1) O Ministério Público recomenda à prefeita de Natal que inclua cláusulas no edital e contrato da licitação do transporte coletivo garantindo os direitos dos idosos e pessoas com deficiência.
2) Essas cláusulas devem garantir gratuidade, prioridade no embarque, assentos reservados, veículos acessíveis e capacitação dos motoristas.
3) O descumprimento dessas cláusulas sujeitará o concessionário a penalidades administrativas, civis e criminais.
R e c o m e n d a ç ã o nº 16 licitação transportes natal
1. R E C O M E N D A Ç Ã O Nº 16/2011
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por intermédio da 9ª
Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, com atribuições na defesa dos direitos dos idosos e das
pessoas com deficiência,
no uso de suas competências legais, conferidas pelo art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal de
1988, pelo art. 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/93, e pelo art. 69, parágrafo único, “d”, da Lei
Complementar Estadual nº 141/96, e ainda
Considerando que a Constituição Federal de 1988 estabelece como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) e como um dos seus objetivos
fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
formas de discriminação” (art. 3º, inciso IV), além de expressamente declarar que “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput);
Considerando incumbir ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;
Considerando que o art. 230, § 2º, da Constituição Federal estatui que “Aos maiores de sessenta e cinco
anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos”;
Considerando que, segundo o disposto no art. 39, § 1º, do Estatuto do Idoso, “Para ter acesso à
gratuidade, basta que o idoso apresente qualquer documento pessoal que faça prova de sua idade”;
Considerando que o transporte coletivo constitui serviço público, e, como tal, está sujeito a princípios
básicos, dentre os quais o da generalidade e o da cortesia, os quais demandam, respectivamente, que o
serviço seja igual para todos e que os usuários sejam tratados de forma cortês;
Considerando que viola o princípio da dignidade da pessoa humana a restrição do acesso dos idosos que
não portam cartão eletrônico pela porta traseira dos veículos, tendo em vista as situações humilhantes e
degradantes daí decorrentes;
Considerando que constitui obrigação das empresas concessionárias reservar assentos para os idosos, para
as gestantes, para as lactantes, para as pessoas com deficiência e para as pessoas acompanhadas por
crianças de colo, conforme disposto no art. 39, § 2º, do Estatuto do Idoso e no art. 3º da Lei nº 10.048, de
08 de novembro de 2000;
Considerando que a realização de cursos de capacitação sobre os direitos dos idosos e das pessoas com
deficiência para os operadores do sistema de transporte coletivo é essencial para a prestação de um
serviço público adequado, de forma a atender ao disposto no art. 6º da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995;
2. Considerando que a Constituição Federal, em seu art. 227, §1°, inciso II, prevê que é dever do Estado
promover ações especializadas para o atendimento das pessoas portadoras de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos;
Considerando que, conforme os ditames do art. 16 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, os
veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos nas normas
técnicas específicas;
Considerando que “É obrigatória a colocação, de forma visível, do ‘Símbolo Internacional de Acesso’,
em todos os locais que possibilitem acesso, circulação e utilização por pessoas portadoras de deficiência,
e em todos os serviços que forem postos à sua disposição ou que possibilitem o seu uso”, na forma da Lei
nº 7.405, de 11 de novembro de 1995;
Considerando que é assegurado à pessoa com deficiência visual usuária de cão-guia o direito de ingressar
e permanecer com o animal nos veículos e nos estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo,
conforme prescreve a Lei nº 11.126, de 27 de junho de 2005, regulamentada pelo Decreto Federal n
5.904, de 21 de setembro de 2006;
Considerando que as empresas privadas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos devem
garantir às pessoas surdas tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras e da sua tradução
e interpretação, realizados por servidores e empregados capacitados para essa função, consoante a dicção
do art. 26, caput e §2º, do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005;
Considerando que a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 227 e 244, determinou a elaboração de
lei que tratasse de normas de fabricação de veículos de transporte coletivo, novos e já existentes, a fim de
garantir o acesso adequado às pessoas com deficiência, o que foi concretizado pelas Leis nºs. 10.048/00 e
10.098/00, ambas regulamentadas pelo Decreto nº 5.296/04;
Considerando que a Lei Federal nº 10.048/2000, além de estabelecer a fabricação de veículos de
transporte coletivo acessíveis após 12 meses da publicação da lei (art. 5º), conferiu o prazo de até 180
dias para que os proprietários de veículos de transporte coletivo em utilização procedessem às adaptações
necessárias ao acesso facilitado às pessoas com deficiência (art. 5º, §2º), prevendo, inclusive, a aplicação
de multas por veículo sem as condições de acessibilidade (art. 6º, II);
Considerando que o Decreto nº 5.296/04, em seu artigo 38, prescreve: a) o prazo de até 24 meses após a
edição das normas técnicas para que os veículos sejam produzidos de forma acessível; b) o prazo de até
12 meses para que as instituições e entidades componentes do Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO e ABNT) elaborem e disponibilizem as normas técnicas
de fabricação e adaptação de veículos; e c) o prazo de até 120 meses para que a frota seja substituída, de
forma gradativa, conforme o prazo de duração do contrato;
Considerando o disposto no citado Decreto, em seu artigo 39, que estabelece o prazo de até 24 meses,
após a implementação das normas técnicas de adaptação dos veículos em uso, para as operadoras torná-
los acessíveis;
Considerando o teor da sentença trânsita em julgada proferida no imo da Ação Civil Pública nº
001.99.016028-0, a qual estabelece que todas as leis assecuratórias da qualidade do serviço a ser prestado,
inclusive quanto aos idosos e deficientes, devem ser observadas quando da realização do procedimento
licitatório destinado à concessão do serviço público de transporte coletivo de Natal.
RESOLVE:
3. RECOMENDAR a Excelentíssima Senhora Micarla Araújo de Sousa Weber, PREFEITA DO
MUNICÍPIO DO NATAL, que sejam inseridas no edital e no instrumento contratual que regulará
a licitação da concessão do serviço público de transporte coletivo urbano no Município do Natal
cláusulas com o seguinte teor:
“Titulo I - Das Obrigações do Concessionário quantos aos Direitos dos Idosos e das Pessoas com
Deficiência
Constituem obrigações do concessionário:
a) assegurar aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos a gratuidade do serviço prestado, bastando, para o
exercício de tal direito, que o beneficiário apresente qualquer documento pessoal que faça prova de sua
idade (art. 39 do Estatuto do Idoso);
b) garantir ao idoso a prioridade no embarque, sempre pela porta dianteira, passando pelo contador do
fluxo de passageiros (art. 42 do Estatuto do Idoso c/c art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988);
c) reservar 10% (dez por cento) dos assentos para as pessoas idosas, os quais deverão ser identificados
com a placa de reservado preferencialmente para idosos (art. 39, § 2º, do Estatuto do Idoso);
d) reservar assentos, devidamente identificados, às gestantes, às lactantes, às pessoas com deficiência e às
pessoas acompanhadas por crianças de colo, conforme disposto no art. 3º da Lei nº 10.048, de 08 de
novembro de 2000;
e) promover, pelo menos a cada seis meses, cursos de capacitação para os seus operadores, com especial
ênfase aos direitos dos idosos e das pessoas com deficiência (art. 6º da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995);
f) substituir a frota operante atual por veículos acessíveis, de forma gradativa, observados os seguintes
prazos e percentuais: i) até 31/12/2011 - 50% da frota; ii) até 31/12/2012 - 70% da frota; iii) até
31/12/2013 - 85% da frota; até 03/12/2014 - 100% da frota (arts. 38 e 39 do Decreto Federal nº 5.296, de
02 de dezembro de 2004), de modo a atender ao disposto nas NBRs da Associação Brasileira de Normas
Técnicas e demais documentos legais e técnicos pertinentes e em vigor ;
g) garantir que toda a frota seja composta por veículos novos acessíveis ou já postos em circulação
adaptados, de acordo com as Normas Técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, Portarias
do INMETRO, Regulamentos Técnicos de Qualidade e Portarias do DENATRAN pertinentes e em vigor;
h) afixar, em local obrigatório e visível ao público, uma vez certificada a acessibilidade do veículo, o
“Símbolo Internacional de Acesso”;
i) garantir à pessoa com deficiência visual usuária de cão-guia o direito de ingressar e permanecer com o
animal em todos os veículos integrantes da frota, devendo lhe ser destinado, além da área reservada, que
deverá conter adesivo na parede lateral, com símbolos específicos, indicando a reserva da área para
pessoa em cadeira de rodas ou acomodação de pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia,
assento mais amplo, com maior espaço livre à sua volta ou próximo de uma passagem, de acordo com o
meio de transporte, tudo na forma da Lei nº 11.126, de 27 de junho de 2005, regulamentado pelo Decreto
Federal n 5.904, de 21 de setembro de 2006, e constante na ABNT NBR 14022:2011;
j) garantir às pessoas surdas tratamento diferenciado, por meio do uso da Língua Brasileira de Sinais
(Libras), devendo, para tanto, capacitar pelo menos um operador por veículo (art. 26, caput e §2º, do
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005);
4. l) observar e fazer cumprir as demais normas vigentes e futuras que regulem os direitos garantidos aos
idosos e às pessoas com deficiência.
Título II - Da apuração das infrações
a) em caso de descumprimento de quaisquer das cláusulas discriminadas no Título I, será instaurado
procedimento administrativo para apuração da adequação do serviço, conforme disposto na “cláusula __”,
ao final do qual poderá o concessionário ficar sujeito às penalidades previstas na “cláusula ___”;
b) em caso de descumprimento da cláusula “i”, os autos do procedimento administrativo instaurado e
devidamente instruídos serão remetidos à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,
para julgamento e eventual aplicação das penalidades a que se refere o art. 6º do Decreto Federal nº
5.904, de 21 de setembro de 2006, sem prejuízo das sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis;
c) em caso de violação às cláusulas “c” ou “d”, os responsáveis ficam sujeitos à multa de R$ 500,00
(quinhentos reais) a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), por veículo, sendo elevada ao dobro na
hipótese de reincidência (art.6º, inciso II e parágrafo único, da Lei nº 10.048, de 08 de novembro de
2000), sem prejuízo das sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis;
d) em caso de transgressão ao quanto disposto na cláusula “f”, os responsáveis ficam sujeitos à multa de
R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), por veículo, sendo elevada ao
dobro na hipótese de reincidência (art.6º, inciso II e parágrafo único, da Lei nº 10.048, de 08 de novembro
de 2000), sem prejuízo das sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis.”
e) em caso de inadimplemento ou adimplemento defeituoso do contrato, será declarada, por decreto do
poder concedente, a caducidade da concessão, assegurado o contraditório e ampla defesa.
Vale pontuar, a propósito de esclarecimento, que a presente recomendação apenas reflete as prescrições
constitucionais e legais vigentes, bem assim que o seu acatamento não dá ensejo à revisão da equação
econômico-financeira do contrato, tendo em vista que essas prescrições já estavam em vigor quando da
última revisão tarifária, compondo, assim, os encargos esperados.
Requisite-se resposta, no prazo de 20 dias, sobre a pretensão de cumprimento do inteiro teor da presente
recomendação.
Publique-se no Diário Oficial do Estado.
Encaminhe-se cópia ao Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa das Pessoas Portadoras de
Deficiência, das Comunidades Indígenas, do Idoso e das Minorias Étnicas.
Natal, 10 de junho de 2011.
FLÁVIO HENRIQUE DE OLIVEIRA NÓBREGA
Promotor de Justiça Substituto
PUBLICADO DOE N 12.485 EM 21/06/2011