitos básicos compõem o chamado “mínimo existencial”, são eles: o direito à saúde, o direito a educação e o direito a moradia. “Ainda que não possua um conteúdo específico, três direitos básicos integram a composição do mínimo existencial: 1º) saúde: por envolver diretamente o direito à vida, a questão da saúde gera controvérsias e discussões acaloradas. Não é pretensão deste estudo tratar da extensão deste direito social ou até que ponto ele gera um direito subjetivo oponível ao Estado. Todavia, em se tratando de um ‘mínimo existencial’, entendemos ser exigível do Estado, independente de qualquer condição, apenas o tratamento indispensável à sobrevivência do indivíduo, como ocorre com a internação e o fornecimento de remédios ou tratamentos quando há iminente risco de morte; 2º) educação fundamental: com o objetivo de assegurar uma proteção adequada à dignidade do indivíduo, a Constituição impõe ao Estado o dever de oferecer a todos, gratuitamente, o ensino fundamental(art. 208, I); 3º) moradia: o Estado deverá fornecer aos indigentes e às pessoas sem-teto, ao menos um lugar no qual possam se recolher (abrigos). O mesmo não ocorre em relação a moradias populares ou à habitação para a classe média que, por serem direitos sociais, dependem de políticas públicas e das opções orçamentárias”. 6 (grifei) Portanto, podemos concluir que para a implementação do princípio da dignidade humana, deve-se garantir a todos um mínimo existencial possível, formado por direitos fundamentais relacionados à saúde, a educação e a moradia. E deste núcleo existencial mínimo, ousamos afirmar ser o direito a saúde o mais fundamental, porque diretamente vinculado a preservação da vida humana, por isso sua garantia deve-se dar em primeiro plano nas opções dos governantes. “O direito social à saúde é tão fundamental, por estar mais diretamente ligado 6 CARMARGO, Marcelo Novelino. “O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana” in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim, Pg. 124/125.
  • 7. fls. 7 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL ao direito à vida, que nem precisava de reconhecimento explícito. Nada obstante, a Constituição Brasileira dispôs que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (art. 196). Aqui também fica mais fácil defender a imediata aplicabilidade desse direito social, com a possibilidade de sua efetivação judicial, uma vez que está em jogo a preservação do bem maior: a vida humana”7. Ora, sabemos que “apenas por meio das políticas públicas o Estado poderá, de forma sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes detalhados pelo legislador), sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais que dependam de ações para sua promoção”8. Ocorre que como bem observa ainda Ana Paula Barcellos: “As políticas públicas, igualmente, envolvem gastos. Como não há recursos ilimitados, será preciso priorizar e escolher em que direito público disponível será investido. Essas escolhas, portanto, recebem a influência direta das opções constitucionais acerca dos fins que devem ser perseguidos em caráter prioritário. Ou seja: as escolhas em matéria de gastos públicos não constituem um tema integralmente reservado à deliberação política; ao contrário, o ponto recebe importante incidência de normas jurídicas constitucionais”9.(Grifei) Desta forma, forçoso é reconhecer que o Poder Público em decorrência da limitação dos recursos públicos e da possibilidade de escolhas com os gastos públicos, deverá priorizar aquelas áreas que estão mais necessitadas ou que mais padecem dentro do ordenamento jurídico. E considerando, ainda, que as escolhas não estão reservadas a uma simples deliberação política, mas aos objetivos das normas constitucionais, é evidente que o administrador público não estará livre para atuar em outras áreas enquanto a saúde da população padece. 7 CUNHA JR., Dirley da. “A efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível” in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim, Pg 431 8 BARCELLOS, Ana Paula de. “Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas” in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim, Pg 51 9 BARCELLOS, Ana Paula de. Ob. cit., pg. 51
  • 8. fls. 8 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL Assim, estando o princípio da dignidade humana no mais elevado patamar em relação aos demais princípios, e sendo o direito à saúde um dos núcleos do chamado mínimo existencial, é óbvio que os recursos públicos deverão priorizar o direito à saúde na concretização das políticas públicas, sob pena de infringir os preceitos constitucionais vigentes. Tornando-se inconstitucional qualquer outra ação em sentido diverso.Ora, aos três poderes do Estado é assegurada a garantia e a defesa da Constituição, nenhum poderá agir, seja de forma comissiva ou omissiva, contra as normas constitucionais. Assim, a divisão dos poderes não é desculpa para que o Judiciário não atue tentando regularizar uma situação conflitante com as normas constitucionais. Sendo entendimento pacífico nos tribunais superiores a possibilidade de intervenção nas políticas públicas quando não atendidas as normas constitucionais, senão vejamos: ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010) ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL
  • 9. fls. 9 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação civil pública, em vista de que o Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o prisma constitucional. 2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico. 3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais. 4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. 5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial. 6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas
  • 10. fls. 10 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido. (REsp 1041197/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 16/09/2009) De acordo com a Constituição Federal, nos arts. 6º e 196, o direito à saúde é um direito de todos e dever do Estado, decorrente necessariamente do intocável direito à vida (caput do art. 5º, da CF). Faz-se necessário, então, transcrever os dispositivos mencionados: Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.( Grifei) Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Os direitos sociais, segundo Inocêncio Mártires Coelho, “são concebidos como instrumentos destinados à efetiva redução e/ou supressão de desigualdades, segundo a regra de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua igualdade.”10 Assim, os direitos sociais ou de segunda dimensão, ao contrário dos direitos civis e políticos, passaram a ter atenção no Estado Social justamente porque visavam reduzir ou atenuar as desigualdades geradas na fase liberal do próprio Direito Constitucional. Infelizmente, aliado a adoção dos direitos sociais veio o entendimento de que essas normas constitucionais tinham uma natureza meramente programática, diretiva. E durante muito tempo se teve a deturpada visão de que as normas constitucionais programáticas não possuíam eficácia jurídica, necessitando da boa vontade do Administrador Público ou do legislador para sua efetivação. Essas normas programáticas envolvendo justamente os direitos sociais e econômicos, por possuírem um caráter aberto e diretivo, ficavam a cargo da discricionariedade do poder público em implementá-las através das chamadas políticas públicas. Entretanto, essa visão tradicional está totalmente superada, como bem observa Dirley da Cunha Júnior, senão vejamos: “Com efeito, o caráter aberto e diretivo dessas norma sempre suscitou nos autores deveras dúvidas acerca de sua juridicidade. Entretanto, partindo do postulado, já afirmado neste Curso, de que a Constituição define o plano normativo global 10 COELHO, Inocêncio Mártires e Gilmar Ferreira Mendes (org.).Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. pg. 759.
  • 11. fls. 11 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL para o Estado e a Sociedade, vinculando tanto o Estado como os cidadãos, dúvidas não podem mais subsistir quanto a natureza jurídica das normas programáticas. Se a Constituição é, toda ela, norma jurídica, todos os direitos nela contemplados têm aplicabilidade direta, vinculando tanto o Judiciário, quanto o Executivo e o Legislativo. Assim, as normas programáticas, sobretudo as atributivas de direitos sociais e econômicos, devem ser entendidas como diretamente aplicáveis e imediatamente vinculantes de todos os órgãos do Poder”11 (grifei) Reforçando a idéia de que as normas programáticas possuem juridicidade e aplicabilidade imediata, encontra-se o parágrafo primeiro do artigo 5º, preceituando que: § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Desta forma, como os direitos sociais e econômicos são aqueles diretos assumidos pelos Estados Sociais Democráticos, visando acabar ou reduzir as desigualdades existentes entre os cidadãos de um determinado território, e que mesmo o caráter programático destas normas não lhe retiram a efetividade e aplicabilidade imediata, percebe-se facilmente que são necessárias condutas do poder público no sentido de garantir prestações materiais tendentes a viabilizar o exercício destes direitos fundamentais, como saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, etc. Nesse sentido, são as lições de Paulo Gustavo Gonet Branco: “Os chamados direitos a prestações materiais recebem o rótulo de direitos a prestação em sentido estrito. Resultam da concepção social do Estado. São tidos como os direitos sociais por excelência. Estão concebidos com o propósito atenuar as desigualdades de fato da sociedade, visando ensejar que a libertação das necessidades aproveite ao gozo da liberdade efetiva por um maior número de indivíduos. O seu objeto consiste numa utilidade concreta(bem ou serviço)”12 No presente caso, verifica-se, portanto, que existe expressa determinação do Ministério da Saúde para a criação quantitativa dos leitos hospitalares a serem oferecidos pelo SUS à população usuária do sistema, além da previsão também está determinado o percentual que deve ser destinado aos pacientes em tratamento intensivo. Assim, na situação analisada não há nem como afirmar que inexiste norma regulamentadora sobre o assunto, o que impediria a ação governamental nesse sentido ou que reclamasse uma regulamentação legislativa. In casu, existe a 11 CUNHA JR. Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. Pg. 177 12 COELHO, Inocêncio Mártires, Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes (org.).Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. pg. 293.
  • 12. fls. 12 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL legislação, porém o que se verifica é a ineficiência da prestação material por parte da Administração Pública Estadual e Municipal, tendente a garantir a concretização das normas jurídicas vinculadas ao direito fundamental à saúde, que se trata, conforme, já frisado de um “mínimo existencial”. Assim, verifica-se a total ou ineficiente prestação material por parte do poder público em garantir uma sobrevivência digna a sua população, sendo tal ineficiência totalmente inconstitucional. Sobre especificamente o assunto vale colacionar as brilhantes lições de Dirley da Cunha Júnior, nos seguintes termos: “A efetivação do direito social à saúde depende obviamente da existência de hospitais públicos ou postos públicos de saúde, da disponibilidade de vagas e leitos nos hospitais e postos já existentes, do fornecimento gratuito de remédios e existência de profissionais suficientes ao desenvolvimento e manutenção das ações e serviços públicos de saúde. Na ausência ou insuficiência dessas prestações materiais, cabe indiscutivelmente a efetivação judicial desse direito originário à prestação. Assim, assiste ao titular do direito exigir judicialmente do Estado uma dessas providências fáticas necessárias ao desfrute da prestação que lhe constitui o objeto. Ademais, deve e pode o Ministério Público, através da ação civil pública, provocar a atuação do Judiciário no controle da omissão total ou parcialmente inconstitucional do poder público na implementação das ações e serviços de saúde, caso verifique, por exemplo que o Município não está concretizando o seu dever constitucional de assegurar o direito em questão, em face da inexistência ou deficiente prestação dos serviços públicos de saúde para a comunidade local, forçando que os munícipes se desloquem para outros Municípios ou outros Estados à procura de atendimento médico-hospitalar”13. Assim, a luz da legislação vigente, é dever do Estado prestar assistência necessária àqueles que necessitam de medicamentos e demais procedimentos imprescindíveis ao tratamento de sua saúde, e que não dispõem de condições financeiras de arcar com os custos. Não sendo as normas programáticas dos direitos sociais meras diretivas aos administradores públicos, conforme assente na jurisprudência do STF, senão vejamos: "... A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos 13 CUNHA JR., Dirley da. “A efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível” in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 2ª Edição, 2007, Salvador: Editora Juspodvim, Pg. 433
  • 13. fls. 13 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental..." (RE-AgR393175/RS, Relator Min. Celso de Mello, julgamento 12/12/2006) Acrescente-se ao voto o destaque feito pelo mesmo Ministro Relator Celso de Mello, por ocasião do julgamento de Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271286/RS, em que afastou a possibilidade de sobreposição do princípio da legalidade orçamentária ao direito à vida e à saúde, constitucionalmente garantido à todos: "Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes."(grifei) Por último, vale novamente frisar, que no presente caso há uma prestação material deficitária por parte dos entes públicos demandados, que descumprem acintosamente os preceitos constitucionais e as legislações infraconstitucionais sobre os leitos hospitalares públicos, ocasionando sérios prejuízos a população usuária do sistema único de saúde, devendo o judiciário intervir para determinar o correto cumprimento da legislação, uma vez que não estão os administradores públicos livres para fazerem escolhas, as quais coloquem em risco o direito fundamental à saúde e a vida, vinculados diretamente ao princípio de uma vida digna e ao mínimo existencial que se deve garantir ao ser humano. Pelo acima exposto, com fundamento no art. 269, I, do CPC, julgo procedente a pretensão formulada na inicial, para confirmar a tutela antecipada anteriormente deferida, no sentido de determinar que: 1) Estado e Município instalem ou ampliem, dentro de suas respectivas competências, os leitos de UTI, conforme determinado pela Portaria Ministerial nº 1.101/2002, em um percentual de no mínimo 7% dos leitos totais, abrangendo os grupos etários adulto, pediátrico e neonatal, levando em consideração a população existente em cada
  • 14. fls. 14 PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL território. 2) procedam a adoção de todas as providências administrativas para credenciamento, junto ao Ministério da Saúde, em observância a Portaria GM/MS 3432/1998, dos leitos de UTI atualmente instalados em todos os hospitais públicos do Estado, além dos que vierem a ser instalados, a fim de viabilizar e garantir a transferência das verbas federais necessárias a sua manutenção. 3) O Município providencie a instalação de uma Central de Regulação de Leitos Hospitalares e leitos para pacientes críticos, com funcionamento em tempo integral, que deverá ficar responsável pelo controle da ocupação dos leitos de UTI disponíveis nos diversos hospitais públicos ou privados conveniados ao SUS. Para o cumprimento da determinação contida no item 1, concedo aos demandados o prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da intimação da presente decisão, salvo ulterior deliberação em sentido contrário. Já quanto as determinações contidas nos itens 2 e 3 concedo o prazo de 60 (sessenta) dias. Em caso de descumprimento desta decisão, fica desde já cominada multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada dia de descumprimento a ser revertida em favor do Fundo Municipal ou Estadual de Saúde, cujo valor será destinado aos hospitais públicos do Estado para a efetivação da presente decisão. Custas na forma da lei. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório. Natal/RN, 14 de agosto de 2011. Valéria Maria Lacerda Rocha Juíza de Direito